STF julga perda de bens de delatores sem sentença; Dino pede vista
O relator, Fachin, votou pela validade do perdimento dos bens; Gilmar Mendes divergiu.
Da Redação
quarta-feira, 23 de abril de 2025
Atualizado às 15:39
O plenário do STF deu continuidade, na manhã desta quarta-feira, 23, a julgamento em que os ministros analisam a perda de bens relacionados aos acordos de colaboração premiada celebrados no âmbito da operação Lava Jato.
Em sessão anterior, o relator, ministro Edson Fachin, votou pela validade da recuperação dos bens mesmo antes de sentença condenatória. Gilmar Mendes divergiu. Na sessão de hoje, em longo voto, ministro Dias Toffoli acompanhou a divergência. Após debate entre os ministros, Flávio Dino pediu vista.
Processos
A Corte analisa seis agravos regimentais apresentados em petições ligadas à operação Lava Jato. Os recursos contestam decisão do relator, ministro Edson Fachin, que determinou a intimação dos colaboradores para o cumprimento das cláusulas de perdimento de bens previstas nos acordos de colaboração premiada, independentemente de sentença penal condenatória.
As defesas argumentam que só deveria ocorrer após sentença condenatória, dado o contexto de extraterritorialidade dos crimes denunciados e a necessidade de uma decisão judicial específica no Brasil. Argumentam que a cláusula deveria ser implementada como efeito da condenação, alinhada ao art. 7º da lei 9.613/98 (lei de lavagem de dinheiro), e que o colaborador deveria ter a opção de escolher como cumprir essa obrigação - seja por transferência de bens ou depósito judicial do valor equivalente.
Sessões anteriores
A discussão teve início em plenário virtual, quando o relator, Fachin, votou por rejeitar os recursos e manter a perda imediata dos bens, no que foi acompanhado por Moraes, Dino e Cármen. Gilmar Mendes divergiu, impedindo cumprimento antecipado da pena de perdimento de bens antes do trânsito em julgado da condenação. O ministro Cristiano Zanin se declarou impedido de participar do julgamento.
Com placar de 4 a 2, Dias Toffoli pediu destaque, levando o caso ao plenário físico. O julgamento foi, portanto, reiniciado.
Em sessão do último dia 9, Edson Fachin manteve seu voto pela perda dos bens antes da sentença. Para ele, trata-se de obrigação voluntária assumida pelo colaborador, validada por negócio jurídico legal e homologado judicialmente.
Fachin destacou que condicionar a devolução dos bens ao trânsito em julgado comprometeria a eficácia da justiça penal negocial. Lembrou que a colaboração premiada rompe com o modelo tradicional do processo penal e visa recuperar ativos ilícitos de forma ágil, conforme previsto na lei 12.850/13. O relator reafirmou que o Judiciário deve apenas verificar a legalidade do acordo, sem alterar suas cláusulas.
Assista a trecho do voto:
Gilmar Mendes manteve a divergência, defendendo que o perdimento de bens só pode ocorrer após sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Para ele, antecipar efeitos penais viola garantias constitucionais, como o devido processo legal.
O ministro criticou a possibilidade de coerção nos acordos e advertiu que o modelo brasileiro não pode adotar a lógica do plea bargain sem adaptações. Ressaltou que a presença de advogado não basta para garantir voluntariedade e que cabe ao juiz verificar se houve vícios. Em caso de risco de dilapidação de bens, defendeu o uso de medidas cautelares previstas em lei.
Voto de Toffoli
Em seu voto, Dias Toffoli destacou a novidade e a relevância da discussão em julgamento, destacando que a delação premiada ainda é instituto novo no ordenamento jurídico.
Toffoli também anunciou, de pronto, que aderiria à divergência aberta por Gilmar Mendes.
Ele ressaltou que o acordo de colaboração se destina à revelação de fatos e indicação de provas em um processo futuro, e que "a palavra do delator não vale como prova", não sendo, portanto, um fim em si mesma, mas instrumento para a produção de provas, devendo ser submetida a rigorosa avaliação judicial.
