Caso Evandro: STJ rejeita recurso do MP e confirma absolvições
Corte reconhece que confissões foram obtidas sob tortura e aponta graves falhas na condução do caso.
Da Redação
terça-feira, 16 de setembro de 2025
Atualizado em 17 de setembro de 2025 14:23
A 6ª turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial interposto pelo MP/PR, que buscava reverter a decisão do Tribunal de Justiça estadual que anulou as condenações de réus no emblemático Caso Evandro, ocorrido em 1992, em Guaratuba/PR.
A Corte reconheceu a ilicitude das provas obtidas por meio de tortura, a ausência de elementos válidos para a condenação, e a legitimidade da extensão dos efeitos da revisão criminal a outros acusados.
Além disso, o julgamento será comunicado ao CNJ e ao CNMP, conforme proposta aprovada durante a sessão, com o objetivo de fomentar ações institucionais que previnam erros judiciais graves no sistema de justiça criminal brasileiro.
O caso
O chamado Caso Evandro teve início em abril de 1992, quando o menino Evandro Ramos Caetano, de seis anos, desapareceu a caminho da escola em Guaratuba/PR. Dias depois, seu corpo foi encontrado mutilado em um matagal, com sinais de extrema violência.
O crime gerou comoção nacional e resultou na prisão de sete pessoas, entre elas Beatriz e Celina Abagge, esposa e filha do então prefeito da cidade, acusadas de participação em um suposto ritual de magia negra.
As confissões dos acusados, pilar central das condenações, foram obtidas sob circunstâncias controversas, com fortes indícios de tortura e coerção. O caso voltou a repercutir após a estreia da série documental "O Caso Evandro", produzida pela Globoplay.
Após anos de disputas judiciais, Beatriz Abagge foi absolvida em 2016 e, em 2023, o TJ/PR anulou as condenações remanescentes, reconhecendo a ilicitude das provas e graves violações de direitos fundamentais.
O recurso especial do MP/PR questionava o acórdão do TJ/PR que, em revisão criminal, anulou as condenações de Davido Santos Soares e Oswaldo Marcinego, com extensão dos efeitos a Beatriz Abagge e aos sucessores de Vicente de Paula Ferreira. O parquet alegou ausência de prova nova e ilegalidade na extensão da decisão.
Contudo, o STJ entendeu que os elementos utilizados na revisão eram válidos, pois derivavam de gravações originais de confissões apresentadas ao próprio Ministério Público, mas omitidas ou editadas durante a tramitação inicial.
Com isso, afastou-se a necessidade de justificação criminal prévia e foi reconhecida a possibilidade de extensão dos efeitos a outros acusados.
Relator destaca tortura, ausência de provas e perdão oficial do Estado
Antes da leitura da ementa, o ministro Sebastião Reis Júnior mencionou uma carta oficial de perdão enviada pela Secretaria de Justiça do Paraná aos acusados, após a repercussão da série documental. O documento, assinado pelo então secretário Ney Leprevost, reconhece "erros indesculpáveis cometidos no passado" e afirma que os condenados foram "vítimas de torturas gravíssimas".
"Mesmo com esse reconhecimento formal por parte do Estado, houve recurso do Ministério Público local", observou o relator.
A ementa do acórdão destaca que a revisão criminal foi devidamente admitida com base na comprovação da ilicitude das confissões, o que resultou na absoluta ausência de provas válidas para sustentar as condenações.
Também foi reconhecida a possibilidade de extensão dos efeitos da decisão a outros acusados, como Beatriz Abagge, cuja revisão havia sido anteriormente rejeitada por questões formais.
"A explosão das confissões ilícitas acarretou a absoluta ausência de provas para a condenação", ressaltou o relator.
Durante a sessão, o ministro Rogério Schietti Cruz propôs que o caso fosse comunicado ao CNJ e ao CNMP, com o objetivo de fomentar estudos e medidas estruturais voltadas à prevenção de futuras injustiças semelhantes. A proposta foi acolhida de imediato pelo relator.
"Nós estamos diante de um dos casos mais trágicos de condenação injusta, porque envolve, assim como no caso famoso também dos Irmãos Naves, o emprego de tortura por parte do Estado. É claro que isso não é a regra, mas nós temos visto aqui na sessão, nas turmas, vários casos de erros judiciais, e eu creio que já passou da hora de avaliarmos a possibilidade de se criar uma espécie de laboratório, de observatório nacional - não em apurações regionais ou estaduais -, mas uma investigação em nível nacional."
Assim, a 6ª turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial interposto pelo MP/PR, mantendo a decisão do TJ do estado que anulou as condenações no Caso Evandro.
- Processo: REsp 2.200.169





