Cármen Lúcia vota para condenar Bolsonaro e aliados; veja detalhes
Até o momento há 3 votos para condenar Bolsonaro e aliados por todos os 5 crimes imputados pela PGR.
Da Redação
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Atualizado às 17:31
Nesta quinta-feira, 11, a ministra Cármen Lúcia proferiu voto no julgamento em que a 1ª turma do STF decide o destino de oito réus por tentativa de golpe de Estado.
S. Exa. somou-se ao relator, Alexandre de Moraes, e Flávio Dino, votando para condená-los pelos cinco crimes imputados pela PGR.
Com o voto da ministra, o colegiado já tem votos suficientes para a condenação.
Apenas Luiz Fux votou pela absolvição total de 6 dos 8 réus, e por condenar apenas parcialmente outros dois.
Veja como foi o voto de Cármen Lúcia.
Ministra Cármen Lúcia, ao votar, destacou o caráter inédito do caso, que envolve acusações de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito.
Segundo a ministra, todo processo penal é "humanamente difícil", pois coloca em confronto os direitos fundamentais dos acusados e o direito da sociedade a uma resposta justa, seja de absolvição ou de condenação.
"O Supremo Tribunal Federal tem o compromisso histórico de assegurar que todos os julgamentos observem os direitos fundamentais e que prevaleça o Direito."
Cármen Lúcia comparou o julgamento a um "encontro do Brasil com seu passado, presente e futuro", evocando versos do poeta Afonso Romano de Sant'Anna em "Que País é Este?".
Para S. Exa., a história brasileira tem sido marcada por "rupturas constitucionais, institucionais e políticas" que retardam a maturação democrática e dificultam o florescimento de novas lideranças.
"Talvez o diferencial mais candente desta ação penal seja, além do ineditismo do tipo penal a ser aplicado, a circunstância de estarmos a afirmar que a lei é para ser aplicada igualmente para todos", ressaltou, lembrando que os fatos narrados na denúncia "não foram negados em sua essência" e precisam ser enfrentados à altura da gravidade histórica que representam.
Grão maligno
A ministra recordou que o julgamento ocorre no ano em que o Brasil celebra 40 anos do processo de redemocratização e se aproxima dos 37 anos da Constituição de 1988, período em que o país realizou nove eleições presidenciais e manteve estabilidade institucional, apesar de crises como dois impeachments. "Se houve dor, também houve muita esperança", ponderou.
Ainda, observou que desde 2021 surgiram "novos focos de pesares sociopolíticos", frutos de estratégias voltadas a objetivos espúrios que comprometeram a ordem democrática.
Em sua avaliação, houve "sequência encadeada e finalística" de práticas destinadas a "semear o grão maligno da antidemocracia, tentando romper o ciclo democrático das últimas quatro décadas".
Vírus insidioso
Cármen Lúcia comparou o autoritarismo a um vírus insidioso, capaz de contaminar liberdades e direitos.
"Por mais que se produza instrumentos ou vacinas constitucionais e legais, não há imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo, que destila seu veneno a contaminar democracias."
Para a ministra, é exatamente por essa razão que constituições modernas e legislações penais tipificam o golpe de Estado como crime, com o objetivo de proteger o regime democrático.
Normas existentes
Ao tratar da tipificação penal, destacou que os crimes em análise possuem natureza distinta dos delitos comuns, por serem "complexos, ambíguos e destrutivos", minando a estrutura política, jurídica, econômica e institucional legitimamente vigente. Embora nenhum sistema seja perfeito, ressaltou, é legítimo e deve ser respeitado.
Nesse contexto, lembrou que a tipificação dos crimes contra o Estado Democrático de Direito foi introduzida recentemente na legislação brasileira, justamente para dar resposta a práticas que atentem contra a ordem constitucional.
"Difícil e imprescindível de se configurar no sistema jurídico, golpe de Estado precisa ser previsto, como feito na legislação brasileira, e, em caso de comprovação, deve gerar a responsabilização de quem o praticou ou tentou praticar."
Rejeitou a ideia de criação de normas sob medida para punir golpistas. Para S. Exa., isso também configuraria autoritarismo.
