A jurista e ex-deputada Janaina Paschoal protocolou no STF pedido de ingresso como amicus curiae na ADIn 7.806, proposta por entidades da comunidade trans contra a resolução 2.427/25 do Conselho Federal de Medicina.
A nova norma revogou dispositivos da resolução CFM 2.265/19, restringindo o acesso de pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes, a cuidados médicos baseados na identidade de gênero.
Entre as principais proibições introduzidas pela nova resolução estão:
- bloqueio hormonal da puberdade para crianças e adolescentes com incongruência de gênero;
- hormonização antes dos 18 anos;
- cirurgias de afirmação de gênero antes dos 21 anos, nos casos em que haja potencial efeito esterilizador.
Na petição, Janaina afirma que “os procedimentos que objetivam a transição de gênero são invasivos, irreversíveis e de altíssimo impacto na vida de quem os experimenta”.
Ela defende que a nova resolução “apenas regulamentou a prática médica, em conformidade com os valores constitucionais da proteção da infância e da juventude”.
Dessa forma, sutenta que a decisão do CFM está amparada em evidências que apontam riscos associados às intervenções precoces.
“A literatura científica traz dados e experiências que recomendam prudência e demonstram arrependimento”.
Ela destaca que “diante das informações disponíveis, a postura do CFM é a mais segura, pois impede a realização de atos que podem acarretar graves consequências”.
Janaina também argumenta que a liberdade científica e o exercício profissional devem ser compatibilizados com outros valores constitucionais.
"Não há direito fundamental absoluto, principalmente quando se está diante de um conflito entre os direitos dos adultos e os direitos das crianças e adolescentes.”
Confira a íntegra.
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Princípios constitucionais violados
A ADIn 7.806 foi ajuizada em abril deste ano pela Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais e pelo Ibrat - Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, que questionam a resolução CFM 2.427/25 por supostas violações a direitos fundamentais.
As entidades pedem ao STF a suspensão imediata da nova regra, com a consequente restauração da norma anterior, além da declaração de sua inconstitucionalidade total ou, ao menos, parcial, com foco na revogação de dispositivos como o art. 5º (bloqueio hormonal), o §2º do art. 6º (hormonização) e o §3º do art. 7º (cirurgias).
Segundo ANTRA e IBRAT, a resolução viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), ao negar a jovens trans cuidados médicos essenciais ao seu bem-estar físico e mental. Alegam ainda que a norma desrespeita o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227 da CF).
As entidades também apontam desrespeito ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade, considerando que a identidade de gênero autopercebida é um elemento essencial da personalidade, já protegida pelo STF em precedentes como a ADIn 4.275.
Alinhamento político-ideológico
A petição apresentada ao STF também contesta a ausência de base técnico-científica sólida para as proibições impostas, afirmando que a medida ignora as melhores evidências disponíveis.
Argumenta-se que o bloqueio hormonal é um procedimento reversível e seguro, reconhecido pela literatura médica internacional e por pareceres anteriores do próprio CFM, como o de 8/13.
Os autores da ação ainda apontam um suposto alinhamento político-ideológico do CFM com setores ultraconservadores, o que teria motivado um "retrocesso social arbitrário" e a reintrodução de uma lógica patologizante já superada pelo debate científico internacional.
Citam, inclusive, que o Brasil figura como réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos por omissão no cuidado à saúde de uma mulher trans.
Confira a íntegra.
Tramitação no STF
A ADIn 7.806 foi distribuída ao ministro Cristiano Zanin, que também relata duas ADPFs com o mesmo objeto. São elas, a ADPF 1.221, proposta pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Abrafh, e a ADPF 1.223, ajuizada pelo PSOL.
Zanin determinou em maio, por meio de despacho, o julgamento conjunto das ações e requisitou informações ao CFM, ao Ministério da Saúde e a centros de referência no atendimento a pessoas trans.
A tramitação segue sob rito abreviado, com prioridade, e as manifestações da AGU e da PGR já foram solicitadas.
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