Para S. Exa., ao impor punição antes da sentença condenatória, os acordos analisados invadiram competências do Poder Judiciário. "Houve uma substituição do Judiciário pelo Ministério Público naquilo que diz respeito a competências exclusivamente da magistratura. (...) O dever de julgar e de estipular as penas, com visto à exaustão, é tarefa que a Constituição atribuiu ao Poder Judiciário e a ninguém mais."
Crítico à atuação do MP, Toffoli afirmou que "a estimativa do dano causado, do proveito do produto do crime, feito unilateralmente [...] não se pode revelar como sendo da sua competência". Segundo ele, mesmo que o crime tenha ocorrido, "isso somente se saberá segundo a nossa Constituição após a instauração e conclusão de processo judicial, com todas as garantias que lhe são inerentes".
Ao final, reforçou a necessidade de respeito ao devido processo legal e acompanhou integralmente a divergência aberta por Gilmar Mendes. Deu, portanto, provimento aos recursos, e conferir interpretação conforme a CF de acordo com as normas previstas pelo art. 5º, 39, 46 - b, 54, 55 e 57 às cláusulas do acordo celebrado entre o MP e os colaboradores, de modo a impedir o cumprimento antecipado da pena de perdimento de bens.
Assista ao voto:
Validade de provas
Durante o voto de Toffoli, Flávio Dino levantou questionamento sobre decisões anteriores da Corte relacionadas à validade de provas oriundas da Lava Jato. Ele se referiu a julgados dos quais o ministro Dias Toffoli foi relator, indagando se em algum momento houve pronunciamento claro quanto à extensão da nulidade das provas nos acordos de colaboração premiada. "Em algum momento, V. Exa., a turma ou o plenário apreciou a relação entre nulidade de prova e os efeitos desses acordos? Ou isso é uma questão irrelevante? Cheguei por último e esse é o motivo da dúvida", esclareceu.
Toffoli respondeu que a Corte já enfrentou múltiplas situações sobre o tema, como a declaração de suspeição do ex-juiz da 13ª vara Federal de Curitiba e os efeitos decorrentes dessa decisão. Um caso específico citado pelo ministro envolve arquivos relativos à empresa Odebrecht. A primeira decisão que declarou a nulidade dessas provas foi proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski. Após agravo do MP, a matéria foi levada à 2ª turma, que, por 3 votos a 2, confirmou a nulidade, entendendo que os documentos não passaram pelo devido processo legal internacional.
Toffoli explicou que essa decisão transitou em julgado e, posteriormente, por deliberação da ministra Rosa Weber, ele herdou a chamada "reclamação-mãe", que originou centenas de pedidos de extensão da nulidade. Segundo o ministro, sua atuação foi pautada pelos limites fixados naquele precedente da 2ª turma, julgamento do qual ele não participou.
"O pedido de extensão vem, e o juiz analisa. A única coisa que tenho feito - e foram pouquíssimos os casos de extensão - é aplicar o precedente. A imprensa não divulga os mais de 200 casos em que neguei a extensão. Quando há agravo, a turma tem mantido minhas decisões."
Quanto ao questionamento de Dino, Toffoli reforçou que a discussão no julgamento atual não trata da validade das provas. Para ele, o foco é outro: "O que estamos a discutir são penas antecipadas sem a participação do Judiciário, fixadas pelo parquet."
Dino agradeceu o esclarecimento e complementou sua preocupação com a lógica da argumentação: "Se o argumento é que não pode haver pena antecipada porque não houve ação penal, a consequência lógica seria: não houve nem poderá haver, porque o suporte probatório foi declarado nulo".
Recuperação de ativos x Perdimento de bens
Concluído o voto de Toffoli, ministro Luís Roberto Barroso destacou que a recuperação de ativos ilícitos no caso de colaboração premiada - prevista em lei específica - não se confunde com o perdimento de bens do produto criminoso - previsto no CP como consequência da sentença condenatória. "São coisas distintas juridicamente", pontuou, como entendeu estar assentado no voto do ministro Fachin.
A questão de fato, segundo Barroso, que lhe parece incontroversa, é que na colaboração premiada, os colaboradores reconheceram a ilicitude daqueles ativos expressamente. "Diante do reconhecimento da ilicitude e da recuperação dos ativos, o juiz pode inclusive reconhecer o perdão, e o MP pode não denunciar. Então, no caso de perdão, e de não denúncia, devolve os bens?"
