Núcleo 3: STF torna réus mais 10 acusados por tentativa de golpe
Com relação a dois denunciados - o coronel da reserva Cleverson Ney Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues - o colegiado entendeu que não há justa causa para abertura da ação penal.
Da Redação
terça-feira, 20 de maio de 2025
Atualizado às 18:20
Na tarde desta terça-feira, 20, a 1ª turma do STF decidiu, por unanimidade, pelo recebimento da denúncia apresentada pela PGR contra 10 dos 12 acusados vinculados ao núcleo 3 da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado. O grupo é composto por militares da ativa e da reserva do Exército, além de um agente da Polícia Federal.
Com relação a dois denunciados - o coronel da reserva Cleverson Ney Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues - o colegiado entendeu que não há justa causa para abertura da ação penal. É a primeira vez que o STF decide rejeitar a denúncia contra algum dos envolvidos.
Durante a sessão da manhã, foram ouvidas 13 sustentações orais, realizadas tanto pela acusação quanto pelas defesas técnicas dos denunciados.
O núcleo 3 é composto pelos seguintes acusados:
- Bernardo Romão Corrêa Neto (coronel)
- Cleverson Ney Magalhães (coronel da reserva)
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira (general da reserva)
- Fabrício Moreira de Bastos (coronel)
- Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel)
- Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel)
- Nilton Diniz Rodrigues (general)
- Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel)
- Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel)
- Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel)
- Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel)
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
Os denunciados respondem, conforme a peça acusatória, pelos seguintes crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Preliminares rejeitadas
Na abertura da sessão, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas dos acusados.
Moraes considerou prejudicadas as alegações de impedimento dos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Dias Toffoli, por estes não integrarem a 1ª turma. Em relação aos demais ministros, o relator afastou as alegações de impedimento e suspeição. Também rejeitou, como já o fizera em julgamentos de núcleos anteriores (núcleos 1, 2 e 4), os questionamentos quanto à competência do STF e da própria turma.
A divergência sobre a competência foi ressalvada com registro de posição vencida do ministro Luiz Fux, conforme já ocorrido nas etapas anteriores do processo.
As alegações de nulidades referentes à colaboração premiada, ao cerceamento de defesa por falta de acesso amplo a provas e à negativa de prazo em dobro para apresentação de resposta à acusação foram igualmente rejeitadas. Moraes considerou que todas essas questões já foram apreciadas pelo colegiado em ocasiões anteriores.
Sobre o pedido de revogação da prisão preventiva, o ministro afirmou que "não é o momento adequado da análise", indicando que a questão será tratada oportunamente em fase posterior do processo.
A única preliminar nova analisada no voto dizia respeito ao general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira. A defesa alegou vício na investigação policial, por suposta tentativa de "desestabilização psíquica" durante sua apresentação à autoridade policial.
Segundo relatado, o delegado da Polícia Federal teria dito ao general, antes do início formal da gravação, que era "melhor dizer o que aconteceu na reunião com o ex-presidente", fazendo referência a um vídeo da ocasião. A defesa argumentou que esse comportamento violaria o devido processo legal.
Moraes, no entanto, rejeitou a preliminar. Destacou que não há prova documental sobre o ocorrido e ressaltou que o general esteve acompanhado por seu advogado durante o depoimento, no qual exerceu o direito ao silêncio, sem produção de provas contra si. O ministro também observou que o acusado teve acesso ao inquérito em pelo menos três ocasiões.
"Não me parece crível que um general quatro estrelas do Exército Brasileiro - como foi dito na tribuna, que serviu no exterior e que foi feito refém de forças contrárias às forças de paz da ONU - se sentiria desestabilizado psiquicamente com um comentário ou com alguma fala de um delegado da Polícia Federal."
A decisão nas preliminares foi unânime, com a ressalva do ministro Fux no quesito competência.
Articulação militar
Durante o voto no mérito, o ministro Alexandre de Moraes detalhou elementos que, segundo a denúncia da PGR, revelam um plano articulado por militares da ativa e da reserva para pressionar o alto comando do Exército a aderir a um golpe de Estado após as eleições de 2022.
De acordo com Moraes, a denúncia reúne provas documentais e mensagens que demonstram a realização de reuniões organizadas especificamente para incluir apenas militares das forças especiais, chamados de "kids pretos". Esses encontros, segundo o ministro, não se tratavam de reuniões informais ou sociais, mas tinham como objetivo discutir formas de pressionar os chefes militares a apoiar uma ruptura institucional.
