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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
A transação tributária vem tendo uma grande evolução, sendo que o Fisco e os Contribuintes transacionam o final de discussões administrativas e judiciais para que os débitos sejam quitados em condições especiais, podendo ocorrer abatimentos de multa, correção monetária, juros e mesmo o pagamento em um maior número de parcelas. Nesses acordos quase sempre é exigido que os Contribuintes desistam das ações judiciais que questionam o crédito tributário e renunciem ao direito em que se fundam as ações. O contribuinte precisa sempre ficar atento na legislação que instituiu a transação/pagamento incentivado para verificar se há previsão de pagamento de honorários sucumbenciais nessas ações judiciais. A regra do art. 90 do CPC/15 é que "Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu." Entretanto, nos casos em que o pedido de desistência é obrigatório e não há a previsão de pagamento de honorários advocatícios na lei que concedeu o benefício aos contribuintes, existem julgados do STJ entendendo que não deve haver a condenação em honorários advocatícios: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA PARA FINS DE ADESÃO A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. SILÊNCIO DA LEGISLAÇÃO DA TRANSAÇÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COM BASE NO ARTIGO 90 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO. 1. Na realização da transação tributária, é clara a supremacia da Fazenda Nacional na celebração da transação, ao fixar suas condições no edital que a parte aderirá ou não. Não há negociação e sim o aceite ou não pelo administrado/contribuinte das condições impostas, ou seja, não há horizontalidade na relação. 2. A lei 13.988/20 é omissa a respeito da incidência dos honorários advocatícios na renúncia, pelo contribuinte, ao direito discutido nas ações judiciais nas quais o valor transacionado está sendo discutido. 3. A renúncia não é totalmente voluntária. É uma condição para a realização da transação a que o contribuinte aderiu. A situação foge ao que ordinariamente se encontra, e não se pode aplicar a regra do CPC/15 de forma subsidiária. Aplica-se o art. 171 do CTN: somente valem as condições expressas na lei. 4. A transação tem natureza jurídica, também, de novação, uma vez que o crédito tributário cobrado pela Fazenda Pública é substituído pelo acordo oriundo da transação que, consequentemente, extinguirá o crédito tributário. 5. Sem previsão na legislação que instituiu as condições da transação, a Fazenda Pública não pode cobrar honorários sem violar os princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado e da proteção da confiança. 6. O silêncio da norma quanto à incidência de honorários advocatícios não permite a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 2.032.814/RS, relator ministro Gurgel de Faria, relator para acórdão ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 30/6/2025.) Do voto vencedor do ministro Paulo Sérgio Domingues podemos extrair os seguintes trechos: "Para iniciar a abordagem, lembro aqui alguns princípios que devem reger as relações da Administração Pública, no caso a Fazenda Nacional, com os administrados, no caso, os contribuintes que aderem à transação. O primeiro princípio para o qual chamo atenção é o da boa-fé objetiva. Ao aderir à transação, cujo instrumento segue a legislação regente, entende a parte contribuinte que os valores pagos ou parcelados na transação constituem o total a ser desembolsado quanto àqueles débitos. A transação apresenta verdadeira novação em relação ao crédito tributário que estava sendo discutido judicialmente. Toma-se o valor do crédito, divide-se pelo número de parcelas, e eis o valor que será cobrado do contribuinte. Não é possível admitir que, após a transação, se venha a incluir no montante transacionado novos valores não previstos na lei que a instituiu nem no edital com o qual o contribuinte concordou. A cobrança de honorários advocatícios não previstos no instrumento de transação - elaborado pela própria Fazenda Nacional - viola os princípios da boa-fé e da não-surpresa. Nessa esteira de raciocínio está o venire contra factum proprium, implícito na cláusula geral da boa-fé objetiva, pois não há previsão de honorários na lei que rege a matéria nem na Portaria da transação elaborada pela própria Fazenda Nacional. Assim, não cabe a ela requerer ao Poder Judiciário que supra uma lacuna que ela mesma criou. Não se trata aqui de negar vigência ao art. 90 do CPC/15, que versa sobre a incidência de honorários sucumbenciais em caso de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação." (...) "O silêncio da norma quanto à aplicação de honorários advocatícios não permite, ao meu ver, a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso, pelas razões já expostas." Cumpre registrar que o STJ possui muitos outros julgados afastando a cobrança de honorários em casos de transação em que a parte é obrigada a desistir das ações judiciais: "PROCESSUAL - DESISTÊNCIA - ADESÃO AO REFIS - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - TRANSIGÊNCIA - CPC, ART. 26, § 2º. Quando o contribuinte desiste dos embargos à execução, em troca de sua admissão no Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, ele não está desistindo, mas transigindo. Por isso, não deve ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência. Na hipótese incide o art. 26, § 2º do CPC, a determinar que cada um dos transigentes arque com os honorários dos respectivos patronos." (REsp 462.618/SC, rel. min. Humberto Gomes de Barros, 1ª turma, em 27/5/03, DJ 23/6/03, p. 253). "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO COMO CONDIÇÃO PARA ADESÃO AO REFIS. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. Nos casos de desistência da ação pelo contribuinte, como condição necessária para a sua adesão ao REFIS, incabível a condenação em honorários advocatícios. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 422.734/GO, relator ministro Paulo Medina, 1ª turma, julgado em 25/2/03, DJ de 14/4/03, p. 185.) Entretanto, a discussão não está pacificada, sendo que o STJ afetou a discussão para julgamento pela 1ª seção, sendo que a questão submetida a julgamento no Tema 1.317 é a seguinte: "Definir se, à luz do CPC, é cabível a condenação do contribuinte em honorários advocatícios sucumbenciais em embargos à execução fiscal extintos com fundamento na desistência ou na renúncia de direito manifestada para fins de adesão a programa de recuperação fiscal, em que já inserida a cobrança de verba honorária no âmbito administrativo." Portanto, enquanto não temos decisão vinculante do STJ sobre o tema, cabe aos contribuintes analisarem detidamente as condições das transações e/ou pagamentos incentivados que são oferecidas pelo Fisco, eis que muitas vezes a sucumbência imposta nas ações judiciais nas quais se é obrigado a desistir pode ser superior ao valor pago com benefícios para quitar o débito tributário.
O instituto da alienação fiduciária prevista no decreto-lei 911/69 é tema de constantes controvérsias debatidas pelo Poder Judiciário. Tamanha a repetição de temas congêneres em torno do instituo conduziu ao regime de afetação em sede de recurso especial repetitivo, pela 2ª seção do STJ (Tema repetitivo 1.279): "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ART. 256-H DO RISTJ C/C O ART. 1.037 DO CPC/2015. CAUSA-PILOTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRAZO PARA O PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA. ART. 3º, §1º, DO DECRETO-LEI N. 911/1969. RECURSO AFETADO. 1. O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça dispõe, em seu art. 256-H que o recurso especial interposto contra acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgue o mérito de incidentes de resolução de demandas repetitivas tramitará conforme o procedimento estabelecido para os recursos indicados pelo tribunal de origem como representativos da controvérsia. 2. Justifica-se tal procedimento em razão do que estabelece o art. 987 do CPC/2015, que presume a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida quando a decisão recorrida julgar o mérito do IRDR, concedendo, excepcionalmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário interposto, além de determinar a aplicação da tese jurídica adotada pela Corte Superior a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito em todo o território nacional. 3. Nos termos do art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/1969, cinco dias após executada a liminar de busca e apreensão, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. 4. Caso concreto em que a divergência reside na data de início do prazo para o pagamento da dívida, sustentando a recorrente que a fluência ocorre a partir da intimação e não da data da execução da medida liminar. 5. No julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR instaurado no Tribunal de origem, fixou-se a seguinte tese acerca do tema: "Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, o prazo de 5 dias para quitação integral da dívida, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69, começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar". 6. Existência de multiplicidade de recursos e divergência jurisprudencial quanto à interpretação da matéria pelas Cortes locais, configurando risco efetivo à isonomia e à segurança jurídica. 7. Delimitação da controvérsia: fixação do termo inicial da fluência do prazo para quitação integral da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, nos termos do art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969. 8. Recurso especial afetado ao rito dos recursos repetitivos, com determinação de sobrestamento de recursos especiais e agravos nos próprios autos em tramitação em segunda grau de jurisdição e no STJ, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015. (STJ, Recurso Especial n. 2126264/MS, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 03/09/2024, grifou-se) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) A tese firmada no IRDR julgado pelo TJMS relaciona-se à interpretação do termo inicial da fluência do prazo para o pagamento da integralidade da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, diante do que estabelece o art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969, in verbis: Art. 3º. O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. § 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. Importa referir que o STJ decidiu, em julgamento de recurso especial submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 722), que "nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária" (REsp n. 1.418.593/MS, relator MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/5/2014, DJe de 27/5/2014). Segundo o voto do E. Relator, o objeto da controvérsia naquele julgamento não se referia à contagem do prazo para o pagamento da dívida, senão "em saber se, com o advento da Lei n. 10.931/2004, que alterou o art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, nas ações de busca e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente, é possível a purgação da mora pelo pagamento somente das parcelas vencidas, ou se o dispositivo exige o pagamento da integralidade da dívida, isto é, o montante apresentado pelo credor na inicial" (grifos do subscritor). Sobre o específico ponto em discussão neste recurso, o STJ tem decidido reiteradamente que a fluência do prazo para a purgação da mora inicia-se da execução da liminar de busca e apreensão, tal como prevê expressamente o art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/1969. A propósito: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO DO BEM REVOGADA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO AO DEVEDOR FIDUCIANTE. INVIABILIDADE, ANTE A SUA ALIENAÇÃO. RESTITUIÇÃO QUE DEVE OBSERVAR O VALOR MÉDIO DE MERCADO DO VEÍCULO À ÉPOCA DA BUSCA E APREENSÃO. MORA DESCARACTERIZADA. FIXAÇÃO DE MULTA COM BASE NO ART. 3º, § 6º, DO DECRETO-LEI N. 911/69. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. 1. Ação de busca e apreensão, em virtude de suposto inadimplemento de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária. 2. Ação ajuizada em 16/11/2018. Recurso especial concluso ao gabinete em 22/04/2021. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir i) qual é o valor a ser restituído à devedora fiduciante quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito - se o valor do veículo na Tabela FIPE à época da apreensão do bem ou se o valor propriamente obtido com a sua venda extrajudicial; e ii) se a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 3º, § 6º, do DL 911/69 subsiste ainda que a ação de busca e apreensão tenha sido julgado extinta sem resolução do mérito. 4. Após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 (cinco) dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. Caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor. 5. Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem. Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o risco do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem. 6. Privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, a composição do prejuízo do devedor fiduciante deve traduzir-se no valor de mercado do veículo no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão). 7. A multa prevista no art. 3º, § 6º, do Decreto-lei 911/69 não é cabível quando houver extinção do processo sem julgamento do mérito. 8. No entanto, uma vez demonstrada, no ajuizamento da ação, a devida constituição em mora do fiduciante, a sua descaracterização - porque reconhecida, a partir da análise das cláusulas pactuadas, a abusividade dos encargos no período de normalidade contratual - implica o julgamento de improcedência do pedido de busca e apreensão e não a extinção do processo sem resolução do mérito. 9. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.(REsp 1.933.739/RS, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/6/2021, DJe de 17/6/2021) (...) Também no mesmo sentido: (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.431.807/PR, relator ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 27/5/2024, DJe de 29/5/2024; AgInt no AREsp n. 2.209.359/GO, relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 3/6/2024, DJe de 6/6/2024; REsp n. 1.742.897/PR, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/9/2020, DJe de 16/9/2020; AgInt no REsp n. 1.632.707/MT, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/3/2020, DJe de 25/3/2020; REsp n. 1.790.211/MS, relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019; AgRg no AREsp n. 521.506/MS, relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/6/2015, DJe de 3/8/2015). Por conseguinte, a questão jurídica discutida nos presentes autos, dada a multiplicidade de recursos interpostos e o risco à isonomia e à segurança jurídica, recomenda sua afetação ao rito dos recursos repetitivos. (...) Verifica-se da decisão proferida pelo E. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ: "Os recursos referentes à interpretação de dispositivos do Decreto-Lei 911/1969 aportam com frequência no STJ, o que indica o potencial multiplicador da controvérsia. Nesse sentido, registro que foram recuperados 25 acórdãos e 1.555 decisões monocráticas sobre o tema, na base de jurisprudência do STJ, com a utilização de critério de pesquisa apresentado pela Seção de Identificação de Teses Repetitivas (SETRE), da Secretaria de Jurisprudência do Tribunal. Ademais, no Recurso Especial 1.418.593/MS, paradigma do Tema Repetitivo 722, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a Segunda Seção do STJ decidiu sobre a "necessidade de, na busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, ser paga a integralidade do débito para caracterizar-se a purgação da mora pelo pagamento, não sendo suficiente o pagamento, tão somente, das parcelas vencidas" (DJe de 27/5/2014). Nessa oportunidade, operou-se a interpretação do art. 3º e parágrafos do Decreto-Lei 911/1969, com a redação da Lei 13.043/2014, fixando-se a seguinte tese: Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial - sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.  Todavia, destaque-se que o termo inicial do prazo de 5 dias, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei 911/1969, não foi objeto do recurso paradigma do Tema Repetitivo 722. No entanto, considero que, para se definir sobre a ampliação da tese firmada no Tema, a fim de abarcar a questão jurídica objeto do IRDR sul-mato-grossense, é conveniente que o presente recurso seja submetido à sistemática qualificada" (e-STJ fls. 1.233/1.234). No entanto, malgrado o STJ tenha fixado orientação jurisprudencial uniforme, tem-se verificado significativa dispersão jurisprudencial acerca da matéria, com adoção de distintas interpretações pelos Tribunais ordinários, o que tem conduzido à multiplicidade de recursos nesta Corte Superior. Nesse sentido, a indicação de centenas de processos pela Comissão Gestora de Precedentes demonstra que, relativamente à questão jurídica proposta, a eficácia meramente persuasiva da jurisprudência desta Corte não se revelou eficaz para redução do número de discussões envolvendo a matéria. Destarte, presentes os requisitos necessários ao conhecimento da matéria aventada nos recursos e tendo em vista a notícia da multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, entendo que o presente recurso merece ser afetado ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do que estabelece o art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e dos 256-I e seguintes do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. (...) Ante o exposto, voto no sentido de AFETAR o presente recurso ao rito dos recursos especiais repetitivos, com determinação de suspensão do processamento dos recursos especiais e os agravos em recurso especial em tramitação em segundo grau de jurisdição (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais ) e nesta Corte, para firmar tese a respeito da seguinte questão federal: fixação do termo inicial da fluência do prazo para quitação integral da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, nos termos do art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969. Comunique-se o teor da decisão ao E. Ministro Presidente, às E. Ministras e E. Ministros que compõem a Segunda Seção do STJ, bem como aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e dos Tribunais Regionais Federais. (STJ, Recurso Especial n. 2126264/MS, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 03/09/2024, grifou-se) Recentemente o Tema repetitivo 1.279 restou decidido, para firmara seguinte tese: "Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, o prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69, começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar." Embora o v. acórdão ainda será publicado, a técnica de julgamento do recurso especial repetitivo põe fim a controvérsia em debate, a firmar precedente de observância obrigatória por Tribunais de Justiça e Regionais Federais, ao se determinar a obrigatoriedade de sua observância pelos juízes vinculados às respectivas cortes e desta forma otimizar a racionalização de julgamentos com vistas a manter-se a jurisprudência integral, estável e coerente, sem prejuízo da preservação da isonomia ao aplicar-se o mesmo entendimento consolidado a situações congêneres. Aguardemos, pois, pela publicação do v. acórdão com vistas a compreender a ratio decidendi e obter dicta prevalecentes no recente precedente vinculante firmado.
Como se sabe, a fundamentação por referência (ou "per relationem") constitui uma técnica utilizada por magistrados em seus pronunciamentos judiciais mediante a qual é incorporada à decisão os fundamentos determinantes de outro julgado, parecer ou documento. Muito se discute acerca da compatibilidade desta técnica com os comandos do art. 93, inciso IX, da CF e o do art. 489, § 1º, do CPC, que impõem ao magistrado o dever de fundamentar todas as suas decisões. Tanto isso é verdade que, recentemente, a Corte Especial do STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou duas teses sobre o uso da fundamentação por referência em decisões judiciais (Tema 1.306), a saber: "1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas. 2) A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do parágrafo 3º do art. 1.021 do CPC, é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado". Com efeito, conforme mencionado pelo relator, o min. Luís Felipe Salomão, é um direito do jurisdicionado (da parte em um processo) ter a decisão devidamente fundamentada (CF, art. 93, inciso IX; CPC, art. 489, § 1º). Por meio da fundamentação é que se viabiliza o controle da decisão dentro do processo (interno), via recursos que são interpostos e possibilitam a reanálise do pronunciamento judicial pelo Poder Judiciário pelas instâncias superiores.  Também há um controle externo exercido pela sociedade sobre as decisões judiciais, que apenas será possível se as decisões forem devidamente fundamentadas. As duas teses fixadas pelo STJ acima referidas são importantes porque facilitam o trabalho dos magistrados que já estão com volume de trabalho excessivo e ajudam a dar vazão à avalanche de processos que inundam todos os tribunais da federação. Mas a sua aplicação no futuro é motivo de preocupação. Por exemplo, é interessante saber como se comportará daqui em diante o Poder Judiciário ao aplicar o inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC, que estabelece que não se considera fundamentada a decisão que "não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador". Será que a fundamentação por referência dará conta de enfrentar todos os argumentos capazes de infirmar as conclusões adotadas pelo magistrado? Usar a fundamentação de uma decisão para outra nem sempre dá conta cumprir o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, considerando que nem sempre um processo é igual ao outro. Outra questão inquietante é saber como será compatibilizado o disposto no art. 371, do CPC, com o Tema repetitivo 1.306, do STJ. Ou seja, o juiz deve apreciar a prova constante dos autos, independentemente de quem a tenha produzido, e "indicará na decisão as razões de formação de seu convencimento". Como o juiz apreciará a prova de um processo e decidirá com fundamentação "por referência" aos fundamentos da decisão proferida em outro processo? Enfim, o futuro dirá como as duas admiráveis teses firmadas pelo Tema repetitivo 1.306, do STJ, serão utilizadas pelo Poder Judiciário para cumprir seu dever de fundamentar todas as decisões. Se bem utilizadas, sem dúvida, as teses servirão de auxílio para lidar com o excessivo volume de processos que abarrota o Poder Judiciário. Por outro lado, se mal aplicadas, haverá o risco de violação ao art. 93, inciso IX, da CF, do art. 489, § 1º, e do art. 371, do CPC, só para citar alguns riscos. Aguardemos as "cenas dos próximos capítulos".
