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STF tem três votos para que PM informe direito ao silêncio na abordagem

Supremo analisa se ausência de aviso torna ilícita prova obtida em flagrante.

30/10/2025

Nesta quinta-feira, 30, o STF retomou julgamento que discute se os policiais têm o dever de informar ao suspeito o direito de permanecer em silêncio já no momento da abordagem, e não apenas durante o interrogatório formal, sob pena de ilicitude da prova.

A questão, que envolve os princípios constitucionais da não autoincriminação e do devido processo legal, é analisada no  Tema 1.185 da repercussão geral.

O chamado "aviso de Miranda" - em referência à decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Miranda vs. Arizona (1966) - consagrou a obrigação de informar o detido sobre seus direitos básicos, como o de permanecer calado e o de ser assistido por advogado.

Até o momento, dois ministros (Flávio Dino e Cristiano Zanin) acompanharam o relator, Edson Fachin, para reconhecer que a polícia tem o dever de informar ao suspeito o direito de permanecer em silêncio desde a abordagem.

Ambos, contudo, apresentaram ressalvas e ajustes pontuais à tese proposta, sugerindo critérios para situações excepcionais e para a forma de registro da advertência.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro André Mendonça.

Veja o placar até o momento:

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Caso concreto

O recurso foi interposto por um casal preso em flagrante após policiais militares encontrarem, na residência dos suspeitos, uma pistola, uma espingarda e munições (cartuchos e projéteis) com registros vencidos.

Durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pela vara Criminal de Brodowski/SP, a mulher, ao ser questionada por um dos policiais, teria admitido, de forma voluntária e informal, a posse da pistola localizada no quarto.

A declaração poderia configurar confissão do delito de posse irregular de arma de fogo (art. 12 da lei 10.826/03 — estatuto do desarmamento) ou ser considerada elemento de prova testemunhal.

No recurso, o casal contesta decisão do TJ/SP que entendeu não haver obrigação de os policiais advertirem o abordado sobre o direito ao silêncio no momento da prisão.

A defesa sustenta que a confissão informal ocorreu durante a abordagem policial, sem a advertência prévia do direito constitucional de permanecer calada, em afronta ao art. 5º, LXIII, da CF.

Segundo os advogados, a garantia deve ser observada não apenas antes do interrogatório formal do indiciado ou acusado, mas também em eventuais questionamentos informais feitos por policiais militares no momento da abordagem e da voz de prisão em flagrante.

Voto do relator

Ministro Edson Fachin entendeu que o direito ao silêncio deve ser garantido desde o momento da abordagem policial, e não apenas durante o interrogatório formal.

Para o relator, a CF conferiu proteção expressa ao preso e ao investigado, ao assegurar no art. 5º, LXIII, que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado".

Fachin sustentou que a garantia da não autoincriminação somente é efetiva quando o cidadão é previamente informado sobre a existência e as consequências desse direito.

"Sem a obrigação da autoridade informar sobre o direito ao silêncio ao seu titular, a garantia esvaziaria sua eficácia, na medida em que o indivíduo se encontraria privado de decidir, com plena ciência, se deseja ou não deseja responder às perguntas formuladas", afirmou.

Fachin propôs que o Supremo reconheça, com repercussão geral, que os agentes estatais têm o dever de informar de forma imediata o direito ao silêncio, seja no momento da prisão, da imposição de medida cautelar, ou antes de qualquer ato de inquirição.

O ministro destacou ainda que a ausência de comunicação expressa torna ilícitas as declarações obtidas e as provas delas derivadas, tanto em abordagens quanto em interrogatórios.

Entendeu que cabe ao Estado comprovar que o direito foi efetivamente observado e propôs que a comunicação seja preferencialmente registrada por meio audiovisual, admitindo, de forma subsidiária, documento escrito acompanhado de comunicação oral.

Fachin também sugeriu que a decisão produza efeitos a partir da data do julgamento, preservando apenas as ações em curso nas quais já se tenha arguido a nulidade.

Ao analisar o caso concreto, o ministro considerou nulas as confissões informais prestadas pelo casal, por ausência de advertência sobre o direito constitucional ao silêncio.

Reconheceu, por consequência, a nulidade das provas derivadas dessas declarações, com base no art. 157 do CPP.