"Não há que se inventar normas ad hoc para punir golpistas. O que se faz é aplicar a norma vigente, subsumindo os comportamentos aos tipos penais já previstos."
Autógrafo da lei
A ministra reforçou que é dever dos órgãos estatais apurar a ocorrência da tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, responsabilizando os autores pelos atos praticados contra as instituições. Nesse ponto, Cármen Lúcia chamou atenção para uma contradição: a própria lei utilizada para enquadrar os réus (lei 14.197/21), que tipificou os crimes contra a democracia, foi sancionada com a assinatura de quatro deles.
"Curiosamente, nem se pode discutir neste processo a legitimidade da legislação apontada pelo Procurador-Geral, porque a Lei 14.197 tem no seu autógrafo a assinatura de quatro dos oito réus nesta ação: Jair Messias Bolsonaro, Anderson Gustavo Torres, Walter Souza Braga Netto e Augusto Heleno Ribeiro", destacou.
Segundo a ministra, não apenas a norma é legítima, por ter sido aprovada pelo Congresso e promulgada na forma da Constituição, como também não se pode alegar desconhecimento quanto à gravidade de se atentar contra a ordem constitucional.
"Quatro dos oito são exatamente os autores do autógrafo desta lei."
Preliminares
Na sequência, ministra Cármen Lúcia passou a enfrentar as preliminares apresentadas pelas defesas.
Rejeitou, de início, as alegações de suspeição e parcialidade, lembrando que o tema já havia sido decidido pelo plenário e reafirmando a competência do Supremo para processar e julgar o caso, como já reconhecido em precedentes, a exemplo da Ação Penal 470.
Também afastou a tese de cerceamento de defesa, sublinhando que houve amplo acesso às provas e que não se demonstrou qualquer prejuízo concreto, requisito indispensável para a declaração de nulidade.
Destacou, ainda, a excelência da atuação dos advogados, que foram recebidos em audiências, entregaram memoriais consistentes e apresentaram requerimentos diversos, todos devidamente apreciados. "Se tivesse havido um cerceamento tão grande, nós não poderíamos ter todo o acervo que temos, inclusive pela atuação da Procuradoria-Geral da República e dos advogados", afirmou.
Em sua análise, a ministra ressaltou que o processo observou o devido processo legal e rechaçou críticas quanto à rapidez do julgamento.
Para S. Exa., o uso da tecnologia tornou possível acelerar a tramitação sem comprometer direitos.
"Não dá para comparar um mundo de antes com o mundo de agora. Em processos com dezenas de réus, no passado, os prazos eram alongados pela natureza física dos autos. Hoje, com os instrumentos digitais, temos outras possibilidades."
Nesse ponto, enfatizou que a informatização responde a uma das maiores demandas sociais em relação ao Judiciário: superar a morosidade na prestação jurisdicional, sobretudo em casos de grande gravidade institucional.
Cármen Lúcia também rejeitou a alegação de nulidade da colaboração premiada de Mauro Cid, frisando que a voluntariedade do colaborador ficou demonstrada em diversas oportunidades, inclusive em manifestações recentes em juízo. "Ele reiterou sua vontade de colaborar, sempre acompanhado de seus advogados, e afirmou que atuava de forma livre e espontânea", registrou.
Outras preliminares igualmente foram afastadas, como a suposta restrição de participação em interrogatórios, hipótese que não se verificou, já que a defesa pôde acompanhar as audiências, e a alegação de nulidade pela ausência de gravação de acareações, indeferida de forma fundamentada para preservar o sigilo de outros procedimentos.
Por fim, lembrou que o direito ao silêncio foi integralmente respeitado, em consonância com a Constituição.
Mérito
Ao ingressar no mérito, ministra Cármen Lúcia analisou a acusação de organização criminosa.
Lembrou que o STF já enfrentou o tema em diversos processos e destacou que, neste caso, a PGR demonstrou, de forma cabal, que um grupo liderado por Jair Bolsonaro, composto por integrantes do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e executou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas.
Segundo a ministra, o objetivo central era minar a alternância legítima do poder nas eleições de 2022 e fragilizar o exercício dos demais poderes constitucionais, em especial o Judiciário. Para tanto, os réus teriam se utilizado da chamada milícia digital, difundindo ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral.