Pedido de vista
Flávio Dino concordou com a reflexão do presidente Luís Roberto Barroso, ao afirmar que é possível firmar acordo de colaboração premiada mesmo sem o oferecimento de denúncia - desde que isso decorra como consequência direta do próprio acordo.
No entanto, o ministro apontou haver dúvidas ainda do ponto de vista fático dos processos. Ele citou casos concretos em que, segundo ele, há nuances importantes a serem observadas. "Na Pet 6.487, há um debate sobre meação do cônjuge. Na 6.490, sobre taxa de câmbio. Na 6.455, houve arquivamento - o que não significa ausência de denúncia como resultado da colaboração, são coisas diferentes. Na Pet 6.477, não houve processo", exemplificou.
O ministro Luiz Fux, por sua vez, destacou a existência de cláusula expressa no acordo (cláusula 4ª, § 4º), que trata da renúncia aos bens. "O colaborador renuncia aos valores e bens móveis e imóveis citados no inciso 4º, os quais se encontram especificados nos apensos deste acordo, mediante assinatura, em favor do MP, de termo de renúncia, podendo o colaborador optar pela entrega dos bens ou por depósito judicial dos valores atualizados", leu Fux.
Apesar dos esclarecimentos, Dino afirmou que ainda permanece com dúvidas e, por isso, solicitou vista do processo. Ele anunciou que apresentará voto "per si", ou seja, individual para cada caso.
Esclarecimentos do relator
Após o pedido de vista de Flávio Dino, o relator Edson Fachin esclareceu que, embora as petições envolvam questões específicas, o ponto central do julgamento é outro: saber se deve ser dado cumprimento à cláusula de recuperação de ativos ilícitos, confessados e homologados em acordos de colaboração premiada.
Segundo o ministro, o tema não diz respeito à pena de perdimento de bens ou à privação de liberdade, mas sim à execução de cláusulas que visam a restituição ao erário. "Aqui se trata de uma recuperação de ativo ilícito cuja ilicitude foi confessada neste acordo de delação premiada", afirmou.
Fachin citou o art. 4º da lei 12.850/13, que prevê benefícios ao colaborador desde que haja, entre outros resultados, a recuperação de valores obtidos de forma criminosa. Exemplificou com os valores envolvidos nas petições: 500 mil dólares (Pet 6455), 9,79 milhões de dólares (Pet 6477) e 29 milhões de dólares (Pet 6517), além de outros bens.
Ele explicou que, nos casos analisados, os colaboradores foram intimados a assinar termos de renúncia aos valores confessadamente ilícitos, mas surgiram posteriormente discussões periféricas - como meação e cotação cambial - que não mudam o cerne da controvérsia.
"Não estamos a discutir pena privativa de liberdade ou pena de perdimento. Estamos a discutir a recuperação de ativos como efeito direto de acordos firmados e homologados com base na legalidade e voluntariedade", concluiu.
"Envergonha o país"
O ministro Gilmar Mendes reconheceu que a recuperação de ativos é um dos objetivos dos acordos de colaboração premiada, mas criticou a forma como foram executadas as cláusulas de perdimento de bens. "As penas aplicadas foram efetivamente a de perdimento. Isso precisa ser muito claro", afirmou.
O ministro voltou a questionar a voluntariedade das delações firmadas no âmbito da Lava Jato. "Quando a gente fala de consensualidade, estamos falando de pessoas presas e submetidas a esse tipo de pressão", disse. E completou: "Não gostaria mais de falar sobre isso, é um caso que envergonha o país. É uma quadra muito obscura da nossa história, tudo isso que se passou com a Lava Jato."
Gilmar também criticou a conduta da advocacia à época, destacando o número elevado de colaborações firmadas: "Quando temos 70 delatores, sabemos que é algo meio 'esquisito'."
Assista:
Para reforçar sua crítica, leu uma mensagem do advogado Theo Dias, que representava a Odebrecht, enviada a Sergio Bruno - conteúdo extraído da operação Spoofing. A mensagem relatava o impacto das propostas iniciais da delação: "As propostas caíram como uma bomba", dizia o texto, mencionando reuniões entre defensores antes de apresentarem contrapropostas em nome de Marcelo e Emílio Odebrecht.