A planilha de influenciadores e a responsabilidade civil e contratual no mercado digital
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
Atualizado em 5 de fevereiro de 2025 10:43
1. Introdução
O mercado de influência digital não é mais uma novidade ou uma promessa de futuro. Consolidado como um setor estratégico da economia, movimenta cifras milionárias e redefine a forma como marcas e consumidores interagem. Essa nova dinâmica comercial, naturalmente, não ocorre à margem do Direito. Relações de consumo, contratos de publicidade e questões de reputação digital passaram a integrar o cotidiano jurídico desse segmento, ainda pouco regulamentado, mas já repleto de conflitos.
O recente vazamento de uma planilha com avaliações sobre influenciadores expôs parte desse universo. Supostamente criado por agências e profissionais autônomos, o documento classifica creators com base em critérios como entrega contratual, profissionalismo e até mesmo postura pessoal. A repercussão foi imediata. De um lado, a defesa da transparência e da necessidade de critérios objetivos para parcerias comerciais. De outro, o questionamento sobre os limites dessa exposição, possíveis danos à reputação e eventuais violações contratuais.
A discussão ultrapassa o episódio específico. Empresas dependem desses profissionais para alcançar públicos segmentados, enquanto influenciadores constroem sua credibilidade com base na confiança dos seguidores e na previsibilidade das colaborações comerciais.
Quando um dos lados falha - seja na entrega, seja na comunicação -, as consequências podem ir além da mera perda de contratos. Responsabilidade civil, rescisões litigiosas e até pedidos de reparação por danos são apenas alguns dos desdobramentos jurídicos possíveis.
O episódio da planilha não revela nada novo, mas escancara o que muitas vezes se mantém nos bastidores. Contratos entre influenciadores e marcas precisam ser mais do que meros combinados informais, sob pena de transformar parcerias promissoras em disputas judiciais.
2. O mercado dos influenciadores, a planilha e as relações comerciais
O marketing de influência se profissionalizou rápido, mas nem sempre na mesma velocidade em que suas relações contratuais amadureceram. Se no início bastava um envio de produtos em troca de divulgação espontânea, hoje as marcas exigem entregas detalhadas, relatórios de desempenho e cumprimento rigoroso de diretrizes.
Do outro lado, os influenciadores, cientes de sua relevância no mercado, passaram a negociar valores mais altos, maior controle criativo e proteção de sua imagem. O problema é que, entre expectativa e realidade, nem sempre há alinhamento suficiente para evitar desgastes e litígios.
Contratos com criadores de conteúdo podem assumir diferentes formatos, desde simples acordos para postagens pontuais até parcerias longas, com cláusulas de exclusividade e metas de engajamento.
Dos "nanoinfluenciadores" a personalidades já consolidades no cenário virtual, o ponto comum é a crescente formalização dessas relações contratuais. As marcas já não querem depender da boa vontade dos creators para cumprir prazos, de outro lado, influenciadores buscam evitar acordos vagos que possam comprometer sua reputação ou liberdade editorial.
A profissionalização do setor já é um caminho sem volta, sobretudo em razão da movimentação de cifras expressivas e gerenciamento de contratos de publicidade comparáveis aos da mídia tradicional.
Empresas sofisticaram suas exigências, influenciadores ampliaram sua consciência contratual e as disputas tornaram-se mais frequentes. E, como ocorre em qualquer setor consolidado, os contratos passaram a definir quem sobrevive ao jogo e quem perde credibilidade no meio do caminho.
Na prática, a atividade que influenciadores desenvolvem possue natureza verdadeiramente empresarial. Nos contratos, em particular, operam a prestação do serviço, enquanto empresários que são, submetidos a todas as regras comerciais previstas no ordenamento jurídico.
O Direito Empresarial, é preciso que se diga, é um ramo do Direito que, por determinação legal, presume o caráter profissional dos agentes envolvidos nas operações contratuais. Não há muita margem para muita maleabilidade, escusas, nem revisão judicial em regras e cláusulas previamente previstas, justamente pela premissa de que as partes assumiram as obrigações e riscos inerentes à negociação realizada.
O risco, portanto, está nos detalhes: contratos mal redigidos, exigências excessivas ou ambiguidades que geram interpretações conflitantes. Descumprimentos podem gerar penalidades, pedidos de indenização e, em alguns casos, ações judiciais que ultrapassam o campo do mero desentendimento comercial.
