STF: Vista de Toffoli suspende análise de quebra de sigilo de buscas online
Julgamento foi suspenso após pedido do ministro.
Da Redação
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Atualizado às 17:32
O ministro Dias Toffoli pediu vista suspendendo julgamento que discute a possibilidade de quebra de sigilo de usuários da internet a partir de buscas feitas em sites de pesquisa.
Na sessão desta quinta-feira, 25, o ministro Edson Fachin apresentou voto acompanhando, no caso concreto, a divergência de Alexandre de Moraes e considerou legítima a quebra de sigilo, por entender que a medida foi delimitada e não configurou "fishing expedition".
O ministro reservou para momento posterior suas considerações sobre a formulação das teses de repercussão geral.
Histórico
Nas últimas sessões, os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques apresentaram votos no sentido de admitir a medida em caráter excepcional, restrita a investigações de crimes hediondos.
Com isso, formaram uma "terceira corrente" no colegiado, entre as posições já delineadas.
Em abril, ministro André Mendonça acompanhou a relatora, ministra Rosa Weber (atualmente aposentada), para condicionar a medida a critérios estritos e objetivos, reforçando a necessidade de proteção aos direitos fundamentais.
Por outro lado, ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin defenderam a possibilidade da quebra de sigilo sempre que houver fundada suspeita de prática de ilícito penal, sem restringir a técnica apenas a determinados crimes.
Confira o placar:
- Processo: RE 1301.250
Caso Marielle Franco
No caso, o Google recorreu ao STF contra decisão do STJ que restabeleceu a quebra de sigilo de usuários que pesquisaram termos ligados a Marielle Franco entre 10 e 14 de março de 2018. A medida buscava identificar IPs e identificadores de dispositivos, visando auxiliar na investigação do assassinato da vereadora.
O STJ entendeu que a ordem era fundamentada, proporcional e restrita a um recorte temporal e geográfico. Afirmou ainda que os dados não úteis seriam descartados, preservando os direitos fundamentais.
O Google, porém, alegou que a medida viola a privacidade dos usuários, por ser genérica e sem relação direta com o crime.
Argumentou que os dados buscados estão protegidos pela CF e que os termos pesquisados são comuns e ligados a figura pública, o que poderia afetar injustamente muitos inocentes.
A empresa alertou ainda para o risco de que tal decisão crie precedentes perigosos, permitindo quebras de sigilo amplas em futuras investigações, e destacou a importância da proteção de dados diante da crescente digitalização.
Voto da relatora
Em 2024, ministra Rosa Weber, relatora do caso, votou pela anulação de parte da decisão da 4ª vara Criminal do RJ. Facultou que nova decisão seja proferida, desde que respeite direitos fundamentais à privacidade, proteção de dados pessoais e devido processo legal.
S. Exa. propôs a seguinte tese:
"À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação."
A ministra argumentou que não há base legal suficiente para uma medida tão ampla que afeta os dados pessoais de muitos usuários.
Além disso, considerou a medida desproporcional, pois o pedido incluía dados de todos que pesquisaram o nome da vereadora Marielle Franco no Google após seu homicídio, independentemente de envolvimento ilícito.
Rosa Weber destacou que essa ação comprometeria a privacidade de muitos usuários sem relação com os crimes investigados, caracterizando uma devassa indevida e desproporcional.
- Veja o voto da ministra.
Acompanhando a relatora
Em abril, ao votar, ministro André Mendonça manifestou preocupação com a possibilidade de que a quebra de sigilo telemático de grupos indeterminados de pessoas acabe se transformando em uma espécie de "fishing expedition" - expressão usada para designar investigações genéricas e amplas, sem base objetiva ou indícios concretos, em busca de eventuais ilícitos.
Para o ministro, autorizar medidas desse tipo representa risco direto a direitos fundamentais como a intimidade e o devido processo legal.
S. Exa. defendeu critérios estritos e objetivos para qualquer requisição judicial, como especificação do tipo de dado solicitado, correlação clara com a investigação e descarte das informações que não tenham relevância para o caso
Divergência
Ministro Alexandre de Moraes, ao apresentar voto-vista, abriu divergência.
Defendeu a possibilidade de quebra de sigilo de dados de buscas na internet, desde que a medida esteja amparada por indícios de ilícito, decisão judicial fundamentada e critérios de proporcionalidade. Ressaltou que nenhum direito fundamental é absoluto e que o sigilo não pode servir de escudo para práticas ilícitas.
Propôs a seguinte tese:
"I. É constitucional a requisição judicial de registros de conexão, ou de registros de acesso a aplicativos de internet, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, inclusive o fornecimento de dados pessoais por provedores, em cumprimento de medida de busca reversa por palavra-chave, com fundamento no art. 10 e no art. 22 da lei 12.965/14 (marco civil da internet), desde que preenchidos os requisitos de:
a. fundados indícios de ocorrência do ilícito;
b. motivação da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e
c. período ao qual se referem os registros.
II. A ordem judicial poderá se referir a pessoas indeterminadas, mas determináveis, a partir de outros elementos de provas obtidos previamente na investigação e que justifiquem objetivamente a medida, desde que necessária, adequada e proporcional, justificando-se ainda a inexistência de outros meios menos invasivos para obter tais informações e a conveniência da medida em relação à gravidade do delito investigado.
