Entenda caso que levou Gilmar Mendes a dizer que foi ameaçado pela OAB
Em 2002, ex-presidente da Ordem, Reginaldo Castro, tentou barrar indicação de Gilmar, que era AGU, para ministro do STF.
Da Redação
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Atualizado às 12:03
Nesta quinta-feira, 8, durante sessão plenária do STF que discutia a obrigatoriedade de inscrição na OAB para advogados públicos, ministro Gilmar Mendes relatou que, quando atuava como Advogado-Geral da União, foi "ameaçado" pela Ordem em razão de sua atuação institucional.
Ao votar contra a obrigatoriedade do vínculo com a OAB, o decano da Corte destacou que esse tipo de exigência pode acarretar conflitos políticos e institucionais, sobretudo em situações em que os interesses da AGU e da Ordem se contrapõem.
Veja as falas:
Sabatina interrompida
Gilmar Mendes foi nomeado ministro do STF em maio de 2002, indicado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. À época, exercia o cargo de Advogado-Geral da União, posição que ocupava desde 2000. Nesse período, travou acirrados embates com Reginaldo Oscar de Castro, que presidiu a OAB de 1998 a 2001.
A tensão institucional veio à tona durante a tramitação da indicação de Gilmar na CCJ - Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Horas antes da sabatina, Reginaldo Castro entregou pessoalmente à comissão um documento questionando o fato de o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não ter informado que o indicado respondia a ações judiciais - incluindo processos criminais e por improbidade administrativa.
Diante da denúncia, o senador Eduardo Suplicy pediu vista da indicação, medida que contou com o apoio de outros parlamentares e adiou a sabatina.
O episódio causou forte repercussão. O jornal O Estado de S. Paulo classificou a situação como "constrangedora".
Em sua defesa, Gilmar afirmou que todas as ações decorriam de sua atuação institucional como defensor da União.
Na mesma ocasião, reagiu às críticas de Castro, acusando-o de ter atuado como censor da Polícia Federal durante o regime militar:
"Sua Excelência faz justiça ao seu passado: foi censor da Polícia Federal", declarou Gilmar à comissão.
Escalada da crise
Poucos dias após o adiamento da sabatina, Gilmar Mendes voltou a atacar publicamente Reginaldo de Castro.
Em entrevista ao jornal O Globo, comparou o ex-presidente da OAB à ex-advogada Jorgina de Freitas, condenada por fraudes contra a Previdência Social.
Segundo Gilmar, a ascensão de Castro à presidência da Ordem seria equivalente a nomear Jorgina corregedora-geral da União.
Afirmou ainda que a OAB deveria explicar como "um ex-censor Federal, suspeito de crimes de corrupção passiva e ativa", alcançou o comando da entidade.
Ameaça
Em reação, Reginaldo anunciou que processaria Gilmar por calúnia, difamação e injúria. Em entrevista, disparou:
"O problema de Gilmar é que ele precisa de ressocialização. [.] Como não tenho receio das acusações, vou abrir ação penal por crime contra a honra para que ele fale. Será o local adequado para ele, se tiver hombridade, provar as acusações de corrupção e estelionato."
Diante da repercussão, o Conselho Federal da OAB divulgou uma nota oficial em defesa de seu ex-presidente.
O texto foi subscrito por ex-dirigentes da entidade e afirmou que Reginaldo de Castro teve atuação "correta e acima de qualquer suspeita", repudiando as declarações de Gilmar Mendes.
A Ordem, no entanto, decidiu não adotar medidas judiciais contra o ministro, em nome da preservação institucional.
Leia a íntegra:
"Quem tem o que explicar sobre o passado é ele, não eu", afirmou em entrevista.
A OAB, então, emitiu nota em defesa do ex-presidente da Ordem:
"O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, por seu Presidente Nacional e apoiado por seus ex-Presidentes que esta subscrevem, em face das afirmações feitas, em entrevistas jornalísticas, pelo senhor Gilmar Ferreira Mendes, após ter ouvido, em sessão pública realizada nesta data, o ex-presidente REGINALDO OSCAR DE CASTRO e ter debatido o assunto, deliberou, por unanimidade, vir a público para DECLARAR que:
a) - a OAB, mercê de suas históricas lutas institucionais, conquistou o respeito da sociedade brasileira, sobretudo pela constante e corajosa atuação dos advogados, nos momentos mais difíceis do autoritarismo, bem como ante a permanente vigilância contra a corrupção e os desmandos de maus administradores públicos. A ação cívica da OAB, por si só, autoriza a rejeição das iradas manifestações que, naquelas entrevistas, foram proferidas pelo referido senhor;
b) - o Conselho Federal entendeu que a atuação de seu ex-presidente, REGINALDO OSCAR DE CASTRO, nos episódios cuidadosamente examinados, foi correta e acima de qualquer suspeita, não restando dúvida quanto ao elevado padrão ético que marca a sua já longa trajetória pessoal, profissional e pública;
c) - inobstante cabíveis, no caso, providências de natureza judicial, a OAB decidiu, sem oposição do ex-presidente REGINALDO OSCAR DE CASTRO, por não as implementar, em homenagem a seu dever de contribuir para o equilíbrio e a harmonia das instituições, relegando a plano secundário eventuais destemperos de quem não sabe conviver com a liberdade e a independência da advocacia;
d) - RATIFICA, por fim, o seu apreço e respeito pelo advogado REGINALDO OSCAR DE CASTRO, repudiando as injustas agressões contra ele lançadas.
Brasília, 17 de junho de 2002
RUBENS APPROBATO MACHADO
Presidente Nacional da OAB"
Antecedente do conflito
Os embates entre Gilmar Mendes e Reginaldo Castro têm origens mais antigas.
Quando Gilmar atuava no MPU, emitiu parecer contra Castro em um process no qual ele era investigado por suspeita de intermediar a compra de sentenças no TJ/DF.
O caso teve início em 1988, com a denúncia do empresário Geraldo Alves da Silva, que acusou Castro de intermediar uma decisão favorável do juiz de Direito Pedro Aurélio Rosa de Farias, pelo valor de sete milhões de cruzeiros - o equivalente, na época, a aproximadamente 660 salários-mínimos.
Reginaldo tentou anular a intimação para depor por meio de um mandado de segurança (MS 1.624/DF), alegando sigilo profissional. Contudo, o parecer de Gilmar prevaleceu: os desembargadores entenderam que, como investigado, o sigilo não se aplicava.
Apesar da denúncia, o promotor José Nicodemos Alves Ramos arquivou o caso por ausência de justa causa, concluindo que não havia elementos suficientes para apresentar denúncia formal.