Cármen Lúcia ressaltou o simbolismo da urna eletrônica como instrumento de cidadania.
"A urna hoje é algo do povo brasileiro. Desmoralizá-la não é um processo fácil, porque representa a confiança que o eleitor deposita ao exercer sua cidadania no ato de votar."
Recordou, ainda, que o Brasil se tornou matriz de um modelo internacional de votação, reconhecido por sua segurança e transparência. Nesse sentido, avaliou que as alegações de fraude foram forjadas apenas para plantar desconfiança e justificar uma empreitada antidemocrática.
Para a ministra, não se tratou de atos isolados, mas de uma cadeia de comportamentos delituosos concatenados, típicos de uma organização criminosa.
Comparou com o crime organizado comum: assim como no tráfico cada participante desempenha funções específicas, na trama golpista cada réu teria atuado, direta ou indiretamente, para alcançar a finalidade de "sequestrar a alma da República, impedindo a validade do processo eleitoral".
"O golpe de Estado é muito mais do que um ato isolado; é a articulação planejada, que alicia e instrumentaliza para alcançar fins autoritários", concluiu.
Organização criminosa
Em sua análise sobre o crime de organização criminosa, ministra Cármen Lúcia recorreu a referências históricas e acadêmicas para contextualizar o fenômeno dos golpes de Estado.
Citou a historiadora Luísa Starn, ao lembrar que "golpes eclodem numa dinâmica de crise de que se beneficiam seus protagonistas, capazes de perceber o potencial disruptivo da circunstância para se apossarem do controle político em favor de seus interesses particulares".
Também mencionou o professor Milton Binotto, autor de "Golpe de Estado: História de uma Ideia", segundo o qual o segredo é condição para a conspiração, enquanto o desvelamento da trama para o grande público é "passo essencial e cheio de risco".
A ministra destacou a lição de que "a tentativa de conquistar o poder por meio de uma conspiração só é bem-sucedida se visa o coração da República com suas leis e costumes - e os destrói".
Para Cármen Lúcia, foi exatamente esse o contexto revelado no processo: uma preparação paulatina, uma "máquina do golpe" construída ao longo do tempo, que culminou nos ataques às instituições. Por isso, afirmou não ser possível analisar os atos isoladamente, sob pena de esvaziar seu verdadeiro enquadramento jurídico.
"Em meu voto, ao tratar da organização criminosa, concluo exatamente pela sua comprovação neste caso, conforme denunciado pelo procurador-geral da República, comprovado na instrução e reafirmado em alegações finais", concluiu a ministra.
Abolição do Estado de Direito e tentativa de golpe
Ao tratar dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, ministra Cármen Lúcia afirmou que ambos restaram configurados no caso e não podem ser confundidos ou absorvidos entre si.
Para S. Exa., as provas reunidas evidenciam práticas distintas, mas complementares, que se somaram para atacar a ordem democrática.
A ministra rejeitou o argumento das defesas de que não teria havido violência. Segundo destacou, as imagens exibidas desde o recebimento da denúncia, bem como os fatos apurados em operações como a Verde Amarelo, deixam claro o uso de violência física, institucional e política, especialmente contra o Judiciário e a Justiça Eleitoral.
Em sua visão, o que ocorreu foi um conjunto de práticas planejadas e executadas para fomentar a instabilidade política e social, criando o ambiente propício à ruptura institucional.
"A tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e a tentativa de golpe de Estado deixam patente que se trata de crime tentado, porque se fosse exaurido não estaríamos nós aqui a julgar", afirmou.
Cármen Lúcia classificou esses delitos como crimes de empreendimento, que não exigem a consumação para caracterizar sua gravidade, pois visam diretamente ao "coração da República".
Lembrou que crises muitas vezes são fabricadas artificialmente, com a disseminação de desinformação e ataques à política institucional, sobretudo por meio das tecnologias digitais.
"Semear a desconfiança é simples, especialmente com o uso das tecnologias. Já semear a confiança depende de uma construção diuturna", alertou.