A planilha viralizou neste cenário. Um documento supostamente interno, criado por agências e profissionais autônomos, em que influenciadores eram avaliados não apenas por seu desempenho técnico, mas também por critérios subjetivos - cumprimento de prazos, profissionalismo, facilidade de negociação e até traços de personalidade.
A repercussão veio rápida, com reações polarizadas. Enquanto alguns viram a iniciativa como um instrumento legítimo para qualificar o mercado, outros apontaram o risco de exposição indevida e danos à reputação dos listados.
A existência desse tipo de documento não é surpreendente. Empresas sempre tiveram suas formas internas de catalogar fornecedores e parceiros comerciais, separando os mais confiáveis dos problemáticos. O que torna o caso particular é a perda do caráter sigiloso dessa avaliação e os possíveis impactos jurídicos decorrentes.
Se uma marca classifica um influenciador como "difícil de trabalhar", essa observação pode ser apenas um registro interno. Mas se essa informação se torna pública e compromete futuras contratações, abre-se uma discussão sobre eventuais danos morais e prejuízos financeiros.
Embora não seja o objetivo central desse artigo, é preciso que se diga que o Direito não ignora a importância da reputação em relações comerciais. Em qualquer setor, listas de "bons e maus profissionais" podem gerar ações por difamação, concorrência desleal ou até mesmo responsabilização civil por prejuízos causados. A depender do conteúdo da planilha e da forma como foi divulgada, influenciadores que se sentirem lesados podem questionar judicialmente eventuais danos à sua imagem e buscar reparação.
Não se pode esquecer que, ao mesmo tempo, empresas têm o direito de selecionar e avaliar seus parceiros, e a transparência nesses processos pode ser vista como um mecanismo natural de qualificação do mercado.
A questão, portanto, não é se marcas podem ou não criar esse tipo de classificação, mas devem estar cientes de quais limites jurídicos devem ser observados para evitar que a análise extrapole o campo privado e se transforme em um risco legal.
A planilha que viralizou coloca todos esses elementos em perspectiva. Se, de um lado, é legítimo que marcas avaliem influenciadores e selecionem aqueles que melhor se encaixam em suas estratégias, de outro, quando essa avaliação se torna pública e compromete futuras oportunidades profissionais, pode-se questionar a configuração de dano à reputação.
Trata-se da necessidade de equilibrar liberdade empresarial, transparência no mercado e a proteção da imagem como um bem juridicamente tutelado. Influenciadores que ignoram suas obrigações contratuais podem enfrentar penalidades significativas, assim como empresas que não observam os limites legais na forma como avaliam e expõem seus parceiros.
Voltando à análise proposta, aqui importa registrar como contratos bem estruturados e políticas claras de comunicação podem evitar desgastes como esse. Se influenciadores e marcas definirem desde o início os parâmetros da parceria e as expectativas de cada lado, há menos espaço para conflitos e menos riscos de que avaliações informais acabem se tornando um problema jurídico.
3. Responsabilidade civil e contratual de influenciadores
Se há algo que a planilha expôs de forma incontornável, é o quanto a reputação se tornou um ativo de alto valor no mercado de influência digital. A confiança que um influenciador constrói junto ao público não apenas define seu alcance e engajamento, mas também sustenta suas relações comerciais.
Quando essa confiança é abalada - seja por falhas contratuais, seja por exposições públicas inesperadas -, as consequências ultrapassam o mero prejuízo à imagem: podem gerar responsabilidade civil, com repercussões jurídicas relevantes.
O influenciador, quando fecha um contrato com uma marca, assume um compromisso que envolve prazos, padrões de entrega e, acima de tudo, respeito às diretrizes de comunicação da empresa. Se descumpre esses termos, pode ser responsabilizado tanto por danos contratuais - como a devolução de valores pagos ou aplicação de multas - quanto por eventuais danos extrapatrimoniais, caso sua conduta cause prejuízos à imagem da marca.
Há também o outro lado da equação. Se, por um lado, influenciadores podem ser responsabilizados por descumprimentos contratuais e práticas abusivas, por outro, são frequentemente vítimas de relações comerciais predatórias. Contratos que impõem cláusulas abusivas, exigências desproporcionais ou penalidades excessivas são mais comuns do que parece, sobretudo em parcerias firmadas sem assessoria jurídica adequada.
A simetria contratual, nesses casos, costuma ser frágil, já que grandes marcas impõem seus termos a criadores individuais que, muitas vezes, não dispõem de estrutura para questionar exigências desarrazoadas.
A responsabilidade civil, no entanto, não se esgota na relação entre influenciador e empresa. Em muitos casos, a publicidade digital cruza a fronteira do direito do consumidor, especialmente quando o creator promove produtos ou serviços que não cumprem o que prometem.
