STF inicia julgamento de requisição de dados de telefonia por delegado
Com placar de 1 a 1, análise foi suspensa por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Da Redação
quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Atualizado às 09:41
Após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o STF interrompeu o julgamento, em plenário virtual, da ADIn 5.059, que questiona o § 2º do artigo 2º da lei 12.830/13. O texto autoriza delegados de polícia a requisitar, diretamente às operadoras de telefonia, dados, documentos, perícias e informações em investigações criminais, sem menção à necessidade de autorização judicial. Discute-se se essa atribuição viola o direito ao sigilo das comunicações telefônicas.
A ação foi proposta pela Acel - Associação Nacional das Operadoras de Celulares, sob alegação de que a regra confere acesso indiscriminado a dados sensíveis dos cidadãos, em violação ao direito constitucional à privacidade e ao sigilo das comunicações (art. 5º, incisos X e XII, da Constituição). Pleiteia, assim, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, ou interpretação conforme para determinar a exclusão da possibilidade de quebra de sigilo, independentemente de autorização judicial, de determinados dados, como interceptação de voz e telemática, localização do terminou ou identificação do aparelho móvel em tempo real, entre outros.
Até o pedido de vista, dois votos haviam sido proferidos: o do relator, ministro Dias Toffoli, e o do ministro Cristiano Zanin, que abriu divergência.
Voto do relator, Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli votou pela procedência parcial da ação, propondo uma interpretação conforme à Constituição para limitar o alcance do dispositivo questionado.
Ele entendeu que o dispositivo legal não autoriza um acesso amplo e irrestrito, mas deve ser lido de forma a preservar a exigência de autorização judicial sempre que a medida envolver hipóteses submetidas à cláusula de reserva de jurisdição, como interceptações telefônicas e telemáticas, extratos de chamadas, mensagens de texto e geolocalização.
Para Toffoli, os delegados (assim como membros do Ministério Público) podem requisitar diretamente apenas dados cadastrais básicos - nome, filiação e endereço do titular da linha ou terminal telefônico.
Em situações específicas previstas no CPP (art. 13-A e 13-B, incluídos pela lei 13.344/16), o ministro entende que deve-se admitir, de forma excepcional, o acesso direto a dados de localização em tempo real de terminais e ao fornecimento de extratos de ERB - Estações Rádio-Base.
Já informações mais sensíveis, capazes de revelar o conteúdo das comunicações ou de detalhar hábitos e rotinas, dependem, segundo o relator, de ordem judicial prévia.
Em suma, o ministro admite que o delegado pode requisitar dados cadastrais básicos e, em hipóteses excepcionais previstas em lei, dados de localização em tempo real e extratos de ERB.
- Leia a íntegra do voto.
Voto divergente, de Cristiano Zanin
O ministro Cristiano Zanin abriu divergência parcial. Para ele, o dispositivo deve ser interpretado de modo ainda mais restritivo, de forma a limitar o poder de requisição dos delegados exclusivamente a intervenções de baixa intensidade na esfera da privacidade, como os dados cadastrais básicos (qualificação, endereço e filiação).
Zanin destacou que qualquer medida além disso, como acesso a registros telefônicos, localização de aparelhos, extratos de SMS, dados de IP ou informações armazenadas em agendas virtuais, constitui intrusão relevante na vida privada e exige autorização judicial.
Em sua análise, a interpretação do dispositivo deve acompanhar a evolução legislativa e jurisprudencial recente, especialmente o Marco Civil da Internet, a LGPD e a EC 115/22, que elevou a proteção de dados pessoais a direito fundamental.
Em resumo, permite a solicitação de apenas os dados cadastrais básicos; todo o restante depende de ordem judicial.
Com o pedido de vista de Gilmar Mendes, o julgamento foi interrompido no plenário virtual e deve ser retomado em 90 dias.
- Leia a íntegra do voto.
Processo: ADIn 5.059
Caso Marielle
Paralelamente, o STF deve retomar nesta quarta-feira, 24, um outro processo que também discute sigilo telemático: trata-se do RE 1.301.250, no qual no qual se discute os limites para a quebra de sigilo de usuários da internet (pessoas não identificadas), no contexto de investigações criminais, com base no que elas buscaram em sites de pesquisa.
O caso envolve investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O julgamento foi iniciado em abril, mas foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Na ocasião, o placar ficou 2 a 2. Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin entenderam que é possível quebra de sigilo telemático de pessoas indeterminadas, desde que com fundadas suspeitas; enquanto André Mendonça e Rosa Weber entendem que não.
Faltam votar os ministros Cármen Lúcia, Nunes Marques, Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Processo: RE 1.301.250





