STF: Veja como foi o 1º dia de julgamento de Jair Bolsonaro e aliados
Processo envolve ex-presidente da República e núcleo duro do governo, acusados de planejar ruptura institucional em 2022.
Da Redação
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Atualizado em 3 de setembro de 2025 15:27
Nesta terça-feira, 2, o país despertou para um daqueles dias em que o presente já se impõe como parte da história. Pela primeira vez desde a redemocratização, um ex-presidente da República ocupa o banco dos réus do STF acusado de articular um golpe de Estado para permanecer no poder.
O julgamento que teve início às 9h11 pela 1ª turma da Corte não envolve apenas Jair Bolsonaro. Também são alvos generais de alta patente e ex-ministros de Estado que integraram o "núcleo duro" do governo, todos apontados pela PGR como integrantes da trama golpista contra o resultado das urnas em 2022.
Mais do que um processo judicial, trata-se de um episódio que mobiliza instituições, revive a memória recente do país e reacende o debate sobre os limites da democracia brasileira.
Foram reservadas oito sessões do colegiado para o julgamento. Na manhã desta terça-feira, foi feita a leitura do relatório por Alexandre de Moraes e a sustentação oral da acusação, pelo PGR, Paulo Gonet.
À tarde, foram realizadas as sustentações orais das defesas de Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres.
O julgamento foi suspenso e será retomado na sessão de quarta-feira, 3, a partir das 9h.
Confira os destaques da sessão.
Coragem e soberania
Antes de ler o relatório, ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, fez questão de situar o julgamento no contexto histórico da democracia brasileira.
O ministro afirmou que o Brasil chega a 2025 "com uma democracia forte, instituições independentes, uma economia em crescimento e a sociedade civil atuante", prestes a completar 40 anos da redemocratização.
Para Moraes, a trajetória democrática não se deu sem turbulências, mas mostrou que "as balizas definidas pela Constituição Federal de 1988 se revelaram acertadas e impediram inúmeros retrocessos".
Frisou que estabilidade institucional não significa ausência de conflitos, mas sim respeito à Constituição, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.
O relator destacou que o julgamento segue o mesmo rito de mais de 1.600 ações penais já analisadas pelo Supremo a partir dos atos de 8 de janeiro de 2023, nos quais a Corte já proferiu 683 condenações, 11 absolvições e homologou 554 acordos de não persecução penal. "Esse julgamento segue exatamente o mesmo respeito ao devido processo legal que o STF vem observando em todos os casos", observou.
Moraes lamentou que, mais uma vez na história republicana, tenha sido tentado um golpe de Estado, com ataques às instituições e à democracia. "A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e incentivo a novas tentativas de golpe", disse.
Ao tratar das provas reunidas, o relator reforçou que caberá ao Supremo julgar cada réu com imparcialidade, condenando quando houver evidências acima de dúvida razoável e absolvendo diante de prova de inocência ou incerteza. "Assim se faz a justiça, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas", afirmou.
Moraes também relatou que, no curso da investigação, foi constatada a existência de uma "organização criminosa jamais vista anteriormente no país", que teria buscado coagir o STF e até submeter a Corte à influência de outro Estado estrangeiro. Ressaltou, contudo, que tais tentativas não abalaram a independência dos ministros, que prosseguem na análise das ações com plena publicidade e transparência.
"As instituições brasileiras são fortes e sólidas, seus integrantes foram forjados no espírito democrático da Constituição de 1988. A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada. O Supremo Tribunal Federal sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional, da democracia, dos direitos fundamentais, do Estado de Direito e da independência do Poder Judiciário", declarou.
Moraes sublinhou que a independência judicial é um direito fundamental de todos os cidadãos e parte essencial do Estado democrático de Direito.
"A história do STF demonstra que jamais faltou e jamais faltará coragem aos seus membros para repudiar agressões contra a democracia e a soberania nacional", reforçou.