Concluiu, assim, que não há consunção nem absorção entre os crimes, reafirmando a autonomia da tipificação de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, conforme já reconhecido em decisões anteriores do Supremo.
Atos de violência
Ministra Cármen Lúcia ressaltou que, ao contrário do alegado pelas defesas, as provas colhidas nos autos demonstram de forma clara a participação dos réus em atos de violência, grave ameaça, coação institucional e até cogitação de assassinato de autoridades.
Tais condutas, segundo afirmou, tiveram como objetivo abolir o Estado Democrático de Direito, restringindo a atuação dos poderes constitucionais, especialmente o Judiciário e, em particular, a Justiça Eleitoral, além de tentar depor o governo legitimamente constituído.
Ao mencionar a Operação Verde Amarelo e o COP22, a ministra destacou episódios em que houve monitoramento de autoridades, inclusive do relator Alexandre de Moraes, com o objetivo de "neutralizá-lo". Para S. Exa., esse tipo de ação evidencia a gravidade da articulação e a convergência de condutas voltadas a um fim golpista.
Cármen Lúcia afastou a tese de que os atos teriam caráter meramente preparatório.
Para a ministra, as condutas narradas na denúncia já representaram a execução do plano criminoso:
"Atos tidos como preparatórios não podem ser considerados como dados isolados sem efeito, quando a conduta adotada já é o início mesmo do que se pretende."
Na avaliação da ministra, a prova dos autos é farta quanto à existência de colusão entre os acusados, organizada sob a liderança de Jair Bolsonaro, e evidenciada por práticas como a elaboração e circulação de minutas golpistas, pressões para adesão a tais documentos e monitoramentos de autoridades do Judiciário e de candidatos eleitos.
Além dos crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, a ministra reconheceu a prática dos delitos de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, lembrando que as imagens dos ataques falam por si e demonstram a destruição do patrimônio público, inclusive da sede do STF.
Mauro Cid
A ministra rejeitou a tese de que Mauro Cid teria sido mero espectador dos fatos. Para S. Exa., as provas mostram que ele atuou ativamente na organização criminosa, recebendo e repassando documentos, articulando estratégias, mantendo contato com manifestantes e participando de reuniões.
Segundo a ministra, Cid colaborou na produção de provas falsas sobre as eleições e esteve em sintonia com Jair Bolsonaro e outros integrantes do grupo.
"Não se tratava de bravatas, mas de dolo, com consciência e vontade dirigidas à prática dos crimes", afirmou.
Cármen Lúcia reconheceu a validade da colaboração premiada, mas concluiu que o réu deve ser considerado autor dos crimes imputados, cabendo à fase de dosimetria avaliar eventual benefício.
Jair Bolsonaro
Ao analisar a conduta do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, ministra Cármen Lúcia afirmou que há provas consistentes de sua atuação como líder da organização criminosa denunciada pela PGR.
Segundo destacou, Bolsonaro não foi "tragado" para os acontecimentos, mas sim o articulador central da trama, responsável por estruturar e direcionar estratégias voltadas à manutenção ilegítima do poder ou à ruptura institucional.
A ministra ressaltou que o ex-presidente promoveu a propagação sistemática de desinformação sobre o sistema eleitoral, ataques a instituições e autoridades, instrumentalizou órgãos de Estado, buscou a cooptação de comandos militares e instigou manifestações violentas.
Negou, assim, a tese de que sua responsabilidade não estaria formalmente registrada em documentos.
"Nunca houve recibo em cartório para golpes de Estado", observou.
Para Cármen Lúcia, o vasto material probatório, que inclui a minuta do golpe, mensagens compartilhadas e reuniões realizadas, revela que não se tratava de atos preparatórios, mas de práticas executórias.
"Os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado não são instantâneos. São empreendimentos prolongados, cuja execução ficou fartamente demonstrada", afirmou.
A ministra também destacou que a participação de Bolsonaro se estendeu de junho de 2021 até os ataques de 8 de janeiro de 2023, configurando um processo contínuo de erosão democrática.
Enfatizou que a instigação às manifestações, a pressão sobre a Justiça Eleitoral e o planejamento de neutralização violenta de agentes públicos estão devidamente comprovados nos autos.
