Pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu, nesta quarta-feira, 4, o julgamento de duas ações que questionam dispositivos da lei de improbidade administrativa.
A ADin 6.678, proposta pelo PSB, questiona dispositivos da antiga lei de improbidade (8.429/92), por equiparar atos praticados intencionalmente a casos de mera falha formal, como atraso na prestação de contas. O partido contesta a aplicação da pena de suspensão de direitos políticos a condutas culposas.
Já a ADin 7.156, apresentada pela Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, contesta pontos da chamada nova LIA (14.230/21), que atualiza a lei de improbidade. A entidade questiona a exigência de dolo para caracterizar improbidade, a redução das condutas passíveis de sanção, o abrandamento das penas e a diminuição dos prazos de prescrição, entre outros ajustes.
Até o momento, foram lidos os relatórios, apresentadas as sustentações orais e proferido o voto do relator, ministro André Mendonça.
Mendonça votou no sentido de julgar prejudicada a primeira ação, uma vez que há uma nova redação da lei em vigor, mantendo os efeitos da cautelar anteriormente concedida, pelo tempo em que perdurou sua vigência, devendo ser aplicada aos processos ainda não transitados em julgado.
Já em relação ao segundo processo, o ministro conheceu da ação e votou pelo parcial acolhimento dos pedidos apresentados.
ADIn 6.678 - Suspensão de direitos políticos
Na primeira ação, o PSB questiona o art. 12, II e III, da LIA, que tratam das sanções por ato de improbidade. O partido sustenta que:
- no caso de improbidade por dano ao erário, a suspensão dos direitos políticos só poderia ser aplicada quando comprovado o dolo;
- no caso de improbidade por violação a princípios da Administração Pública, a suspensão de direitos políticos deveria ser vedada em qualquer circunstância.
O processo foi inicialmente distribuído ao ministro Marco Aurélio e, em seguida, ao ministro Gilmar Mendes, que, em decisão liminar, restringiu a suspensão de direitos políticos apenas a hipóteses de dolo, e suspendeu a expressão que previa a sanção no inciso III.
Em dezembro de 2021, ministro André Mendonça assumiu a relatoria do caso.
ADIn 7.156 - Dispositivos da reforma de 2021
Já a ADIn 7.156, ajuizada pela Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, questiona um conjunto amplo de dispositivos da lei de improbidade. Entre os pontos atacados estão:
- art. 1º, §8º e art. 8º (interpretação sobre legitimidade e aplicação da lei);
- art. 3º, §1º (expressão "direitos");
- art. 11, caput (interpretação sobre rol taxativo de condutas violadoras de princípios);
- art. 12, III e §§ 1º, 4º, 9º e 10 (sanções, alcance da perda da função pública e extensão de efeitos);
- arts. 16, §§3º, 4º e 10 (urgência, multa civil e acréscimos patrimoniais lícitos);
- arts. 17, 17-B, 17-C e 17-D (regras sobre ação, ANPC e atuação do TCU);
- art. 21, §4º, art. 23, caput, §§4º e 5º (prescrição intercorrente); e
- art. 23-C (outros aspectos da prescrição).
A entidade pede a declaração de inconstitucionalidade de alguns trechos e interpretação conforme em outros, buscando restringir os efeitos da lei que, segundo sustenta, fragilizam a responsabilização por improbidade.
Voto do relator
Nesta quarta-feira, 3, o ministro André Mendonça destacou que, embora a lei de improbidade necessitasse de ajustes, eventuais excessos não podem levar a uma interpretação que comprometa a defesa da probidade administrativa, assegurada pelo art. 37 da Constituição.
Em seu voto, considerou constitucionais dispositivos como o art. 11, que torna taxativas as hipóteses de atos por violação a princípios, e entendeu que a exigência do dolo confere segurança jurídica.
Também validou a regra que condiciona a execução definitiva das sanções ao trânsito em julgado, mas reconheceu a possibilidade de retroatividade prevista em lei, em consonância com a chamada lei da ficha limpa.
Ao tratar da prescrição, entendeu legítima a disciplina estabelecida pelo legislador quanto às hipóteses de interrupção, mas afastou a redução pela metade do prazo em certas situações, para não inviabilizar a atuação das instâncias superiores.
Declarou, ainda, a inconstitucionalidade parcial do art. 3º, ao restringir a responsabilização de sócios e gestores apenas quando obtivessem benefício direto, salientando que a participação no ato ímprobo já é suficiente para atrair a responsabilização.
Ao analisar o art. 16, propôs interpretação conforme a Constituição para alinhá-lo às tutelas cautelares previstas no CPC.
