Incidência da CIDE sobre remessas ao exterior é válida? STF julga
Ministros ouviram sustentações orais e manifestações de amici curiae.
Da Redação
quarta-feira, 28 de maio de 2025
Atualizado às 18:44
Nesta quarta-feira, 28, o plenário do STF iniciou o julgamento da constitucionalidade da incidência da CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - sobre remessas ao exterior (tema 914 da repercussão geral).
A sessão foi dedicada às sustentações orais das partes e manifestações de amici curiae.
Com o adiantado da hora, o julgamento foi suspenso e será retomado na quinta-feira, 29.
Caso
O recurso foi interposto pela Scania Latin America Ltda., que contesta acórdão do TRF da 3ª região que manteve a cobrança da CIDE sobre valores remetidos ao exterior em razão de contrato de cost sharing firmado com a matriz sueca, Scania AB, com finalidade de pesquisa e desenvolvimento.
A empresa alega violação ao princípio da isonomia, sustentando que as isenções previstas na legislação tributária criam distinções injustificadas entre contribuintes em situação equivalente.
Para o TRF, contudo, o contrato envolvia transferência de tecnologia, atraindo a incidência da contribuição conforme o ordenamento vigente, sem afronta à isonomia.
Invalidade
Em nome da Scania, o advogado Daniel Corrêa Szelbracikowski defendeu a inconstitucionalidade da CIDE sob três fundamentos: desvio de finalidade da contribuição, desvio do produto arrecadado e a necessidade de interpretação conforme para limitar sua incidência a contratos com efetiva transferência de tecnologia.
Segundo ele, a CIDE foi utilizada para financiar políticas públicas típicas do dever estatal - como o fomento à pesquisa - que deveriam ser custeadas por impostos.
Além disso, destacou que, entre 2015 e 2024, apenas 8% da arrecadação foi aplicada nas finalidades previstas, sendo o restante destinado ao superávit primário.
Por fim, criticou a prática administrativa de exigir o tributo mesmo quando não há transferência tecnológica, configurando bitributação.
Validade
Representando a Fazenda Nacional, o procurador-geral Euclides Silva Júnior sustentou a validade da CIDE, ressaltando seu papel estratégico no incentivo à tecnologia nacional e correção de desequilíbrios históricos da economia brasileira, marcada pela exportação de commodities e dependência de tecnologia estrangeira.
Refutou a tese de desvio de finalidade e defendeu que eventuais desvios de aplicação dos recursos devem ser apurados nas instâncias próprias, sem afetar a legitimidade da cobrança.
Citou projetos relevantes financiados com recursos da CIDE e lembrou que ciência, tecnologia e economia caminham juntas, sendo legítima a intervenção estatal por meio dessa contribuição.
Amici curiae
Representando a Petrobras, o advogado Frederico de Oliveira Ferreira destacou que a CIDE tem sido aplicada a serviços que não envolvem tecnologia, como manutenção, consultoria e até serviços jurídicos.
Relatou que, entre 2013 e 2023, a estatal recolheu mais de R$ 1,2 bilhão em razão dessas remessas. Defendeu que, se mantida a contribuição, ela seja limitada às hipóteses de real transferência de tecnologia, sob pena de bitributação e prejuízo à competitividade do setor.
Em nome da Brasscom - Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, o advogado André Torres dos Santos, da banca Pinheiro Neto Advogados, argumentou que a CIDE-Royalties não deve incidir sobre contratos típicos das empresas de tecnologia da informação, como licenças de uso e distribuição de software, nem sobre serviços administrativos. Segundo ele, tais contratos, em regra, não envolvem transferência de tecnologia - requisito essencial para a incidência da contribuição.
Santos explicou que a legislação já reconheceu, em 2007, que a CIDE só poderia ser cobrada quando houvesse transferência tecnológica efetiva, o que raramente ocorre sem a entrega do código-fonte dos softwares. Ressaltou que equiparar esses contratos a royalties, como faz a Fazenda, distorce sua natureza jurídica, pois envolvem direitos autorais, não transferência de conhecimento técnico.
Por fim, criticou a estimativa de impacto fiscal apresentada pela União, por não distinguir hipóteses legítimas das indevidas de incidência, e pediu que o STF reconheça a inaplicabilidade da CIDE a esse tipo de contratação.
Em nome da Abes - Associação Brasileira das Empresas de Software, o advogado Alexander Andrade Leite, da banca Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, defendeu que a CIDE-Royalties, criada para financiar pesquisa e inovação tecnológica, tem sido aplicada de forma desvirtuada.
Segundo ele, a contribuição deveria incidir apenas quando há efetiva transferência de tecnologia, o que não ocorre na maioria dos contratos firmados pelas empresas de software.
Criticou a prática da Receita Federal de tributar qualquer remessa ao exterior, ainda que não envolva aquisição de conhecimento técnico. Ressaltou que, sem acesso ao código-fonte, por exemplo, não há apreensão de tecnologia - apenas consumo de um produto. Apontou ainda que, apesar da arrecadação bilionária da CIDE, menos de 10% dos recursos têm sido efetivamente aplicados em ciência e tecnologia, conforme dados oficiais e relatório do TCU.
Ao representar um setor com mais de 2 mil empresas e 200 mil funcionários, o advogado destacou o impacto econômico da exação e defendeu interpretação conforme à Constituição, limitando a cobrança aos casos de verdadeira transferência tecnológica.
Em nome da Câmara Brasileira da Economia Digital, a advogada Nina Pinheiro Pencak sustentou que a aplicação da CIDE viola a lógica constitucional das contribuições especiais.
Para ela, o tributo tem sido usado para burlar a repartição de receitas com estados e municípios e incide sobre fatos geradores dissociados de sua finalidade.
Com base em dados públicos e estudos acadêmicos, criticou a baixa efetividade da arrecadação e defendeu que a contribuição só incida quando houver real aquisição de tecnologia estrangeira.
- Processo: RE 928.943