III. A determinação judicial conterá, com precisão, os indexadores utilizados para a busca pretendida na base de dados do provedor, devendo a suspeita estar suficiente e formalmente fundamentada, de maneira proporcional. Esses indexadores podem envolver tanto as palavras-chave pesquisadas por indivíduos como determinações geográficas e temporais da busca."
Divergência no caso concreto
Nesta quinta-feira, 25, o ministro Edson Fachin apresentou voto acompanhando a divergência aberta no processo.
O ministro destacou que o caso deve ser analisado em duas dimensões: a aplicação concreta e a formulação de teses gerais. Por ora, optou por se restringir ao caso específico, acompanhando o voto do ministro Alexandre de Moraes.
Fachin relembrou debates anteriores sobre o Marco Civil da Internet e reafirmou premissas já defendidas, como a de que direitos offline devem ser igualmente protegidos online, que a privacidade é condição para o exercício pleno do direito de acesso à internet, e que a liberdade de expressão é elemento estruturante do Estado Democrático de Direito.
Ao avaliar a decisão do STJ, Fachin entendeu que o tribunal de origem agiu corretamente ao reconhecer que o sigilo de dados não é absoluto.
Para ele, a medida não foi genérica nem irrestrita: houve pedido da autoridade policial, manifestação favorável do Ministério Público e delimitação objetiva, incluindo período específico, parâmetros de pesquisa e correlação entre os usuários investigados e os ilícitos apurados.
Assim, considerou legítima a intervenção judicial, afastando a tese de que se trataria de uma "fishing expedition".
Fachin concluiu, portanto, por negar provimento ao recurso extraordinário, validando a decisão que autorizou a medida, e reservou para momento posterior suas considerações sobre a formulação das teses de repercussão geral.
Terceira corrente
Na quarta-feira, 24, ao apresentar voto-vista, o ministro Gilmar Mendes destacou que o julgamento exige do Supremo equilíbrio entre a proteção de dados e a segurança pública, no contexto do chamado "constitucionalismo digital".
Ressaltou que a proteção de dados deve ser tratada como direito fundamental autônomo, funcionando como barreira contra práticas de vigilância abusivas, e advertiu que a busca reversa pode inverter a lógica da investigação ao atingir pessoas inocentes, comprometendo garantias como a presunção de inocência.
Para S. Exa., a técnica só deve ser admitida em casos de crimes hediondos, mediante ordem judicial fundamentada, com delimitação precisa de termos e período de busca, além do descarte de dados irrelevantes.
A medida, acrescentou, deve ser excepcional e subsidiária, utilizada apenas quando outros meios de prova se mostrarem ineficazes.
No caso concreto, entendeu que os requisitos estavam atendidos, acompanhando a divergência de Alexandre de Moraes e negando provimento ao recurso do Google.
Veja a tese proposta:
"1) É constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicativos de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, inclusive o fornecimento de dados pessoais por provedores, em cumprimento de medida de busca reversa por palavra-chave, com fundamento no art. 10 e no art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), desde que preenchidos os requisitos de (a) fundados indícios de ocorrência do ilícito; (b) motivação da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ouinstrução probatória; (c) período ao qual se referem os registros.
2) Em casos de investigações relativas a crimes hediondos (lei 8.072/90) e na hipótese específica de busca reversa de dados de pesquisa em buscadores da internet, a ordem judicial poderá se referir a pessoas indeterminadas, mas determináveis a partir de outros elementos de provas, obtidos previamente na investigação e que justifiquem objetivamente a medida, desde que necessária, adequada e proporcional, justificando-se, ainda, a inexistência de outros meios menos invasivos para obter tais informações e a conveniência da medida em relação à gravidade do delito investigado.
3) A determinação judicial conterá, com precisão, os indexadores utilizados para a busca pretendida na base de dados do provedor, devendo a suspeita estar suficiente e formalmente fundamentada, de maneira proporcional. Esses indexadores podem envolver tanto as palavras-chave pesquisadas por indivíduos como determinações temporais da busca.
4) A busca reversa e coletiva de dados de pesquisa não deve ser utilizada como primeira medida investigativa, sendo condicionada, ainda, à delimitação precisa dos termos e do período de busca, ao descarte dos dados de pessoas não vinculadas ao inquérito e à indicação das razões que justifiquem a proporcionalidade da medida por parte da autoridade policial ou do Ministério Público, com análise deste requisito na decisão judicial autorizativa."
Na mesma linha, ministro Nunes Marques também reconheceu a possibilidade da busca reversa digital, ressaltando que a CF e a lei de interceptações foram concebidas em um ambiente analógico e precisam ser reinterpretadas diante da realidade digital.
Defendeu que a técnica não pode ser proibida de forma absoluta, já que nenhum direito é ilimitado, mas deve ser submetida a um regime de estrita excepcionalidade.
Para tanto, fixou parâmetros como ordem judicial prévia e bem fundamentada, uso de termos específicos (vedadas expressões genéricas), recorte temporal e geográfico sempre que possível, aplicação do critério da subsidiariedade e restrição a crimes hediondos ou equiparados.
Propôs ainda salvaguardas adicionais, como acesso progressivo aos dados (primeiro pseudonimizados, com desanonimização posterior apenas mediante justificativa), destruição supervisionada das informações de inocentes e notificação posterior dos afetados, quando viável.
- Processo: RE 1.301.250