Veja o momento:
Acusação
Com direito a duas horas para falar pela acusação, o procurador-Geral da República, Paulo Gonet, abriu sua manifestação ressaltando que a democracia não sobrevive sem instrumentos eficazes de defesa contra ataques voltados à sua decomposição. Para o PGR, punir a tentativa frustrada de ruptura da ordem democrática é um imperativo de estabilização do regime, funcionando como elemento dissuasório contra novas aventuras golpistas.
Gonet frisou que a Constituição dispõe de mecanismos de proteção, mas advertiu que nenhum deles resiste à força bruta quando se busca usurpar o poder político. Assim, destacou que cabe ao Direito Penal atuar nos casos em que a intentona não se consuma, punindo atos tipificados como crimes contra as instituições democráticas.
Ele classificou os episódios investigados como "um panorama espantoso e tenebroso" de atentados contra a ordem constitucional, que não podem ser tratados como "devaneios utópicos" ou meras irreverências da vida nacional.
"O que está em julgamento são atos que precisam ser considerados graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado democrático de direito."
Assista a trecho:
Ato contínuo, passou a descrever, ponto a ponto, as bases da denúncia.
O PGR afirmou que os fatos revelam uma cadeia de ações coordenadas para romper a ordem constitucional e impedir a alternância de poder após as eleições de 2022.
Segundo ele, a estratégia golpista combinou campanhas de desinformação contra as urnas eletrônicas, ataques reiterados a ministros do STF e do TSE, tentativas de cooptação das Forças Armadas e incentivo à mobilização social, que resultou em atos violentos.
Entre eles, destacou a invasão da sede da PF, a tentativa de explosão de um caminhão-tanque e o ápice de 8 de janeiro de 2023, com a depredação das sedes dos Três Poderes.
Gonet citou ainda a existência de documentos e minutas golpistas, incluindo discursos prontos e planos de estado de sítio, além do chamado "Plano Punhal Verde Amarelo", que previa o assassinato de autoridades. Para o procurador, a organização criminosa, liderada por Bolsonaro, deixou provas suficientes de sua atuação.
"O auto golpe também é golpe punível, por configurar desvio funcional gravíssimo que se origina dentro das instituições e opera contra elas", afirmou Gonet.
Ao final, reiterou que o conjunto dos fatos, devidamente comprovados no processo, "leva a Procuradoria-Geral da República a esperar juízo de procedência da acusação".
Confira:
Sustentações orais das defesas
Primeiros a sustentarem, os advogados Jair Alves Pereira e César Roberto Bittencourt defenderam o tenente-coronel Mauro Cid. As sustentações se concentraram na validade da colaboração premiada, já homologada pela Corte, e na ausência de provas que justifiquem sua responsabilização penal.
Pereira afirmou que críticas de Cid à condução das investigações não configuram coação e ressaltou que a colaboração trouxe informações relevantes, como a reunião de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas. Para ele, o Estado não pode validar o acordo, utilizá-lo como fundamento da acusação e, ao final, negar os benefícios pactuados.
Confira:
Bittencourt, por sua vez, sustentou que não há mensagens, documentos ou atos de autoria de Cid que demonstrem tentativa de golpe de Estado ou participação nos atos de 8 de janeiro, quando o militar sequer estava no país. "O que temos aqui é presença física e função institucional. Só isso, mas isso não é crime, nem aqui, nem na China", disse, pedindo a confirmação do acordo firmado.
Assista:
A defesa do deputado Alexandre Ramagem contestou a denúncia apresentada pela PGR.
O advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto alegou nulidades processuais, como a inclusão de fatos não descritos na acusação, e pediu que provas derivadas da Pet 11.108 não sejam consideradas.
No mérito, afirmou que documentos apreendidos com o parlamentar eram apenas compilações de falas já públicas de Bolsonaro e opiniões pessoais, sem vínculo com ordens golpistas.