Em uma cruzada quase sem fim e desnecessária, a Corte Especial do STJ voltará a enfrentar o tema - que já deveria estar superado - referente à correta interpretação do art. 406 do CC, com a redação anterior à vigência da lei 14.905/24.  Dentro da dinâmica do art. 927, V, do CPC, com força de verdadeiro precedente, a Corte Especial do STJ finalizou recentemente o julgamento do REsp 1.795.982, tendo reafirmado seu posicionamento no sentido de que a taxa oficial de juros legais - prevista no art. 406 do CC - deve ser a Selic.  Na realidade, a Corte Especial, naquela ocasião, acabou por reafirmar a força do precedente oriundo do julgamento do EREsp 727.842/SP, no qual o STJ já havia se posicionado pela aplicação da Selic, para fins do art. 406 do CC. Deste modo, por duas vezes, a Corte Especial do STJ consolidou o entendimento de que é a Selic o índice a ser considerado na aplicação do art. 406 do CC, com a redação anterior à vigência da lei 14.905/24.  E isso como fruto de diversos debates já enfrentados ao longo dos anos no STJ. Como já escrito sobre o assunto, quando do início da vigência do CC, havia certa divisão de entendimento do STJ.  A 2ª turma prontamente relacionou a taxa Selic ao art. 406 do CC, entendendo que esta incluía tanto os juros legais quanto a correção monetária, conforme os seguintes julgados:  "2. Com o advento do novo Código Civil, quando não convencionados os juros moratórios, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional; por enquanto, a taxa SELIC (a partir da citação), com a advertência de que não pode ser ela cumulada com qualquer outro índice de correção monetária, porque já embutida no indexador."1 "2. Os juros de mora devem incidir na correção do saldo das contas vinculadas do FGTS no percentual de 0,5% ao mês até a data de entrada em vigor do Novo Código Civil. A partir de então, deverá incidir a Selic (Lei n. 9.250/95), taxa que está em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do Código Civil de 2002)."2 A 1ª seção deliberou sobre o tema no mesmo sentido: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. 1. Os juros moratórios, nas ações em que se discute a inclusão de expurgos inflacionários nas contas vinculadas ao FGTS, são devidos a partir da citação - que nos termos do arts. 219 do Código de Processo Civil e 406 do Código Civil vigentes, constitui o devedor em mora -, à base de 0,5% (meio ponto percentual) ao mês até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n.º 10.406/2001) e, a partir de então, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei n.º 9.250/95 (Precedentes: REsp n.º 666.676/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 06/06/2005; e REsp n.º 803.628/RN, Primeira Turma, deste Relator, DJU de 18/05/2006)."3 Do outro lado, a 3ª turma se pronunciou pela aplicação do art. 161, § 1º, do CTN: "AGRAVO REGIMENTAL. JUROS DE MORA. NOVO CÓDIGO CIVIL. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE PARTICULARES. INAPLICABILIDADE DA SELIC. PRETENSÃO DE PÓS-QUESTIONAR. INVIABILIDADE. 1. Até a data da entrada em vigor do novo Código Civil, o juros moratórios são regulados pelo artigo 1.062 do Código Beviláqua. Depois daquela data, aplica-se a taxa prevista no artigo 406 do atual Código Civil, na razão de 1 % ao mês. 2. A taxa SELIC tem aplicação específica a casos previstos em Lei, tais como restituição ou compensação de tributos federais. Não é a ela que se refere o Art. 406 do novo Código Civil, mas ao percentual previsto no Art. 161, § 1º, do CTN. 3. Em recurso especial não se acolhe a pretensão de pós-questionar dispositivos constitucionais."4 Sucede que, em embargos de divergência, a matéria foi decidida pela Corte Especial, que votou pela aplicação da taxa Selic: "CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL.  CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento."5 A partir desse julgado, o STJ adotou firme posicionamento pela aplicação da Selic como taxa de juros legais6. Apenas para elucidar quão pacífico se tornou o tema no STJ, apontamos os seguintes julgados (incluindo aqui julgados da 3ª turma, que havia se posicionado contrariamente nos primeiros casos): "3. A Corte Especial deste Tribunal pacificou o entendimento de que atualmente a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a Selic."  "4.  Os juros de mora, devidos in casu a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ), devem ser calculados à base de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001), devendo observar, a partir de então, a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei nº 9.250/95 (Precedente da Corte Especial: EREsp 727.842/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 20/11/2008) 5. A incidência da taxa SELIC a título de juros moratórios, a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, em janeiro de 2003, exclui a incidência cumulativa de correção monetária, sob pena de bis in idem (Precedente: EDcl no REsp 1077077/SP, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 05/06/2009)"8 "5. Nas obrigações ainda não adimplidas, anteriores à vigência do CC/02, a jurisprudência tem se orientado no sentido de reputar aplicável, quanto aos juros, o art. 1.062 do CC/16 até a data de 10/1/2003, e o art. 406 do CC/02 após essa data. Precedentes. 6. O índice que deve ser aplicado de conformidade com o art. 406 do CC/02 é, consoante precedente da Corte Especial, a Taxa SELIC, não obstante a existência de julgados recentes aplicando, à espécie, o art. 161, §1º, do CTN. 7. A taxa SELIC abrange juros e correção monetária, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários."9 "1. "Os juros (de mora) legais devem ser fixados à taxa de 0,5% ao mês (artigo 1.062 do CC/1916) no período anterior ao início da vigência do novo Código Civil (10.1.2003) e, em relação ao período posterior, nos termos do disposto no artigo 406 do Código Civil de 2002, o qual corresponde à Taxa SELIC". (AgRg no Ag 1370108/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011)"10 "3. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002, segundo precedente da Corte Especial (EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008), é a SELIC, não sendo possível cumulá-la com correção monetária, porquanto já embutida em sua formação."11 "7. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data (EREsp n. 727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2008)."12 "6. Sobre os valores apurados em liquidação de sentença devem recair, até o efetivo pagamento, juros moratórios de 6% ao ano a partir da citação, nos termos dos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916, até 11.1.2003, quando passou a se aplicar a Taxa Selic (art. 406 do CC atual)."13 "2. Os valores a serem restituídos pelo banco serão acrescidos de juros remuneratórios de 1% ao mês, corrigidos monetariamente pelo INPC, mais juros de mora de 0,5% ao mês desde a citação e, após a vigência do novo Código Civil, da taxa Selic, índice comum de juros moratórios e correção monetária, na forma do art. 406 do CC."14 Ainda, conforme o posicionamento apontado: "2. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês  até  a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data  (EREsp  727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Corte Especial, DJe de 20/11/2008)."15 "1.  Esta  Corte  firmou  entendimento no sentido de que a fixação da taxa  dos  juros  moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406  do  Código  Civil  de  2002,  deve  ser com base na taxa Selic, podendo essa tese ser aplicada inclusive nos casos em que se discute a execução de honorários. Precedentes."16 "1.  O  Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito dos   processos  representativos  da  controvérsia  (art.  543-C  do CPC/1973  e  art.  1.036 do CPC/2015) firmou o entendimento de que a taxa  dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa  referencial  do  Sistema  Especial  de Liquidação e Custódia - SELIC 2. Agravo interno não provido."17 "3.  O  Tribunal  de  origem, ao discorrer sobre os juros moratórios, entendeu que seu termo inicial será a partir da citação e na base de 6%  ao  ano  até a entrada em vigor do Código Civil, aplicada a taxa Selic,  a partir de então, consoante interpretação feita do art. 406 do Código Civil, que se coaduna com jurisprudência desta Corte."18 "3. Os juros moratórios são devidos a partir do evento danoso no percentual de 0,5% a.m até a entrada em vigor do Código Civil atual (11.1.2003), quando deverão ser calculados na forma do seu art. 406, isto é, de acordo com a SELIC."19 Como se pode imaginar, o STJ, para fins do art. 406 do CC, manteve sua posição sobre a aplicação da taxa Selic nos últimos anos, como se depreende dos seguintes julgados, apenas a título exemplificativo: "AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO. 1. "A Corte Especial no julgamento de recurso especial repetitivo entendeu que por força do art. 406 do CC/02, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, a qual deve ser utilizada sem a cumulação com correção monetária por já contemplar essa rubrica em sua formação" (AgInt no REsp 1794823/RN, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe 28/5/2020). 2. Agravo interno a que se nega provimento."20 "3. Nos termos dos Temas 99 e 112/STJ, a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, vedada a acumulação com correção monetária."21 A orientação predominante apenas segue, como mencionado previamente, os julgados da Corte Especial. Além do EREsp 727.842/SP, importante apontar que, em sede de recurso especial repetitivo, a Corte Especial firmou a seguinte tese na sessão de 2/6/10: "Tema 176: Tendo sido a sentença exequenda prolatada anteriormente à entrada em vigor do Novo Código Civil, fixado juros de 6% ao ano, correto o entendimento do Tribunal de origem ao determinar a incidência de juros de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, a partir de então, da taxa a que alude o art. 406 do Novo CC, conclusão que não caracteriza qualquer violação à coisa julgada." Por conseguinte, do ponto de vista do Direito Civil, resta patente a plena aplicabilidade da taxa Selic como juros legais previstos no art. 406 do CC vigente. Ressalte-se que, conforme supracitado, a taxa Selic inclui tanto os juros moratórios quanto a correção monetária.  Vale realçar, por fim, que a matéria hoje está regida pela lei 14.905/24, que claramente prestigia a orientação do STJ no sentido de ser a Selic a taxa legal de juros, para fins do art. 406 do CC, bem como no sentido de que a Selic não pode ser simplesmente cumulada com a correção monetária.  Nesse contexto, não se mostra em linha com o art. 37 da CF e com o art. 8º do CPC - que primam pelo princípio da eficiência - a determinação oriunda da ProAfR no REsp 2.070.882 - RS (2023/0144202-9), da relatoria do ministro VILLAS BÔAS CUEVA, no sentido de determinar-se (novamente) se: "a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) deve ser considerada para a fixação dos juros moratórios a que se referia o art. 406 do Código Civil antes da entrada em vigor da Lei n° 14.905/2024". Com a votação ocorrida em 24/6/25, decidiu-se que: "Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial, por unanimidade, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 do CPC e art. 257-C do RISTJ) para consolidar entendimento acerca da seguinte questão jurídica: "Definir se a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) deve ser considerada para a fixação dos juros moratórios a que se referia o art. 406 do Código Civil antes da entrada em vigor da Lei n° 14.905/2024." Ainda, por unanimidade, determinar a suspensão dos recursos especiais ou agravos em recurso especial em segunda instância e/ou no STJ cujos objetos coincidam com o da matéria afetada (observada a orientação do art. 256-L do RISTJ), nos termos da proposta do Sr. Ministro Relator. Quanto a abrangência da suspensão, os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou da votação a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. Quanto a proposta de afetação, os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou da votação o Sr. Ministro Og Fernandes. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Herman Benjamin." Será a terceira vez, portanto, que a Corte Especial, desde 2008, enfrentará o mesmo assunto, sendo que pela dinâmica de precedentes adotada em nosso sistema processual, conforme disposto no art. 927, V, do CPC, a ProAfR no REsp 2.070.882 - RS (2023/0144202-9) se mostra, sempre com o devido acatamento, absolutamente desnecessária; notadamente se considerando que o julgamento do REsp 1.795.982, finalizado em 2024, é recente, não havendo, salvo melhores entendimentos, critérios presentes para overruling.  Como sabemos, o CPC vigente trata de hipóteses específicas para combater a desuniformidade da jurisprudência pátria.  Quanto à interpretação do art. 406 do CC, há eminente relevância nesse ponto, de modo que já se julgou, em Corte Especial, duas vezes, sobre a aplicação da taxa Selic. Assim, o art. 927, III e V, do CPC, prevê, além da observância aos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, a vinculação de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados.  Fredie Didier Jr. explica tal vinculação: "Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgãos de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. Afinal, o precedente não deve vincular só o tribunal que o produziu, como também os órgãos a ele subordinados. Diante disso, precedentes do: [...] b) plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal e infraconstitucional, vinculam o próprio STJ, bem como TRFs, TJs e juízes (federais e estaduais) a ele vinculados."  Teresa Arruda Alvim, nesse campo, bem destaca a importância dos precedentes serem seguidos. E, Daniel Mitidiero, com didática exemplar, enfatiza que: "As cortes de justiça e os juízes a ela ligados não podem deixar de aplicar um precedente apenas por que não concordam com a solução formulada, isto é, com seu conteúdo".  O próprio STJ, aliás, no julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei Federal 825, elegeu os julgados da Corte Especial como exemplos de sua "jurisprudência dominante" e que deve ser seguida pelos membros da Corte: "Esse conceito abrange decisões do STJ em incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDRs), incidentes de assunção de competência (IACs), recursos repetitivos e embargos de divergência, além de julgados da Corte Especial." Finalmente, a dinâmica de respeito aos precedentes, adotada pelo CPC, nos termos do respectivo art. 927, bem como nos termos da recomendação 134/22 do CNJ, reforça a necessidade de primar-se pela segurança jurídica; tudo de modo a se concluir que não seria necessária a reapreciação, pela terceira vez, pela Corte Especial do STJ, do mesmíssimo tema referente à Selic e ao art. 406 do CC, com a redação previamente à vigência da lei 14.905/24. ______________________ 1 STJ, REsp 781594/PE, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.05.2006. 2 STJ, REsp 916567/PE, 2ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noronha, 27.03.2007. 3 STJ, REsp 875919/PE, 1ª Seção, Min. Rel. Luiz Fux, j. 13.06.2007. 4 STJ, AgRg no REsp 727842/SP, 3ª Turma, Min. Rel Humberto Gomes de Barros, j. 03.12.2007. 5 STJ, EREsp 727842 / SP, Corte Especial, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, j. 08.09.2008. 6 Nessa toada:  "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS MORATÓRIOS. MOMENTO DA INCIDÊNCIA. CRITÉRIOS. VIGÊNCIA NOVO CÓDIGO CIVIL. I - Trata-se de discussão acerca da incidência de juros moratórios em precatório complementar, em autos de execução de título judicial, onde o Tribunal a quo determinou que tais juros incidam à razão de 0,5% ao mês durante a vigência do Código Civil/1916 e, a partir do Novo Código, em 1% ao mês. II - Sob o argumento de que a indenização que gerou a referida execução se deu na vigência do Código Civil/1916, pretende o recorrente que durante todo o período os juros moratórios sejam fixados em 0,5% ao mês. III - Esta eg. Corte de Justiça já tem firme posicionamento no sentido de que os juros de mora são devidos à taxa de 0,5% ao mês, até a vigência do Código Civil de 2002, a partir de quando deve ser considerada a taxa que estiver em vigor para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406), ou seja, a SELIC. Precedentes: AgRg no REsp nº 972.590/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe de 23.06.2008; REsp nº 858.011/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe de 26/05/2008; REsp nº 926.140/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 12.05.2008. IV - Assim, a pretensão estadual é descabida e, por outro lado, considerando-se a peculiaridade da espécie, deve ser mantido o entendimento firmado pelo juízo a quo sobre o percentual dos juros moratórios, nada podendo se deliberar nestes autos sobre a incidência da SELIC, em observância ao princípio da non reformatio in pejus. V - Recurso improvido." - STJ, REsp 926285 / PR, 1ª Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, j. 14.10.2008. 6 STJ, REsp 945601 / SC, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.06.2009. 7 STJ, EDcl no REsp 961512 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Vasco Della Giustina, j. 14.12.2010. 8 STJ, EDcl no REsp 953460 / MG, 3ª Turma, Minª. Relª. Nancy Andrighi, j. 09.08.2011. 9 STJ, AgRg no REsp 886970 / DF, 4ª Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 16.08.2011. 10 STJ, EDcl no REsp 1025298 / RS, 2ª Seção, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012. 11 STJ, REsp 645729 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, j. 11.12.2012. 12 STJ, AgRg no AREsp 311954 / PR, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, j. 28.05.2013. 13 STJ, EDcl no AgRg no Ag 1316058 / GO, 3ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noro-nha, j. 10.09.2013. 14 STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1740851 / MA, 3ª Turma, Min. Rel. Moura Ribeiro, j. 24.06.2019. 15 STJ, AgInt no AREsp 1180613 / MS, 4ª Turma, Min. Rel. Marco Buzzi, j. 21.10.2019. 16 STJ, AgInt no REsp 1628809 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.05.2017. 17 STJ, AgInt no AREsp 870448 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Humberto Martins, j. 18.08.2016. 18 STJ, AgRg no REsp 831173 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Raul Araujo, j. 16.12.2014. 19 STJ, AgInt no REsp 1723791 / MS, 4ª Turma, Minª. Relª. Maria Isabel Gallotti, j. 08.02.2021. 20 STJ, REsp 1846819 / PR, 3ª Turma, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13.10.2020.
A coisa julgada, que já teve papel central no nosso ordenamento1, vem pouco a pouco perdendo importância. A relativização da coisa julgada é fenômeno antigo2, mas o que se tem visto atualmente é praticamente o fim do instituto. Nas relações tributárias de trato sucessivo, o STF praticamente acabou com a coisa julgada, sendo que nem é mais necessário o ajuizamento de ação rescisória para tal fim3. Já o CPC de 2015 previu a possibilidade de reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória. De fato, o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do CPC preveem que o prazo de dois anos para o ajuizamento de ação rescisória pode ser reaberto e será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF em sentido contrário à transitada em julgado4. Tal previsão ao privilegiar os precedentes, a uniformidade e a isonomia acabou criando muita insegurança jurídica5, já que após o CPC/15 podemos ter rescisórias ajuizadas dez, vinte anos após o trânsito em julgado6, bastando que o STF decida de forma contrária ao decidido na decisão transitada em julgado. Ao julgar o Tema 360, o STF entendeu inadmissível a rescisão de julgado fundado em interpretação legal posteriormente considerada inconstitucional, por entender que tal possibilidade comprometeria a estabilidade da coisa julgada. Segundo esse entendimento, só seria possível o reconhecimento dessa constitucionalidade ou inconstitucionalidade se tiver decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. Recentemente, o Plenário do STF alterou substancialmente o seu entendimento anterior e na questão de ordem na AR 28767 fixou as seguintes teses: "O § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme à Constituição, com efeitos ex nunc, no seguinte sentido, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 14 do art. 525 e do § 7º do art. 535: 1. Em cada caso, o STF poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social. 2. Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF. 3. O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (CPC, arts. 525, caput, e 535, caput)" Não ocorreu a publicação dos votos de tal julgado, entretanto, tivemos mais uma grande flexibilização da coisa julgada e não foi fixada uma regra, sendo decidido caso a caso, o que acaba gerando mais insegurança jurídica e pode dar ensejo a casuísmos. _______ 1 Segundo o ministro Luiz Fux "Nosso estimado Barbosa Moreira, dizia, repisando antigos juristas - Chiovenda, Calamandrei, Carnelutti - que, no altar-mor da catedral do processo, situa-se a coisa julgada. A coisa julgada está prevista como um dos direitos fundamentais do cidadão e, a fortiori, do contribuinte, como intangível, imodificável." (RE nº 955227 ED-SEGUNDOS / BA). 2 DINAMARCO, Candido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 2, n. 2, p. 7-45, 2001. 3 Temas 881 e 885 do STF: "1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo." 4 O professor José Rogério Cruz e Tucci adverte que tais dispositivos "colocam em xeque a segurança jurídica, uma vez que o pronunciamento da excelsa Corte pode sobrevir muitos anos após o trânsito em julgado" (Comentários ao art. 525. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHA Revista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. VIII, p. 307). 5 Logo após a entrada em vigor do CPC/15 eu e o professor Elias Marques de Medeiros Neto defendemos que o "Novo CPC nos artigos 525, § 15 e 535, § 8º é uma inovação em nosso ordenamento e vai de encontro à jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, que desde sempre entenderam que por mais importante que fossem as decisões do STF, essas não atingiriam as sentenças transitadas em julgado anteriormente ao julgamento dos paradigmas. Eventual mudança no entendimento de nossa mais alta Corte sobre determinada matéria não seria apta a alterar todas as decisões que transitaram em julgado anteriormente ao novo paradigma. Tal entendimento sempre demonstrou a importância do instituto da coisa julgada em nosso ordenamento e prestigiou a segurança jurídica dos demandantes, com a pacificação almejada pelo processo e evitando-se a eternização dos litígios. Tendo os arts. 525, § 15 e 535, § 8º do Novo Código de Processo Civil colidido com os institutos da coisa julgada e da segurança jurídica, e padecendo as referidas inovações de vício formal em sua tramitação legislativa, é de se esperar que o próprio legislativo reveja essa inclusão extemporânea da previsão quanto à reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória, senão certamente o Poder Judiciário o fará." ("O § 15 do art. 525 e o § 8.º do Art. 535 do Novo CPC: Considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de Ação Rescisória e a Segurança Jurídica", in Revista de Processo nº 262/2016). 6 Welder Queiroz dos Santos defende que o prazo máximo deveria ser de cinco anos: "Embora a literalidade da previsão de o prazo decadencial iniciar com o trânsito em julgado da decisão do STF seja materialmente inconstitucional, por incompatibilidade com os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa julgada, o § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme a Constituição para admitir o cabimento de ação rescisória para desconstituição de coisa julgada inconstitucional "cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal", mas limitado ao prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória." ("Ação Rescisória por Violação à Norma Jurídica Constitucional: O § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 Do CPC", in Revista de Processo nº 320/2021). O prazo de cinco anos proposto pelo Autor é semelhante ao do art. 975, §2º, do CPC (rescisória fundada em descoberta de prova nova). 7 Uma análise mais completa do julgamento, que não é o objetivo dessa coluna, pode ser obtida no texto do professor José Henrique Mouta no próprio site Migalhas. Disponível aqui.
Com o advento da tecnologia a prática de atos processuais eletrônicos se tornou uma realidade presente e próxima do jurisdicionado. Dentre suas benesses, a prática de sessões de julgamento telepresencial encurtou distâncias, onde atos processuais de sessões de julgamentos antes renegadas a julgamentos presenciais (por vezes em local de distante acesso ao advogado que reside fora das capitais) passou a ser permitido por meio do acesso à internet mediante julgamento telepresencial, evitando-se, desse modo, a perda de tempo com deslocamento e outras providências correlatas (estadia, reserva voos, etc.). No meandro do que se convencionou chamar de sessão de julgamento eletrônico, tem-se, (i) a sessão de julgamento telepresencial onde os atos processuais são praticados de forma síncrona, através de videoconferência ao passo em que na chamada sessão de julgamento virtual as votações são realizadas no ambiente eletrônico e os julgadores em período de tempo previamente estabelecido deverão lançar seus votos, sendo os atos processuais praticados de forma assíncrona (podendo as sustentações orais serem enviadas em arquivos na expectativa de serem abertos, vistos e escutados pela turma julgadora). Inicialmente, a resolução CNJ 312/20 ampliou as hipóteses de julgamento eletrônico, de modo que a resolução CNJ 591/24 disciplina os requisitos mínimos para a realização ode sessões de julgamento eletrônico pelo Poder Judiciário, daí incluídas as sessões de julgamento virtual, de sorte que o art. 4º impõe o prazo mínimo de 5 dias  úteis entre a publicação da pauta e o início do julgamento virtual, dispositivo esse em harmonia com a inteligência do art. 935 do CPC1. Recentemente, a 3ª turma do STJ anulou julgamento virtual realizado pelo TJ/SP sem que as partes fossem intimadas acerta de seu início: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SESSÃO DE JULGAMENTO VIRTUAL. INTIMAÇÃO. ADVOGADOS. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. RETORNO DOS AUTOS. NOVO JULGAMENTO. 1. A controvérsia dos autos resume-se em definir se é nulo o julgamento de recurso de apelação em sessão virtual realizada sem a intimação dos patronos das partes. 2. Na hipótese dos autos, o processo foi julgado em sessão virtual realizada no dia seguinte a sua distribuição, sem que os advogados das partes fossem intimados acerca do início da sessão de julgamento. 3. É indispensável a intimação dos advogados das partes acerca da realização da sessão de julgamento, seja presencial ou virtual, com a antecedência prevista em lei, sob pena de nulidade. 4. Recurso especial provido (STJ, recurso especial 2136836/SP, 3ª turma, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 4/6/25, grifou-se) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) 2. Da nulidade do julgado Conforme se colhe dos autos, os recorrentes apontaram em embargos de declaração a nulidade do julgamento da apelação em razão de não terem sido intimados da data de julgamento, de modo que não puderam se opor ao julgamento virtual. Relataram, ainda, que o recurso foi julgado um dia após a distribuição, sem que pudessem realizar sustentação oral ou apresentar memorais aos demais desembargadores, destacando-se de suas razões o seguinte trecho: "(...) No entanto, no próprio dia , ou 23/9/20 seja, um dia após a efetiva distribuição dos autos e SEM qualquer formal intimação das partes, foi proferido o acórdão de folhas 648-653, o qual julgou IMPROCEDENTE o pedido indenizatório por danos morais dos Autores: (...) Não é demais apontar que a própria disponibilização da intimação da distribuição do recurso ocorreu em 24/9/20, ou seja, APÓS o julgamento virtual ocorrido em 23/9/20, conforme Diário de Justiça eletrônico abaixo reproduzido: (...) Dessa forma, resta evidente o cerceamento de defesa sofrido pelos Autores, os quais possuíam interesse na sustentação oral do feito e apresentação de memoriais aos demais desembarqadores, mas foram surpreendidos com o julgamento dos recursos um dia após a distribuição dos autos para esta Câmara, com a improcedência de uma de suas pretensões indenizatórias, motivo pelo qual entendem ser de rigor a ANULAÇÃO do acórdão em questão" (e-STJ fls. 658/660 - grifou-se). No julgamento dos aclaratórios, entretanto, apenas se abordou a questão da oposição ao julgamento virtual, sem se tratar da necessidade de intimação acerca do início do julgamento, como se depreende do seguinte trecho do acórdão: "(...) Primeiramente, pontua-se que se deve garantir a entrega da jurisdição com a devida celeridade, sob pena de ofensa à garantia constitucional da 'razoável duração do processo' (art. 5°, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e art. 4° do CPC). Certamente, este Relator se dedica com o intuito de conferir a maior celeridade possível aos processos que lhe são distribuídos. Uma vez julgado o mérito do recurso dentro do menor prazo possível, não pode os ora embargantes alegar nulidade do julgado com base em irregularidade que não lhes trouxe qualquer prejuízo. Registre-se que a forma em que realizado o julgamento não modifica o entendimento exarado pelos componentes da turma julgadora. Ressalte-se que não se vislumbra fundamento algum a justificar a oposição do julgamento virtual da forma como feita, principalmente considerando a situação excepcional pelo qual passa não só este Tribunal, mas todo o planeta, por conta da crise pandêmica que atravessamos. Assim sendo, a oposição apresentada (fls. 647) mostra-se despropositada, até mesmo porque a parte não foi capaz de indicar qualquer prejuízo que o julgamento na modalidade virtual possa lhe ter trazido. Em outras palavras, não houve demonstração alguma de que o julgamento pela forma virtual trouxe qualquer prejuízo, mesmo que em potencial, às partes. Salienta-se que o devido contraditório foi respeitado, tendo a parte a oportunidade de apresentar suas razões em juízo, como assim o fez no decorrer de todo o tramite processual, estando o acórdão plenamente fundamentado em suas razões. Certo é que argumentos ora apresentados pelos embargantes em nada refutam a conclusão alcançada por este colegiado e se encontram, pois, resolvidos na fundamentação lançada no acórdão guerreado" (e-STJ fl. 669 - grifou-se). Nesse contexto, deve ser reconhecido o defeito na prestação jurisdicional, pois o acórdão foi omisso no que respeita à alegação de ocorrência de julgamento surpresa e cerceamento de defesa. Por força do disposto no art. 1.025 do CPC, passa-se desde logo ao exame da ocorrência de cerceamento de defesa em razão da falta de intimação para o início do julgamento virtual. A resolução CNJ 312/20, editada em razão da declaração pública de pandemia e vigente na época do julgamento, alterou o art. 118-B do regimento interno do CNJ para ampliar as hipóteses de julgamento por meio eletrônico, passando o § 2º da referida norma a prever: "Art. 118-B Em situações de emergência, de calamidade pública ou de manifesta excepcionalidade, assim reconhecidas no respectivo ato convocatório, o presidente do Conselho Nacional de Justiça poderá convocar, a qualquer tempo, sessão extraordinária do plenário virtual. § 1o O prazo de duração da sessão virtual extraordinária será definido no respectivo ato convocatório. § 2o As partes serão intimadas da sessão virtual extraordinária pelo Diário da Justiça eletrônico ou no respectivo processo do CNJ na consulta no 0002337- 88.2020.2.00.0000. Parágrafo único. Caso as sessões se realizem por meio de videoconferência, em substituição às sessões presenciais, fica assegurado aos advogados das partes a realização de sustentações orais, a serem requeridas com antecedência mínima de 24 horas (CPC, art. 937, §4o)" (grifou-se). Ademais, o art. 935 do CPC, prevê que entre a data da publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, no mínimo, o prazo de cinco dias. Esse prazo deve ser observado seja no julgamento presencial, seja no virtual, conforme se depreende do disposto no 4º da resolução CNJ 591/24. Vale mencionar, também, que o art. 937 do CPC dispõe que será dada a palavra aos advogados das partes para oferecerem sustentação oral. Nesse contexto, a nulidade na hipótese é patente. Com efeito, conforme se colhe dos autos, o processo foi distribuído ao relator no Tribunal de origem em 22.9.2020 (e-STJ fl. 644) e o recurso de apelação foi julgado em 23/9/20, sem que tenha havido intimação das partes acerca da sessão de julgamento. Cumpre assinalar que a celeridade não autoriza o afastamento de regras que garantem a observação do contraditório. Diversamente do afirmado pela Corte de origem nos aclaratórios, não há como afastar a existência de prejuízo para os recorrentes, mormente tendo sido provido o recurso da recorrida, sem que lhes fosse oportunizada a devida sustentação oral e a entrega de memoriais(...)" (grifou-se) A resolução CNJ 314/20, a seu turno, que prorrogava o regimeinstituído pela resolução CNJ 313, estabeleceu em seu art. 5º, parágrafo único: "Art. 5o As sessões virtuais de julgamento nos tribunais e turmas recursais do sistema de juizados especiais poderão ser realizadas tanto em processos físicos, como em processos eletrônicos, e não ficam restritas às matérias relacionadas no art. 4o da resolução CNJ no 313 /20, cujo rol não é exaustivo, observado no mais o decidido pelo plenário do CNJ na consulta no 0002337- 88.2020.2.00.0000. Parágrafo único. Caso as sessões se realizem por meio de videoconferência, em substituição às sessões presenciais, fica assegurado aos advogados das partes a realização de sustentações orais, a serem requeridas com antecedência mínima de 24 horas (CPC, art. 937, §4o)" (grifou-se). Ademais, o art. 935 do CPC, prevê que entre a data da publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, no mínimo, o prazo de cinco dias. Esse prazo deve ser observado seja no julgamento presencial, seja no virtual, conforme se depreende do disposto no 4º da resolução CNJ 591/24. Vale mencionar, também, que o art. 937 do CPC dispõe que será dada a palavra aos advogados das partes para oferecerem sustentação oral. Nesse contexto, a nulidade na hipótese é patente. Com efeito, conforme se colhe dos autos, o processo foi distribuído ao relator no Tribunal de origem em 22.9.2020 (e-STJ fl. 644) e o recurso de apelação foi julgado em 23/9/20, sem que tenha havido intimação das partes acerca da sessão de julgamento. Cumpre assinalar que a celeridade não autoriza o afastamento de regras que garantem a observação do contraditório. Diversamente do afirmado pela Corte de origem nos aclaratórios, não há como afastar a existência de prejuízo para os recorrentes, mormente tendo sido provido o recurso da recorrida, sem que lhes fosse oportunizada a devida sustentação oral e a entrega de memoriais (...) 3. Do dispositivo Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o acórdão recorrido e determinar novo julgamento da apelação, observados os prazos de intimação das partes. É o voto." (STJ, Tema Repetitivo 1261, REsp n. 2093929 - MG, 2ª seção, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 10/6/25, grifou-se) O julgado acima está correto. Inicialmente, a já citado art. 935 do CPC, norma infraconstitucional, é peremptório em impor "(...) entre a data de publicação da pauta 3 e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de cinco dias... salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte." Ainda, o propósito de aludida providência é dar ampla publicidade as partes do vindouro julgamento, a viabilizar o (i) preparo, entrega de memoriais e (ii) prolação de sustentação oral (quando cabível, art. 937 do CPC), a revelar a frustração de tais providência quando o julgamento virtual é iniciado sem prévia intimação das partes. A despeito da entrega de memoriais anteriores a sessão de julgamento não estar prevista no CPC, é certo que até o término do julgamento todas as formas de influência do advogado em favor de seu cliente devem ser franqueadas, seja um memorial apontando recente posicionamento do STJ ou STJ a respeito do tema a ser decidido e não existente quando da interposição do recurso, seja o trabalho a ser desempenhado por um patrono constituído recentemente para a confecção e entrega de memoriais, a trazer uma nova perspectiva em complementação as razões recursais ou sua resposta, seja por força do público acesso entre advogados e juízes previstos tanto no art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/1994)2 quanto no art. 35, IV da lei orgânica da magistratura (LC 35/1979)3. Deveras, tais providências também se prestam a coroar normas processuais fundamentais previstas nos arts. 6º, 7º, 9º e 10º do CPC, à rigor dos princípios do contraditório, colaboração e vedação de decisão surpresa. ________ 1 "Art. 935. Entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de 5 (cinco) dias, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido julgados, salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte. § 1º Às partes será permitida vista dos autos em cartório após a publicação da pauta de julgamento. § 2º Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento." 2 " Art. 7º São direitos do advogado: (...) VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada;" 3 "Art. 35 - São deveres do magistrado:  (...)  IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência."
