Nesta quinta-feira, 21, em sessão plenária, STF formou maioria para decidir que o retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos genitores, sem autorização do outro, não deve ser imediato quando houver fundadas suspeitas de violência doméstica.
Os ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, e apresentaram sugestões para reforçar e ampliar a formulação da tese que será proferida oportunamente.
Barroso reconheceu a compatibilidade da Convenção da Haia de 1980 com a CF, mas fixou interpretação que amplia a exceção à regra do retorno automático: indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a mãe, ainda que a criança não seja vítima direta, bastam para afastar a devolução.
Ainda não votaram ministra Cármen Lúcia e ministro Gilmar Mendes.
A sessão foi suspensa em razão do adiantado da hora e o caso deve ser retomado na próxima semana.
Veja o placar:
Casos
Na ADIn 7.686, o PSOL questiona a regra que obriga o retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos pais, sem autorização do outro, mesmo havendo fundadas suspeitas de violência doméstica no estrangeiro, ainda que a criança não seja vítima direta.
Já a ADIn 4.245, ajuizada pelo DEM, impugna dispositivos da Convenção sob o argumento de que ela tem sido aplicada de forma automática, sem considerar peculiaridades dos casos, resultando em violações a princípios constitucionais como dignidade humana e proteção integral.
Voto do relator
Ao votar, ministro Barroso afirmou que a Convenção da Haia de 1980 é fundamental para proteger crianças em casos de subtração internacional, garantindo o retorno imediato ao país de residência habitual, mas destacou que sua aplicação deve respeitar o princípio do melhor interesse da criança.
Ressaltou que o tratado tem status supralegal no Brasil por tratar de direitos humanos e que a exceção prevista no artigo 13.1.b (risco grave de danos físicos ou psíquicos) deve ser interpretada também à luz de situações de violência doméstica contra a mãe, mesmo quando a criança não seja vítima direta.
Segundo Barroso, exigir prova cabal seria incompatível com a celeridade da Convenção, mas simples alegações não bastam: é necessário apresentar indícios objetivos e concretos.
O relator também criticou a morosidade brasileira no cumprimento do tratado e propôs medidas estruturais para garantir decisões em até um ano, incluindo:
- criação de grupo de trabalho no CNJ para propor resolução sobre tramitação célere;
- concentração da competência em varas federais e turmas especializadas;
- núcleos de apoio técnico (conciliação, perícias, psicossociais);
- selo de tramitação preferencial;
- fortalecimento da Autoridade Central (AGU).
Ao final, Barroso julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme ao artigo 13.1.b da Convenção, reconhecendo que a exceção ao retorno imediato por risco grave se aplica também a casos de violência doméstica contra a mãe, comprovados por indícios objetivos e concretos, ainda que a criança não seja vítima direta.
E para determinar a adoção das providências estruturais e procedimentais para garantir tramitação célere e eficaz dos processos.
Ainda, propôs a seguinte tese:
"1. A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro por sua natureza de Tratado Internacional de Proteção de Direitos Humanos, como são os direitos das crianças.
2. A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança, exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.
3. A exceção de risco grave à criança, prevista no artigo 13.1.B da Convenção da Haia, de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação da exceção, quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a genitora acusada da subtração, ainda que a criança não seja a vítima direta."
Provas substanciais
Ministro Nunes Marques apresentou, nesta quinta-feira, 21, voto defendendo que a exceção ao retorno imediato de crianças ao país de residência, prevista no art. 13.1.b da Convenção da Haia de 1980, só pode ser aplicada quando houver prova substancial de violência doméstica, não bastando meros indícios.
Segundo o ministro, a Convenção foi incorporada ao ordenamento brasileiro para salvaguardar o interesse superior da criança, prevenir sequestros e garantir o respeito aos direitos fundamentais. No entanto, destacou que, em muitos casos, genitores migram em busca de proteção contra situações de violência, o que merece especial atenção.
Nunes Marques ressaltou que a questão probatória é fundamental, sobretudo no momento inicial do processo, quando se aprecia pedido de liminar.
Defendeu que sejam exigidas provas o mais robustas possíveis para concessão de medidas urgentes, sob pena de se consolidar competência inadequada e comprometer o devido processo legal.
O ministro citou o formulário de risco elaborado pelo Instituto Nós por Elas, já homologado pelo Itamaraty, como ferramenta relevante de avaliação, e frisou que o juiz deve considerar provas obtidas inclusive no exterior, como relatórios médicos e escolares, em consonância com o Guia de Boas Práticas da Conferência da Haia.
Ao abordar a aplicação da Convenção, Nunes Marques enfatizou a necessidade de respeito à reciprocidade entre países signatários, sob pena de comprometer a validade das decisões brasileiras no exterior.
Para S. Exa., é essencial observar a atuação de órgãos como a CAGI - Coordenação de Assistência Jurídica Internacional, Defensorias, AGU e Itamaraty, em sinergia com consulados e embaixadas, no suporte a famílias em litígios internacionais.
O ministro também mencionou a utilização de mediação online em casos internacionais, citando experiência conjunta do TJ/SP e Itamaraty em situações envolvendo o Japão. Defendeu que a adoção de ferramentas tecnológicas pode favorecer o melhor interesse da criança e a celeridade dos processos.