Sobre a chamada "Abin paralela", a defesa negou qualquer participação de Ramagem, atribuindo a produção de relatórios e mensagens a iniciativas isoladas de servidores da agência.
Veja:
A defesa de Almir Garnier apontou nulidades processuais e pediu a rescisão da delação premiada de Mauro Cid. O advogado Demóstenes Torres alegou que o procurador-geral incluiu fatos novos nas alegações finais, sem aditamento da denúncia, em violação ao art. 384 do CPP.
Também criticou a forma como o acordo de colaboração de Cid vem sendo utilizado, afirmando que não é possível "aproveitar seletivamente" seus relatos após descumprimento do pactuado. Segundo o defensor, caberá ao STF separar as provas independentes daquelas contaminadas pela colaboração considerada inválida.
Confira:
Na sustentação oral, a defesa de Anderson Torres afirmou que o MPF inovou nas alegações finais ao incluir fatos não descritos na denúncia, em violação ao art. 384 do CPP.
O advogado Eumar Roberto Novacki disse que a acusação se baseia em "ilações sem provas", obrigando a defesa a produzir a chamada "prova diabólica".
Negou vínculo de Torres com trama golpista e rebateu pontos específicos: a viagem aos EUA seria férias programadas, confirmada por bilhetes emitidos em novembro de 2022 e pelo depoimento do então governador Ibaneis Rocha; perícia atestou que, na live de julho de 2021, o ex-ministro apenas leu trechos técnicos da PF; e a frase da reunião ministerial de 2022 foi descontextualizada, expressando aceitação do resultado eleitoral.
Também contestou a narrativa sobre o uso da PRF, mencionou testemunhos de militares que negaram assessoramento golpista, e minimizou a chamada "minuta do Google", classificada como documento apócrifo que já circulava na internet.
Por fim, destacou que a PGR reconheceu apenas negligência, não dolo, apontou que Torres articulou a desmobilização de acampamentos e assinou protocolo de segurança antes de viajar. Ressaltou ainda que não há provas ligando o réu ao 8/1, que entregou suas senhas sem que nada incriminador fosse encontrado, e pediu a absolvição por ausência de provas consistentes.
Confira:
Qual a dinâmica do julgamento?
O rito do julgamento é previsto no regimento interno do STF e na lei 8.038/90.
A sessão é aberta pelo presidente da 1ª turma, ministro Cristiano Zanin, que chama o processo a julgamento.
Em seguida, o relator, ministro Alexandre de Moraes, faz a leitura do relatório, apresentando a síntese das investigações e das alegações finais.
Na sequência, tem a palavra o procurador-geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação, que pode falar por até duas horas.
Depois, cada uma das defesas apresenta sua sustentação oral, com prazo de até uma hora.
Encerradas as manifestações, o relator profere seu voto.
Moraes pode propor que as preliminares levantadas pelas defesas, como alegações de nulidade da colaboração premiada, cerceamento de defesa e incompetência da Corte, sejam analisadas de imediato ou em conjunto com o mérito.
Após o voto do relator, votam os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin.
A decisão final se dá por maioria simples, bastando três votos entre os cinco ministros para condenar ou absolver os réus.
Confira a disposição das cadeiras no colegiado:
Calendário de sessões
O processo contra Jair Bolsonaro e aliados na não se decidirá em um só dia.
As sessões estão previstas para 2 de setembro, às 9h e às 14h; 3 de setembro, às 9h; 9 de setembro, às 9h e às 14h; 10 de setembro, às 9h; e 12 de setembro, novamente às 9h e às 14h.
Quem são os réus?
No banco dos réus da 1ª turma estão Jair Bolsonaro e figuras centrais de seu governo.