"Há um acervo enorme de provas a indicar os planos de tomada do poder pela ruptura institucional ou pela permanência forçada", concluiu Cármen Lúcia, reafirmando que Bolsonaro exerceu papel de liderança, não apenas na retórica, mas na coordenação prática da empreitada golpista.
Demais réus
Ministra Cármen Lúcia concluiu pela procedência integral da denúncia apresentada pela PGR com relação aos demais réus.
Quanto a Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, Cármen Lúcia destacou que sua participação foi ativa, apesar da versão defensiva de que se limitava a ler trechos de relatórios.
Ressaltou que as provas indicam envolvimento direto em ataques às urnas e articulação de medidas no âmbito da PRF, além da suspeita viagem realizada às vésperas do 8 de janeiro, que não afastaria sua responsabilidade.
Sobre o general Augusto Heleno, a ministra enfatizou sua presença constante nas reuniões do grupo, inclusive em dezembro de 2022, em circunstâncias que desmentem a alegação de afastamento. Documentos e registros, como a chamada "caderneta", reforçam, segundo ela, seu papel de colaborador ativo na difusão de mensagens antidemocráticas.
Em relação a Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, apontou que sua atuação contribuiu para desqualificar o processo eleitoral, sobretudo por meio de relatórios que, mesmo sem provas de fraude, mantinham em aberto a suspeita sobre a legitimidade das urnas.
Quanto a Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente, a ministra destacou sua participação direta em reuniões com grupos extremistas, além de mensagens que revelam incentivo à permanência de manifestantes diante de quartéis e resistência ao esvaziamento das mobilizações.
Sobre Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, reafirmou sua atuação como elo fundamental da engrenagem criminosa, responsável por repassar documentos, articular estratégias e manter o ânimo dos envolvidos.
Por fim, incluiu também Alexandre Ramagem e Almir Garnier Santos, cujas condutas, segundo apontou, demonstram envolvimento nas articulações e reuniões voltadas à ruptura institucional.
Resultado do voto
Cármen Lúcia votou pela condenação de todos os réus pelos crimes de:
- organização criminosa (armada),
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
- tentativa de golpe de Estado,
- dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Em relação a Jair Bolsonaro, destacou o caráter diferencial de sua responsabilidade, por atuar na condição de líder da organização criminosa. Eventuais distinções sobre grau de participação, frisou, devem ser analisadas na fase de dosimetria da pena.
Voto de Moraes
O relator, ministro Alexandre de Moraes rejeitou todas as preliminares e votou pela condenação integral dos acusados.
Para S. Exa., Bolsonaro chefiou estrutura hierarquizada que usou órgãos públicos para desacreditar eleições, ameaçar o Judiciário e preparar a tomada do poder.
Discursos, reuniões, encontro com embaixadores e a "minuta do golpe" demonstraram tentativa concreta de instaurar regime de exceção.
Voto de Dino
Ministro Flávio Dino acompanhou o relator na condenação, mas diferenciou a gravidade das condutas.
Reconheceu Bolsonaro e Braga Netto como centrais, mas sugeriu atenuar penas de Ramagem, Heleno e Nogueira.
Ressaltou que os atos ultrapassaram a preparação e avançaram para a execução, com violência como elemento central da trama golpista.
Voto de Fux
Nesta quarta-feira, 10, Fux sustentou três preliminares: incompetência do STF (e, especificamente, da 1ª turma) para julgar o caso após a perda de foro e cerceamento de defesa, diante da entrega tardia e caótica de 70 TB de provas - o que, para ele, anula os atos desde o recebimento da denúncia.
Validou a delação de Mauro Cid (com benefícios) e determinou suspender a ação contra Alexandre Ramagem quanto a organização criminosa.
No mérito, fixou premissas estritas de legalidade e tipicidade: rejeitou a existência de organização criminosa (faltaram estrutura estável e crimes indeterminados), tratou o dano como subsidiário e reforçou que abolição do Estado de Direito (359-L) e golpe de Estado (359-M) exigem violência/ato executório e dolo inequívoco.
Quanto aos réus, Fux absolveu integralmente Bolsonaro (sem dolo, nexo ou atos executórios; sem vínculo com 8/1) e absolveu Almir Garnier de todas as imputações.
