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Retificação de registro civil para inclusão de gênero neutro

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Atualizado em 5 de agosto de 2025 09:11

1. Introdução 

É possível a inclusão de gênero neutro no registro civil, seja por decisão judicial ou ato de Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais? Este é o desafio proposto para este paper, que analisará o arcabouço histórico, jurisprudencial e constitucional brasileiro para chegar ao seu objetivo.

Preliminarmente, contudo, no intuito de dissipar quaisquer confusões terminológicas, cabe apontar as corretas definições acerca dos conceitos de sexo, orientação sexual e gênero. Quanto ao primeiro, pode-se caracterizar o sexo individual de um ser humano como "características biológicas e anatômicas que a pessoa apresenta, associadas ao feminino ou masculino"1.

Assim, para definir o sexo de um indivíduo após o nascimento, no caso do macho (sexo masculino), deverá o médico - por meio de constatação visual do fenótipo do recém-nascido - verificar se este apresenta um pênis e bolsa escrotal2. Caso ausente essas características, o sexo do recém-nascido será caracterizado como fêmea/mulher (sexo menino)3.

Há, ainda, o caso do intersexo: indivíduos que, portadores de ADS - Anomalias de Diferenciação Sexual, nascem com variação de caracteres sexuais que dificultam sua identificação biológica como totalmente feminina ou totalmente masculina4. Nesses três casos, após a constatação - feita pelo médico - do sexo (masculino, feminino ou intersexo) do recém-nascido, aquele ficará responsável por emitir a Declaração de Nascido Vivo, que dentre outras informações relevantes, indicará o sexo atribuído ao novel cidadão, conforme indicado ao art. 4º da lei 12.662/12.

Por sua vez, o conceito de orientação sexual pode ser caracterizado como a "capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas"5. Trata-se de conceito, a exemplo do sexo (com o reconhecimento dos intersexos), que também está em expansão: conquanto se entendia orientação sexual se limitava a "hétero", "homossexual" ou "bissexual", hoje se fala em dezenas de diferentes orientações sexuais.

Por fim, é importante definir o conceito de gênero que, nos termos do voto da relatora min. Nancy Andrighi nos autos do REsp 2.135.967/SP, configura "profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos".

Cabe lembrar que o gênero binário está associado aos dois gêneros positivados em lei pela sociedade: o masculino e o feminino. Portanto, nota-se que um indivíduo binário pode ser cisgênero ou transgênero. Nesse sentido, conquanto "cisgênero é o termo usado para se referir a uma pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao sexo que lhe foi atribuído ao nascer (sexo biológico), transgênero é aquela cuja identidade de gênero difere do sexo biológico"6.

Por fim, há as pessoas não binárias, que são "aquelas que não se identificam exclusivamente com o gênero masculino ou feminino, seja por se verem com características de ambos os gêneros (fluídos), seja por não se identificarem com nenhum dos gêneros (sem gênero)"7, cujo registro no RCPN é o objeto desta exposição.

Como se adianta, conquanto alterações legislativas, administrativas e jurisprudenciais tenham resultado na possibilidade jurídica de pessoas transgêneras requererem a alteração de prenome e gênero de acordo com sua autoidentificação, será visto que esses avanços levaram em consideração a lógica binária de gênero masculino/feminino, não mencionando os indivíduos não binários ou de gênero neutro, o que torna a hipótese analisada complexa do ponto de vista jurídico e socialmente relevante para os indivíduos afetados.

Leia a coluna na íntegra.

_______

1 Definições dadas pelo PL 134/18, que trata do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero que, nos termos do art. 1º da mens legis, "busca promover a inclusão de todos, combater e criminalizar a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos e das minorias sexuais e de gênero".

2 CUNHA, Leandro Reinaldo da. A necessidade da fixação da concepção jurídica dos pilares da sexualidade. Revista Direito e Sexualidade, Salvador, v. 5, n. 2, p. III-VIII, jul./dez.2024.

3 Para maiores reflexões, recomenda-se a consulta da obra: CUNHA, Leandro Reinaldo da. Manual dos direitos transgênero - a perspectiva jurídica da identidade de gênero de transexuais e travestis. São Paulo: Saraiva Jur, 2025.

4 CUNHA, Leandro Reinaldo da. A necessidade da fixação da concepção jurídica dos pilares da sexualidade. Revista Direito e Sexualidade, Salvador, v. 5, n. 2, p. III-VIII, jul./dez.2024.

5 Definições dadas pelo PL 134/18, que trata do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero.

6 Trecho do voto da relatora no REsp 2.135.967/SP.

7 Trecho do voto da relatora no REsp 2.135.967/SP.