Assim, votou pela absolvição da mulher, por insuficiência de provas autônomas, e pela manutenção da condenação do réu, cuja autoria delitiva foi demonstrada de forma independente.

Fachin concluiu que não há interrogatório ou confissão informal válida, ressaltando que tais práticas violam direitos fundamentais e o devido processo legal. Para S. Exa., "é justamente no momento da detenção ou abordagem policial que a garantia constitucional assume maior relevância, por se tratar de uma situação em que o poder estatal se intensifica e a vulnerabilidade da pessoa é acentuada", razão pela qual o dever de advertir é essencial.

O relator citou precedentes do STF, como os HCs 68.929 e 192.798, que já haviam reconhecido o alcance do direito ao silêncio desde a detenção.

Ao final, sugeriu a seguinte tese:

"I. O direito ao silêncio é assegurado a toda pessoa cuja declaração possa implicar responsabilidade penal, devendo o agente estatal informá-la de forma imediata, seja no momento da prisão, seja da imposição de medida cautelar, ou seja, antes de qualquer ato de inquirição.

II. A advertência deve conter a informação expressa que o direito ao silêncio não implica confissão nem pode ser interpretado em prejuízo da defesa.

III. A ausência de comunicação prévia e expressa torna ilícitas as declarações obtidas e as provas delas derivadas, tanto em abordagens quanto em interrogatórios.

IV. Compete ao Estado demonstrar que o direito ao silêncio foi efetivamente observado no momento da abordagem ou interrogatório.

V. A comunicação deve ser preferencialmente registrada por meio audiovisual ou subsidiariamente por documento escrito com comunicação oral.

VI. As teses serão vigentes a partir da data do julgamento, ressalvadas as ações já em curso com nulidade arguida."

Confira:

Ressalvas - I

Ministro Flávio Dino acompanhou, em linhas gerais, o voto do relator Edson Fachin, mas apresentou ressalvas de ordem prática e jurídica à amplitude da tese proposta.

Dino chamou a atenção para a desigualdade estrutural entre os órgãos de Justiça e as corporações policiais, frisando que muitas delegacias no país funcionam em ambientes precários, o que dificulta a efetivação de garantias como o registro audiovisual das abordagens.

Ao tratar do uso de câmeras corporais, ressaltou que o equipamento protege o policial e é um passo civilizacional imprescindível, mas reconheceu os desafios financeiros e tecnológicos de uma implantação ampla.

Dino citou parecer da PGR, que reconheceu a nulidade de confissões obtidas sem advertência do direito ao silêncio, mas defendeu a modulação dos efeitos da decisão para que a nova regra produza efeitos apenas a partir da publicação da ata do julgamento.

O ministro concordou com a importância do princípio da não autoincriminação, mas alertou que o caso concreto julgado não comportava a absolvição proposta pelo relator.

Ao examinar o processo, Dino destacou que na residência do casal havia um verdadeiro arsenal bélico, com milhares de projéteis, armas e munições de calibres diversos, o que afastaria a hipótese de desconhecimento por parte da recorrente. "Supera o de batalhões da Polícia Militar", disse.

Para S. Exa., o direito ao silêncio não poderia ser interpretado de forma tão ampla a ponto de gerar resultados insustentáveis, como a absolvição em casos de prova material robusta.

Dino sustentou que, embora a interpretação sistemática e teleológica da CF, como propôs o relator, seja superior à leitura literal, há limites semânticos a serem respeitados.

Citou o art. 5º, LXIII, da CF, que expressamente se refere ao "preso", e o art. 8º, item 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica, segundo o qual o direito de não se autoincriminar é assegurado a toda pessoa acusada de delito.

Para o ministro, esses dispositivos revelam que a garantia não é absoluta e deve se aplicar a situações de privação de liberdade ou acusação formal, não a qualquer circunstância de abordagem policial.

Flávio Dino afirmou que acompanha, em linhas gerais, o relator, mas com ressalvas substanciais. Reportou-se a precedentes do STJ  segundo os quais não se exige "aviso de Miranda" senão no interrogatório policial ou judicial, reconhecendo a existência de dissonâncias jurisprudenciais no tema.

Dino estruturou três ressalvas centrais.

I. O descumprimento do dever de advertir não deve gerar nulidade automática; a sanção há de respeitar a proporcionalidade e as exceções do art. 157 do CPP (fontes independentes e descoberta inevitável).