Quanto a Mauro Cid, absolveu-o por organização criminosa e pelos danos, mas condenou por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito.
Quem são os réus?
No banco dos réus da 1ª turma estão figuras centrais do governo Bolsonaro.
Respondem pelo plano de ruptura institucional:
- o ex-presidente da República Jair Bolsonaro;
- o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid;
- o deputado Alexandre Ramagem;
- o almirante Almir Garnier;
- o general Anderson Torres,
- o general Augusto Heleno
- o general Paulo Sérgio Nogueira e
- o general Walter Braga Netto.
Crimes e penas
A acusação atribui aos réus, entre outros, os crimes de:
- Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M, CP; 4-12 anos);
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L, CP; 4-8 anos);
- Organização criminosa armada (lei 12.850/13; 3-8 anos, com majorantes e aumento por liderança);
- Dano qualificado à União (art. 163, parágrafo único, III, CP; 6 meses-3 anos); e
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, lei 9.605/98; 1-3 anos).
Em tese, a soma das penas pode ultrapassar os 40 anos, mas, pela legislação brasileira, o tempo máximo de cumprimento efetivo é de 40 anos.
Além disso, eventual condenação não implica prisão imediata para execução definitiva da pena. Em 2019, o STF consolidou o entendimento de que a pena só pode começar a ser cumprida após o trânsito em julgado da decisão.
Da investigação ao julgamento
A investigação que resultou na denúncia contra Jair Bolsonaro e aliados começou em 2022 e foi concluída em novembro de 2024, quando a PF encerrou o inquérito que apurava a atuação de uma organização criminosa voltada a manter o então presidente no poder à revelia do resultado eleitoral.
No relatório final, fruto das operações Tempus Veritatis e Contragolpe, a PF indiciou 37 pessoas, incluindo Bolsonaro, generais de alta patente e dirigentes partidários.
O documento apontou crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe e organização criminosa, detalhando seis núcleos de atuação: desinformação, incitação de militares, jurídico, operacional de apoio, inteligência paralela e medidas coercitivas.
Pouco depois, a operação Contragolpe levou à prisão de cinco investigados por um plano que incluía, além da ruptura institucional, homicídios do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Com base nessas apurações, a Procuradoria-Geral da República apresentou, em fevereiro de 2025, denúncia formal (Pet 12.100) contra Bolsonaro e outros 32 acusados.
O grupo foi imputado por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A PGR atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama, sustentando que ele comandou ações para desacreditar o processo eleitoral, pressionar as Forças Armadas e preparar decretos que poderiam servir de base para uma ruptura institucional.
Em março de 2025, a 1ª turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réus Bolsonaro e outros sete integrantes do chamado "Núcleo 1" da acusação, rejeitando todas as preliminares levantadas pelas defesas, como alegações de suspeição dos ministros, incompetência da Corte e nulidades relacionadas à colaboração premiada de Mauro Cid.
Na etapa seguinte, em julho de 2025, a PGR apresentou alegações finais em peça de 517 páginas, pedindo a condenação de todos os réus pelos crimes narrados na denúncia. O órgão classificou Bolsonaro como líder da organização criminosa e principal articulador das ações golpistas.
Um ponto específico diz respeito ao deputado Alexandre Ramagem.
Em razão do foro parlamentar, a 1ª turma decidiu suspender o processo apenas quanto aos crimes patrimoniais a ele atribuídos, relacionados a fatos posteriores à sua diplomação.
Assim, ele segue respondendo por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Processo: AP 2.668
Preso por outro processo
Importante destacar que a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro não está ligada à ação penal julgada pela 1ª turma.
Ela foi determinada por Alexandre de Moraes no Inq. 4.995 e na Pet 14.129, após descumprimento de cautelares.
Segundo o ministro, o ex-presidente utilizou aliados e familiares para difundir mensagens que configurariam coação ao STF e obstrução da Justiça.
Diante disso, as restrições foram convertidas em prisão domiciliar integral, com medidas adicionais, como proibição de visitas e de uso de celulares.
A decisão foi confirmada pela maioria da 1ª turma em plenário virtual.