O art. 796, do CPC, estabelece que "o espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança". Apesar de o dispositivo ser de uma clareza solar, há credores que insistem em colocar os herdeiros no polo passivo de execuções para responderem por dívidas de executados falecidos sem que exista partilha dos bens daquele que morreu e, muitas vezes, sequer inventário instaurado. Imputar responsabilidade ao herdeiro legal antes mesmo da partilha ou da instauração do inventário é ato praticado para constranger a família do devedor falecido vedado pelo art. 796, do CPC. Com o falecimento do devedor, quem responde pela dívida é o espólio. Se não há inventário aberto e não é possível identificar quem representa o espólio, essa é outra questão tratada pelos arts. 615 e 616, do CPC. Com efeito, tem legitimidade para pedir a abertura do inventário e a partilha quem estiver na posse e administração dos bens do espólio, no momento do falecimento (CPC, art. 616). Têm, contudo, legitimidade concorrente para requerer a instauração do inventário: cônjuge ou companheiro supérstite; herdeiro; legatário; testamenteiro; cessionário do herdeiro ou do legatário; o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; a Fazenda Pública, quando tiver interesse; o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou companheiro supérstite (CPC, art. 616, incisos I a IX, sem os destaques). Note-se, portanto, que o credor do autor da herança tem legitimidade concorrente (CPC, art. 616, inciso VI) com os demais legitimados a requerer a abertura do inventário previstos nos arts. 615 e 616, do CPC. Portanto, com o falecimento do devedor, não é permitido cobrar diretamente dos herdeiros a dívida daquele que morreu. É necessário que o pagamento seja exigido do espólio enquanto não houver partilha (CPC, art. 796). Se o inventário não foi aberto pelos legitimados do art. 615, do CPC, cabe ao credor do autor da herança (CPC, art. 616, inciso VI) tomar esta providência, na omissão dos demais legitimados concorrentes do art. 616, do mesmo diploma legal. Por isso, merece aplausos o recente acórdão do TJ/SP, da lavra do eminente desembargador Antonio Rigolin, da 31ª Câmara de Direito Privado, assim ementado: COMPRA E VENDA DE BEM SEMOVENTE. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ÓBITO DO EXECUTADO. INCLUSÃO DOS HERDEIROS DO POLO PASSIVO, COM PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. NÃO PREVALECIMENTO. LEGITIMIDADE DO ESPÓLIO PARA ASSUMIR A QUALIDADE DE SUCESSOR PROCESSUAL, AINDA QUE INEXISTA INVENTÁRIO ABERTO. LIBERAÇÃO QUE SE DETERMINA. AGRAVO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. 1. Enquanto não encerrada a sucessão, é do espólio a legitimidade para atuar ativa e passivamente na defesa dos interesses da massa patrimonial respectiva, ainda que não tenha sido aberto o inventário, cabendo a sua representação a quem se encontra na administração dos bens. 2. Assim sendo, não há que se falar na habilitação dos herdeiros, pois é o espólio quem deve figurar no polo passivo desta demanda. 3. Diante de tal quadro, impõe-se a liberação da constrição efetuada sobre contas bancárias de titularidade dos sucessores. (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2143882-15.2025.8.26.0000; Relator (a): Antonio Rigolin; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Venceslau - 3ª Vara; Data do Julgamento: 2/7/25; Data de Registro: 2/7/25). Trata-se de recente decisão muito acertada do TJ/SP porque aplica rigorosamente a lei e não admite atalhos que muitas vezes os credores do falecido querem adotar em prejuízo de herdeiros que - não raro - sequer têm conhecimento dos negócios do falecido.
Já tivemos a oportunidade de assinalar que o arsenal de instrumentos introduzido em nosso sistema executivo há duas décadas não evitou que os índices de congestionamento da execução no Poder Judiciário nacional ainda se mostrassem lamentáveis. Os relatórios do Justiça em Números, do CNJ, contextualizam bem o cenário, demonstrando altos índices de estoque de execuções frustradas. A causa da baixa performance na execução é indicada, pelo próprio CNJ, como sendo a dificuldade de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente". Nesse cenário, com base em dados fornecidos pelo próprio CNJ, a crise da execução civil não será solucionada com os genéricos debates acadêmicos. O contexto exige um conjunto de atos processuais que permita atingir-se rapidamente o patrimônio do devedor. Sem essa premissa sendo instrumentalizada com êxito nos casos concretos, dificilmente o sistema executivo poderá ser considerado mais eficiente em nosso país. Nesse contexto, foi muito bem-vinda a lei 14.711/23. Essa lei, chamada de marco legal das garantias, trouxe importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o marco legal das garantias certamente objetivou conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A lei, portanto, teve o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias. Um destaque foi a possibilidade da execução extrajudicial do crédito hipotecário, com semelhanças ao procedimento da execução ligada à alienação fiduciária de imóvel dado em garantia. Ou seja, a execução ocorre, primariamente, através de atos do cartório de registro de imóveis. O marco legal das garantias também previu a possibilidade da contratação de um agente especializado de garantia, o qual pode auxiliar na otimização de atos necessários para melhor performance na localização e excussão de bens dos devedores. A lei também adota a possibilidade de uma negociação, regida perante o cartório de protestos, previamente à efetivação dos protestos de títulos; em sintonia, aqui, com a dinâmica da busca de uma solução consensual de conflitos. A lei também previu a possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, pode ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos. Neste particular, em especial quanto ao art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pelo marco legal das garantias, o STF, ao apreciar a ADI 7.600/DF, entendeu que: "O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos das ADI 7.600, 7.601 e 7.608, conferindo interpretação conforme à Constituição aos §§ 4º, 5º e 7º (expressão "apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial") do art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 14.711/23, de modo que, nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor, a inviolabilidade do sigilo de dados, a vedação ao uso privado da violência, a inviolabilidade do domicílio, a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade, fixando a seguinte tese de julgamento: "1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela lei 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores. 2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos § § 4º, 5º e 7º do art. 8º-C do decreto-lei 911/1969 (redação da lei 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade". Tudo nos termos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, vencidos a ministra Cármen Lúcia, que julgava procedentes as ações diretas para reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 6º, 9º e 10 da lei 14.711/23, e, parcialmente, o ministro Flávio Dino, que acompanhava o voto do relator e, ainda, declarava a inconstitucionalidade do art. 8º-E, caput e parágrafo único, do decreto-lei 911/1969 (incluído pela lei 14.711/23). Falaram: pelo interessado Congresso Nacional, o Dr. Mateus Fernandes Vilela Lima, advogado do Senado Federal; pelo amicus curiae Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG/BR, o Dr. Maurício Zockun; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Bancos, a Dra. Gabriela Maira Patrezzi Diana; pelo amicus curiae Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento - ACREFI, o Dr. Saul Tourinho Leal; e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Rodrigo Rebello Horta Gorgen, advogado da União. Plenário, sessão virtual de 20/6/25 a 30/6/25." Nesse contexto, adotou-se critérios para uma leitura constitucional de dispositivos do marco legal de garantias, sem deixar-se de prestigiar a tendência de procedimentos mais céleres para a localização de bens do devedor. A pedra de toque do nosso sistema processual, sem qualquer espécie de dúvida, está no tema das execuções frustradas, de modo que iniciativas que possam facilitar, sem prejuízo do devido processo legal e das demais garantias constitucionais, a localização e a excussão de bens do devedor, são muito bem-vindas e podem/devem ser estudadas e prestigiadas.  
O CPC de 2015 deve ser elogiado por ter previsto de forma minudente sobre os honorários advocatícios. O art. 85 do CPC/15 evoluiu muito em relação a singela previsão sobre honorários advocatícios existente no art. 20 do CPC/1973. Dentre as muitas inovações comemoradas pela advocacia podemos citar a previsão constante do art. 85, § 14, do CPC/15 de que os honorários possuem os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho. Desse modo, os honorários estariam no mesmo patamar dos créditos trabalhistas e antes dos créditos tributários.1 Entretanto, desde a vigência do Código, foram proferidos muitos julgados afastando a possibilidade de atribuir preferência aos honorários em relação ao crédito tributário. Essas decisões entendem que o CPC, por ser uma lei ordinária, não poderia tratar de matéria tributária, reservada à lei complementar, e o CTN2, por sua vez, dá preferência ao crédito tributário sobre qualquer outro, exceto créditos trabalhistas e de acidente de trabalho3. Desse modo, em boa hora o plenário do STF afetou a questão e recentemente julgou o RE 1.326.559/SC. A tese fixada no Tema 1.220 foi a seguinte: "É formalmente constitucional o § 14 do art. 85 do CPC no que diz respeito à preferência dos honorários advocatícios, inclusive contratuais, em relação ao crédito tributário, considerando-se o teor do art. 186 do CTN." A Ementa do Julgado é bastante esclarecedora: "Recurso extraordinário. Direito tributário. Preferência dos honorários advocatícios em relação aos créditos tributários. Art. 85, § 14, do CPC. Constitucionalidade. Amparo no art. 186 do CTN. 1. À luz do Estatuto da Advocacia, os honorários advocatícios contratuais (ou convencionais), arbitrados ou sucumbenciais possuem natureza autônoma e alimentar, qualificando-se a advocacia como trabalho ou profissão. 2. O art. 186 do CTN já assegura aos honorários advocatícios, contratuais, arbitrados ou sucumbenciais, a preferência em relação aos créditos tributários, sendo certo que a lei 8.906/1994, a qual disciplina o trabalho dos advogados, se enquadra no conceito de legislação do trabalho para tal fim. 3. O legislador ordinário, ao editar o § 14 do art. 85 do CPC, não invadiu a esfera de competência do legislador complementar quanto à preferência dos honorários advocatícios em relação ao crédito tributário. 4. Ainda que se diga que o art. 186 não comporta aquela compreensão, verifica-se que a expressão "decorrentes da legislação do trabalho" se enquadra no conceito de norma geral, podendo o legislador ordinário federal, dentro de seu poder de conformação e considerando as particularidades da advocacia, bem como a natureza autônoma e alimentar dos honorários advocatícios, enquadrar tais honorários no conceito de créditos decorrentes da legislação do trabalho. 5. Recurso extraordinário provido. (...)" A União Federal opôs Embargos de Declaração em face do referido acórdão defendendo que: a) O reconhecimento da preferência ao crédito tributário deve se restringir exclusivamente aos honorários advocatícios sucumbenciais; ou, b) Caso mantida a equiparação entre os honorários sucumbenciais e contratuais perante o crédito tributário, seja aplicada, por analogia, o limite de 150 salários-mínimos previsto na lei 11.101/2005. Os referidos embargos de declaração foram rejeitados, à unanimidade, restando mantido o acórdão embargado. Assim sendo, o recente julgado do plenário do STF mostra-se importante, pois acaba com as controvérsias existentes quanto ao tema ao julgar constitucional a previsão do CPC/15 quanto a preferência do pagamento de honorários advocatícios em relação aos créditos tributários. _________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Luiz Dellore: "(...) a preferência dos honorários em relação a outros créditos, seja na recuperação judicial ou nas execuções. Assim, na ordem de preferência, os honorários agora estão no mesmo patamar dos créditos trabalhistas, antes dos créditos tributários." (DELLORE, Luiz. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015: parte geral, Coord. Fernando da Fonseca Gajardoni [et al.], São Paulo: Forense, 2015, p. 301). 2 Art. 186 CTN "O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho." 3 Nesse sentido é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, no julgamento do Incidente de arguição de inconstitucionalidade 5068153-55.2017.4.04.0000/RS, declarou "a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 14 do art. 85 da lei ordinária 13.105/15 (CPC/15), para afastar a possibilidade de ser atribuída preferência de pagamento aos honorários advocatícios em relação ao crédito tributário, por afronta ao art. 146, III, b, da CF/88, combinado com o art. 186 do CTN, com a redação dada pela LC 118/2005"
A impenhorabilidade do bem de família é regida pela lei 8.009/1990 e arts. 1.711 a 1.722 do CC no tocante ao chamado bem de família legal. Não obstante a disciplina legal, o referido tema é objeto de infindáveis controvérsias, a ponto de desaguar no Tema repetitivo 1261 afetado pelo STJ para submissão das seguintes questões para julgamento: "(i) Necessidade de comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar na hipótese de penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar nos termos do art. 3º, V, da lei 8.009/1990; (ii) Distribuição do ônus da prova nas hipóteses de garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária". E, recentemente, a 2ª seção do STJ decidiu aludido tema quando do julgamento do recurso especial representativo da controvérsia 2093929/MG: "Direito civil e processual civil. Recurso especial submetido ao rito dos recursos repetitivos. Bem de família. Execução de hipoteca. Penhorabilidade. Recurso não provido. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do TJ/MG que manteve a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária, com base no art. 3º, V, da lei 8.009/1990. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária. III. Razões de decidir 3. O STJ, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter com a necessária erga omnes proteção à moradia da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar. 4. Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo tem por efeito impedir potest venire contra factum proprium o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia. 5. Quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, presume-se a penhorabilidade do bem, sendo ônus dos proprietários demonstrar que a dívida não se reverteu em benefício da entidade familiar. 6. No caso concreto, as proprietárias do imóvel são as únicas sócias da sociedade empresária devedora, presumindo-se a penhorabilidade do bem, sem prova que ilidisse a presunção de benefício da entidade familiar. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: Para os fins do art. 1.036 do CPC/15, fixam-se as seguintes teses relativamente ao Tema 1.261: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.". (STJ, Tema repetitivo 1261, REsp 2093929 - MG, 2ª seção, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 10/6/25, grifou-se) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) No que interessa ao presente julgamento, a lei 8.009/1990 excepciona a regra da impenhorabilidade do bem de família na hipótese de execução hipotecária sobre o imóvel oferecido pelo casal ou entidade familiar. Eis a transcrição do dispositivo legal: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) V - para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. O dispositivo legal, por conseguinte, torna penhorável o imóvel destinado à moradia da família desde que o bem tenha sido oferecido à constituição de garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar. (...) Em outras oportunidades, a jurisprudência do STJ, ao interpretar esta exceção à impenhorabilidade, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, avançando para distribuir o ônus da prova da seguinte forma: (i) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e (ii) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar (...) Deve ser referido que a hipótese em que se justifica a exceção à impenhorabilidade se origina no oferecimento do bem imóvel em garantia hipotecária, comumente para o entabulamento de contrato de mútuo, de forma voluntária e formal, pelo devedor ou devedores. A partir do contexto da existência da garantia hipotecária, constituída sobre o imóvel ofertado pelo devedor, as instituições financeiras concedem-lhe financiamentos, pautados na confiança legítima e na formalização da garantia. Nesse sentido, malgrado a garantia do bem de família ultrapasse a esfera do próprio devedor, alcançando todo o grupo familiar, a confiança legítima justifica a subsistência da garantia da obrigação, cujo bem que constitui seu objeto foi oferecido pelo próprio casal ou pela entidade familiar. Relaciona-se, na verdade, com a vedação do comportamento contraditório - venire contra factum proprium - decorrente do princípio da boa-fé objetiva. Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo potest venire contra factum tem por efeito impedir proprium o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia. (...) Frise-se, por oportuno, que, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter erga omnes com a necessária proteção à moradia familiar, a exceção à impenhorabilidade do bem de família deve restringir-se tão somente àquelas hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, tal como vem reconhecendo a jurisprudência iterativa desta Corte. Desta forma, para os fins do art. 1.036 do CPC/15, proponho sejam fixadas as seguintes teses relativamente ao Tema 1.261: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar." (STJ, Tema repetitivo 1261, REsp n. 2093929 - MG, 2ª seção, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 10/6/25, grifou-se) O aresto supra citado soa acertado pois, em se tratando de garantia real oferecida em favor de terceiros, (i) soa contraditório o comportamento da entidade familiar em oferecer um bem imóvel em garantia de uma dívida para, quando de sua execução invocar a proteção do bem de família, em nítida tentativa de esvaziar o mister da garantia previamente ofertada ao concordar qual aludido bem deveria responder em garantia pelo cumprimento de obrigação antes anuída. De se observar, também, (ii)  a fixação da tese repetitiva no tocante a distribuição do ônus da prova nas hipóteses de garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem tem participação societária. Malgrado o entendimento acima e controvérsia quanto ao ônus da prova em demonstrar que os recursos advindos da obrigação (em especial em se tratado de mútuo) foram empregados em benefício da sociedade familiar, a fim de afastar a impenhorabilidade do bem de família, certamente um caminho mais seguro ao credor para certificar-se da expropriação da garantia na hipótese de inadimplemento é a figura da alienação fiduciária em garantia regida pela lei 9.514/1997, decreto-lei 911/1969 e arts. 1.361 a 1.368-B do CC, porquanto o credor fiduciante sempre permanecerá com a propriedade resolúvel até ulterior adimplemento da dívida, a afastar-se ulterior alegação de impenhorabilidade de bem de família acaso presente o gravame da alienação fiduciária.
