STF: Fux suspende análise da retomada do sistema de controle de bebidas
Ministros Zanin e Alexandre de Moraes votam por anular decisões do TCU que determinaram a retomada do Sicobe; o impacto fiscal estimado é de R$ 1,8 bilhão caso o sistema volte a operar.
Da Redação
sábado, 18 de outubro de 2025
Atualizado às 11:11
Ministro Luiz Fux suspendeu julgamento do MS 40.235, apresentado pela União contra decisões do TCU que determinaram a retomada do Sicobe - Sistema de Controle de Produção de Bebidas, desativado pela Receita Federal em 2016.
Até o momento, os ministros Cristiano Zanin, relator, e Alexandre de Moraes votaram para anular as decisões do TCU, entendendo que o órgão de controle excedeu suas competências ao interferir em atribuições da Receita e impor a reativação de um sistema já considerado inviável técnica, jurídica e economicamente.
Zanin ressaltou que a lei 13.097/15 confere à Receita Federal competência para definir e, quando necessário, dispensar obrigações acessórias voltadas ao controle fiscal, como o uso de equipamentos contadores de produção.
Segundo o relator, a descontinuação do Sicobe foi precedida de ampla fundamentação técnica, e sua reimplantação geraria impacto orçamentário de cerca de R$ 1,8 bilhão por ano, em virtude de créditos de PIS/Cofins às indústrias de bebidas.
 
Entenda
O Sicobe - Sistema de Controle de Produção de Bebidas foi criado em 2008 para monitorar em tempo real a fabricação de cervejas, refrigerantes e águas engarrafadas, com o objetivo de coibir fraudes fiscais e garantir o recolhimento de tributos.
Em 2016, a Receita Federal suspendeu a obrigatoriedade do sistema por meio dos Atos Declaratórios Executivos Cofis 75 e 94, após comissão do Ministério da Fazenda (Portaria 638/15) concluir pela inadequação técnica, jurídica e econômica do modelo.
O relatório apontou delegação irregular de funções da Casa da Moeda à empresa privada SICPA, falhas de funcionamento verificadas pelo Inmetro e custo elevado - cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, o equivalente à contratação de 4 mil auditores fiscais.
Mesmo diante dessas conclusões, o TCU determinou o restabelecimento do Sicobe, sustentando que a Receita não poderia afastar a obrigatoriedade prevista em lei. A AGU recorreu ao STF, alegando que o tribunal extrapolou suas competências ao interferir em decisão de natureza tributária e administrativa.
O debate ganhou destaque em meio a casos recentes de contaminação por metanol em bebidas clandestinas, que reacenderam a discussão sobre o rastreamento e o controle da produção no setor.
Segundo o governo, reativar o Sicobe custaria cerca de R$ 1,8 bilhão por ano, já que as empresas voltariam a ter direito a créditos de PIS/Cofins proporcionais aos gastos com o sistema.
O relator do caso, ministro Cristiano Zanin, já havia concedido liminar em abril para suspender a decisão do TCU, ao entender que a Receita tem competência legal para definir e extinguir obrigações acessórias ligadas à arrecadação de tributos.
A Receita Federal nega qualquer relação entre o fim do Sicobe e os casos de metanol. O órgão afirma que o controle de bebidas destiladas - como vodka, gin e uísque - é feito por meio de selos fiscais da Casa da Moeda, sem vínculo com o sistema desativado.
Autonomia da Receita Federal
No voto, o ministro Cristiano Zanin reconheceu o excesso do TCU e afirmou que a administração tributária possui discricionariedade técnica para criar, modificar ou extinguir obrigações acessórias, conforme os arts 16 da lei 9.779/99, 35 da lei 13.097/15 e o art. 113 do CTN.
"A decisão da Receita Federal foi resultado de exercício legítimo de competência discricionária conferida pela legislação, de modo que não cabia ao Tribunal de Contas impor a anulação dos atos administrativos que determinaram a suspensão do uso do Sicobe."
Zanin ressaltou que o controle exercido pelo TCU deve respeitar a autonomia técnica e decisória da administração, citando precedentes do Supremo sobre deferência institucional em políticas públicas de alta complexidade.
Para ele, impor o retorno do sistema seria ingerência indevida e implicaria ainda violação à lei de Responsabilidade Fiscal, por gerar renúncia de receita sem previsão orçamentária.
Além disso, destacou que as obrigações acessórias, como o Sicobe, têm natureza instrumental, devendo observar critérios de proporcionalidade, adequação e finalidade fiscal. Citando a Súmula 473 do STF, afirmou que a Receita exerceu legitimamente seu poder de autotutela administrativa ao revogar o sistema por razões de conveniência e oportunidade devidamente fundamentadas.
Por fim, reforçou que o TCU não possui competência para exercer controle abstrato de constitucionalidade, e que eventual anulação dos atos da Receita dependeria de decisão judicial formal, já que o Decreto 8.442/15 autoriza a dispensa da obrigatoriedade do sistema em casos de inviabilidade técnica.
Confira a íntegra do voto.
Pedido de vista
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o entendimento do relator, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
O processo será retomado após a devolução do voto-vista, em data ainda não definida.
O que é o metanol?
O metanol é um álcool incolor e inflamável, semelhante ao etanol (álcool presente em bebidas), mas altamente tóxico para o organismo humano. Ao ser metabolizado, transforma-se em ácido fórmico, substância que envenena as células e pode causar danos graves ao fígado, ao sistema nervoso central e ao nervo óptico.
De uso restrito à indústria, o metanol é empregado na produção de solventes, plásticos, tintas e biodiesel, e não é seguro para consumo humano, mesmo em pequenas quantidades.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, até 15/10/25, o Brasil registrava 41 casos confirmados de intoxicação pela substância, 10 em investigação e 12 mortes suspeitas relacionadas à contaminação.
Reação das autoridades
O Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu nota técnica com orientações urgentes a bares, restaurantes, casas noturnas, mercados, distribuidores e plataformas de e-commerce. Entre as recomendações estão:
- interromper imediatamente a venda de lotes suspeitos;
 - preservar amostras para perícia;
 - encaminhar consumidores sintomáticos a atendimento médico de urgência;
 - comunicar autoridades competentes como Anvisa, Procon, Polícia Civil e Vigilância Sanitária.
 
O MJSP também destacou que a comercialização de bebidas adulteradas configura crime previsto no art. 272 do CP, sujeito a pena de reclusão e multa, além de ser crime contra as relações de consumo (lei 8.137/90).
No âmbito estadual, o Procon/SP anunciou intensificação da fiscalização em bares, adegas, supermercados e casas noturnas, em parceria com o Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC). O órgão reforça ainda que consumidores devem estar atentos a preços muito baixos, embalagens com defeitos e sintomas pós-consumo.
- Processo: MS 40.235
 




