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O tema do momento: A exigência de dois votos absolutórios em sentido próprio para o cabimento dos embargos infringentes no STF

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Atualizado em 15 de setembro de 2025 08:54

Introdução

O art. 333, I, do RISTF - Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, estabelece que são cabíveis embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário ou da turma que julgar procedente a ação penal de competência originária. O parágrafo único do mesmo dispositivo restringe a admissibilidade do recurso, exigindo, nos julgamentos de plenário, a presença mínima de quatro votos divergentes, salvo na hipótese de sessão secreta. O RISTF, contudo, silencia quanto à exigência de quórum mínimo de votos divergentes para os julgamentos ocorridos nas turmas.

No âmbito da ação penal 863/SP, em abril de 2018, o plenário do STF fechou essa lacuna, fixando a exigência de dois votos vencidos absolutórios, em sentido próprio, para o cabimento dos embargos infringentes nas ações penais originárias julgadas pelos órgãos fracionários do Tribunal.

Esse entendimento foi confirmado e aplicado em julgados subsequentes, como na ação penal 965 (1ª turma, 2022), e reiterado na ação penal 694 (plenário, 2019). Mais recentemente, apresentou-se uma exceção pontual à regra no âmbito da ação penal 929/AL, mediante a aplicação de um distinguishing jurisprudencial.

Nesta edição da coluna Migalhas Criminais, diante da atualidade do tema, apresentaremos os principais aspectos da tese fixada na ação penal 863/SP, analisando seus fundamentos e verificando sua aplicação em casos posteriores.

O precedente paradigmático: AP 863/SP

Na ação penal 863/SP, a decisão foi unânime quanto ao mérito da condenação, mas houve votos vencidos em relação às preliminares (nulidade e prescrição). A defesa opôs embargos infringentes com base no art. 333, I, do regimento interno do STF, alegando a existência de divergência.

A tese vencedora, firmada pelo plenário, foi no sentido de que votos vencidos fundados em questões processuais ou extintivas da punibilidade não autorizam o cabimento de embargos infringentes. Apenas dois votos vencidos pela absolvição de mérito são hábeis a ensejar o referido recurso. A ementa do julgado apresenta a seguinte tese de julgamento:

"O cabimento de embargos infringentes em face de decisão penal condenatória, proferida pelas Turmas do Supremo Tribunal Federal, exige divergência consubstanciada em ao menos dois votos absolutórios próprios".

Critério técnico: Votos absolutórios em sentido próprio

A Corte, portanto, promoveu a distinção entre:

  • Votos absolutórios de mérito: Que rejeitam a pretensão acusatória com base em análise do tipo penal, autoria e materialidade;
  • Votos de natureza processual/extintiva: Que acolhem nulidades, inépcia da denúncia, prescrição, entre outros.

A tese adotada encontra paralelo na ação penal 409, relatada pelo ministro de sempre Celso de Mello. Ali, o STF já havia distinguido votos "absolutórios em sentido próprio" daqueles que se restringem a fundamentos processuais.

Aplicações posteriores do entendimento

a) Ação penal 694 EI-AgR (plenário, 2019)

Neste agravo regimental, a defesa buscava rediscutir decisão que havia inadmitido embargos infringentes após condenação por turma do STF e com apenas um voto vencido pela absolvição. A ministra Rosa Weber, relatora, reafirmou o entendimento consolidado na ação penal 863, exigindo dois votos vencidos absolutórios em sentido próprio.

Além disso, a ministra ressaltou que a aplicação da nova interpretação se dá de forma imediata e prospectiva, inclusive a recursos "interpostos ou por interpor", sem que isso represente retroatividade prejudicial ao réu.

b) Ação penal 965 ED-TP (1ª turma, 2022)

No caso da ação penal 965, o réu foi condenado com dois votos vencidos pela absolvição de mérito, o que levou a 1ª turma, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, a reconhecer o cabimento dos embargos infringentes.

Com base nesse reconhecimento, foi, inclusive, deferida tutela provisória incidental para suspender os efeitos da condenação penal e, assim, afastar a incidência da inelegibilidade eleitoral prevista no art. 1º, I, "e", da LC 64/90. A decisão dialogou com a jurisprudência do TSE, segundo a qual os embargos infringentes possuem efeito suspensivo ope legis.

Exceção pontual: Ação penal 929/AL

Na ação penal 929/AL, o plenário da Corte afastou, de forma excepcional, o requisito objetivo de admissibilidade dos embargos infringentes (dois votos absolutórios em sentido próprio), em razão das peculiaridades do caso concreto. O distinguishing, realizado pelo ministro relator Luiz Fux, restou assim justificado:

"(a) Os Embargos Infringentes são cabíveis contra acórdão condenatório não unânime, desde que proferidos dois votos absolutórios, em sentido próprio, no julgamento de mérito de ação penal pelas Turmas do Supremo Tribunal Federal. Precedente: AP 968-AgR, Plenário, Rel. Min. Edson Fachin. (b) Distinguishing, no caso concreto, para admitir os Embargos Infringentes contra acórdão condenatório não unânime, presente um voto absolutório em sentido próprio, porquanto incompleto o quorum da sessão de julgamento, no âmbito da Turma, e anteriormente à novel compreensão do Plenário, quanto à exigência de dois votos absolutórios, em sentido próprio".

Ainda que tenha admitido os embargos infringentes com apenas um voto absolutório, a decisão não revogou o precedente da ação penal 863. Pelo contrário, expressamente reafirmou aquele entendimento, detectando, todavia, distinguishing motivado por duas circunstâncias processuais pontuais e específicas: (i) a incompletude do quórum e (ii) a anterioridade do julgamento em relação à fixação da exigência de dois votos absolutórios. 

Considerações finais

A consolidação da jurisprudência sobre o cabimento dos embargos infringentes no STF produz importantes efeitos práticos:

  • Estabelece critérios objetivos de admissibilidade recursal, exigindo da defesa atenção à quantidade (dois) e à natureza (absolutórios próprios) dos votos vencidos;
  • Evita o uso ampliado e indevido dos embargos, resguardando a excepcionalidade dessa espécie recursal; e
  • Quando cabível, produz inclusive efeitos extrapenais, como a suspensão de inelegibilidades eleitorais (caso da AP 965).

Ao que tudo indica, o tema voltará a ser debatido no STF, ocasião em que poderemos verificar se a jurisprudência se consolidará ou será revisitada.