O inciso II do art. 256 do CPC estabelece que o réu será citado por edital "quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando". Por sua vez, o § 3º do mesmo dispositivo legal determina que "o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos". Questão importante é saber se a requisição de informações sobre o endereço do réu em cadastros de órgãos públicos ou concessionárias de serviços públicos pelo juízo é obrigatória ou se trata apenas de uma possibilidade colocada pela lei ao alcance dos magistrados. Em outras palavras, é obrigatória a consulta aos órgãos e concessionárias de serviços públicos antes de se declarar que o réu está em local ignorado ou incerto e promover a sua citação por edital? É esta a pergunta que a Corte Especial do STJ se fez na sessão de julgamento do dia 8/4/2025 e proferiu decisão de afetação de tema repetitivo assim ementada: "PROCESSO CIVIL. PROPOSTA DE AFETAÇÃO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. CITAÇÃO POR EDITAL. REQUISITOS DO ART. 256, § 3º, DO CPC. ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DO RÉU. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAIS ATENDIDOS. MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS. VERIFICADA. SUSPENSÃO NOS TRIBUNAIS DE 2º GRAU E NO STJ. 1. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, bem como estando presentes os pressupostos de relevância e abrangência do tema em debate, deve ser mantida a indicação do presente recurso especial como representativo de controvérsia, consoante o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 1.036 do CPC, c/c o inciso II do art. 256-E do Regimento Interno, a fim de que a controvérsia seja apreciada pela Corte Especial do STJ. 2. A tese representativa da controvérsia fica delimitada nos seguintes termos: "Definir, à luz do art. 256, § 3º, do CPC, se há obrigatoriedade de expedição de ofício a cadastros de órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos para localizar o réu antes da citação por edital." 3. Determinada a suspensão dos processos em trâmite nos tribunais de segunda instância ou no STJ, devendo-se adotar, no último caso, a providência prescrita no art. 256-L do RISTJ. 4. Proposta de afetação acolhida. (ProAfR no REsp 2.166.983/AP, relator ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 8/4/2025, DJEN de 12/6/2025.)". Trata-se de providência tomada pela Corte Especial do STJ em boa hora, enquadrando-se a questão no Tema Repetitivo 1.338. Assim, com a decisão de afetação acima referida, foi determinada a suspensão dos processos em trâmite em segunda instância e no próprio STJ até que se resolva a questão. Como se saber, a citação editalícia é medida de caráter excepcional, pois se trata de modalidade ficta de se praticar um dos atos mais importantes e solenes do processo. De acordo com o art. 238, do CPC, "citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual". É por meio da citação que alguém fica sabendo que algo contra ela está sendo pedido em juízo e passa a integrar o processo. Por tal razão, a modalidade ficta. É por meio da citação que a parte. A citação editalícia é medida de caráter excepcional, tendo o CPC/2015 aprimorado a regulamentação da matéria ao dispor sobre a necessidade de que o juízo requisite informações sobre o endereço da parte nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. É possível a conversão de pedido de reintegração de posse em "ação de execução" quanto o veículo automotor objeto de contrato de arrendamento mercantil ("leasing") não é localizado. Foi o que decidiu a 3ª Turma do STJ, por votação unânime, nos autos do RE 1.785.544/RJ, em julgamento realizado em 21/6/2022. Como se sabe, duas modalidades bastante utilizadas para possibilitar a aquisição de bens consistentes em veículos automotores de maneira financiada são o contrato de alienação fiduciária e o contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como "leasing". Na hipótese da alienação fiduciária, caso ocorra o inadimplemento do devedor no que diz respeito ao pagamento das parcelas pactuadas para obtenção do financiamento, o credor pode recuperar fisicamente o bem mediante o ajuizamento de "ação de busca e apreensão", nos termos do art. 3º, do decreto lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 13.043/14, que dispõe o seguinte: "Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário". Caso o bem não seja encontrado no curso da "ação de busca e apreensão", o art. 4º, do decreto lei 911/1969, estabelece expressamente que o credor pode pedir a conversão da "ação de busca e apreensão" em "ação de execução". Confira-se: "Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - CPC. (Redação dada pela lei 13.043, de 2014)". Já no caso do arrendamento mercantil ("leasing"), na hipótese de inadimplemento do devedor, cabe ao credor propor "ação de reintegração de posse" para recuperar fisicamente o bem objeto do contrato disciplinado lei 6.099/1974. Sem dúvida, existia um tratamento diferenciado conferido pela lei no que diz respeito ao procedimento para o credor retomar o bem objeto do financiamento dependendo da espécie contratual adotada para viabilizar o negócio: alienação fiduciária ou arrendamento mercantil. Em 2014, a lei 13.043, do mesmo ano, inseriu o § 15 no art. 3º do decreto lei 911/1969, que versa exatamente sobre a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente em garantia na hipótese de inadimplemento do devedor, com o seguinte teor: "§ 15.  As disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974." Em outras palavras, o dispositivo legal acima transcrito autorizou expressamente a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária em garantia de veículos automotores aos casos de reintegração de posse referentes às operações de arrendamento mercantil desses bens. Portanto, em decisão irretocável, o STJ entendeu que é válida a extensão das normas previstas no decreto lei 911/1969, que trata da alienação fiduciária, às hipóteses de reintegração de posse de veículos que foram objeto de contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como "leasing". Veja-se, a propósito, a ementa do julgado: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. INADIMPLEMENTO. LIMINAR DEFERIDA. VEÍCULO NÃO LOCALIZADO. CONVERSÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ART. 4º DO DECRETO LEI 911/1969. APLICABILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ). 2. Cuida-se, na origem de ação de reintegração de posse que objetiva a retomada de veículo em virtude do inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil. O pedido de conversão da ação em processo executivo em virtude da não localização do bem foi indeferido, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito. 3. Cinge-se a controvérsia a definir se, diante da não localização do bem objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do decreto lei 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária. 4. A jurisprudência do STJ traçou orientação no sentido de que, em ação de busca e apreensão processada sob o rito do decreto lei 911/1969, o credor tem a faculdade de requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva se o bem não for encontrado ou não se achar na posse do devedor (art. 4º). 5. A lei 13.043/14, que trouxe modificações no decreto lei 11/1969, autoriza a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária aos casos de reintegração de posse de veículos referentes às operações de arrendamento mercantil (lei 6.099/1974). 6. Recurso especial provido. (REsp 1.785.544/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 24/6/2022)". Assim, diante da não localização do veículo automotor objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do decreto lei 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária. Trata-se da uma decisão acertada da 3ª turma do STJ, que equipara o procedimento a ser adotado para situações muito parecidas, em harmonia com a jurisprudência recente da Corte.
sexta-feira, 13 de junho de 2025

Negócios processuais e dez anos de CPC/15

O CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais, valendo destacar o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "Convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. A portaria 33/18 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. Merece aplausos o art. 38 da portaria 33/18 da PGFN que autoriza expressamente a Fazenda Pública a celebrar negócios processuais, com vistas a promover o recebimento do crédito. As portarias 360 e 742, ambas da PGFN, prestigiam claramente o manejo do art. 190 do CPC/15 para fins de obtenção de uma maior efetividade no trâmite das execuções fiscais. Na lei 13.874/19, reforça-se ainda mais a ideia do uso do art. 190 do CPC/15 pelo Poder Público: "Art. 19. § 12.  Os órgãos do Poder Judiciário e as unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderão, de comum acordo, realizar mutirões para análise do enquadramento de processos ou de recursos nas hipóteses previstas neste artigo e celebrar negócios processuais com fundamento no disposto no art. 190 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC)". Não é demais lembrar que a resolução 118/14 do Conselho Nacional do Ministério Público também já estimulava as convenções processuais: "Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta". Ademais, há situações em que o próprio CPC/15 estipula o escopo do negócio processual. Trata-se dos negócios processuais típicos. São as situações, por exemplo, do art. 63 do CPC/15, para fins de escolha de foro nas hipóteses de competência relativa, do art. 471 do CPC/15, para fins de escolha consensual de perito, e do art. 373, parágrafo terceiro, do CPC/15, para fins de distribuição dinâmica e consensual do ônus da prova. O STJ já enfrentou o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do RE 1738656/RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidado o entendimento de que os negócios processuais entabulados pelas partes podem ser prestigiados, mas que: "a interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser restritiva, de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de questões relacionadas ao direito material ou processual que obviamente  desbordem  do  objeto convencionado entre os litigantes, sob pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC." O STJ, por sua vez, em importantíssimo julgado, no REsp 1810444 / SP, tendo como relator o ministro Luis Felipe Salomão, já delimitou que a negociação processual não pode versar sobre poderes do magistrado e sobre questões que podem afetar o devido processo legal. No julgamento do REsp 1361869 / SP, por sua vez, com a relatoria do ministro Raul Araújo, a segunda seção do STJ prestigiou a negociação processual, nos seguintes termos: "1. Pedido de Homologação de Acordo firmado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.). 2. Conquanto o presente negócio jurídico processual se apresente perante os peticionantes como, efetivamente, um acordo, em sua projeção para os interessados qualificados, em especial para o Estado-Juiz, o instrumento descortina-se como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", negócio processual que, após homologado sob o rito dos recursos repetitivos, é apto a gerar norma jurídica de eficácia parcialmente erga omnes e vinculante (CPC, art. 927, III). 3. Homologa-se o acordo entabulado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.), como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", com: a) desistência de todos os recursos acerca da legitimidade passiva para responderem pelos encargos advindos de expurgos inflacionários relativos à cadernetas de poupança mantidas perante o extinto Banco Bamerindus S/A, em decorrência de sucessão empresarial parcial havida entre as instituições financeiras referidas; b) os compromissos assumidos pelos pactuantes de: b.1) não mais litigarem recorrerem ou questionarem em juízo, perante terceiros, especialmente consumidores, suas legitimidades passivas, passando tal discussão a ser restrita às próprias instituições financeiras pactuárias, sem afetar os consumidores; b.2) encerrarem a controvérsia jurídica da presente macrolide, com parcial desistência dos recursos; b.3) conferir-se ao Pacto ora homologado, nos moldes do regime dos recursos repetitivos, eficácia erga omnes e efeito vinculante vertical". É certo, portanto, que os recentes julgados, no geral, prestigiaram a aplicação do art. 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura do instituto em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. O STJ, também no que se refere à negociação processual do art. 471 do CPC/15, recentemente se manifestou no julgamento do REsp 1924452 / SP, tendo sido relator o ministro Ricardo Cueva, no sentido de que: "As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição". Logo, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais. O recente relatório de pesquisa "Convenções Processuais nos Tribunais"2, da UERJ, com a coordenação do Professor Antonio do Passo Cabral, comprova essa percepção. A pesquisa bem concluiu que3: "Foram encontradas, entre 2016 e 2024, um total de 1653 decisões judiciais de tribunais sobre as convenções processuais"; "quase metade dos acordos processuais discutidos nos tribunais brasileiros diz respeito a convenções probatórias (47,8%). Em seguida, vêm os acordos sobre a suspensão do processo (9,8%), a execução e o cumprimento de sentença (9,1%), sobre os prazos (7%), as audiências (6,4%) e a competência (4,7%)"; "São Paulo, o Estado mais rico e populoso do país, lidera as estatísticas, sendo aquele onde mais o Judiciário debateu os negócios jurídicos processuais, seguido pelo Paraná. Em ambos os Estados, destacaram-se tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal Regional do Trabalho"; e "No mesmo sentido, as decisões dos tribunais sobre acordos processuais concentram-se na região Sudeste, que responde por 59% do total, seguida das regiões Sul, CentroOeste, Nordeste e Norte"; e "Em 77% dos casos, o Judiciário validou as convenções, prestigiando as regras negociadas e determinando sua aplicação tal como pactuado pelas partes"; e "A Justiça do Trabalho foi aquela que teve o menor percentual de invalidação, tendo admitido os acordos em 88,7% dos casos e anulado as convenções em apenas 11,3% deles"; e "A Justiça Estadual (74,5%) e a Justiça Federal (68,4%) também apresentaram altos índices de validação dos acordos"; e "A média de validação dos acordos entre todos os tribunais brasileiros foi de 77,6%. Alguns tribunais apresentaram índices bem altos, entre 90 e 100% de admissão e validação. Por exemplo, o TJ/SC teve 96%, o TJ/RJ 90%, o TJ/PE e o TJ/ES registraram 88%". As sinalizações do próprio Poder Judiciário quanto ao instituto em muito podem auxiliar as partes na elaboração de convenções processuais, norteando de forma mais aderente a cada caso concreto a forma de solução de disputas. É fundamental, todavia, observar-se os requisitos e limites previstos na legislação para a celebração dos negócios processuais, bem como analisar-se as diretrizes já adotadas pelos tribunais pátrios acerca da validade desses acordos realizados entre as partes. _______ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 3 Disponível aqui.
A possibilidade de fixação de honorários equitativos também nos casos de grande valor é, sem dúvida, uma das maiores controvérsias do CPC de 2015 e já foi abordado por diversas vezes em nossa coluna1. Diversas tentativas vêm sendo feitas para afastar a previsão do CPC/15 quanto a fixação dos honorários advocatícios, nos termos estabelecidos pelos §§ 2º e 3º do art. 85. A Corte Especial do STJ afastou a possibilidade de fixação equitativa dos honorários em causas de grande vulto no julgamento do Tema 1.076 e parecia ter dado ponto final à discussão. Entretanto, a controvérsia foi levada ao STF, que para surpresa de muitos entendeu que a questão seria constitucional e teria repercussão geral. No dia 24/5/24, foi publicado o esperado acórdão do recurso extraordinário 1.412.069, relatado pelo ministro André Mendonça. Nele, restou esclarecido que o Tema de repercussão geral 1.255 se restringe às demandas em que a Fazenda Pública é parte, segundo já explicitado em artigo nesta coluna2. Não contentes, foi criado o Tema 1.402 no STF, que possui a seguinte descrição: "Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, LIV; e XXXV, da Constituição Federal, se nas causas que não envolvem a Fazenda Pública, a garantia de acesso à Justiça e o princípio da razoabilidade autorizam a fixação de honorários de sucumbência por equidade (CPC/15, art. 85, § 8º), quando a aplicação do § 2º do art. 85 do CPC/15 resultar em montante excessivo." Em 30/5/25, pela apertada maioria de 6x5, o plenário virtual do STF encerrou o julgamento e entendeu que a questão não teria repercussão geral, por não se tratar de matéria constitucional3. Trata-se de decisão acertada, que respeita o texto legal e protege a previsibilidade da remuneração da advocacia, que é essencial à boa prestação jurisdicional. Portanto, em processos envolvendo particulares, não há mais nenhuma razão para o sobrestamento dos feitos, a não aplicação do Tema 1.076 do STJ e a relutância na fixação dos honorários advocatícios entre 10% e 20%, nos termos do art. 85, § 2, do CPC. Reitera-se o entendimento já trazido nessa coluna de que não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Nesses casos, o legislador houve por bem afastar a equidade e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários-mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo e pelo interesse público que ela representa. Ademais, os honorários não servem somente para remunerar os advogados, mas também para conter a excessiva litigiosidade. Nesse sentido é o entendimento do professor Luciano Benetti Timm em parecer concedido ao Conselho Federal da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil: "Em um país notoriamente assolado pelo problema da litigância excessiva, o instituto dos honorários sucumbenciais cria baliza fundamental à operacionalização de princípios como o direito à duração razoável do processo e da isonomia, ao exigir responsabilidade e ponderação dos que buscam a prestação jurisdicional."4 Logo, ao possibilitar honorários equitativos muito abaixo da previsão legal, não teremos mais esse filtro para barrar ações abusivas e frívolas. Desse modo, espera-se que o STF também respeite a opção do legislador de afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios em processos envolvendo a Fazenda Pública, criando critérios objetivos para tal fixação. De fato, o CPC/15 procurou afastar subjetivismos dos magistrados ao fixar honorários muito dispares nas ações que envolvem os entes públicos. ______________ 1 Como exemplo: disponível aqui.   2 Disponível aqui.  3 Disponível aqui.  4 Disponível aqui. 
A necessária constituição em mora do devedor fiduciante nos contratos de alienação fiduciária regidos pelo decreto lei 911/69, com vistas a autorizar ulterior busca e apreensão de bem imóvel ou leilão extrajudicial de bem móvel sempre circundou controvérsias na jurisprudência no tocante ao cumprimento das formalidades legais de aludido ato. Recentemente a 2ª seção do STJ examinou o tema, sob o prisma de decidir se é válida a notificação extrajudicial para efeito de constituição em mora do devedor fiduciante e ulterior busca e apreensão, caso enviada pelo e-mail deste apontado no contrato de alienação fiduciária: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. CORREIO ELETRÔNICO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. ENDEREÇO ELETRÔNICO. CONTRATO. COMPROVAÇÃO DE RECEBIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que manteve decisão de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, considerando válida a notificação extrajudicial por e-mail para comprovar a mora do devedor. II. Questão em discussão 2. Controvérsia acerca da possibilidade de utilização do correio eletrônico (e-mail) para comprovar o cumprimento da exigência legal de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto- Lei n. 911/1969. III. Razões de decidir 3. Com a alteração introduzida pela Lei n. 13.043/2014, o art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 911/1969 ampliou as possibilidades de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, passando a dispor que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". (REsp n. 2183860 - DF, Segunda Seção, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 14.05.2025) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) Anteriormente à alteração introduzida pela Lei n. 13.043/2014, o art. 2º, § 2º,do Decreto-Lei n. 911/1969 determinava que a notificação fosse obrigatoriamente realizada por intermédio de carta registrada, enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos, ou mediante o protesto do título, a critério do credor. Com a inovação legislativa, passou a constar no parágrafo segundo que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário" (grifei). Portanto, houve uma ampliação das possibilidades de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, visando a promover maior eficiência e celeridade no procedimento de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente. Cumpre indagar quais critérios são necessários para determinar se o meio de comunicação utilizado é apropriado para a notificação do devedor fiduciante. Quando a lei sinaliza sua vontade de abranger outros casos que compartilham a mesma essência daquele expressamente mencionado, torna-se necessário empregar como técnica de hermenêutica jurídica a interpretação analógica. Essa técnica visa a aplicar a norma a situações não expressamente contempladas por ela, mas que guardem semelhanças relevantes com aquela prevista. Na interpretação analógica, o intérprete identifica uma hipótese similar àquela regulada pela norma e, com base nessa analogia, estende seus efeitos ao caso não expressamente previsto, desde que haja uma correspondência significativa entre os elementos essenciais das situações comparadas. Sobre a interpretação analógica, cito Reis Friede: A chamada interpretação analógica, por sua vez, ocorre quando a própria regra determina sua incidência a hipóteses semelhantes. Para tanto, a lei, a fim de sinalizar a possibilidade de o intérprete empregar tal recurso, apresenta uma situação casuística, seguida por uma fórmula genérica. Por conseguinte, na interpretação analógica, a norma é extraída a partir dos próprios elementos fornecidos pela lei. (Teoria do Direito. Editora Lumen Juris. 2ª ed. Rio de Janeiro: 2019, p. 739) Dessa forma, para avaliar a adequação do procedimento de notificação do devedor fiduciante no caso em questão, é essencial compreender os requisitos de validade da carta registrada com aviso de recebimento e, em seguida, verificar se há semelhança relevante entre as situações em análise. Nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, a mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento da obrigação e se consolida no atraso culposo do devedor ao deixar de cumprir a prestação previamente acordada entre as partes, revelando sua natureza ex re, ou seja, ocorre de forma automática. Não obstante a mora decorrer do vencimento do prazo sem o adimplemento da obrigação, o legislador determinou ao credor uma obrigação prévia ao ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente, a notificação extrajudicial do devedor (arts. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei n. 911/1969). O inadimplemento do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária ocasiona consequências graves ao devedor, como a perda da posse direta do bem e do direito real de sua aquisição. Além disso, o procedimento de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente é bastante célere. Com a comprovação da notificação extrajudicial, o credor fiduciário poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem fiducial, a qual será concedida liminarmente (art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969). E ainda, cinco dias após executada a liminar, consolida- se a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário (§ 1º). Por conseguinte, a importância da notificação extrajudicial do devedor não pode ser subestimada. Por intermédio dela, assegura-se ao devedor a plena ciência dos desdobramentos de sua inadimplência contratual, permitindo-lhe agir de forma proativa para regularizar sua situação financeira. Isso pode envolver o pagamento dos valores pendentes, a renegociação dos termos contratuais ou a entrega voluntária do bem alienado fiduciariamente. Em suma, a notificação possibilita ao devedor defender seus próprios interesses, promovendo transparência e facilitando soluções amigáveis entre as partes envolvidas. Reitere-se que o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 estabelece ser a carta registrada com aviso de recebimento uma das formas de notificação extrajudicial do devedor. Por sua vez, esta Corte firmou o entendimento, em recurso especial repetitivo, de que, "em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros" (REsp n. 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 20/10/2023 - grifei). Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento, independentemente de quem tenha assinado o AR. A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem. Sob esse aspecto, é possível, por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido. Importante destacar, nesse ponto, o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no art. 188 do CPC/2015, segundo o qual, "os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir". Considerando que a finalidade essencial da notificação é proporcionar ao devedor a plena ciência de sua inadimplência, alcançada tal finalidade por meio eletrônico com comprovação de recebimento, não há falar em nulidade ou insuficiência do ato. O surgimento de novos meios de comunicação é uma realidade que não pode ser ignorada pelo direito, devendo a lei acompanhar e se adaptar à evolução da sociedade e da tecnologia. A comunicação desempenha um papel fundamental nas relações comerciais, e a maneira como as pessoas interagem está em constante transformação, especialmente com o avanço da internet e das tecnologias digitais. Os novos meios de comunicação, como redes sociais, aplicativos de mensagens instantâneas e correio eletrônico, proporcionam uma interação mais rápida, eficiente e acessível em comparação com os meios tradicionais. Isso requer uma abordagem dinâmica e proativa por parte dos legisladores, dos operadores do direito e da sociedade, a fim de garantir que as normas estejam alinhadas com as necessidades do mundo contemporâneo. Nesse sentido, divirjo do entendimento da Terceira Turma, segundo a qual, " descabe cogitar a possibilidade de reconhecer a validade da notificação extrajudicial enviada somente por correio eletrônico porque teria ela atingido a sua finalidade, na medida em que a ciência inequívoca de seu recebimento pressuporia o exame de uma infinidade de aspectos relacionados à existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, ao efetivo uso da ferramenta pelo devedor fiduciante, a estabilidade e segurança da ferramenta de correio eletrônico e a inexistência de um sistema de aferição que possua certificação ou regulamentação normativa no Brasil, de modo a permitir que as conclusões dele advindas sejam admitidas sem questionamentos pelo Poder Judiciário" (REsp n. 2.035.041/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023 - grifei). No referido precedente ficou consignado que, "embora a recorrente sustente que possuiria meios próprios para demonstrar, tecnicamente, a entrega e a leitura da mensagem pelo recorrido, bem como para atestar que o conteúdo corresponderia à notificação extrajudicial apta a constituir o devedor em mora, fato é que esse sistema de aferição não possui certificação ou regulamentação normativa no Brasil, de modo a permitir que as conclusões dele advindas sejam admitidas sem questionamentos pelo Poder Judiciário". Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida. Além disso, a aceitação, pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de mensagens eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como ocorre com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais. Se a parte apresentar evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega da mensagem, assim como a autenticidade de seu conteúdo, o Magistrado pode considerar tais elementos válidos para efeitos legais. O legislador, consciente da impossibilidade de prever todas as situações que possam surgir na prática empresarial de notificação extrajudicial, especialmente diante da rápida evolução tecnológica, autorizou o uso de formas diversas da carta registrada com aviso de recebimento. Exigir regulamentações e certificações específicas para cada nova tecnologia seria o mesmo que esvaziar o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, obrigando, na prática, as instituições financeiras a disporem somente da carta registrada com aviso de recebimento. Sob uma perspectiva de análise econômica do direito, não se pode ignorar que a notificação eletrônica representa economia de recursos e celeridade processual, alinhando-se ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e à busca por maior eficiência na prestação jurisdicional. No mais, eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem, nos termos do que dispõe o art. 373, II, do CPC/2015. Nessa perspectiva, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail, encaminhado ao endereço eletrônico fornecido no contrato de alienação fiduciária, a notificação extrajudicial deve ser admitida para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem, uma vez cumpridos os mesmos requisitos aplicáveis à carta registrada com aviso de recebimento. Cumpre ressaltar ainda, o princípio da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais. Se o devedor forneceu voluntariamente seu endereço eletrônico e autorizou expressamente comunicações por esse meio, não pode posteriormente alegar invalidade da notificação realizada conforme previamente acordado, em clara aplicação da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium). Desse modo, mantenho a posição firmada no julgamento do REsp n. 2.087.485/RS, para considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e comprovado seu efetivo recebimento, uma vez cumpridos os mesmos requisitos da carta registrada com aviso de recebimento. Por pertinente, transcrevo a ementa do julgado: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO DE BEM. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. CORREIO ELETRÔNICO. E-MAIL. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DE RECEBIMENTO. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo entendimento firmado em recurso especial repetitivo, em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos por alienação fiduciária, será considerada suficiente a prova de recebimento da notificação extrajudicial no endereço indicado no instrumento contratual pelo devedor fiduciante, independentemente de quem tenha recebido a correspondência (REsp n. 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 20/10/2023). 2. O legislador, consciente da impossibilidade de prever todas as situações que possam surgir na prática empresarial de notificação extrajudicial, especialmente diante da rápida evolução tecnológica, autorizou a utilização de formas distintas da carta registrada com aviso de recebimento, conforme se extrai do disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969. 3. Assim, por interpretação analógica do referido dispositivo legal, considera- se suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e seja comprovado seu efetivo recebimento, uma vez cumpridos os mesmos requisitos exigidos da carta registrada com aviso de recebimento. 4. Eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem, nos termos do art. 373, II, do CPC/2015. 5. No caso dos autos, não houve comprovação do recebimento da correspondência eletrônica. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 2.087.485/RS, de minha relatoria, Quarta Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024.) No caso dos autos, o Tribunal de origem afirmou que, além de constar expressamente no contrato a autorização do devedor fiduciário para que as comunicações da instituição financeira ocorressem via correio eletrônico, houve efetivo recebimento da notificação, nos seguintes termos (fls. 124/126): In casu, verifica-se que a notificação extrajudicial reproduzida no ID138939155 do processo de origem, foi expedida ao seu destinatário através de e-mail registrado. [...] Ainda, cumpre ressaltar que na cláusula 11 das CLÁUSULAS E CONDIÇÕES  GERAIS  -  CÉDULA  DE  CRÉDITO  BANCÁRIO  CCB (documento de ID 138939158) do contrato entabulado entre as partes, consta expressamente a autorização do devedor fiduciário para que as comunicações da instituição financeira ocorram por e-mail: Destarte, a alegação do réu agravante no sentido de que não reconhece o IP do computador onde foi aberta a mensagem, não tem o condão de afastar a constatação de que houve o efetivo recebimento da notificação encaminhada pelo réu, eis que é sabido a possibilidade de acesso dos e-mails por celular, ou qualquer outro computador com a utilização de senha personalíssima. Deste modo, havendo autenticação de envio, entrega e conteúdo da correspondência eletrônica por Cartório, torna-se inquestionável sua efetividade para constituir o réu em mora, substituindo o (quase) ultrapassado Aviso de Recebimento. Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. Deixo de aplicar o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, porquanto não foram fixados honorários na origem. É como voto. " (REsp n. 2183860 - DF, Segunda Seção, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 14.05.2025) O aresto supra citado soa acertado pois, (i) o legislador foi expresso em autorizar a validade da notificação extrajudicial para efeito de constituição em mora no endereço posto em contrato, independentemente de prova de seu recebimento pelo destinatário, (ii) a interpretação analógica ao caso soa acertada, porquanto o envio da notificação por outro meio tecnológico também posto em contrato combinado entre as partes não subtrai a essência do ato de dar ciência ao devedor, (iii) a finalidade da notificação se presta a avisar o devedor quanto ao inadimplemento e ulterior consequência da mora, de sorte a oportunizar a este pagar o débito ou renegociar a dívida, de sorte que defesas limitadas a tal formalismo, sem dar qualquer solução ao pagamento da dívida ou impugnação ao seu valor em verdade revelam caráter procrastinatório, diante do intuito em si da notificação , repita-se, voltado a dar oportunidade ao devedor para purgação da mora.
