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A desinformação no mercado da estética: O agravamento da vulnerabilidade do consumidor

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atualizado em 17 de outubro de 2025 08:56

Em um mercado de beleza cada vez mais digital, o CDC atua como um escudo, assegurando especial proteção a quem busca serviços estéticos. Com previsão na CF/88, essa proteção se baseia no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, que, em uma relação de consumo, se encontra em posição de desigualdade em relação ao fornecedor. Essa salvaguarda é materializada pelo art. 6º do CDC, que assegura a proteção da vida, saúde e segurança (inc. I), além do direito à informação adequada e clara sobre os serviços e seus riscos (inc. III).

Essa assimetria se manifesta de várias formas, sendo a vulnerabilidade informacional uma das mais relevantes, especialmente em uma sociedade conectada. Se antes a vulnerabilidade informacional se limitava à dificuldade de acesso a dados sobre um produto ou serviço, hoje ela ganha contornos mais complexos com a proliferação da desinformação.

O STJ, ao julgar o REsp 1.358.231/SP, reconheceu a vulnerabilidade informacional do consumidor, enfatizando que a troca de informações de maneira globalizada e em tempo real confere amplo poder àqueles que detêm informações privilegiadas, e que nas relações de consumo a informação sobre o produto ou serviço é indispensável ao processo decisório de compra.

No setor de serviços de estética, o consumidor se torna particularmente vulnerável, imerso em um ambiente onde as promessas de transformação estão por toda parte, mas a ausência de informações claras pode comprometer diretamente sua saúde e segurança.

O déficit informacional desponta como um dos principais fatores de desequilíbrio. A falta de acesso às informações adequadas sobre o produto ou serviço, coloca o consumidor em uma posição de suscetibilidade, incapaz de constatar a veracidade dos dados1.

E essa preocupação não se limita ao Brasil. A ONU - Organização das Nações Unidas, em sua resolução 39/248 de 1985, destaca a importância do acesso à informação adequada como um dos princípios para a proteção do consumidor. A norma defende que as práticas de promoção e vendas devem ser conduzidas pelo princípio de tratamento justo, de modo que o consumidor receba informações precisas para fazer escolhas independentes2.

No Brasil, o direito fundamental à informação é assegurado expressamente pela CF/88, no art. 5º, inciso XIV. De forma mais delineada, o CDC, em seu art. 6º, inciso III, o consolida como um dos direitos básicos do consumidor, assegurando a "informação adequada e clara sobre os diferente produtos e serviços" incluindo suas características e riscos. Além disso, o inciso IV do mesmo dispositivo atua como uma salvaguarda, protegendo o consumidor contra a "publicidade enganosa e abusiva".

Dessas disposições decorre um dever de informar que atinge todos os participantes da cadeia de produção, sendo seu cumprimento essencial para a construção de confiança e a garantia da boa-fé na relação de consumo 3-4. No entanto, a crescente propagação da desinformação pode minar essa confiança e agravar a vulnerabilidade do consumidor.

Nas últimas décadas, a estética assumiu importante papel no processo de seleção que rege as relações humanas. A ausência de beleza pode significar a exclusão social, relegando o indivíduo a uma posição marginalizada, visto que o atual império da beleza não comporta o que é considerado "fora do padrão"5. Segundo a ISAPS - Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, os procedimentos estéticos aumentaram mais de 40% nos últimos quatro anos6. No Brasil, a procura por procedimentos estéticos cresceu 390% em 20237.

Nesse cenário, a desinformação se avoluma. De acordo com a Anvisa, em 2023 os serviços de estética e embelezamento apareceram como os mais denunciados, representando 60% das queixas8, colocando a saúde do consumidor em risco, já que os procedimentos oferecidos podem não ter base científica e não seguirem as normas mínimas de segurança. Como exemplo, pode-se citar anúncios de procedimentos ou uso de substâncias que destacam apenas os benefícios, sem apontar os riscos inerentes, influenciando diretamente a decisão do consumidor e aumentando a possibilidade de ocorrência de danos.

Por isso, é necessário promover e respeitar a autonomia do consumidor. O profissional da área de estética tem o dever de prestar todos os dados essenciais do procedimento ou tratamento proposto. As informações não podem ser viciadas, rasas ou incompletas, mas sim qualificadas e completas para que o consumidor exerça sua escolha de forma plena e consciente, consentindo ou recusando o serviço, sem comprometer a sua autonomia e a livre manifestação de sua vontade9.

O que era para ser um investimento na beleza e bem-estar pode levar à frustração e baixa autoestima, assim como problemas de saúde, inclusive mental, já que a aparência física tem se traduzido em uma afirmação dentro da sociedade10.

É preciso promover a conscientização dos consumidores acerca dos riscos da desinformação no mercado de estética. Além disso, a fiscalização dos serviços e dos profissionais, a promoção de campanhas educativas e a adoção de práticas transparentes pelos fornecedores são fundamentais para a plena proteção do consumidor.

Em um mercado em constante expansão como o da estética, o esforço conjunto de todos os envolvidos - Estado, fornecedores e os próprios consumidores - é a chave para assegurar que a vulnerabilidade não se torne uma hipervulnerabilidade, e que os direitos à saúde e à segurança do consumidor sejam respeitados.

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1 MIRAGEM, Bruno. Princípio da Vulnerabilidade: Perspectiva Atual e Funções no Direito do Consumidor Contemporâneo. In. MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; MAGALHÃES, Lucia Ancona Lopez de Orgs.. Direito do Consumidor 30 anos de CDC: Da Consolidação como Direito Fundamental aos Atuais Desafios Da sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2020, cap. 8, E-book.

2 ONU. Resolução n.º 39/248, de 09 de abril de 1985. Diretrizes para a proteção ao consumidor. Disponível aqui.

3 BARBOSA, Fernanda Nunes. O dano informativo do consumidor na era digital: uma abordagem a partir do reconhecimento do direito do consumidor como direito humano. In. BORGES, Gustavo; MAIA, Maurilio Casas Orgs.. Novos Danos na pós-modernidade. 1. ed. Belo Horizonte, São Paulo: D'Plácido, 2020, cap. 1, pp. 25-53.

4 VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaína do Nascimento; FREIRE, Gabriela Ohana Rocha. Consumo digital, notícias falsas e o controle da desinformação do consumidor à luz da modulação algorítmica. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 143, 2022, pp. 285-314. Disponível aqui.

5 BORGES, Gustavo. Erro Médico nas Cirurgias Plásticas. São Paulo: Atlas, 2014.

6 ISAPS. Procedimentos estéticos próximos a 35 milhões em 2023. 12 jun. 2024. Disponível aqui.

7 IG. Cresce o número de procedimentos estéticos no Brasil. 21 nov. 2023. Disponível aqui.

8 ANVISA. Nota técnica orienta sobre fiscalização sanitária em serviços de estética e embelezamento. 03 jul. 2023. Disponível aqui.

9 AKAOUI, Fernando Vidal Reverendo; TASSO, Bruno Fernando Barbosa Teixeira. Autonomia dos pacientes na escolha dos procedimentos estéticos. UNISANTA Law and Social Science, [S. l.], v. 12, n. 2, 2023, pp. 238-250, p. 239. ISSN 2317-1308. Disponível aqui.

10 TRÓPIA, Carolina Guimarães; MOREIRA, Sabrine Pereira da Silva. A Influência dos Procedimentos Estéticos na Saúde Mental. Estética em Movimento, [S. l.], v. 2, n. 2, 2023, pp. 65-89, p. 66. Disponível aqui.