No caso do arsenal encontrado, a suposta confissão informal seria absolutamente irrelevante para o resultado, pois a apreensão seria inevitável.

II. Quanto à prova da comunicação, embora a gravação audiovisual seja a solução ideal, não se pode exigir filmagem como prova única ou principal - sobretudo porque não haverá câmeras universalizadas no curto prazo.

Enquanto isso não ocorrer, o Estado pode demonstrar a advertência por qualquer meio de prova idôneo, inclusive por declarações constantes do auto de prisão em flagrante ou do auto de apreensão, lembrando que atos de agentes públicos gozam de presunção de legitimidade e veracidade.

III. O alerta não se aplica às buscas pessoais realizadas nos termos do art. 244 do CPP (revistas sumárias sem mandado em contextos como aeroportos, saídas de eventos, estádios ou transportes coletivos), distinguindo-as do interrogatório formal.

Veja trechos do voto:

Por fim, sustentou que os efeitos devem ser inequivocamente prospectivos, não propriamente por modulação, mas por aplicação do art. 23 da LINDB, diante da controvérsia doutrinária e jurisprudencial prévia.

No caso concreto, votou por conhecer o RE e negar-lhe provimento, também em relação à ré, por entender presentes as exceções do art. 157 do CPP, afastando contaminação por ilicitude e mantendo a decisão das instâncias ordinárias.

Ressalvas - II

Ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto do relator, Edson Fachin, para reconhecer que o direito ao silêncio deve ser informado desde o momento da abordagem policial, mas apresentou ponderações e sugestões de ajustes à tese proposta, destacando hipóteses de mitigação do dever de advertência e a necessidade de uniformidade jurisprudencial sobre o tema.

Zanin ressaltou que a garantia ao silêncio e a correspondente advertência devem ser observadas desde o primeiro contato do indivíduo com o poder estatal, inclusive em abordagens e prisões em flagrante.

O ministro destacou que o art. 926 do CPC impõe aos tribunais o dever de uniformizar e manter estável e coerente a jurisprudência, razão pela qual o entendimento do STF sobre o tema deve ser reafirmado de forma vinculante.

Apresentou três pontos de divergência e reflexão.

O primeiro diz respeito às situações excepcionais de urgência ou manifesta impossibilidade, nas quais seria possível mitigar ou até suprimir o dever de advertência, por exemplo, em casos de perigo atual, como o desarme de explosivos ou o controle de pessoa armada.

Esclareceu que, nesses casos, apenas as declarações obtidas sem o devido esclarecimento seriam desconsideradas, mantendo-se válidas as demais provas produzidas.

O segundo ponto foi o reconhecimento do que chamou de "direito qualificado ao esclarecimento".

Segundo o ministro, quando o suspeito for novamente ouvido, deve ser informado não só sobre o direito ao silêncio, mas também de que eventuais declarações anteriores prestadas sem advertência não poderão ser usadas como prova. A medida, inspirada na doutrina e na jurisprudência alemã, especialmente nas lições de Klaus Roxin, permitiria corrigir erros processuais sem comprometer a validade da persecução penal.

Por fim, Zanin sugeriu que a primeira formulação da tese de Fachin se restrinja às pessoas "suspeitas da prática de infração penal", para evitar ambiguidades.

Propôs também a inclusão do direito qualificado ao esclarecimento como um novo item e o acréscimo de previsão para as situações de urgência, em que o dever de advertência pode ser mitigado ou suprimido, desde que vedada a valoração das declarações obtidas sem esclarecimento.

Veja trechos do voto:

Com relação à modulação dos efeitos, Zanin divergiu de Flávio Dino e acompanhou o relator, entendendo que as teses devem ter vigência imediata, ressalvadas as ações em curso em que já se tenha arguido nulidade, pois, segundo afirmou, "as defesas que já invocaram precedentes do Supremo têm direito de ver analisadas suas teses à luz desta decisão".

No caso concreto, o ministro reconheceu a ilicitude das confissões informais prestadas sem advertência, mas divergiu parcialmente de Fachin ao determinar o desentranhamento das provas ilícitas e o retorno dos autos à origem, para que o juízo de primeiro grau profira nova sentença com base nas provas remanescentes.

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