Campanhas que induzem o público ao erro, ocultam informações relevantes ou exploram a credibilidade do influenciador para vender soluções duvidosas podem gerar não apenas penalizações administrativas, mas também ações de indenização movidas por consumidores lesados. O influenciador, ao endossar uma marca, não apenas divulga, assume, mesmo que implicitamente, um compromisso de veracidade perante seu público.
No aspecto contratual, o Direito brasileiro prevê que o inadimplemento pode ser absoluto, quando há descumprimento total das obrigações, ou relativo, quando há uma execução defeituosa ou tardia, mas que ainda pode ser corrigida. No contexto da influência digital, isso se traduz em diferentes níveis de responsabilização: desde penalidades financeiras previstas em contrato, até pedidos de indenização por danos emergentes e lucros cessantes, caso se demonstre que a falha comprometeu resultados comerciais da marca.
Cláusulas penais são frequentemente utilizadas para garantir o cumprimento das obrigações. Em contratos de publicidade digital, é comum que a multa por descumprimento contratual varie de 10% a 50% do valor do contrato, dependendo da gravidade da infração.
Já em parcerias mais estratégicas, especialmente aquelas que envolvem exclusividade, descumprimentos podem acarretar penalidades ainda mais severas, como a obrigação de ressarcir investimentos realizados pela marca ou de remover conteúdos prejudiciais.
O Código Civil, dos art. 408 a 416, permite a estipulação de cláusulas penais tanto compensatórias quanto moratórias, e sua aplicação nesse setor já começa a ser discutida de forma mais aprofundada no Judiciário.
A cláusula penal moratória é aplicada quando há atraso na execução da obrigação, funcionando como uma sanção pelo inadimplemento relativo. Nos contratos com influenciadores, isso pode ocorrer quando o profissional não publica o conteúdo no prazo estipulado, comprometendo estratégias de marketing planejadas com antecedência.
Para mitigar esse risco, muitas marcas inserem penalidades financeiras progressivas, atreladas ao tempo de atraso na publicação. O Judiciário tem reconhecido a validade dessas disposições, desde que a penalidade seja proporcional e previamente estipulada.
Já a cláusula penal compensatória, regulada pelo art. 410 do Código Civil, destina-se a indenizar a parte lesada pelo descumprimento total ou parcial da obrigação. Sua aplicação é comum quando o influenciador, por exemplo, aceita um pagamento antecipado para promover determinado produto e, sem justificativa válida, não executa a campanha.
Nesses casos, além da devolução dos valores recebidos, costuma ser exigida uma multa previamente fixada no contrato, com fito de evitar a necessidade de discussão judicial sobre a extensão dos danos sofridos pela marca.
É preciso que se pondere, também, que há uma tendência crescente de contratos dessa natureza que impõem obrigações desproporcionais aos influenciadores, muitas vezes sem a contrapartida adequada.
Cláusulas de exclusividade por períodos excessivos, exigências de retratação pública unilateral e obrigações de confidencialidade que se estendem por tempo indeterminado são algumas das disposições que podem ser questionadas judicialmente com base nos princípios da função social do contrato, art. 421 do CC, e do equilíbrio contratual, art. 421-A.
O STJ, em diversas decisões, tem reiterado a necessidade de observância do equilíbrio entre as partes, inclusive em contratos empresariais. Ainda que o influenciador seja um prestador de serviço, não se pode perder de vista que, muitas vezes, ele negocia com grandes corporações em posição nitidamente superior, o que pode levar à caracterização de onerosidade excessiva e, em casos extremos, à revisão contratual.
4. Conclusões
Influenciadores já não são apenas indivíduos que compartilham opiniões e experiências nas redes sociais; são agentes econômicos que negociam contratos, lidam com exigências comerciais e, como qualquer empresário, estão sujeitos a deveres contratuais e à responsabilidade por seus atos.
Se, por um lado, os influenciadores precisam compreender suas obrigações contratuais e as consequências do descumprimento, por outro, as marcas devem garantir que suas exigências estejam alinhadas aos princípios de boa-fé e proporcionalidade. Sem contratos claros e juridicamente sustentáveis, as disputas e os litígios envolvendo influência digital seguirão se multiplicando.
O mercado já não tolera amadorismo, e quem não se adapta à nova realidade jurídica, seja marca ou influenciador, estará cada vez mais vulnerável a litígios que poderiam ser evitados com uma abordagem contratual mais estratégica.