A exclusão de determinados participantes das reuniões e o alerta sobre a possibilidade de vazamentos foram apontados como sinais da natureza sensível e ilegal da articulação. Moraes observou que, se o objetivo fosse apenas confraternização, não haveria motivo para apagar mensagens ou emitir alertas sobre a divulgação de informações.
"Se fosse para tomar cerveja com os amigos, não haveria necessidade de excluir mensagens e ainda alertar: 'muitas coisas vazam'."
Carta redigida por oficiais da ativa
Outro elemento destacado foi a elaboração de uma carta endereçada ao comandante do Exército, assinada por oficiais superiores da ativa. O conteúdo da carta, segundo Moraes, tinha por finalidade pressionar a cadeia de comando militar, o que levou o próprio comandante do Exército à época a determinar a instauração de inquérito para apurar possível crime militar. O ministro considerou que a gravidade da situação se refletia na quebra dos pilares da hierarquia e da disciplina, fundamentos essenciais das Forças Armadas.
A carta evocava ideais de lealdade militar e sugeria que os militares não deveriam abandonar a nação. Para Moraes, o teor da mensagem reforçava a intenção de que as Forças Armadas deveriam assumir um papel de poder moderador e até de intervenção, algo que, segundo ele, não encontra respaldo na Constituição.
Contato direto com general após recusa do comandante
Moraes também abordou os esforços atribuídos ao então presidente Jair Bolsonaro para obter apoio entre militares após a negativa do comandante do Exército, general Freire Gomes, em aderir ao plano golpista. Segundo a denúncia, Bolsonaro teria se reunido, dois dias após essa recusa, com o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres (COTER), órgão responsável pela coordenação de tropas do Exército.
O ministro destacou que, apesar de o COTER não possuir tropas próprias, sua estrutura tem acesso direto aos comandos regionais, o que o tornaria estratégico na mobilização de forças. Moraes também pontuou que essa reunião, por não ter envolvido o comandante da Força, gerou desconforto interno e foi considerada anormal do ponto de vista militar. O episódio foi informado pelo então ajudante de ordens da presidência, tenente-coronel Mauro Cid, em mensagem ao comandante Freire Gomes.
Interpretação do artigo 142 da Constituição
Moraes criticou o uso do artigo 142 da Constituição como base para sustentar uma função moderadora das Forças Armadas.
"O artigo 142 não tem absolutamente nada a ver com poder moderador. E os juristas que assim escrevem não são juristas, são golpistas."
Ele explicou que a figura do poder moderador, existente na Constituição de 1824, foi extinta em 1891, e que o próprio imperador Dom Pedro II chegou a questionar sua utilidade após estudar o modelo constitucional norte-americano.
Tentativa de golpe também configura crime
No voto, o ministro também rebateu o argumento apresentado por advogados de defesa de que não teria havido crime por se tratar apenas de uma tentativa de golpe, e não de sua efetiva consumação. Segundo Moraes, a execução do crime de golpe de Estado se inicia com a prática dos atos voltados à ruptura da ordem constitucional, independentemente do sucesso da empreitada.
Ele afirmou que o crime se consuma com o início da execução, e que, caso tivesse se efetivado, "não haveria crime a ser analisado". Nas palavras do ministro:
"O golpe de Estado [...] não existe tentativa. Se a execução se iniciou e o golpe de Estado não se consumou, o crime é consumado. Porque se o golpe de Estado se consumar, não há crime a ser analisado."
Em resposta ao argumento de que a adesão dos comandantes militares seria condição essencial para a eficácia do plano - e que, como não houve essa adesão, não se deveria punir os acusados -, Moraes ironizou:
"Parece que aqui nenhum dos presentes e todos aqueles que nos ouviram, ninguém acredita que se houvesse golpe de Estado estaríamos aqui a julgar esses fatos. Eu dificilmente seria o relator. Talvez aí a minha suspeição fosse analisada pelos 'kids pretos'."
Ausência de justa causa
Com relação a dois denunciados - o coronel da reserva Cleverson Ney Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues - Moraes entendeu que não há justa causa para abertura da ação penal. Segundo o ministro, a análise do material apresentado pela acusação demonstra que "a tipicidade não encontra respaldo no material probatório".
"Tanto Cleverson Ney Magalhães quanto Nilton Diniz Rodrigues acabaram sendo denunciados por haver referências aos nomes de ambos, sendo que um era assessor direto do general Theophilo e o outro assessorava o general Freire Gomes. No entanto, não há nenhuma imputação comprovada ou com indícios suficientes e razoáveis. Entendo, portanto, pela ausência de justa causa, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal."
- Processo: Pet 12.100