Ao lado do ex-presidente, respondem pelo plano de ruptura institucional seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid; o deputado Alexandre Ramagem; o almirante Almir Garnier; e os generais Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Crimes e penas
A acusação atribui aos réus, entre outros, os crimes de:
- Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M, CP; 4-12 anos);
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L, CP; 4-8 anos);
- Organização criminosa armada (lei 12.850/13; 3-8 anos, com majorantes e aumento por liderança);
- Dano qualificado à União (art. 163, parágrafo único, III, CP; 6 meses-3 anos); e
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, lei 9.605/98; 1-3 anos).
Em tese, a soma das penas pode ultrapassar os 40 anos, mas, pela legislação brasileira, o tempo máximo de cumprimento efetivo é de 40 anos.
Além disso, eventual condenação não implica prisão imediata para execução definitiva da pena. Em 2019, o STF consolidou o entendimento de que a pena só pode começar a ser cumprida após o trânsito em julgado da decisão.
Da investigação ao julgamento
A investigação que resultou na denúncia contra Jair Bolsonaro e aliados começou em 2022 e foi concluída em novembro de 2024, quando a PF encerrou o inquérito que apurava a atuação de uma organização criminosa voltada a manter o então presidente no poder à revelia do resultado eleitoral.
No relatório final, fruto das operações Tempus Veritatis e Contragolpe, a PF indiciou 37 pessoas, incluindo Bolsonaro, generais de alta patente e dirigentes partidários.
O documento apontou crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe e organização criminosa, detalhando seis núcleos de atuação: desinformação, incitação de militares, jurídico, operacional de apoio, inteligência paralela e medidas coercitivas.
Pouco depois, a operação Contragolpe levou à prisão de cinco investigados por um plano que incluía, além da ruptura institucional, homicídios do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Com base nessas apurações, a Procuradoria-Geral da República apresentou, em fevereiro de 2025, denúncia formal (Pet 12.100) contra Bolsonaro e outros 32 acusados.
O grupo foi imputado por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A PGR atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama, sustentando que ele comandou ações para desacreditar o processo eleitoral, pressionar as Forças Armadas e preparar decretos que poderiam servir de base para uma ruptura institucional.
Em março de 2025, a 1ª turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réus Bolsonaro e outros sete integrantes do chamado "Núcleo 1" da acusação, rejeitando todas as preliminares levantadas pelas defesas, como alegações de suspeição dos ministros, incompetência da Corte e nulidades relacionadas à colaboração premiada de Mauro Cid.
Na etapa seguinte, em julho de 2025, a PGR apresentou alegações finais em peça de 517 páginas, pedindo a condenação de todos os réus pelos crimes narrados na denúncia. O órgão classificou Bolsonaro como líder da organização criminosa e principal articulador das ações golpistas.
Veja a linha do tempo:
Um ponto específico diz respeito ao deputado Alexandre Ramagem.
Em razão do foro parlamentar, a 1ª turma decidiu suspender o processo apenas quanto aos crimes patrimoniais a ele atribuídos, relacionados a fatos posteriores à sua diplomação.
Assim, ele segue respondendo por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Processo: AP 2.668
Preso por outro processo
É importante destacar que a prisão domiciliar a que Jair Bolsonaro está atualmente submetido não decorre da ação penal julgada agora pela 1ª turma.
A medida foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito do Inq. 4.995 e da Pet 14.129, após descumprimento reiterado de cautelares impostas ao ex-presidente.
Segundo o relator, Bolsonaro utilizou indiretamente de redes sociais, por meio de familiares e aliados, para difundir mensagens que configurariam tentativa de coação ao STF e obstrução da Justiça.
Diante disso, Moraes converteu as restrições anteriormente fixadas em prisão domiciliar com cumprimento integral, acompanhada de medidas adicionais, como proibição de visitas, de uso de celulares e busca e apreensão de aparelhos.
A decisão foi referendada pela maioria da 1ª turma, em votação no plenário virtual.
Assim, mesmo que seja condenado ou absolvido no julgamento do "Núcleo 1", Bolsonaro continuará em prisão domiciliar em razão desse outro processo.