STF: Mendonça vota contra quebra de sigilo de pessoas indeterminadas
Em voto-vista, ministro defendeu maior restrição à quebra do sigilo telemático de pessoas não identificadas em investigações criminais.
Da Redação
quarta-feira, 23 de abril de 2025
Atualizado às 19:04
Nesta quarta-feira, 23, o STF retomou, em sessão plenária, o julgamento do Tema 1.148, que discute a possibilidade de quebra de sigilo de dados telemáticos de pessoas não identificadas no contexto de investigações criminais.
Na ocasião, ministro André Mendonça apresentou voto-vista, posicionando-se no sentido de que a quebra de sigilo telemático de grupos indefinidos de pessoas somente deve ser autorizada quando houver critérios estritos e objetivos que a justifiquem. No caso concreto, S. Exa. acompanhou o voto da ministra Rosa Weber, atualmente aposentada.
Em sessões anteriores, ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin haviam se manifestado de forma divergente, defendendo a possibilidade da quebra de sigilo desde que haja fundada suspeita da prática de ilícito penal.
O julgamento foi suspenso devido ao adiantado da hora e deve ser retomado nesta quinta-feira, 24.
Teor dos votos
A relatora do caso, ministra Rosa Weber, apresentou voto no plenário virtual, manifestando-se contrariamente ao pedido do MP/RJ para acessar dados relacionados a pesquisas na internet sobre a vereadora Marielle Franco.
Além de rejeitar o acesso no caso específico, a ministra propôs tese visando restringir o compartilhamento de dados telemáticos em investigações criminais, buscando proteger garantias fundamentais.
Em outubro de 2024, ministro Alexandre de Moraes, que havia solicitado vista, apresentou voto divergente. Defendeu o deferimento do pedido do MP/RJ, considerando legítimo o acesso às informações solicitadas. Moraes propôs tese mais permissiva, admitindo o compartilhamento de dados telemáticos em investigações, desde que existam indícios razoáveis de prática criminosa.
Ministro Cristiano Zanin acompanhou Moraes quanto ao mérito do caso concreto, mas propôs ajustes na formulação da tese apresentada. A intenção foi equilibrar a necessidade de efetividade das investigações criminais com a preservação de direitos e garantias individuais.
Na sessão desta tarde, ministro André Mendonça apresentou voto-vista. Para S. Exa., a quebra de sigilo telemático de grupos indefinidos de pessoas só deve ser autorizada com base em critérios estritos e objetivos.
Veja o placar:
Risco de fishing expedition
Ao proferir voto-vista, ministro André Mendonça apresentou ressalvas à autorização de medidas investigativas que envolvem o acesso a dados pessoais de um universo indeterminado de pessoas.
Defendeu critérios rigorosos e observância estrita às garantias constitucionais para evitar o que classificou como "fishing expedition", ou pescaria probatória - investigações genéricas que buscam encontrar indícios de ilícitos sem base prévia específica.
De forma minuciosa, Mendonça elencou os elementos que, a seu ver, devem ser atendidos para justificar a requisição judicial de dados como registros de conexão, acessos a aplicações de internet e outras informações informáticas. Entre os principais requisitos estão:
- Especificação precisa do tipo de dado solicitado;
- Análise do grau de exposição gerado pelo compartilhamento;
- Correlação clara entre os indivíduos envolvidos e o objeto da investigação;
- Demonstração da imprescindibilidade dos dados;
- Base em suspeitas fundamentadas;
- Garantia de custódia adequada e descarte dos dados quando inservíveis.
"O grande centro da discussão está na possibilidade de se abrir uma investigação contra pessoas indeterminadas. Isso pode descambar para violações de direitos fundamentais", afirmou Mendonça, em defesa de maior rigor e proporcionalidade nas autorizações judiciais.
O ministro propôs ajustes nas teses apresentadas pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, e pelo ministro Cristiano Zanin.
Sugeriu que qualquer acesso judicial a dados armazenados por provedores seja condicionado à observância dos arts. 7º, 10 (§§1º e 2º) e 22 do marco civil da internet (lei 12.965/14).
Mendonça também criticou a redação original de um dos itens da tese, por considerá-la vaga e potencialmente perigosa.
"É constitucional a requisição judicial de dados para fins de investigação, desde que observados requisitos legais e que não se abram margens para medidas abrangentes demais", resumiu.
Veja trecho do voto:
O ministro mencionou relatos de que alguns magistrados, durante o julgamento em curso, já estariam adotando práticas investigativas genéricas, como a averiguação de atividades de pessoas que pesquisaram termos correlacionados a crimes na internet.
Para Mendonça, essa tendência reforça a necessidade de um posicionamento claro do STF para evitar excessos e garantir a legalidade das diligências.
"Não podemos admitir que se autorize a investigação de sujeitos indeterminados sobre os quais não haja nenhum elemento prévio de suspeita. Isso viola diretamente os princípios constitucionais do devido processo legal e da intimidade", alertou.
O ministro propôs nova formulação para um dos pontos centrais da tese, estabelecendo que o compartilhamento de dados deve ocorrer apenas mediante demonstração clara de proporcionalidade da medida e a existência de razões objetivas que configurem fundada suspeita.
O objetivo, segundo o ministro, é alinhar a prática do Judiciário com padrões já firmados em decisões de repercussão geral do próprio STF.
Ao final, votou por acompanhar o voto da ministra Rosa Weber, para dar provimento ao RE, concedendo ordem mandamental.
Arrastão investigativo
Durante a sessão, os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça travaram intenso debate sobre os limites das medidas investigativas.
Mendonça comparou a quebra telemática generalizada a um "arrastão investigativo" e questionou as consequências dessa abordagem para o Estado Democrático de Direito.
Em contraponto, Moraes defendeu a legalidade das quebras de sigilo com base em investigações prévias e indícios concretos, afirmando que a medida é comum em casos complexos e não equivale a um "arrastão". Também pediu que eventuais abusos fossem apontados de forma objetiva.
Veja o momento:
Fishing expedition
Ministro Alexandre de Moraes também afirmou que a quebra de sigilo de grupo indeterminado é essencial em investigações criminais complexas, como casos de pedofilia, sequestros e crimes cibernéticos, e que restringi-la com base em abusos pontuais pode comprometer a eficácia da persecução penal.
Também comparou a medida com interceptações telefônicas, lembrando que dados sem relevância para a investigação devem ser descartados - o que, para ele, também se aplica à esfera digital.
Para o ministro, esse tipo de apuração - com base em dados de pessoas ainda não identificadas, mas identificáveis a partir de contexto investigativo - não se configura como "pesca probatória".
Veja o trecho:
- Processo: RE 1.301.250