O § 1º do art. 536 do CPC estabelece que o juiz pode se valer da imposição de várias medidas de apoio para obrigar alguém ao cumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer contra a própria vontade. Dentre elas está a multa cominatória ("astreinte") utilizada como coerção para fazer com que o devedor cumpra uma obrigação de fazer ou não fazer algo.  Tal multa é tão importante que é objeto de um artigo inteiro do CPC, o art. 537, que é dedicado a disciplinar vários aspectos da sua aplicação aos devedores de obrigação de fazer ou não fazer. Um dos aspectos mais controversos diz respeito ao valor da multa e a possibilidade de ela ser alterada pelo magistrado que a fixou. Os incisos I e II do § 1º do art. 537 do CPC tratam do assunto da seguinte forma: "Art. 537 (...) § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento" (grifos nossos). Pela interpretação literal do dispositivo acima transcrito, somente as multas que ainda não venceram podem ter o seu valor alterado para mais ou para menos, se elas se tornaram insuficientes ou excessivas, ou se o obrigado demonstrou parcial cumprimento superveniente da obrigação. Analisar o comportamento do executado e do exequente é fundamental para se alterar o valor da multa. Não se pode tolerar o executado que descumpre ordens judiciais apostando na hipótese de se desvencilhar da multa no futuro, assim como é intolerável a desídia do exequente que apenas aguarda o tempo passar na expectativa de que as "astreintes" lhe proporcionem um enriquecimento sem causa1. Recentemente, o STJ, por meio de julgado da sua 4ª turma, decidiu que não só a multa vencida pode ser alterada, mas também que ela pode ser reduzida se ultrapassar o limite da obrigação não cumprida. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE. REVISÃO. ESTIPULAÇÃO DE TETO PARA A COBRANÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO" (STJ, 4ª Turma, Resp 1604753/RS, rel. Min. João Otávio Noronha, v.u., deram parcial provimento, j. 07.05.2023, p. DJEn 12.05.2025). Nesse julgado, o STJ decidiu que "A revisão do valor das astreintes deve considerar a importância do bem jurídico tutelado e a proporcionalidade em relação ao valor da obrigação principal, evitando enriquecimento sem causa". No caso concreto, a ré foi condenada à remoção de equipamentos e de limpeza de danos ambientais em imóvel destinado ao comércio de combustíveis. Porém, após acumulados mais de R$ 23.000.000,00 em multas, a ré ainda não tinha cumprido a obrigação! O Tribunal então entendeu por bem reduzir o valor da multa R$ 5.000.000,00.  Diante disso, pergunta-se, pode o juiz reduzir o valor da multa? A resposta é positiva para o STJ, como aconteceu no caso acima ementado, não havendo em preclusão ou trânsito em julgado da decisão que fixa a multa. Porém, é preciso ter cautela em sua revisão, havendo situações em que, pelo comportamento do devedor ou até mesmo pelo valor da obrigação, é recomendável que o valor da multa não seja proporcional ao valor da obrigação. Se, por exemplo, uma empresa cobra mensalmente uma tarifa de um real de seus consumidores de maneira indevida, e estes requerem a suspensão da cobrança, a "astreinte" será ineficaz se for aplicada uma multa mensal do mesmo valor da empresa. O objetivo da multa é estimular o réu a cumprir a obrigação, de maneira que o valor da multa deve levar em consideração a situação financeira do devedor, o seu comportamento, o valor da obrigação e o comportamento do próprio credor, como exposto alhures. Desta forma, nos parece que andou mal o STJ ao asseverar que o valor da multa deve guardar proporcionalidade com o valor da obrigação. Nem sempre é o caso. Afinal de contas, o objetivo do procedimento é fazer com que o devedor cumpra a obrigação, e, para isso, é preciso que ele seja instado para tanto, mediante a aplicação de multa que seja, inclusive, superior à obrigação. Ainda, seria uma distorção do instituto se o devedor se recusar a cumprir a obrigação e, ao final, for premiado com a redução da multa. Por isso, é importante observar os próximos julgados a respeito do tema. ____________ 1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 11ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2022, p. 554-560.
O STF, com o Tema de Repercussão Geral 1238, revisitou o importantíssimo ponto da proibição da prova ilícita, conforme ementa do ARE 1316369 RG: "Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel. 2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. 3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. 4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes. 5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes. 6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal 7. Repercussão geral reconhecida. 8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça. 9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos. 10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário. 11. Fixação da tese: "São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário". Este acórdão se relaciona com o conceito de efetividade processual, o qual não pode se confundir com a mera obtenção de celeridade, na medida em que um processo que seja rápido, mas que não respeite o due process of law, não estará em conformidade com o espírito do moderno processo civil, o qual também almeja garantir o respeito às garantias constitucionais. Respeitar o devido processo legal, portanto, é elemento essencial em toda a sistemática do moderno processo civil.  A Magna Carta, em seu art.5º, LIV, prescreve que: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".  E certamente o devido processo legal é princípio base para todo o sistema processual, encerrando em seu conceito o dever de respeitar as garantias processuais que são conferidas pela Constituição Federal e pelas regras ordinárias às partes, entre elas o direito ao contraditório e à ampla defesa, conferindo-se, ainda, tratamento igualitário aos litigantes.  A correta aplicação do due process of law permite a obtenção de um processo efetivo, pautado pelo respeito à segurança, mas também voltado à celeridade. O devido processo legal encerra em seu conceito a diretriz de que ninguém será privado de sua liberdade e/ou de seus bens sem a observância de procedimento previamente previsto em lei, bem como sem a garantia da ampla defesa, do contraditório, da motivação das decisões judiciais, do direito à prova e do devido tratamento igualitário entre as partes do processo. O direito de provar o quanto se alega também é expressão do devido processo legal e é garantia do adequado acesso à justiça (art.5º, XXXV e LIV, da Magna Carta).  Mas o direito à produção da prova não pode ser absoluto, devendo ser limitado pela proibição ao uso da prova ilícita (art.5º, LVI, da Magna Carta). E isso como respeito ao próprio devido processo legal e em nome da adequada efetividade do processo. Atualmente, a proibição da prova ilícita está refletida no art.5º, LVI, da Magna Carta, e no art. 369 do CPC; regras estas que estampam importante restrição ao livre exercício do direito à prova no processo civil brasileiro.  O sistema probatório brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, de tal sorte que todo e qualquer instrumento de prova pode ser admitido no processo (arts. 155 do CPP e 369 do  CPC). Mas o próprio art. 369 do CPC apresenta um grande limitador a essa liberdade probatória, o qual é justamente o da proibição ao uso da prova ilícita.  O art. 157 do CPP nos apresenta uma definição de prova ilícita, a qual seria aquela que viola disposições legais e/ou constitucionais.  Sobre o mandamento constitucional do art. 5º, LVI, Nelson Nery Jr. observa que sua aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo; sendo certo que sua inobservância gera nulidade processual.  Nesse contexto, fundamental é o Tema de Repercussão Geral 1238, no qual o STF proclamou a tese de que são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário. E essa tese se relaciona, também, com o art. 372 do CPC, o qual prevê a possibilidade do empréstimo da prova, desde que respeitado o princípio do contraditório. Há muito se debate sobre a validade do uso da prova emprestada no processo civil, de modo que a positivação de tal instituto ratifica posição já sinalizada na doutrina e na jurisprudência.  Por prova emprestada se entende aquela que foi produzida em outro processo, cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.   Para Nelson Nery Jr, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.   A questão do uso da prova emprestada tem fundamental importância quando se estuda a problemática das provas ilícitas no processo civil, razão pela qual o Tema de Repercussão Geral 1238, apreciado pelo STF, tem extrema relevância.  É bem de se ver que a aplicação do art. 372 do CPC não deve prescindir de uma profunda análise do caso concreto, não só observando se a prova nos autos originais foi constituída e produzida à luz do devido processo legal, mas também se verificando, em especial, se a mesma atendeu ao quanto disposto nos arts. 369 do CPC e 5, LVI, da Magna Carta. Havendo ilicitude detectada, tal qual definido pelo STF no julgamento do ARE 1316369 RG, não é possível se permitir o empréstimo de prova.  Proteger o due process of law - e os princípios a ele inerentes - é elemento essencial da efetividade processual.  ***
A advocacia se uniu e lutou muito pela aprovação do projeto, que deu origem à Lei nº 15.109/2025, incluindo o §3º no artigo 82 do CPC. Segundo a previsão legal publicada em 14/03/2025: "§ 3º Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo." Entretanto, nesses poucos dias de vigência da lei o que se viu é que muitos magistrados estão a deixando de aplicar, sob a alegação de sua suposta ilegalidade / inconstitucionalidade1. O Tribunal de Justiça de São Paulo começa a decidir a controvérsia e os primeiros julgados são favoráveis à aplicação do texto legal: "Agravo de instrumento. Cobrança de honorários. Lei n. 15.109/2025 que incluiu o §3º no artigo 82 do CPC, dispensando o advogado do adiantamento das custas processuais. Inconstitucionalidade não verificada. Disposição legal acerca do momento do pagamento, não se tratando de isenção de obrigação prevista em Lei Estadual. Precedentes desta C. Câmara. Tramitação prioritária do feito. Indeferimento mantido. Parte que postula por benefício pessoal alheio. Recurso parcialmente provido." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2125989-11.2025.8.26.0000; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/05/2025; Data de Registro: 05/05/2025) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Honorários advocatícios. Decisão que indefere o pedido de dispensa do adiantamento das custas iniciais do processo. Inteligência do art. 82, §3º do CPC, incluído pela recente Lei nº 15.109/2025. Norma declarada inconstitucional de forma incidental pelo Juízo "a quo". Inconstitucionalidade não vislumbrada. Mencionada lei federal nº 15.109/2025 que não isentou o advogado de cumprir obrigações estabelecidas em lei estadual, mas apenas postergou o momento do pagamento. Ausência de violação ao princípio da isonomia. Dispensa do adiantamento das custas em ações relativas à cobrança de honorários advocatícios não está atrelada ao sujeito, mas à causa de pedir da ação. Advogado que não faz jus à referida dispensa em demandas de outra natureza. Precedente desta Colenda Câmara. Decisão reformada. Recurso provido."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2120458-41.2025.8.26.0000; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM AÇÃO ACIDENTÁRIA. DECISÃO QUE DETERMINOU AO PATRONO DA AUTORA O RECOLHIMENTO DA TAXA JUDICIÁRIA INERENTE À EXECUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IRRESIGNAÇÃO DOS EXEQUENTES. PERTINÊNCIA. A LEI Nº 15.109/2025, SANCIONADA EM 13/3/2025, TROUXE INOVAÇÕES SIGNIFICATIVAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NOTADAMENTE COM A DISPENSA AOS ADVOGADOS DO PAGAMENTO ANTECIPADO DE CUSTAS PROCESSUAIS EM AÇÕES DE COBRANÇA E NA EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, CABENDO AO RÉU OU EXECUTADO SUPRIR, AO FINAL DO PROCESSO, O SEU PAGAMENTO, SE TIVER DADO CAUSA AO PROCESSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 82, §3º, DO CPC. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2047898-04.2025.8.26.0000; Relator (a): Richard Pae Kim; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Público; Foro de Assis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/04/2025; Data de Registro: 29/04/2025) Os julgados estão corretos, pois no caso não há uma dispensa do pagamento das custas ou uma isenção somente para os advogados, mas sim uma inexigibilidade do adiantamento das custas, um diferimento, já que, conforme a previsão do § 3º, do artigo 82 do CPC, as custas serão pagas ao final pelo executado. Nesse sentido é o entendimento de Antonio Carlos de Almeida Amendola em excelente editorial produzido para a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)2: "Tal dispositivo veicula mera postergação de pagamento de custas processuais apenas e tão somente na cobrança de honorários advocatícios, verbas alimentares decorrentes do trabalho, ficando a cargo do réu suprir recursos financeiros para sua quitação caso tenha dado causa ao processo. Se tiver dado causa à cobrança de honorários de forma ilegal ou por equívoco, a Advogada ou o Advogado suporta o ônus das custas. Não se trata, portanto, de isenção, privilégio ou tratamento anti-isonômico, mas sim de regra que, conforme apontado no próprio PL, objetiva o adequado funcionamento da Justiça, com todos seus atores, inclusive Advogadas e Advogados da iniciativa privada, atuando da forma mais livre possível, inclusive por meio de suas sociedades. Não se verifica invasão de competência legislativa dos Estados ou Distrito Federal, muito menos vício de iniciativa legislativa." Em recentíssima decisão, o Relator do Agravo de Instrumento nº 2110232-74.2025.8.26.0000 determinou a remessa dos autos ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo para o julgamento da inconstitucionalidade do artigo 82, § 3º, do Código de Processo Civil. Já são tantos casos de não aplicação da lei em tão poucos dias de sua vigência, que será importante se o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do de São Paulo puder julgar rapidamente a questão para que não tenhamos mais discussão sobre o tema e espera-se que a inconstitucionalidade levantada de ofício por vários magistrados de nosso estado seja afastada e a previsão legal reste mantida. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
A chamada multa por ato atentatório à dignidade da justiça possui previsão em inúmeras passagens do CPC/15, a exemplo dos (i) arts. 77, §§s 1º e 2º (violação aos deveres das partes e procuradores)1, (ii) art. 161, parágrafo único (cumulação da multa quando reconhecida a responsabilidade civil do depositário infiel)2 (iii) § 1º-C, do art. 2463 (réu citado por meio eletrônico deixa de cumprir com o ônus de apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente), (iv)  art. 334, § 1º (não comparecimento do autor ou réu na audiência de tentativa de conciliação obrigatória)4, (v) art. 772, parágrafo único (multa por ato atentatório imposta em razão de determinadas condutas do Executado)5, (vi) art. 903, § 6º (suscitação infundada de vício processual com vistas a ensejar a desistência do arrematante)6 (vii) e art. 918 (rejeição liminar dos embargos à execução quando considerados manifestamente protelatórios)7. A despeito do legislador tornar como credor de aludida multa ora a parte (art. 774, par. único e art. 903, § 6º), ora ao Estado (art. 77, § 3º e art. 334, § 8º), ora nada esclarecer quem seria o titular de aludida multa (art. 161, parágrafo único, art. 246, § 1º-C e art. 918, par. único) recentemente a quarta turma do STJ dirimiu a controvérsia quanto a necessidade de prévia intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. OMISSÃO NA INDICAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. REGRA GERAL. ADVERTÊNCIA PRÉVIA. CARÁTER FACULTATIVO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial contra acórdão que condicionou a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado e advertência específica sobre a sanção. II. Questão em discussão 2. Controvérsia acerca da necessidade de intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. III. Razões de decidir 3. O art. 270 do CPC estabelece a intimação eletrônica como meio preferencial de comunicação processual, sendo a intimação pessoal exigível apenas mediante expressa previsão legal. 3.1. Para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, mostra-se suficiente a intimação eletrônica do executado, por ausência de previsão legal específica quanto à intimação pessoal. 4. A advertência prevista no art. 772, II, do CPC constitui faculdade judicial, não configurando requisito prévio obrigatório para imposição da multa. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso provido para afastar a exigência de intimação pessoal e de prévia advertência como requisitos para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito. Tese de julgamento: "1. A aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação por meio eletrônico. 2. A advertência prévia ao executado sobre a possibilidade de aplicação da multa é uma faculdade do Magistrado, não constituindo requisito obrigatório." (REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) Do ato atentatório à dignidade da justiça A relevância dessa discussão transcende o caso concreto, uma vez que impacta diretamente na efetividade dos mecanismos processuais destinados a coibir condutas que comprometam o regular desenvolvimento do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional. O art. 774 do CPC/15 estabelece rol de condutas consideradas atentatórias, abrangendo tanto ações comissivas quanto omissivas do executado que possam comprometer a eficácia da execução. A norma processual reconhece como atentatórias à dignidade da justiça situações que vão desde a fraude à execução até a não indicação de bens penhoráveis, passando por condutas como a oposição maliciosa com emprego de ardis, a criação de embaraços à penhora e a resistência injustificada às ordens judiciais. Importante destacar que tais previsões normativas não constituem mera faculdade do magistrado, mas verdadeiro poder-dever de coibir práticas que atentem contra a efetividade da prestação jurisdicional executiva. A caracterização dessas condutas como atos atentatórios à dignidade da justiça permite a aplicação de sanções processuais significativas, visando não apenas punir o comportamento inadequado do executado, mas principalmente garantir a efetividade da execução. O sistema processual, ao estabelecer tais mecanismos, reconhece que a execução não pode ser frustrada por condutas desleais ou não cooperativas do executado, sendo fundamental a existência de instrumentos que permitam ao Poder Judiciário fazer valer suas decisões e garantir a satisfação do direito do exequente. Vale ressaltar que a aplicação dessas sanções deve sempre observar o contraditório e a ampla defesa, permitindo ao executado justificar sua conduta, mas sem que isso implique em esvaziamento da efetividade dos mecanismos processuais previstos para garantir o resultado útil do processo executivo. (...) Da intimação O CPC estabelece como regra geral, em seu art. 270, que "as intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei". Tal dispositivo reflete a modernização do sistema processual e a busca pela celeridade e eficiência na prestação jurisdicional. É importante ressaltar que, nos casos em que o legislador entendeu necessária a intimação pessoal, houve expressa previsão legal nesse sentido. A título exemplificativo, cito o art. 485, § 1º, do CPC/15, que exige expressamente a intimação pessoal da parte para promover os atos e diligências que lhe incumbir, sob pena de extinção do processo; e o art. 513, § 2º, II, que determina a intimação pessoal do executado sem procurador constituído nos autos para cumprimento de sentença. No que se refere especificamente à aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, não há nenhuma previsão legal que imponha a necessidade de intimação pessoal do executado. O silêncio do legislador, neste caso, não pode ser interpretado como uma lacuna a ser preenchida pelo julgador, mas sim como uma opção legislativa deliberada pela aplicação da regra geral de intimação por meio eletrônico. Ademais, a própria natureza do ato atentatório à dignidade da justiça, que configura violação aos deveres de lealdade e cooperação processual, não justifica a exigência de tratamento diferenciado quanto à forma de intimação. O executado que, devidamente representado nos autos, prática condutas que comprometem a efetividade da execução, não pode se beneficiar de uma proteção processual não prevista em lei. Entendimento diverso representaria verdadeiro obstáculo à efetividade das sanções processuais previstas para coibir condutas desleais, além de contrariar a sistemática adotada pelo CPC, que privilegia a intimação eletrônica como regra geral. (...) Neste contexto, forçoso concluir que a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação na forma prevista no art. 270 do CPC/15, ou seja, preferencialmente por meio eletrônico, e, não sendo possível, pelos demais meios regulares de intimação previstos na legislação processual. Da advertência O legislador processual, no art. 772, II, do CPC/15, atribuiu ao magistrado o poder-dever de advertir o executado sobre condutas que configurem ato atentatório à dignidade da justiça, evidenciando uma preocupação fundamental com a efetividade do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional. O referido dispositivo legal, ao prever que compete ao juiz "advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça", estabelece uma faculdade do Magistrado, a ser exercida de acordo com as peculiaridades do caso concreto, e não um requisito prévio e obrigatório para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Tal interpretação decorre, primeiramente, da própria natureza dos atos atentatórios à dignidade da justiça, que configuram condutas manifestamente contrárias aos deveres de lealdade e cooperação processual. O executado que, conscientemente, pratica qualquer das condutas previstas nos incisos do art. 774 do CPC/15, não pode alegar desconhecimento de sua ilicitude processual para se eximir da sanção correspondente. Dessa forma, a advertência deve ser compreendida como instrumento adicional posto à disposição do magistrado para prevenir a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, podendo ser utilizado quando o juiz verificar sua utilidade concreta para o caso em análise. Trata-se de faculdade processual que não se confunde com requisito prévio para aplicação da multa. Vale ressaltar que esta interpretação não viola o princípio da não surpresa (art. 10 do CPC/15), uma vez que as condutas tipificadas como ato atentatório à dignidade da justiça estão expressamente previstas em lei, sendo de conhecimento presumido das partes e seus procuradores. A própria participação no processo executivo pressupõe ciência dos deveres e das sanções processuais aplicáveis. Neste contexto, forçoso concluir que a multa por ato atentatório à dignidade da justiça pode ser aplicada independentemente de prévia advertência do executado, ficando a critério do Magistrado a utilização da faculdade prevista no art. 772, II, do CPC/15, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. (...) Portanto, as instâncias de origem, ao condicionarem a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado com advertência específica, contrariaram frontalmente o disposto nos arts. 772, II, e 774 do CPC/15. (...) É como voto." (REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25, grifou-se) O aresto supra citado soa acertado pois, (i) o legislador foi expresso em situações típicas processuais em que se exige a necessária intimação pessoal da parte, (ii) sendo indevido o alargamento de tal interpretação em hipóteses ali não previstas, (iii) uma vez tipificada a conduta que caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça como norma cogente prevista no CPC, soa correto o entendimento de dispensa de uma advertência prévia como requisito necessário a aplicação da multa (o que não se confunde com o direito da parte impugnar o juízo decisório quanto a eventual error in procedendo no tocante a aplicação da multa). Malgrado o julgado acima tenha decidido questão afeta a aplicação da multa prevista no art. 772, par. único do CPC, a ratio decidendi supra guarda harmonia de aplicação para as demais hipóteses previstas no CPC quanto a multa por ato atentatório à dignidade da justiça. __________ 1 "Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) V - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. (...) § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. 2 "Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo. Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça." 3 "Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça. (...) § 1º As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021). Disponível aqui. 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação: I - pelo correio; II - por oficial de justiça; III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV - por edital. § 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021). Disonível aqui.  § 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.  (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)". Disponível aqui.  4 "Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (...)  8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado." 5 "Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: (...) Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material." 6 "Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos. (...) § 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem." 7 "Art. 918. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: (...) Parágrafo único. Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios."