O relator destacou que acompanhou pontos já abordados pelo ministro Alexandre de Moraes na ADin 7.236. Considerou inconstitucionais os §§ 1º e 4º do art. 12, por entender que restringem de forma inadequada a gradação das sanções.
Também declarou inconstitucional a regra do art. 17, §10-F, que impede a reclassificação jurídica dos fatos na sentença (emendatio libelli), vedando que o juiz enquadre a conduta em dispositivo diverso do indicado na inicial.
Em relação ao art. 17-B, §3º, que impõe ao Tribunal de Contas a apuração do valor do dano a ser ressarcido, sustentou que a norma viola a autonomia do próprio Tribunal de Contas, do Ministério Público e da advocacia pública.
Sobre o art. 21, §4º, que vincula automaticamente a absolvição criminal ao desfecho da ação de improbidade, considerou inconstitucional, ressalvando apenas hipóteses de atipicidade ou negativa de autoria.
Quanto ao art. 23, §5º, que prevê a retomada do prazo prescricional pela metade após a interrupção, entendeu que a medida compromete a efetividade da tutela da probidade, afastando a redução do prazo.
Já no art. 23-C, que exclui de forma geral a improbidade em condutas ligadas a recursos de partidos políticos, defendeu interpretação conforme: tais atos podem sim configurar improbidade quando envolverem enriquecimento ilícito, desvio ou dilapidação de recursos públicos, devendo ser analisados caso a caso.
No exame da ADin 6.678, o ministro destacou os dispositivos da antiga redação da LIA que previam a suspensão de direitos políticos por atos culposos e por violações genéricas a princípios administrativos.
Ele ressaltou que a nova lei já corrigiu esse vício, ao afastar a modalidade culposa e limitar o alcance do art. 11, mas reconheceu a inconstitucionalidade da redação anterior, por entender que tais hipóteses violavam a proporcionalidade.
S. Exa. mencionou que, mesmo na época em que atuava como advogado da União, havia cautela em propor ações fundadas apenas em princípios, justamente pelo risco de aplicação desproporcional da sanção política.
Assim, acompanhou o entendimento do ministro Gilmar Mendes, que já havia suspendido a aplicação desses dispositivos, e afirmou que a decisão deve alcançar todos os processos ainda não transitados em julgado, impedindo a aplicação da suspensão de direitos políticos em casos de ato culposo ou mera ofensa a princípios administrativos.
Sustentação oral
Em sessão anterior, sustentou na tribuna o advogado Carlos Alberto Rosal de Ávila, representando o PSB. O causídico defendeu que a suspensão de direitos políticos prevista na lei de improbidade deve se restringir apenas a atos dolosos.
Argumentou que a norma, ao atingir também condutas culposas ou sem dano ao erário, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da gradação das sanções.
Citou pesquisa do IDP segundo a qual menos de 10% dos casos analisados no STJ envolviam enriquecimento ilícito, enquanto a maioria dizia respeito a ofensas genéricas a princípios administrativos. Como exemplo de desproporcionalidade, lembrou o caso do ex-ministro Barjas Negri, punido sem dolo ou prejuízo ao erário.
Ao final, pediu que o STF confirme a cautelar já concedida e limite a aplicação da sanção política apenas aos atos dolosos.
Além disso, o advogado Georgio Alessandro Tomelin, representante do Conselho Federal da OAB, defendeu a validade da reforma da lei de improbidade. Para ele, a alteração legislativa não enfraqueceu o combate à corrupção, mas corrigiu distorções que transformavam a maioria dos gestores públicos em réus.
Citando dados do CNJ, destacou que 94% das ações envolviam meras falhas administrativas, e não enriquecimento ilícito. Ressaltou ainda avanços como o fim da improbidade culposa, a prescrição intercorrente e maior segurança para o exercício da função pública, afastando o chamado “apagão das canetas”.
Concluiu que a ação não deve prosperar, pois caberia ao legislador, e não ao STF, definir tais mudanças.
Amicus curiae
Na mesma sessão, o promotor Igor Pereira Pinheiro, pelo MP/CE, fez contraponto e classificou a reforma como um retrocesso.
Criticou o rol taxativo do art. 11, que, segundo ele, pode excluir da esfera da improbidade condutas graves previstas em outras legislações, além de enfraquecer a indisponibilidade de bens e encurtar prazos de prescrição, o que poderia levar à extinção de milhares de processos já em curso.
Para o representante ministerial, a nova lei criou um cenário de proteção insuficiente à moralidade administrativa.