Petição feita por IA cita dono de bar como relator; autora pagará má-fé
Pesquisa feita pelo próprio juiz constatou que relator de suposto acórdão citado era, na verdade, dono de bar especializado "no atendimento a consumidores de cerveja gelada".
Da Redação
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Atualizado em 22 de outubro de 2025 09:22
O juiz do Trabalho Daniel Carvalho Martins, da vara de Concórdia/SC, multou ex-funcionária de hotel em R$ 3,7 mil ao identificar indícios de uso de IA generativa sem qualquer conferência humana em petição apresentada por advogada com referências inexistentes, citações doutrinárias falsas, e até o nome de suposto magistrado que não integra nenhum tribunal brasileiro.
A ação, protocolada em julho deste ano, pedia o pagamento de horas extras e outras verbas trabalhistas alegadamente devidas após a demissão da trabalhadora. No entanto, a defesa do hotel percebeu inconsistências e alertou o juízo: as ementas citadas na petição não correspondiam a processos localizáveis nos sites dos tribunais.
A checagem feita pela vara revelou um conjunto de referências completamente fictício. Entre elas, constava uma decisão supostamente assinada por um "relator" que, segundo pesquisa feita pelo próprio juiz no Google, era na verdade um comerciante de Ponta Grossa/PR, dono de bar especializado "no atendimento a consumidores de cerveja gelada".
Além disso, o texto atribuiu ao ministro Maurício Godinho Delgado, do TST, uma lição inexistente em suas publicações.
IA generativa
Em defesa, a advogada alegou tratar-se de "mero erro material". No entanto, para o magistrado, a quantidade e a gravidade das inconsistências encontradas na petição mostraram que não se tratava apenas de um engano pontual, mas de um texto produzido com auxílio de inteligência artificial, sem a devida revisão humana.
"Tais achados vão além de um mero erro material e reforçam o argumento da reclamada de que a petição inicial foi produzida por aplicação de IA generativa sem qualquer verificação humana, o que para esse magistrado significa um ato processual inexistente", destacou o juiz.
A decisão fez referência à recomendação 001/24 do Conselho Federal da OAB, que regula o uso de IA generativa na advocacia. Segundo o magistrado, o documento exige do profissional o entendimento das limitações da tecnologia, a verificação rigorosa de informações, e transparência no uso, "sendo vedada a delegação de atos privativos da profissão sem supervisão qualificada".
Diante disso, extinguiu o processo sem julgamento de mérito, condenando a ex-funcionária ao pagamento de 5% do valor da causa, correspondente a R$ 3,7 mil, por litigância de má-fé, com base nos arts. 793-B e 793-C da CLT.
Informações: TRT da 12ª região.
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