Com o recente entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 13.02.2025, no julgamento do Recurso Especial 2.072.206/SP no sentido de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), disciplinado pelos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), aqueles que pretendem requerer a instauração do IDPJ devem fazê-lo com cautela redobrada. Isso porque, se for indeferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica no bojo do referido incidente, caberá condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios para o os patronos da parte vencedora no IDPJ. Nesse cenário, a "ação de produção antecipada de provas", disciplinada pelos arts. 381 a 383, do CPC, surge como um instrumento importante para ser utilizado antes do ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o art. 134, § 4º, do mesmo diploma legal, dispõe que "o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica". Assim, afigura-se cabível a produção antecipada da prova para verificar se estariam preenchidos os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade em um caso concreto. Por exemplo, se a hipótese for de incidência do art. 50, do Código Civil, caberia a produção antecipada de prova para verificar se a personalidade jurídica da sociedade foi utilizada para um desvio de finalidade ou uma confusão patrimonial. Cabe destacar que o manejo da "ação de produção antecipada de provas", nesse caso, estaria enquadrada nas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381, do CPC, a saber: "I - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; II - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação". Nesse contexto, o interessado em pedir a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade no curso de um processo, pode ter interesse em propor a "ação de produção antecipada de provas" para, se encontrar provas de que houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial, propor um acordo com o sócio que terá o seu patrimônio atingido caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja deferido (CPC, art. 381, II). De igual modo, o prévio conhecimento de um desvio de finalidade ou de uma confusão patrimonial pode servir para justificar o requerimento de instauração do IDPJ (CPC, art. 381, III). Apesar da evidente utilidade da "ação de produção antecipada de provas" para justificar ou evitar o ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou até para celebrar um acordo, há julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sentido contrário, conforme se pode depreender da ementa abaixo: APELAÇÃO - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. Pleito de apresentação de extratos bancários para fundamentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento da petição inicial. Extinção devida. Art. 381, do Código de Processo Civil. Produção antecipada de provas que não se presta como procedimento investigatório. Medida que poderia ter sido pleiteada nos autos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Sentença mantida. Recurso de apelação improvido. (TJSP; Apelação Cível 1026591-42.2023.8.26.0562; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2024; Data de Registro: 10/10/24)  Com o devido respeito, a "ação de produção antecipada de prova" é importante instrumento para viabilizar a autocomposição ou justificar a propositura de uma demanda. O próprio ato de produzir provas não pode ser dissociado da ideia de investigar. Afirmar que produzir provas não é um procedimento investigatório parece algo, no mínimo, contraditório. Quem produz provas quer investigar, sim, e está tudo bem. Não há nada de errado com isso. Tanto melhor se a investigação for para se chegar à conclusão de que não há prova suficiente para se requer a instauração de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido é a lição de Tatiana Tiberio Luz ao afirmar o seguinte: "Essa medida também é um importante instrumento para que as partes não só avaliem as suas chances em uma ação que vise ao acertamento da lide, mas que fundamentem a sua pretensão melhor e de maneira mais completa e responsável. Com efeito, no processo civil brasileiro, há a estabilização da demanda já na fase postulatória, ou seja, antes da fase instrutória, nos termos do art. 329 do Código de Processo Civil, e o resultado da prova pode ter o condão de tornar os argumentos apresentados pelas partes insuficientes ou mesmo prejudicados, não sendo possível que essas aditem os fatos e a causa de pedir da demanda após a instrução e, ainda, sofram os riscos de pagamento de sucumbência ante uma pretensão ou defesa mal formulada. A ação de produção antecipada de provas, nesse sentido, dá maior segurança às partes não só em relação ao direito decorrente do fato provado, como às sua alegações na demanda que tenha por finalidade a resolução da lide, sendo importante ferramenta para identificar e delimitar os elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedidos e causa de pedir) da lide, bem como para fundamentar de maneira mais segura a defesa" (Ação de produção antecipada de provas, São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2024. p. 123, grifos nossos). Portanto, merece aplausos o julgado abaixo ementado, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, no qual se admite o cabimento da "ação de produção antecipada de provas", com base no art. 381, II e III, do CPC, para investigar o preenchimento dos pressupostos necessários para se requerer a desconsideração da personalidade jurídica. Confira-se: "APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA PREVISÃO DO ART. 381, II E III, DO CPC. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO A QUO. DISCUSSÃO PRINCIPAL AFETA À FALÊNCIA. VIS ATRACTIVA DO JUÍZO FALIMENTAR. SEGREDO DE JUSTIÇA. LEVANTAMENTO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ação de produção antecipada de prova. Indeferimento da inicial. Extinção do processo, sem resolução do mérito. Reforma. Interesse de agir presente. Adequação da via processual eleita. Atividade probatória pretendida pelas recorrentes que visa possibilitar a autocomposição das partes ou a desconsideração da personalidade jurídica de massa falida. Hipótese que se enquadra na previsão do art. 381, II e III, do CPC. Competência. Ação a ser distribuída perante o juízo competente para o julgamento da matéria a ser discutida futuramente. Jurisprudência. Incompetência absoluta do Juízo a quo. Questão principal afeta à falência. Vis atractiva do juízo falimentar. Levantamento do segredo de justiça. Manutenção. Decretação do segredo de justiça excepcional. Ausência de interesse público ou social a exigir preservação da intimidade das partes. Aplicação do art. 5º, LX, da CF, e do art. 189 do CPC. Recurso parcialmente provido.  (TJSP; Apelação Cível 1084535-35.2020.8.26.0100; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2024; Data de Registro: 21/02/2024, grifos nossos) Diante disso, é de se esperar que prevaleça o entendimento exarado acima pelo acórdão do Des. J.B. Paula Lima, proferido em harmonia com a melhor doutrina, que visa tornar o direito processual mais eficiente, evitando-se demandas inúteis e promovendo a solução consensual dos conflitos, sempre que possível. Além disso, o manejo da "ação de produção antecipada de provas" pode evitar que seja instaurado IDPJ com pouco embasamento e o pedido seja julgado improcedente, gerando a condenação do requerente ao pagamento de verbas de sucumbência.
Recentemente, a 3ª turma do STJ julgou o recurso especial 2.127.038 , tendo sido relator o ministro Humberto Martins. No julgamento, ocorrido em 18/2/25, a Corte entendeu que: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ÀS CORRETORAS DE CRIPTOATIVOS COM A FINALIDADE DE LOCALIZAR E PENHORAR ATIVOS FINANCEIROS DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia consiste em saber se, em cumprimento de sentença, é possível a expedição de ofício às corretoras de criptoativos com o intuito de localizar e penhorar eventuais ativos financeiros da parte executada. 2. Com efeito, esta Corte Superior adota o entendimento de que, embora "deva a execução ser processada do modo menos gravoso ao devedor, ela há de realizar-se no interesse do credor, que busca, pela penhora, a satisfação da dívida inadimplida" (AgInt no AREsp 956.931/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, julgado em 21/3/17, DJe de 10/4/17). 3. Registre-se que a IN RFB - Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 1.888/19 institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à secretaria especial da Receita Federal do Brasil. 4. Trata-se de um ativo financeiro passível de tributação, cujas operações devem ser declaradas à Receita Federal, sendo, portanto, um bem de valor econômico, suscetível de eventual constrição. Apesar de não serem moeda de curso legal, os criptoativos podem ser usados como forma de pagamento e como reserva de valor. 5. Em observância aos princípios que norteiam o processo de execução e o interesse das partes credora e devedora, é plenamente possível a expedição de ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) ou a utilização de medidas investigativas para acessar as carteiras digitais do devedor, tal qual pleiteado pela parte credora para eventual penhora. 6. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi acolhida a tese sustentada pelo recorrente, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial. Recurso especial provido". Conforme se nota, o STJ bem estabeleceu que é "plenamente possível a expedição de ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) ou a utilização de medidas investigativas para acessar as carteiras digitais do devedor, tal qual pleiteado pela parte credora para eventual penhora". Para entendermos a relevância desse julgamento, vale lembrarmos que "Criptoativos são bens virtuais, protegidos por criptografia, com registros exclusivamente digitais - ou seja, não são ativos físicos. As operações podem ser feitas entre pessoas físicas ou empresas, sem a necessidade de passar por uma instituição financeira. Entre os criptoativos, estão, por exemplo, as criptomoedas, como o Bitcoin. A categoria também envolve outros produtos, como tokens (contratos que representam a custódia de algum ativo) e stablecoins (moedas vinculadas a outros ativos, como o dólar, por exemplo). Ainda fazem parte desse mercado as moedas-meme, que têm chamado atenção após valorizações expressivas - mesmo sendo baseadas apenas em especulação. É o caso da Pepecoin, que avançou quase 7.000% em valor de mercado em menos de 20 dias de existência" 1  Dentre os criptoativos, se destacam as criptomoedas, ou moedas virtuais, asseguradas por criptografia, sem nenhuma autoridade central responsável por sua governança. Em sua maioria, são negociadas através de exchanges, conforme definição da instrução normativa 1.888/19 da Receita Federal do Brasil. No comunicado do Banco Central 31.379/17, destacou-se que: "Considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil alerta que estas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor. A compra e a guarda das denominadas moedas virtuais com finalidade especulativa estão sujeitas a riscos imponderáveis, incluindo, nesse caso, a possibilidade de perda de todo o capital investido, além da típica variação de seu preço. O armazenamento das moedas virtuais também apresenta o risco de o detentor desses ativos sofrer perdas patrimoniais". A instrução normativa 1.888/19 da Receita Federal do Brasil, por sua vez, em seu art. 5º, definiu os termos de criptoativos e exchanges, além de sinalizar pela obrigatoriedade da prestação de informações ao órgão relativas às operações desses ativos: "I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos. Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços". A lei 14.478/22, seguida pelo decreto federal 11.563, de 13/6/23, delineou que caberá ao Banco Central do Brasil supervisionar o mercado de criptoativos, definindo regras e autorizando as licenças específicas para as operações das exchanges. E quanto à possibilidade de expedição de ofícios às corretoras de criptoativos e posterior constrição, diversos são os julgados do TJ/SP autorizando a penhora: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - Pedido de expedição de ofícios a corretoras de criptomoedas - Indeferimento - Criptoativos que são reconhecidos pela Receita Federal como ativos financeiros, a serem declarados perante o Fisco - Bens passíveis de penhora, não abrangidos pelo sistema Sisbajud - Admissibilidade da medida - Precedentes deste Tribunal - Diligência que não pode ser realizada diretamente pelo credor sem intervenção do Judiciário - Desnecessidade de expedição de ofício a empresa que possui crédito dos executados, ante esclarecimentos prestados - Decisão reformada em parte - Recurso parcialmente provido" (AI 2056225-06.2023.8.26.0000). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Insurgência contra decisão que indeferiu pedido de penhora de criptomoedas, ante a falta de prova de sua existência. Cabimento. Pesquisa que não é meramente especulativa, porquanto a execução se desenvolve no interesse do credor. Informações sobre a movimentação de criptoativos tem caráter sigiloso, sendo oneroso para a agravante obter quaisquer dados nesse sentido. Necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Decisão reformada. Recurso provido". (AI 2131324-79.2023.8.26.0000). "Agravo de instrumento. Execução fundada em título executivo extrajudicial. Decisão judicial que indeferiu pedido do exequente da expedição de ofício às empresas que realizam a custódia de criptomoedas. Recurso do exequente. Cabimento da medida. 1. Obtenção da informação que reclama intervenção judicial. 2. Providência que atende à efetividade do processo de execução. Recurso provido." (AI 2255880-90.2022.8.26.0000). É verdade que existem entendimentos minoritários no sentido de que esses bens não poderiam ser objeto de penhora, por não serem considerados exatamente dinheiro e/ou valores mobiliários; ou mesmo no sentido de que seria inviável a expedição de ofício às corretoras específicas para a obtenção de informações sobre os ativos virtuais do devedor: "PENHORA Execução de título extrajudicial Pretensão de pesquisa e penhora de criptoativos em nome do executado Expedição de ofício para operadoras de criptomoedas. Ausência de regulamentação no Brasil acerca da comercialização de moedas criptografadas Impossibilidade: De rigor o indeferimento do pedido de expedição de ofícios para pesquisas e posterior penhora de criptoativos em nome do executado, em razão da ausência de regulamentação pelo Banco Central da comercialização e circulação, bem como da ausência de indicativos específicos da existência de ativos em nome do executado". (AI 2223718-76.2021.8.26.0000). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu o pedido da exequente de expedição de ofícios às corretoras de criptomoedas, a fim de buscar investimentos de titularidade da executada. Irresignação. Descabimento. Pedido genérico. Exequente que não trouxe qualquer prova de que a executada possua investimentos em criptomoedas ou que seja titular de bens dessa natureza. Precedente deste E. TJ/SP. Decisão mantida. Recurso não provido". (AI 2146117-23.2023.8.26.0000). Estes entendimentos, além de minoritários, vão na contramão do moderno processo civil, que se pauta em um modelo cooperativo e na necessidade de o magistrado auxiliar o credor a localizar o devedor e seus bens, conforme tão bem preconizam os arts.  6º e 772, III, do CPC. A doutrina brasileira reforça esta conclusão, ao claramente estipular, nos termos do art. 772 do CPC/15, que o juiz pode, em qualquer momento do processo, determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável. Luiz Guilherme Marinoni2 bem aponta que "o inciso III dá ao juiz o poder de exigir de qualquer pessoa natural ou jurídica elementos que sejam relevantes para a execução, tais como informações sobre bens penhoráveis, sua localização ou eventuais ônus existentes. Para a satisfação dessa ordem, o juiz pode valer-se dos poderes do art. 773, além de eventualmente aplicar as sanções do art. 774, parágrafo único, quando cabível". Luiz Guilherme Marinoni3, quanto ao art. 6º do CPC/15, ainda acrescenta que: "o princípio da colaboração estrutura-se a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo. O juiz tem deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção, e de auxílio para com os litigantes. (...). Pense-se, por exemplo, no exequente que não encontra bens penhoráveis do executado para satisfação de seu crédito. É tarefa do juiz auxiliá-lo na identificação do patrimônio do executado a fim de que a tutela executiva possa ser realizada de forma efetiva". Vale reforçar que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell4, para quem "deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".  Seguindo a doutrina acima acerca do princípio da cooperação, corretos são os entendimentos jurisdicionais do TJ/SP que determinam que as corretoras informem se o devedor tem ativos virtuais que sejam passíveis de constrição, conforme abaixo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. Expedição de ofício para as empresas Foxbit, Mercado Bitcoin, Bitcointrade, Brasil Bitcoin e Novadax, na tentativa de penhora de criptomoedas/bitcoins. Indeferimento. Irresignação da parte exequente. Cabimento. Feito executivo ajuizado há anos. Tentativas frustradas de obtenção do crédito. Necessidade de intervenção judicial para obtenção das informações pleiteadas, observado, ademais, que as aplicações em bitcoins ainda não possuem regulamentação pelo Bacen. Recurso provido". (AI 2207750-69.2022.8.26.0000). Interessante, neste ponto, é o julgado do TJ/MT que autoriza, inclusive, a expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, para a obtenção de informações quanto à existência de criptoativos em nome do devedor: "AGRAVANTE - DEBORA BATTISTOTTI BRAGA PAIVA AGRAVANTE - PAULINO PAIVA MARIANO AGRAVADO - ARTHUR FILIPOVITCH FERREIRA PRESIDIU O JULGAMENTO O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA -INDEFERIMENTO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA INDEFERIDA - BLOQUEIO DE CRIPTOMOEDAS - ALEGAÇÃO DE GOLPE/FRAUDE - EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À RECEITA FEDERAL PARA REQUISIÇÃO DE SOBRE POSSÍVEIS ATIVOS DO DEVEDOR EM CRIPTOMOEDAS, PARA FINS DE PENHORA - POSSIBILIDADE - ALTERAÇÃO DO CENÁRIO NACIONAL COM A INSTRUÇÃO NORMATIVA 1.888/2016 DA RECEITA FEDERAL - AGRAVO PROVIDO. Com a alteração do cenário nacional após a instrução normativa 1.888, de 3/5/19 - em que a Receita Federal passou a obrigar o fornecimento, por corretoras (exchanges), de informações sobre operações com criptomoedas, como biticoins -abriu-se um caminho para facilitar a vida dos credores que buscam a penhora de ativos em criptomoedas. Neste contexto, afigura-se viável a expedição de ofício à Receita Federal para requisitar das corretoras cadastradas se estão como custodiantes de possíveis ativos do devedor em criptomoedas, para fins de penhora".5  Nesse passo, o STJ, ao apreciar recentemente o Recurso Especial n. 2127038 - SP, confirmou a possibilidade de expedir-se ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) para permitir-se a efetivação de eventual constrição; em linha com a melhor orientação doutrinária e jurisprudencial sobre o tema da penhora de criptoativos. ________ 1 Disponível aqui. Acesso em 4/9/23. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 155. 4 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183.  5 Disponível aqui.
Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2.015 foi o fim do juízo de admissibilidade do recurso de apelação. Desse modo, agora cabe somente ao juiz de primeiro grau abrir vistas para a apresentação de contrarrazões e determinar o envio do recurso ao Tribunal1. Nesses quase dez anos de vigência do CPC/15 controvérsia que surgiu é se os autos deveriam ser enviados ao Tribunal mesmo no caso de existência de vício manifesto e insanável e que impediria o conhecimento do recurso de apelação. O exemplo clássico é o da intempestividade. Nesse sentido, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves entende que "(...) mesmo num caso de manifesta intempestividade, no qual o apelante se vale do recurso com o nítido intuito de protelar o trânsito em julgado, deverá ser encaminhada ao tribunal, com o que se gastará um tempo razoável, tanto pior quanto pior for o funcionamento do Judiciário local."2 Entretanto, muitos juízes continuaram arraigados ao CPC/1973 e permaneceram fazendo juízo de admissibilidade e barrando o processamento de recursos de apelação. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência não eram unânimes em apontar qual seria o instrumento cabível para possibilitar que o recurso de apelação barrado pelo juiz de primeiro grau pudesse ser apreciado pelo Tribunal. Desse modo, em recente julgado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão e definiu a seguinte tese para o Tema Repetitivo 1.267:  "1. A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC; 2. Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC", nos termos do voto do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Decidiu, ainda, modular os efeitos da decisão no sentido de que, até a data da publicação do acórdão, referente ao tema repetitivo n. 1267, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, é possível o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do CPC ou do Mandado de Segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado." Segundo o entendimento da Corte Especial, a decisão do juiz a quo que barra o processamento da apelação viola o §3º do artigo 1.010 do CPC/153, caracterizando usurpação de competência do tribunal autorizando assim, o manejo da reclamação, conforme prevista no inciso I do artigo 988. Se a negativa de seguimento se der no âmbito de execução ou cumprimento de sentença, além da reclamação ainda caberá a interposição de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC. Entretanto, mais importante ainda foi a modulação concedida pelo STJ para possibilitar que até a publicação do acórdão da Corte Especial4, com base no princípio da fungibilidade5 e em caráter excepcional, o possível recebimento de correição parcial, agravo de instrumento ou mandado de segurança como reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado.                        Assim sendo, além de pacificar a divergência existente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça resguardou o direito de todos que manejaram o instrumento inadequado para que possam ter o seu pleito apreciado pelo tribunal como Reclamação. Cumpriu assim o STJ o seu verdadeiro papel de uniformizador da jurisprudência e do Tribunal da Cidadania. __________ 1 Exceto nos casos em que o CPC permite a retração ao juiz de primeiro grau. 2 Manual de direito processual civil. Volume único - 16. ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2024, p. 1.167. 3 "§ 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade." (g.n.) 4 Ainda pendente de publicação em 2/4/2025. 5 Existiam julgados recentes do STJ afastando a possibilidade de fungibilidade recursal com o agravo de instrumento, "em razão de inexistir dúvida objetiva quanto ao recurso adequado" (Agravo em RESP nº 2.341.141, 2ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 18/8/23).  