Nunes Marques destacou que a efetivação da Convenção deve ser feita de forma eficiente e justa, com prioridade absoluta à duração razoável do processo. "Celeridade não significa precipitação, mas a ausência de morosidade", concluiu.
Veja trecho do voto:
Além de enfatizar a necessidade de provas robustas, sugeriu a criação de um observatório no âmbito do CNJ para acompanhar de forma centralizada todas as ações relativas à subtração internacional de crianças entre países signatários da Convenção da Haia.
Segundo ele, esse órgão poderia monitorar prazos, alertar magistrados e organizar a gestão processual, assegurando maior eficiência e celeridade.
Por fim, Nunes Marques propôs um ajuste na redação da tese apresentada pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso. Em sua avaliação, em vez de limitar a exceção ao retorno aos casos de "violência doméstica contra a genitora", a redação deveria contemplar de forma mais ampla a expressão "violência doméstica".
O ministro destacou que situações de violência dentro do lar podem atingir não apenas a mãe, mas também a própria criança ou outros familiares, como avós, irmãos ou meios-irmãos. Assim, a formulação mais abrangente evitaria restringir indevidamente a proteção.
Perspectiva de gênero
Na quarta-feira, 20, ministro Dias Toffoli acompanhou o relator, mas apresentou fundamentação própria, centrada na necessidade de uma interpretação evolutiva e conforme à Constituição da Convenção da Haia de 1980.
Para S. Exa., a pandemia de violência doméstica impõe interpretação que vá além da literalidade, privilegiando a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança.
Ressaltou que a maioria dos casos envolve mulheres migrantes em busca de proteção e citou dados da AGU que demonstram a dificuldade de comprovar a violência no exterior.
Defendeu que indícios mínimos, inclusive a palavra da vítima, bastam para afastar o retorno, estendendo a exceção do art. 13.1.b à violência contra a mãe.
No dispositivo, julgou parcialmente procedente a ADIn 4.245 e procedente a ADIn 7.686, para:
- conferir interpretação conforme aos arts. 1º, 7º, 11 e 18 da Convenção, de modo que o retorno imediato e medidas de urgência só possam ser determinados após análise das peculiaridades do caso concreto e prévio contraditório;
- ao art. 12, para que a presunção temporal do retorno seja relativizada diante do melhor interesse da criança;
- ao art. 13.1.b, para explicitar que a suspeita, a probabilidade ou a evidência de violência doméstica contra a mãe, ou a criança configuram risco suficiente a afastar o retorno; e
- aos arts. 7º, f, e 21, permitindo que a União se abstenha de ajuizar ações quando houver indícios de violência, limitando-se a intermediar o acesso das partes à advocacia privada.
Além disso, votou por providências estruturais:
- que Presidência da República e Itamaraty estabeleçam, em até seis meses, protocolos de acolhimento e atendimento a brasileiras vítimas de violência no exterior;
- que o ministério da Justiça adeque a portaria 688/24 para incluir procedimentos específicos nos casos com alegações de violência doméstica; e
- que o CNJ atualize a resolução 449/22, à luz das diretrizes fixadas no julgamento.
Sugestões
Ministro Flávio Dino acompanhou integralmente o relator, mas apresentou sugestões pontuais para aprimorar a interpretação da Convenção da Haia consoante a CF.
Defendeu que "retorno imediato" não pode significar execução automática, devendo sempre respeitar o contraditório.
Considerou incompatível que a AGU atue como representante do genitor requerente, propondo que sua função se restrinja à orientação.
Também sustentou que medidas de urgência não sejam tomadas sem contraditório e que o prazo de um ano para retorno seja lido como faculdade do juiz, e não imposição.
Rito de aplicação da Convenção
Ministro Cristiano Zanin também acompanhou o relator, mas propôs ajustes voltados à definição de um rito mais claro para aplicação da Convenção da Haia no Brasil. Sugeriu que o Congresso edite lei específica, como fez o Uruguai.
Ainda, reconheceu a ampliação da exceção por violência doméstica contra a mãe e propôs parâmetros práticos: retorno célere quando não houver indícios, permanência no Brasil quando a exceção for comprovada e dilação probatória diante de dúvida razoável.
Defendeu ainda que, se houver devolução, a guarda deve ser decidida no país de origem; caso contrário, a Justiça brasileira pode assumir competência.
Violência contra a mãe se estende à família
Ministro André Mendonça acompanhou o relator e destacou o papel central das "mães de Haia" na sensibilização do Supremo para os limites da aplicação automática da Convenção.
Destacou que a violência contra a mãe atinge toda a família e não pode ser dissociada dos efeitos sobre a criança. Endossou a criação de protocolos de acolhimento a brasileiras no exterior e divergiu parcialmente de Dino quanto ao papel da AGU: para S, Exa,, a instituição pode representar o Estado, mas deve se afastar de casos em que surjam indícios claros de violência.
Ao final, defendeu interpretação que concilie reciprocidade internacional com a prioridade absoluta dos direitos da criança e a proteção da mulher.
- Processos: ADIn 7.686 e ADIn 4.245