Migalhas nos mistérios do Vaticano
Uma conversa em Roma sobre o legado jurídico e humano de Papa Francisco.
Da Redação
segunda-feira, 21 de abril de 2025
Atualizado às 09:52
No dia em que o mundo se despede de Papa Francisco, Migalhas relembra uma entrevista exclusiva realizada em Roma, em 2023, com um dos membros do alto escalão da Justiça da Santa Sé.
Em nossa passagem pelo Vaticano, buscamos entender os bastidores da Justiça canônica e a influência de Francisco em sua condução. Conversamos com Monsenhor Felipe Heredia Esteban, membro do Tribunal da Rota Romana - antiga e respeitada instituição da Igreja Católica.
A entrevista revelou não apenas aspectos técnicos da Justiça vaticana, mas também o impacto do pontífice argentino na forma de conduzir os temas mais sensíveis da Igreja. Com um olhar sensível e reformador, Papa Francisco deixa um legado marcado pela aproximação aos vulneráveis, pela defesa da mulher na estrutura eclesiástica e pela modernização do Direito Canônico.
O Direito Canônico em movimento
Na entrevista com monsenhor Heredia, abordamos a maneira como Francisco influenciou a evolução do Direito Canônico. Embora a doutrina da Igreja tenha raízes profundas, Heredia apontou como cada Papa pode moldar sua aplicação.
"O Direito Canônico está vivo e vai evoluindo", destacou, citando a reforma dos processos matrimoniais e também a atualização das normas penais promovida por Francisco em 2013. Essa última, inclusive, endureceu punições para crimes sexuais, em um gesto claro de compromisso com a justiça e a transparência.
Justiça mais próxima: a reforma da nulidade matrimonial
Em 2015, Papa Francisco promoveu uma das reformas mais significativas do Direito Canônico contemporâneo: a simplificação dos processos de nulidade matrimonial. A medida, contida no documento Mitis iudex, Dominus Iesus, teve impacto direto na vida de milhares de fiéis ao redor do mundo.
Historicamente, era necessário obter duas sentenças concordantes para declarar a nulidade de um matrimônio - prática que remontava ao século XVIII, sob o papado de Bento XIV. Com a reforma, Francisco tornou possível que uma única sentença fosse suficiente, nos casos mais claros. Introduziu ainda o chamado processus brevior, permitindo que bispos julgassem diretamente certos casos consensuais em poucos meses.
A intenção, segundo Heredia, era clara: facilitar o acesso à justiça eclesiástica e reduzir a burocracia, aproximando a Igreja de seus fiéis.
A voz das mulheres
Outro pilar de seu pontificado foi a valorização da presença feminina na Igreja. Francisco não apenas falou sobre a importância das mulheres, mas promoveu ações concretas para ampliar sua participação nos espaços decisórios da instituição milenar.
Segundo Monsenhor Heredia, essa postura também se refletiu na justiça eclesiástica:
"O papel da mulher na Igreja é absoluto, total e definitivo."
De fato, Francisco impulsionou, ao longo de seu papado, um espírito de transformação, em um processo gradual, mas firme, de inclusão e igualdade dentro da estrutura da Igreja.
Um Papa que serve
Desde o início de seu pontificado, Francisco se destacou pela opção por uma vida de simplicidade. Em vez de ostentar símbolos tradicionais de poder, escolheu caminhos discretos e gestos simbólicos que aproximam o papado das pessoas comuns. Um desses gestos foi destacado por Monsenhor Heredia durante nossa entrevista.
"Ele utiliza, como carro oficial, um Fiat 500. (...) Ele quer ser o primeiro a dar exemplo. Ao Papa não importa ir em um Mercedes, em um Jaguar. Ele quer isso para que vejam que ele é um homem que busca transmitir não a ideia de poder, não de autoritarismo, mas sim de serviço, de aproximação dos mais pobres, mais necessitados, à gente que é, nesse momento, mais vulnerável."
Essa simplicidade representava a visão de Francisco: uma Igreja voltada para o serviço, especialmente aos que mais sofrem.
Como se vê, Papa Francisco deixa importante legado - nas estruturas que reformou, nas vozes que amplificou e nos gestos simples que marcaram sua jornada.