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Mandato em causa própria

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado em 29 de abril de 2025 14:37

1. Noções conceituais

O mandato em causa própria, tradução da expressão latina mandato in rem suam, permite que o mandante outorgue ao mandatário poderes para que ele favoreça a si mesmo com a transmissão da coisa objeto do mandato, em definitivo, sem obrigação de prestação de contas, de forma que o negócio entre as partes reste pronto e acabado. O tratamento legislativo não é muito minucioso sobre o instituto, estando todo condensado em um único e solitário dispositivo no CC, in verbis:

Art. 685.  Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Apesar da tipologia, o mandato em causa própria é negócio jurídico que desfigura e descaracteriza o contrato de mandato, essencialmente vocacionado para a representação de (e no) interesse do mandante pois, nesse caso, a procuração é outorgada no interesse do próprio mandatário, que ganha protagonismo maior que o do outorgante.

O caráter representativo cede lugar ao negócio jurídico de transmissão, o mandatário atua por sua conta, mas em nome do mandante. Essa procuração não se extingue pela morte das partes, nem pode ser revogada, elementos que, quando presentes, caracterizam o mandato em sua forma pura.

É corrente na doutrina que o mandato em causa própria nega a essência da categoria jurídica do mandato, porque, a rigor, não se trata de mandato, mas de operação "por meio do qual a técnica da representação é utilizada para viabilizar negócio jurídico translatício"1.

Na lição de ORLANDO GOMES, a procuração em causa própria tem "apenas a forma, ou, quiçá, a aparência" de mandato, mas, trata-se, a rigor, de negócio de alienação.Na expressão de FARIAS e ROSENVALD, o mandato em causa própria está muito mais próximo de um negócio jurídico translativo de direitos, reais ou creditícios, do que, especificamente, de um contrato de representação de interesses próprios.3

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1 TEPEDINO, Gustavo. Oliva, Milena Donato. Notas sobre a representação voluntária e o contrato de mandato. Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil. Belo Horizonte, vol. 12, p. 17-36, abr./jun. 2017. Recuperado de https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/31

2 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. rev. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Coordenador: Edvaldo Brito. Atualizadores: Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo De Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 437.

3 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: contratos. 7ª ed. Revista e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 993.