Ação de produção antecipadas de provas proposta no foro do local onde está o objeto a ser periciado
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
Atualizado às 07:56
Como se sabe, o art. 381, § 2º, do CPC/15, estabelece que "a produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu". Tal artigo não encontra disposição semelhante do CPC/1973, que dispunha em seu art. 800 que "as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal".
Ou seja, na vigência do CPC/1973, o juízo competente para julgar a medida cautelar de produção antecipada de provas era o mesmo do juízo competente para julgar a ação principal. Contudo, mesmo na vigência do CPC/1973, o STJ entendia que poderia haver uma certa relativização da competência para facilitar a produção de provas. Confira-se, a propósito, a seguinte ementa:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REPARAÇÃO DE DANO. FORO DO LOCAL DO FATO. ORDEM PRÁTICA E PROCESSUAL. REDEFINIÇÃO DO FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. NECESSIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que poderá haver a mitigação da competência prevista no art. 800 do CPC/1973 quando se tratar de ação cautelar de produção antecipada de provas, podendo ser reconhecida a competência do foro em que se encontra o objeto da lide, por questões práticas e processuais, notadamente para viabilizar a realização de diligências e perícias.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.321.717/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018)".
Em recente julgado, agora durante a vigência do CPC/2015, o STJ novamente reiterou o seu entendimento a respeito do tema, mas dessa vez respaldado na disposição expressa do § 2º do art. 382, do referido diploma legal. Cumpre notar, inclusive, que a Corte Superior fez prevalecer o foro do local do objeto a ser periciado em detrimento do foro da sede da empresa ré que coincidia com o foro de eleição. Veja-se:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO PELO RELATOR. AGRAVO INTERNO. MANIFESTAÇÃO DO COLEGIADO. VIOLAÇÃO AO ART. 932 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. LOCAL DA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA DIVERSO DO LOCAL DE SEDE DA EMPRESA RÉ E DE ELEIÇÃO. QUESTÃO DE PRATICIDADE DA INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O propósito recursal é definir, se a produção antecipada de prova pericial pode ser processada no foro onde situado o objeto a ser periciado ao invés do foro de sede da empresa ré, que coincide com o foro eleito em contrato.
2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
4. A interposição de recurso e a devolução da matéria ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade, inexistindo interesse recursal a justificar conhecimento de suposta violação do art. 932 do CPC/2015. Precedentes.
5. Antes mesmo do advento da norma expressa do art. 381, § 2º, do CPC/2015, o STJ já permitia a relativização da competência do juízo da ação principal em relação aos procedimentos cautelares ao interpretar a aplicabilidade do art. 800 do CPC/73 à produção de provas na forma antecipada, levando em consideração questões práticas de instrução processual, além de a necessidade de se conferir maior celeridade. Precedentes.
6. Hipótese em que a realização de prova pericial em equipamento localizado em sede de empresa terceira exigirá do perito levantamento estrutural, verificação de cálculos e soluções de engenharia, além de questionamentos sobre materiais e técnicas de construção utilizados, para fins de avaliar existência de problemas ou defeitos que poderão ensejar eventual ação principal.
7. O foro de exame prévio de prova não torna ele prevento para a eventual ação principal (art. 381, § 3º, do CPC/2015), razão pela qual inexiste prejuízo presumido da parte que busca a prevalência da regra geral de competência territorial do domicílio do réu, ou da eleição de foro em contrato.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(REsp n. 2.136.190/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 6/6/2024)."
Como é possível perceber, apesar de haver foro de eleição, que coincidia com o domicílio da ré, não haveria prejuízo presumido em favor dessa última, pois a produção antecipada de provas foi proposta no foro do local onde se encontrava o objeto a ser periciado.
Ademais, não há prevenção de foro para a propositura de eventual ação principal, nos termos do § 3º do art. 381 do CPC/15, o que reforça a ideia de que a propositura da demanda no foro do local onde será realizada a perícia é benéfica para ambas as partes.
Em outras palavras, merece elogios a decisão do STJ acima transcrita, que fez prevalecer o foro do local da perícia em detrimento do foro de eleição ou do domicílio do réu.
No mesmo sentido é a mais abalizada doutrina, como se pode depreender da lição de Tatiana Tiberio Luz que, em primoroso trabalho sobre o tema, resultado de profunda pesquisa consubstanciada em tese de doutorado recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), ensina que:
"(...) Conforme art. 381, § 2º, do Código de Processo Civil, para a ação de produção antecipada de provas, é competente o juízo do foro onde a prova deve ser produzida ou do domicílio do réu. Trata-se de uma inovação legislativa que merece aplausos, pois sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a competência para a ação de produção antecipada de provas era do foro competente para a ação que visava o acertamento da lide, o que nem sempre coincidia com o local onde a prova deveria ser realizada. Isso gerava o risco de perecimento da prova, especialmente considerando que, naquele regime, a ação de produção antecipada de provas era admitida exclusivamente com fundamento na urgência de sua produção. O atual diploma legal supera esse obstáculo ao permitir que a ação de produção antecipada de provas seja ajuizada no foro onde a prova deve ser realizada.
Não obstante tal faculdade, não nos parece ser eficiente que a ação de produção antecipada de provas seja distribuída no foro do domicílio do réu se a prova a ser produzida deva ser realizada em outro local. Se, por exemplo, o autor pretender a realização de uma prova pericial em um imóvel localizado em uma comarca e o réu residir em outra, o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas no foro do domicílio do réu ensejará a expedição de carta precatória para a comarca em que a prova será produzida, se o pedido da sua produção for deferido, o que não parece haver muito sentido, mormente, se a produção da prova for fundamentada pela necessidade de sua produção urgentemente" (LUZ, Tatiana Tiberio. "Ação de produção antecipada de provas: princípios, hipóteses de cabimento e procedimento". São Paulo: Revista dos Tribunais Thomson Reuters Brasil, 2025. p. 155).
Portanto, de qualquer ângulo que se examine a questão, seja à luz da jurisprudência ou da doutrina em seu estado da arte, é forçoso concluir que a decisão do STJ, de fazer prevalecer o foro do local onde está o objeto a ser periciado em detrimento do foro de eleição e do foro do domicílio do réu, merece aplausos e encontra-se irretocável.