A pretexto da eficiência, racionalidade de julgamentos e quiçá com vistas a atender ao Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo (CF, art. 5º, LXXVIII), muitas turmas julgadoras, ao decidir determinado recurso, passaram a utilizar a fundamentação per relationen (também conhecida por fundamentação por referência ou fundamentação por remissão). Em outras palavras, ao decidir o recurso, a turma julgadora ao revés de enfrentar um a um, os fundamentos recursais que ensejaram a impugnação de determinada decisão judicial convidando a sua reforma ou anulação, tornam a repetir os fundamentos da decisão impugnada, para ao final proclamar seu acerto, respectiva manutenção e desnecessidade de qualquer reparo. Tal prática não prevista no CPC foi objeto de questionamento. Afinal, por vezes o recurso, ao impugnar uma sentença ou decisão interlocutória, pode versar exatamente no inconformismo de não enfrentamento da decisão impugnada de questões fundamentais ou necessárias trazidas em defesa e não examinadas. Logo, a mera repetição da decisão impugnada ao julgar o recurso pode dar margem a repetição de idêntico error in judicando ou procedendo. A título de exemplo, basta examinar determinada decisão impugnada ausente de fundamentação em precedentes, ao revés de precedentes invocados pela parte sucumbente em sua defesa e em sentido contrário ao decidido, porém ignorados. A repetição da respectiva decisão impugnada despida de pronunciar-se do porquê os precedentes invocados não devem ser observados ao caso concreto viola a inteligência do art. 489, § 1º, VI, do CPC 1 e compromete a manutenção para evitar manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente com decisões no mesmo sentido em casos congêneres. Deveras, a extensão das hipóteses previstas em aludido parágrafo, aptas a elucidar que tipo de decisão não pode ser considerada fundamentada, inclusive são consideradas como omissão, aptas desafiar o manejo de embargos de declaração (art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC 2. Daí por que em vista das críticas recorrentes a aplicação não prevista no CPC de fundamentação per relationen ao decidir aludido recurso, a Corte Especial do STJ enunciou a seguinte proposta de afetação sob a égide de julgamento de recurso especial repetitivo: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. SUBMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL AO RITO DOS REPETITIVOS. VALIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. 1. Delimitação da controvérsia: "Definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts. 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015". 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015." (ProAfR no Resp 2148059/MA, Corte Especial, Rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 10/12/24). A decisão de afetação também determinou por unanimidade a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão. O relatório e razões que ensejaram na afetação, rezam, em síntese: "(...) Nas razões do especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, a autora aponta violação do art. 489, § 1º, inciso IV, do CPC de 2015. Sustenta, em síntese, a ausência de fundamentação do acórdão estadual, que manteve a decisão monocrática do relator que se limitou a transcrever ipsis litteris a sentença apelada. Apresentadas contrarrazões ao apelo extremo, que foi admitido na origem como representativo de controvérsia, nos termos do art. 1.036, § 1º, do CPC. Constatada a relevância da matéria e a multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, o atual presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (eminente ministro Rogério Schietti Cruz) recomenda a afetação do processo como repetitivo para definir "se a fundamentação por referência ou por remissão per relationem, na qual são utilizadas motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir, resulta na nulidade do ato decisório". É o relatório. (...) Ademais, conforme noticiado pelo presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, a questão jurídica "já foi apreciada pelo STJ em outros 661 recursos especiais, oriundos do TJMA, e em pelo menos 25 agravos internos", o que demonstra a repetição da matéria. 4. Desse modo, uma vez evidenciado o caráter multitudinário e relevante da mencionada questão jurídica e o preenchimento dos demais requisitos exigidos pelos arts 1.036, § 6º, do CPC de 2015 e 257-A, § 1º, do RISTJ, considero ser caso  e afetação do presente recurso especial como representativo da controvérsia, conjuntamente com os REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA, nos termos do § 5º do art. 1.036 do CPC de 2015, para que sejam julgados pela Corte Especial, sob o rito dos repetitivos. 5. Ante o exposto, proponho: (i) a afetação do presente recurso especial e dos REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015; (ii) a delimitação da controvérsia nos seguintes termos: "definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015"; (iii) a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e dos agravos em recurso especial, em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão, observada a orientação prevista no artigo 256-L do RISTJ; (iv) que se proceda à comunicação, com cópia da decisão colegiada de afetação, aos ministros da Corte Especial desta Corte e aos presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais; (v) que seja dada ciência, facultada a atuação nos autos como amici curiae, ao Instituto Brasileiro de Direito Processual, à Advocacia Geral da União, à Ordem dos Advogados do Brasil, à DPU - Defensoria Pública da União, ao IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e ao BRASILCON Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor; e (vi) a oportuna vista ao Ministério Público Federal para parecer, nos termos do art. 1.038, III, § 1º, do CPC de 2015. É como voto." Se é certo que a luz da celeridade processual por vezes a fundamentação per relationen pode otimizar o tempo gasto para se trazer fundamentação em igual sentido ao se manter os fundamentos de determinada decisão impugnada, também é certo quem nem sempre a fundamentação empregada em determinado recurso destinado a reforma ou anulação da decisão impugnada estará assentado no quanto foi dito em defesa, mercê quando presentes error in procedendo ou uma das inúmeras hipóteses que ocupam o art. 489, § 1º do CPC, forte em explicitar o que não pode ser considerada uma decisão judicial fundamentada. Confia-se, portanto, que a Corte Especial esteja atenta ao decidir sensível tema que também se harmoniza ao Princípio Processual Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa ao viabilizar que os pontos em defesa suscitados sejam de fato e de direito examinados, enfrentados e decididos quando da prestação da tutela jurisdicional, ao revés da mera prática de repetição da decisão impugnada para ao final dizer que está correta e o recurso improvido. 1 "Art. 489. (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: l - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento." 2 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: (...) Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º ." II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; (...)
Recentemente, a 2ª seção do STJ julgou o Conflito de Competência de 206933/SP, tendo sido relatora a ministra Nancy Amdrighi. No julgamento, ocorrido em 6/2/25, a Corte entendeu que: "3. A lei 14.879/24 alterou o art. 63 do CPC no que diz respeito aos limites para a modificação da competência relativa mediante eleição de foro. A nova redação do § 1º do dispositivo dispõe que "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor". 4. Como consequência da não observância dos novos parâmetros legais, será considerada prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, sem qualquer vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico, podendo o Juízo declinar de ofício da competência, nos termos do § 5º do art. 63 do CPC. 5. Com a vigência da nova legislação, tem-se a superação parcial da súmula 33/STJ, segundo a qual "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 6. Aplica-se a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC aos processos cuja petição inicial tenha sido ajuizada após 4/6/24, data da vigência da lei 14.879/24 (art. 2º). O estabelecimento desse marco temporal decorre da interpretação conjugada do art. 14 do CPC, que estabelece a Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, e do art. 43 do CPC, segundo o qual a competência será determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial. 7. Por outro lado, a nova legislação não será aplicada às demandas ajuizadas em momento anterior à sua vigência, sobrevindo a prorrogação da competência relativa - pelo foro de eleição - em razão da inércia da contraparte e da incidência da súmula 33/STJ". Portanto, estabeleceu-se a importante premissa de que se aplica a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC/15, apenas aos processos ajuizados após a data da vigência da lei 14.879/24. Vale lembrar que a eleição consensual de foro, em contratos, é um típico negócio processual que já estava previsto em nosso sistema processual na vigência do CPC de 1973, conforme disciplinava o art. 111 daquele diploma adjetivo. Com o CPC/15, as situações de competência relativa, definidas por critérios de território e valor, também ganharam disciplina própria, no correspondente art. 63, com a permissão expressa de que as partes podem negociar modificando a competência, e elegendo o foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e obrigações. O aludido art. 63 foi alterado pela lei 14.879 de 2024, a qual acrescentou alguns critérios - verdadeiras premissas - para que as partes observem quando da arquitetura da cláusula de eleição de foro. Basicamente, quando da elaboração da convenção processual de que ora tratamos, as partes devem inserir a cláusula de eleição de foro em instrumento escrito, bem como a cláusula deve aludir expressamente a determinado negócio jurídico. Além disso, nos termos da nova lei, a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio ou residência de uma das partes ou com o local da obrigação; ressalvando-se os cenários que podem ser favoráveis ao consumidor. E apesar de a questão da competência ser matéria de contestação, nos termos do art. 337, II, do CPC/15, a lei 14.879 de 2024 permite que, caso a cláusula de eleição de foro não observe as premissas ora acima elencadas, o Poder Judiciário a desconsidere de ofício, determinando-se a redistribuição da ação ajuizada, conforme os critérios de definição legal de competência estabelecidos nos arts. 42 a 53 do CPC/15. Nesse contexto, relevantíssimo é o julgado da 2ª seção do STJ, com a apresentação de um marco temporal para que, nos termos das mudanças oriundas da lei 14.879 de 2024, o Poder Judiciário desconsidere de ofício a cláusula de eleição de foro.
A oposição de Embargos à Execução Fiscal só pode ocorrer após a total garantia do juízo, nos termos do § 1º, do artigo 16 da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80). O inciso II do referido artigo prevê ainda, que o prazo de 30 dias será contado da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia.  Portanto, pela literalidade da lei, o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal começa a fluir a partir do oferecimento da garantia, pouco importando a sua aceitação. Contudo, é muito comum que o Exequente não concorde com os termos da garantia e requeira alterações. A questão ganha maior importância no caso do seguro garantia, já que é uma forma menos dispendiosa do que a realização do depósito judicial e o oferecimento da fiança bancária e que gera contestações do Fisco, principalmente por não ser uma garantia por tempo indeterminado. Existem diversos julgados de Tribunais prevendo a aplicação literal da lei com o prazo inicial iniciando a partir da apresentação da garantia:  APELAÇÃO - Embargos à execução fiscal - Sentença de extinção do processo sem resolução de mérito por intempestividade (art. 485, X, CPC) - Irresignação da embargante/executada - Prazo para ajuizamento de embargos à execução fiscal é de 30 dias, conforme consta do art. 16 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal) - Termo inicial, a ser considerado no caso dos autos, como a "juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia" (art. 16, II, LEF) - Impossibilidade de que o termo inicial a ser considerado seja seu conhecimento acerca do aceite da Fazenda Pública da garantia ofertada - Ausência de base legal e não equiparação às demais hipóteses - Intempestividade reconhecida - Embargos à execução fiscal anteriormente opostos que já haviam sido extintos, bastando que a executada interpusesse recurso de apelação, o que não ocorreu - Manutenção da sentença - Não provimento dorecurso interposto. (g.n.)  (TJSP;  Apelação Cível 1002455-42.2022.8.26.0068; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Barueri - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/09/2022; Data de Registro: 26/09/2022)  A aplicação literal pode trazer problemas ao executado, pois se não apresenta desde logo os embargos, esses podem ser tidos como intempestivos e se os apresenta e a garantia não é aceita os embargos podem ser extintos.  Desse modo, muito importante o recentíssimo entendimento da 1ª Turma do STJ no sentido de que o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal só começa a fluir após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz:  "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO INICIAL. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO DO ACEITE DO SEGURO GARANTIA PELO JUIZ. RECURSO PROVIDO. 1. O prazo para oposição de embargos à execução deve iniciar-se após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz, interpretação dos artigos 7º e 16 da Lei 6.830/1980. 2. Recurso provido." (REsp n. 2.185.262/RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024.) Já existiam julgados dos Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "garantido o juízo por meio de depósito efetuado pelo devedor, é necessária sua formalização, de modo que o prazo para oposição de embargos inicia-se a partir da intimação do depósito." (EREsp n. 767.505/RJ 1ª Seção do STJ). No mesmo sentido, entende a Corte "que o oferecimento de fiança bancária não dispensa a lavratura do termo de penhora e posterior intimação do executado acerca do ato, momento a partir do qual passará a fluir o prazo para oposição dos embargos." (AgRg no REsp n.1.043.521/MT).  Assim sendo, o recente entendimento mostra-se importante, pois mantém o entendimento já consagrado pelo STJ para o depósito judicial e a fiança bancária também para os casos de oferecimento de seguro garantia. Espera-se que tal entendimento seja acompanhado pelos Ministros da 2ª Turma do STJ.
Diante de controvérsias emergidas a respeito do novo regime do cabimento do recurso de agravo, a Corte Especial do STJ, ao Julgar o Tema Repetitivo n. 988 (REsp  n. 1.696.396) sedimentou o entendimento da tese de "taxatividade mitigada", a afastar a interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC com vistas a autorizar, excepcionalmente, o cabimento do recurso de agravo em outras hipóteses além daquelas previstas em aludido dispositivo, em especial quando verificada a urgência ou inutilidade futura do recurso restrita a devolução da matéria impugnada para reexame em sede de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC) . Nesse contexto, passou-se a admitir o cabimento de recurso de agravo contra a) decisão que indefere habilitação de crédito em recuperação judicial , b) decisão que defere pedido de levantamento em desapropriação c) decisão que inadmite intervenção de terceiros  e d) decisão interlocutória acerca da prescrição  e) decisão que afasta a impossibilidade jurídica do pedido , dentre outras hipóteses. Recentemente a celeuma restou examinada pelo STJ, desta feita não para se discutir a aplicação ou não da taxatividade mitigada ao caso concreto, mas, ao revés, consistente em examinar, quando previsto o cabimento de recurso de agravo em lei especial, se no âmbito de aludido regime há de ser observada a taxatividade mitigada PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. APLICAÇÃO. 1. A controvérsia cinge-se ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indeferiu o aditamento da inicial por intempestividade, no bojo de ação civil pública. 2. Caso em que o Tribunal de origem entendeu que a decisão agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas. 3. As duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. 4. Agravo interno desprovido (STJ, AgInt. no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "(...) O Tribunal de origem entendeu que a decisão interlocutória agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas (e-STJ fls. 115/116). No julgamento dos embargos de declaração opostos pela agravada, a Corte a quo consignou, ainda, que "não há na lei de ação civil pública nenhuma particularidade quanto à admissibilidade do recurso originário" (e-STJ fl. 160). Porém, como assinalado na decisão ora agravada, as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. Nesse sentido: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. LACUNA EXISTENTE NA LEI Nº 7.347/85. APLICAÇÃO DO ART. 19, § 1º, DA LEI N. 4.717/65. ANALOGIA. COLMATAÇÃO EMPREENDIDA NO ÂMBITO DO MICROSSISTEMA LEGAL DE TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. ART. 1.015, XIII, DO CPC. 1. Discute-se a aplicação, por analogia, do art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) na hipótese em que o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória proferida no âmbito de ação civil pública, matéria que extrapola a tese firmada no julgamento dos REsp's 1.696.396/MT e 1.704.520/MT (Tema nº 988), sob o rito repetitivo. 2. Nas ações civis públicas, cabível se revela a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória, devendo a lacuna existente na Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) ser colmatada mediante a aplicação de dispositivo também integrante do microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, a saber, o art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Nessa toada hermenêutica: REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017. 3. Afora isso, o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em demandas coletivas também encontra amparo no próprio inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015, cujo dispositivo admite a interposição do recurso instrumental em "outros casos expressamente referidos em lei". Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 4/12/2019. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.828.295/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020). (...) Assim, conquanto não prevista especificamente na Lei de Ação Civil Pública, a regra legal prevista na Lei da Ação Popular estende-se a todas as ações inseridas no microssistema de tutela coletiva, de modo que é cabível a interposição de agravo de instrumento na espécie. Por fim, embora não merecedor de acolhimento, o agravo interno, no caso, não se revela manifestamente inadmissível ou improcedente, razão pela qual não deve ser aplicada a multa do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno. (STJ, AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) Pacificado o entendimento no STJ de que malgrado o art. 19º, 1º, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) prever o cabimento do recurso de agravo como meio de impugnação de decisão interlocutória tirada daquela modalidade de demanda (sem fazer restrição alguma quanto ao seu cabimento), aludido dispositivo restou interpretado a ponto de autorizar o cabimento do recurso de agravo também no âmbito das ações civis públicas, dada a leitura de ambas espécies de demanda integrarem o chamado microssistema legal de tutela dos interesses transindividuais. Logo, soa correto o julgamento supra citado, porquanto parte da perspectiva de afastar qualquer discussão em torno de aplicar-se ou não a tese da taxatividade mitigada. Longe disso, na medida em que há na lei especial a previsão do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação contra decisão interlocutória, despido de aludir a qualquer hipótese de cabimento, não há razão da lei especial ceder espaço a disposição em sentido contrário no art. 1.015 do CPC (de onde se extrai hipóteses restritas de cabimento do recurso de agravo).
Em 26/10/23, nesta coluna, foi escrito um artigo que terminava assim: "Vamos torcer para que o STJ, ao julgar o recurso especial 2.072.206/SP, que versa sobre o mesmo tema e cujo julgamento foi afetado pela 3ª turma à Corte Especial no último dia 24 de outubro de 2023, pacifique o entendimento de que cabe condenação em verbas de sucumbência no IDPJ"1. Ao que tudo indica, a nossa torcida deu certo! Em 13/2/25, o recurso especial 2.072.206/SP foi julgado firmando o entendimento de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, disciplinado pelos arts. 133 a 137 do CPC - Código de Processo Civil. Como informado na ocasião, a controvérsia dos autos do recurso em referência poderia ser resumida em saber se é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência na hipótese de rejeição do pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que o art. 85, § 1º do Código de Processo Civil não previu, de forma expressa, os incidentes como fatos geradores de honorários. A resposta a tal indagação dada pelo STJ é positiva, ou seja, nesses casos é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência para aquele que pede a instauração do IDPJ e tem decisão desfavorável ao final do "incidente". Vale lembrar que, desde 30/3/17, nesta coluna, tem sido defendido o cabimento de condenação ao pagamento de verbas de sucumbência por parte do vencido no IDPJ2. Em 8/7/22, foi reiterado o entendimento lançado cinco anos antes, a despeito da jurisprudência oscilante do STJ e do TJ/SP3. Em 26/10/23, foi comemorado nesta coluna que, finalmente, pelo menos um dos argumentos expostos anteriormente nesta nas datas acima indicadas (30/3/17 e 8/7/22) foram acolhidos, por maioria, pela 3ª turma do STJ. Confira-se, a propósito, a ementa de um julgado que ocorreu em setembro de 2023: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO.1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.2. O CPC/15 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência.3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.5. Recurso especial conhecido e não provido.(REsp 1.925.959/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 12/9/23, DJe de 22/9/23.) Cumpre notar que já se sustentava há bastante tempo que, apesar de os arts. 133 a 137 do CPC fazerem referência a um "incidente" de desconsideração da personalidade jurídica, o que há, a bem da verdade, é uma demanda incidental. Por tal razão, o argumento de que seria um mero "incidente processual" e não comportaria condenação do vencido em verbas de sucumbência e por inexistir previsão para tanto no art. 85, do CPC, não poderia ser acolhido. Há, efetivamente, a formulação de novo pedido e nova causa de pedir no curso do processo, quando é requerida a instauração do IDPJ. Ademais, há citação, contestação, fase instrutória (se necessária) e decisão. Em outras palavras, tem-se tudo que uma demanda tem (menos o nome)4. Agora nos resta aguardar a lavratura e publicação do acórdão do julgamento do recurso especial 2.072.206/SP para aplaudirmos mais! 1 Disponível aqui.    2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 VIEIRA, Christian Garcia. "Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimento e temas polêmicos". Salvador: JusPodvum, 2017, p. 183.
Recentemente, a 1ª turma do STJ julgou o REsp 1601868/SC, tendo sido relator o ministro Paulo Sérgio Domingues, estabelecendo-se que: "É válida a admissão ao processo de prova emprestada, desde que respeitado o contraditório na demanda em que a prova venha a ser utilizada". Posição semelhante foi a adotada no julgamento do AgRg no RMS 43329/RS, no STJ, tendo sido relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendendo-se que: "A utilização da prova emprestada pelo Tribunal de Contas só será válida se o processo administrativo lá desenvolvido observar as garantias do devido processo legal. Assim, não há prejuízo". Igualmente importante, nesse ponto, é o julgamento do AgInt no REsp 1426271/MT, também no STJ, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, proclamando-se que: "É válida a utilização de prova emprestada, desde que observado o contraditório e ampla defesa. Precedentes do STF e do STJ. Súmula 83/STJ". É da essência do art. 372 do CPC/15 a permissão para o manejo da prova emprestada, mas desde que observado o princípio do contraditório. E a prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.  Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro." E, para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.  Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal". O art. 372 do CPC/15 dá especial importância ao princípio do contraditório, estabelecendo que a prova emprestada, para ser admitida, necessita sempre observar este nobre princípio, o qual se relaciona de forma íntima com o devido processo legal. E como bem lembra Cássio Scarpinella Bueno5, o conceito de devido processo legal tem profunda relação com a noção de devida participação das partes no processo, devendo-se assegurar às mesmas a possibilidade de defesa e contraditório: "O processo deve ser devido porque, em um Estado Democrático de Direito, não basta que o Estado atue de qualquer forma, mas deve atuar de uma específica forma, de acordo com as regras preestabelecidas e que assegurem, amplamente, que os interessados na solução da questão levada ao Judiciário exerçam todas as possibilidades de ataque e defesa que lhe pareçam necessárias, isto é, de participação". Como bem leciona Nelson Nery Jr.6, "por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a exigência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos." Novamente trazendo a importância de se assegurar a devida participação das partes no processo, Cássio Scarpinella Bueno7 relaciona a noção de contraditório com a necessidade de se garantir ao sujeito do processo a possibilidade de o mesmo influenciar, através da devida participação, na decisão a ser proferida: "Justamente em função desta nova compreensão dos elementos 'ciência' e 'informação' é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a ideia de participação na decisão do Estado, viabilizando-se, assim, mesmo que no processo, a realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito. O que se deve destacar, a este respeito, é que o princípio do contraditório deve ser entendido como a possibilidade de o destinatário da atuação do Estado influenciar - ou, quando menos, ter condições reais, efetivas de influenciar - em alguma medida, na decisão a ser proferida". Vale destacar, nesse aspecto, o enunciado 52 do FPPC, o qual enfatiza que: "Para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, considerando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária". Portanto, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior. A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal. Exatamente neste sentido já se posicionou o STF, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado: "A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl 11243, rel. min. Gilmar Mendes, 8/6/11, Tribunal Pleno); e "É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC 106.398, rel. min. Celso de Mello, 4/10/11, Segunda turma). Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal. 1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190. 2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323. 4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 104 e 105. 6 NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 172. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108.
Os embargos de divergência possuem a importante função de uniformizar a jurisprudência de nossas Cortes Superiores. De fato, o artigo 926 do CPC prevê que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência mantê-la estável, integra e coerente. Portanto, quanto maior a abrangência do cabimento de tal recurso, melhor para o sistema processual1. Desse modo, foi aplaudida a redação do § 1º do artigo 1043 do CPC ao prever que "Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária". Com tal redação o Código procurou superar o entendimento então vigente, sob a égide do CPC/1973, de que não serviriam para demonstração do dissídio pretoriano os arestos proferidos em ações originárias ou em espécies recursais diversas dos recursos especiais e extraordinários, tais como Conflito de Competência, Recurso Ordinário, Mandado de Segurança, Ação Rescisória2. Esse é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno: "O acórdão paradigmático, ou seja, o acórdão utilizado para demonstrar a dissonância do entendimento jurisprudencial e que enseja a sua uniformização mediante o emprego desse recurso, por sua vez, pode decorrer de julgamentos de recursos e de outros processos de competência originária, tais como mandados de segurança, ações rescisórias e reclamações, no que é expresso o § 1º do art. 1.043."3 Portanto, causou surpresa o recente julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça não aceitando como paradigma julgamento de Mandado de Segurança impetrado originariamente no STJ:  "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA EM SEDE DE AÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Os embargos de divergência têm por finalidade pacificar a jurisprudência no âmbito do Tribunal quanto à interpretação da legislação federal examinada na via do recurso especial. 2. Não servem como paradigmas, para fins de comprovação de dissídio jurisprudencial em embargos de divergência, acórdãos proferidos em sede de ação constitucional, notadamente porque diverso o grau de cognição com relação ao recurso especial. 3. Agravo interno não provido." (AgInt nos EAREsp n. 2.143.376/SP, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 6/11/2024, DJe de 23/12/2024.) Do voto vencedor faz-se importante a transcrição do seguinte trecho:  "Com efeito, o CPC/2015, a princípio, possibilitou a interposição de embargos de divergência contra acórdão proferido em processo de competência originária (inciso IV do art. 1.043), porém, esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 13.256/2016. Logo, o recurso uniformizador ficou restrito à hipótese de julgamento em sede de apelo especial. Nesse cenário, tem-se que a função de uniformizar a interpretação da legislação federal se dá na via do recurso especial. E, para tanto, é conveniente que o aresto paradigma tenha sido proferido em julgamento com mesmo grau de cognição." O inciso IV revogado previa que é embargável o acórdão de órgão fracionário que "nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal". Assim, a previsão revogada previa que o acórdão de julgado de competência originária poderia ensejar a oposição de Embargos de Divergência. Já o § 1º prevê que o acórdão das ações originárias poderia servir de paradigma para possibilitar o cabimento dos Embargos de Divergência. Portanto, salvo melhor juízo, o CPC/15 não permite o cabimento de embargos de divergência em face de acórdão que julgou ação originária, mas estes podem servir de paradigma para confrontar julgamentos proferidos por em recursos Extraordinário e Especial.     Nesse sentido é o entendimento expresso no muito bem fundamentado voto vencido da lavra do Min. Raul de Araújo:  "(...) seria, logicamente, perfeitamente possível aceitar-se, em embargos de divergência, que a impugnação de acórdão proferido tanto na própria ação rescisória ou em recurso ordinário em mandado de segurança não fora a revogação expressa do inciso IV do art. 1.043 do Novo CPC pela Lei 13.256/2016. Contudo, como houve a revogação, somente é possível utilizar-se o acórdão em ação originária ou em recurso como paradigma, e não como paragonado (CPC, art. 1.043, § 1º)." Em outro trecho assim previu o voto vencido:  "Destarte, o regramento do § 1º do art. 1.043 do CPC foi repetido no referido art. 266, § 1º, do RISTJ, reforçando a convicção de que não mais deveria prevalecer a jurisprudência de outrora, de feição mais restritiva, no sentido de que os paradigmas devem se limitar aos acórdãos proferidos em recursos especiais e em seus consectários. Portanto, o legislador ordinário, nos embargos de divergência em recurso especial ou recurso extraordinário, expressamente ampliou as hipóteses de cabimento e afastou aquela interpretação restritiva antes adotada na vigência do CPC de 1973, para claramente admitir que o aresto paradigma possa ser exarado em qualquer ação originária ou recurso julgado por órgão do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (art. 1.043, § 1º)."  Assim sendo, o entendimento presente no voto vencido parece se coadunar melhor com a expressa previsão legal e com a intenção do legislador. Tendo sido um julgamento com um placar um tanto apertado (8X5) talvez a matéria volte a ser julgada novamente no futuro, mas enquanto isso não ocorrer, paradigmas de ações originárias constitucionais não devem ser utilizados para a demonstração da divergência. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento da professora Teresa Arruda Alvim: "Os embargos de divergência foram bastante alterados, principalmente, quanto à sua hipótese de cabimento. Procurou-se dar aos embargos de divergência bastante rendimento, de molde a que cumpram com eficiência a sua função que é, em última análise, a de desestimular recursos para o STJ ou STF. Isso porque o fato de haver tese jurídica sobre a qual haja divergência interna corporis, no Tribunal Superior, é elemento que, obviamente, estimula recursos. O objetivo dos embargos de divergência é exata e precisamente o de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, internamente. Portanto, quanto mais larga ou abrangente for a hipótese de cabimento dos embargos de divergência, a tendência é a de que menor seja o número de recursos interpostos. Os incisos têm como marca visível a intenção do legislador no sentido de "desmanchar" a jurisprudência que, equivocadamente, restringe indevidamente o cabimento deste recurso, à luz do CPC de 1973." (Comenta´rios ao Co´digo de Processo Civil / organizadores Lenio Luiz Streck, Dierle Nunes, Leonardo Carneiro da Cunha; coordenador executivo Alexandre Freire. - 2. ed. - São Paulo : Saraiva, 2017, p. 1441). 2 EREsp 50.458/SP, CORTE ESPECIAL, Rel. Min. Demócrito Ribeiro, DJ de 07/08/1995; AgRg nos EREsp 103.701/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. José Delgado, DJe de 06/11/2006; AgRg nos EREsp 190.998/AM, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 13/10/2005; AgRg nos EREsp 793.405/RJ, TERCEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 09/05/2011. 3 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 2, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 757. Esse também é o entendimento de Luiz Dellore: "5. Embargos de divergência no caso de ação originária e outros recursos (§ 1.º). Por ausência de previsão no Código anterior, muito se debateu acerca da possibilidade de apontar a divergência entre um REsp ou RE e uma ação de competência originária do tribunal superior (como ação rescisória, mandado de segurança ou conflito de competência). 5.1. O Código buscou deixar de lado esse debate, ao expressamente afirmar ser isso possível. 5.2. Da mesma forma, o parágrafo aponta o confronto de teses contidos em recursos, o que leva à conclusão de que não somente REsp e RE (mencionados nos incisos), mas também outros recursos (como o ROC) podem ser utilizados como base para o acórdão paradigma. 5.3. Portanto, pela letra da lei, cabe divergência para discutir teses firmadas entre dois recursos, duas ações de competência originária ou entre recurso e ação de competência originária. 5.4. Esta alteração legislativa prestigia a tese decidida, e não o meio processual em que se discutiu a tese. O que é absolutamente lógico, pois o objetivo dos embargos de divergência é afastar a divergência quanto a um determinado entendimento jurisprudencial. 5.5. Contudo, a jurisprudência do STJ não vem admitindo que a divergência decorra de outro recurso que não o próprio REsp (vide jurisprudência selecionada), mantendo o entendimento firmado à luz do Código anterior. Além do viés restritivo, um argumento para isso é a revogação do inciso IV (...)" (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 1630).
O CPC/15 passou a dedicar um único dispositivo para melhor regulamentar a admissão do amicus curiae, ao que reza o art. 138: "Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. A vagueza escolhida pelo legislador para melhor definir "(...) órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada" é tema de infindável controvérsia, restando ao alvedrio dos tribunais lhe conferir a melhor interpretação. Recentemente a Primeira turma do STJ decidiu que não cabe a intervenção de amicus curiae "(...) de instituição composta exclusivamente por advogados, cujo interesse jurídico guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.": "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AMICUS CURIAE. INTERESSE AO JULGAMENTO FAVORÁVEL A UMA DAS PARTES.IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. DESPROPROCIONALIDADE OU IRRAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA. JUROS DEMORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO MENSAL. REEXAME FÁTICOPROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL. EXISTÊNCIA DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPEDIMENTO AO INÍCIO DO LUSTRO PRESCRICIONAL. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DESÃO PAULO NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL DAS AUTORAS CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.I - A intervenção pelo amicus curiae tem espaço diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia, fazendo-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Precedentes.II - Tratando-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes, fica inviabilizada sua admissão como amicus curiae no presente caso. Precedentes.III - Consoante a jurisprudência desta Corte, não é cabível, na via especial, ressalvadas as hipóteses de flagrante desproporcionalidade ou irrazoabilidade, a revisão do valor estipulado pelas instâncias ordinárias a título de indenização, porquanto demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável à luz do óbice contido na súmula 7/STJ.IV - Em casos de responsabilidade civil extracontratual, a fluência dos juros de mora tem início a partir da data do evento danoso (súmula 54 do STJ). Aplicação da súmula 83/STJ.V - Rever a compreensão do tribunal de origem quanto à inviabilidade de retorno do de cujus ao exercício de atividade remunerada, face à enfermidade que lhe acometia, demandaria necessário revolvimento da matéria fático-probatória produzida, inviabilizando-se, assim, o arbitramento de pensão mensal em favor do grupo familiar.VI - À vista do princípio da relativa independência entre as instâncias de responsabilização, contraposta à necessária integridade do ordenamento jurídico, restou consagrado, no art. 200 do Código Civil, que a prescrição da pretensão reparatória cível só terá início após a apuração definitiva, no juízo criminal, de fato passível de enquadramento em tipo penal.VII - O entendimento deste Tribunal é uníssono no sentido de que antes do trânsito em julgado da ação criminal não corre a prescrição quando a pretensão se origina de fato que também deva ser apurado no juízo criminal, ou seja, em cenário no qual haja relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal, sendo irrelevante a ausência de oferecimento de denúncia se houve a abertura de inquérito policial posteriormente arquivado.VIII - Ainda que a ação cível seja intentada contra entes públicos, cuja responsabilidade por ação ou omissão é objetiva, o prazo prescricional não terá início antes da conclusão da apuração criminal, tendo em vista que a legislação não trouxe tal exceção, não competindo ao intérprete fazê-la.IX - Embora objetiva, consoante entendimento firmado pelo STF no Tema da repercussão geral 362, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público não se reveste de caráter absoluto, baseando-se na teoria do risco administrativo, sendo admissível seu abrandamento e, até mesmo, a exclusão da responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias, como o caso fortuito e a força maior.X - Nos termos do art. 200 do Código Civil, o prazo prescricional da pretensão ressarcitória é obstado nas hipóteses em que a conduta potencialmente danosa seja a mesma apurada no juízo criminal, devendo idêntico fato ter potencial tanto à responsabilização civil quanto à criminal, não sofrendo impacto do óbice a pretensão veiculada contra eventuais condutas autônomas praticadas por outros agentes, mesmo se ocorridas na mesma oportunidade.XII - Recurso especial do município não conhecido. Recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido." (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "I. Pedido de intervenção na qualidade de amicus curiae O LAWFARE INSTITUTE objetiva sua intervenção como amicus curiae, nos termos dos arts. 6º, § 2º, da lei 9.868/99 e 138 do Código de Processo Civil. Alega que "foi constituído no ano de 2017 tendo como missão a defesa dos direitos fundamentais, a ordem do Estado Democrático de Direito e a preservação dos direitos humanos, especialmente com a atuação contra o crescente fenômeno do lawfare, que foi definido em livro conceitual lançado por CRISTIANO ZANIN MARTINS, VALESKA T. Z. MARTINS e RAFAEL VALIM como o 'uso estratégico do Direito para fins de prejudicar, deslegitimar e perseguir um inimigo'" (fl. 1.236e). Sustenta a "presença de elementos que indiquem a possibilidade da deturpação do Direito para fins ilegítimos" porquanto "relevante dispositivo do Código Civil (art. 200) está sendo interpretado de forma atrofiada para restringir direitos fundamentais" (fl. 1.237e). (...) Acerca dessa modalidade interventiva, Eduardo Talamini ensina, in verbis: Trata-se de modalidade interventiva admissível em todas as formas processuais e tipos de procedimento. A atuação do amicus curiae, dada sua limitada esfera de poderes (e, consequentemente, sua restrita interferência procedimental), é cabível inclusive em procedimentos especiais regulados por leis esparsas em que se veda genericamente a intervenção de terceiros. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente os poderes da parte. Assim, cabe ingresso de amicus em processo do juizado especial, bem como no mandado de segurança. Em tese, admite-se a intervenção em qualquer fase processual ou grau de jurisdição. A lei não fixa limite temporal para a participação do amicus curiae. A sua admissão no processo é pautada na sua aptidão em contribuir. Assim, apenas reflexamente a fase processual é relevante: será descartada a intervenção se, naquele momento, a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver mais nenhuma relevância (destaques meus). Outrossim, ao analisar os pressupostos objetivos e subjetivos para o cabimento da intervenção do amicus curiae, o autor prossegue: A intervenção do amicus curiae cabe quando houver "relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia" (art. 138, caput, do CPC/15). As regras especiais dessa intervenção, acima enumeradas, não exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá-las. São duas as balizas: por um lado a especialidade da matéria, o seu grau de complexidade; por outro, a importância da causa, que deve ir além do interesse das partes, i.e., sua transcendência, repercussão transindividual ou institucional. São requisitos alternativos ("ou"), não necessariamente cumulativos: tanto a sofisticação da causa quanto sua importância ultra partes (i.e., que vá além das partes) pode autorizar, por si só, a intervenção. De todo modo, os dois aspectos, em casos em que não se põem isoladamente de modo tão intenso, podem ser somados, considerados conjuntamente, a fim de viabilizar a admissão do amicus. [...] Podem ser amicus curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas - e, nesse caso, tanto entes públicos como privados; entidades com ou sem fins lucrativos. Mesmos órgãos internos a outros entes públicos podem em tese intervir nessa condição. O elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a "representatividade adequada". Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica, cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições, pareceres, estudos, levantamentos etc.). A "representatividade" não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em colaborar). A existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção como amicus curiae. O simples fato de o terceiro ter interesse na solução da causa não é fundamento para permitir sua intervenção como amicus curiae. Mas, por outro lado, o seu eventual interesse no resultado do julgamento também não é, em si, óbice a que intervenha em tal condição. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o Judiciário. E é frequente que a existência de um interesse na questão discutida no processo faça do terceiro alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis. Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. Todo esse acervo - nitidamente formado a partir de interesses específicos da entidade e seus integrantes - tende a ser muito útil à solução do processo. Caberá ao julgador aproveitá-lo, filtrando eventuais desvios ou imperfeições. (Amicus curiae - comentários ao art. 138 do CPC, em Breves comentários ao novo CPC. Organizado por Teresa Wambier, F. Didier Jr., E. Talamini e B. Dantas, São Paulo, Ed. RT, 2015, pp. 438-445 - destaques meus). A seu turno, o STF assentou a compreensão segundo a qual o amicus curiae é um colaborador da Justiça que, assim, não se vincula processualmente ao deslinde da controvérsia, tampouco defende interesses próprios, como espelham os seguintes julgados: A admissão de terceiros, 'órgãos ou entidades', nos termos da lei, na condição de amicus curiae, configura circunstância de fundamental importância, porém de caráter excepcional, e que pressupõe, para tornar-se efetiva, a demonstração do atendimento de requisitos, dentre os quais, a relevância da matéria e a representatividade do terceiro. Nesse sentido anota Cléver Vasconcelos: 'O amicus curiae [...], conquanto considerado fenômeno de uma intervenção atípica, porque o 'amigo da corte' não pretende que a ação seja julgada a favor de ou contra uma das partes, mas sim colabora para uma decisão justa do Poder Judiciário, por meio de uma participação meramente informativa. O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiae, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiae, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador'. [...]. (ADPF 134 MC, relator min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 22/4/08, publicado em DJe-077 DIVULG 29/4/08 PUBLIC 30/4/08 - destaque meu). CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO ACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A RECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesse próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do interessado. 2. A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no STF possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser deferida segundo juízo do relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimidade recursal ao preterido 3. Embargos de declaração não conhecidos. (ADIn 3.460 ED, relator min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, j. 12/2/15, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 11/3/15 PUBLIC 12/3/15 - destaque meu). Desse panorama, extrai-se que a intervenção do amicus curiae caberá diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia. A par disso, subjetivamente, faz-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à solução do litígio, extraída do seu histórico e de seus atributos, bem como a representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Assim, a participação do amicus curiae no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão judicial, em benefício da jurisdição. No caso, embora o ato constitutivo anexado pelo requerente esteja ilegível (fls. 1.113 e seguintes), no sítio eletrônico do instituto consta que sua missão é "a produção de conteúdo científico sobre lawfare e a análise de casos emblemáticos envolvendo o fenômeno. O Instituto nasceu em 2017 por iniciativa dos advogados Valeska Teixeira Martins, Cristiano Zanin Martins e Rafael Valim, a partir da constatação de que o Direito está sendo utilizado de forma estratégica em diversos países para obtenção de fins ilegítimos, de natureza geopolítica, política, comercial, financeira e militar" (disponível em: ). Ou seja, trata-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes - na espécie, as autoras -, circunstância que afasta a sua admissão como amicus curiae. No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIÆ. EXEGESE DO ART. 138 DO CPC. DECISÃO QUE INDEFERE INGRESSO DO COLABORARDOR DA CORTE. IRRECORRIBILIDADE. HIPÓTESES DE INGRESSO: RELEVÂNCIA DA MATÉRIA, ESPECIFIDADE DO TEMA E REPERCUSSÃO SOCIAL DA CONTROVÉRSIA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PEDIDO ANTERIOR À INCLUSÃO DO FEITO EM PAUTA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. Os amici curiae são admitidos nos processos com a função de fornecer informações, subsídios e argumentos técnicos ao julgador (CPC/15, art. 138). 2. Trata-se de discricionaridade do magistrado admitir ou não o amicus curiae, decisão essa que é irrecorrível (REsp 1.696.396, Corte Especial). 3. Não basta que o peticionante demonstre interesse na causa, mas deve comprovar concretamente os requisitos de "relevância da matéria", "especificidade do tema" e "repercussão social da controvérsia" (REsp 1.333.977, Segunda seção). 4. A figura é prevista em processos de natureza objetiva, sendo admissível em processos subjetivos apenas em situações excepcionais. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, Primeira seção). Os amici curiae não são admissíveis na hipótese em que o interesse da entidade pretenda ao resultado do julgamento favorável a uma das partes. Não pode o amicus curiae assumir a defesa dos interesses de seus associados ou representados em processo alheio (EDcl na QO no REsp 1.813.684/SP, Corte Especial). 5. O amicus curiæ deve protocolar seu pedido de ingresso como colaborador da corte antes de o processo ser incluído em pauta de julgamento (REsp n. 1.152.218/RS, Corte Especial). 6. O amicus curiæ não tem direito subjetivo à sustentação oral (Questão de Ordem no REsp 1.205.946/SP, Corte Especial). 7. Agravo interno não conhecido. (AgInt no MS 25.655/DF, relator ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 16/8/22, DJe 19/8/22 - destaque meu). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INFLUÊNCIA DA DEMORA OU DIFICULDADE NO FORNECIMENTO DE FICHAS FINANCEIRAS NO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ESTADOS DA FEDERAÇÃO E DISTRITO FEDERAL. PLEITO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIÆ. INDEFERIMENTO. DEFESA DE INTERESSE DE UMA DAS PARTES. APORTE DE DADOS TÉCNICOS. DESNECESSIDADE. 1. O amicus curiæ é previsto para as ações de natureza objetiva, sendo excepcional a admissão no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares indicar a generalização do julgado a ser proferido. 2. O STF ressaltou ser imprescindível a que não está a defender interesse privado, mas, isto sim, relevante interesse público (STF, AgRg na SS 3.273-9/RJ, rel. ministra Ellen Gracie, DJ 20/6/08). 3. No mesmo sentido: "O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiæ, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiæ, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador" (STF, ADPF 134 MC, rel. ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 22/4/08, publicado em DJe 29/4/08). 4. Na espécie, o interesse dos Estados da Federação e do Distrito Federal vincula-se diretamente ao resultado do julgamento favorável a uma das partes - no caso, a Fazenda Pública -, circunstância que afasta a aplicação do instituto. 5. Ademais, a participação de "amigo da Corte" visa ao aporte de informações relevantes ou dados técnicos (STF, ADI ED 2.591/DF, rel. ministro Eros Grau, DJ 13/4/07), situação que não se configura no caso dos autos, porquanto o tema repetitivo é de natureza eminentemente processual. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, relator ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 22/3/17, DJe 28/3/17 - destaques meus). Ademais, a matéria controversa é exclusivamente jurídica, prescindindo de informações técnicas ou científicas que demandem a atuação de amicus curiae. Portanto, é o caso de indeferimento do pedido de intervenção formulado. (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) Ao que se extrai do voto condutor acima em cotejo com o caso concreto, a rejeição de admissão do amicus curiae restou fundada nas premissas de que a) há interesse subjetivo favorável a uma das partes e b) sendo a matéria exclusivamente jurídica prescinde informações técnicas ou científicas a demandar a atuação do amicus curiae. Por sua vez, noutras ocasiões o STJ já aceitou a admissão do amicus curiae na contramão das premissas acima, ao decidir o Tema repetitivo 1.1561 (definir se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempor previsto em legislação gera dano moral in re ipsa) admitindo a participação da Febraban - Federação Brasileira dos Bancos que, a tomar partido das entidades que representa, defendeu a não configuração de dano moral ao tema, diga-se de passagem, de análise sob o prisma exclusivamente jurídico. Malgrado a rejeição fundada no voto condutor acima ou, sua admissão em situação diametralmente oposta, fato é que resta a Corte cidadã definir elementos objetivos de admissão ou rejeição do amicus curiae, a observar sua aplicação uniforme e evitar tratamentos distintos em situações semelhantes, e, desse modo, evitar limitar o necessário e amplo debate a respeito das questões que carecem a análise sob todos os prismas dada sua sensibilidade, relevância ou reverberação da decisão em casos congêneres. 1 RESP 1962275/GO, Segunda seção de Direito Privado, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24/4/24.
Como é de conhecimento geral, o art. 25 da lei 12.016, de 7/8/09 ("Lei do Mandado de Segurança") estabelece que: "Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé". Apesar de a Lei do Mandado de Segurança ("LMS") ser bastante clara no que diz respeito ao não cabimento de arbitramento de honorários advocatícios em favor do vencedor no rito do mandado de segurança, foram interpostos vários recursos de decisões que deixaram de fixar tais verbas de sucumbência. Com efeito, três recursos especiais foram afetados para serem julgados pela sistemática de julgamento dos recursos repetitivos no STJ. Trata-se do REsp 2053306/MG, do REsp 2053311/MG e do REsp 2053352/MG, todos da relatoria do min. Sérgio Kukina, julgados pela 1ª seção do STJ em 27/11/24 e com acórdãos publicados em 4/12/24. Na ocasião, a questão submetida a julgamento foi a seguinte: "Possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais". Em outras palavras, a questão era saber se, mesmo nos casos dos mandados de segurança cujas sentenças tenham efeitos patrimoniais, incide o art. 25, da LMS, que dispõe não caber condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Por exemplo, no caso do REsp 2053306/MG, ele foi interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça do referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. Nesse caso, em primeira instância, o contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. Havia, portanto, efeitos patrimoniais decorrentes da sentença proferida no mandado de segurança, que deveriam ser saldados nos mesmos autos, em razão de valores de tributos não recolhidos durante a vigência da liminar concedida anteriormente e revogada depois. Vale esclarecer que o juiz deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, sendo que tal decisão foi mantida pelo TJ/MG. Como fundamento legal, foi invocado o art. 25, da Lei do Mandado de Segurança, bem como os entendimentos consolidados nas súmulas 512 do STF e 105 do STJ1. Pois bem, em 4/12/24, a 1ª seção do STJ, ao julgar a questão, firmou a seguinte tese: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". Vale observar que a decisão da 1ª seção do STJ, que fixou o Tema Repetitivo 1.232, acima transcrito, ainda não transitou em julgado, tendo sido o MPF e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais intimados em 18/12/242. De todo modo, é importante transcrever a ementa do julgado sob análise para melhor compreender o seu alcance: "TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA N. 1.232/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça de referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. 2. Fato relevante: O contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. 3. As decisões anteriores: o juiz estadual deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, decisão mantida pelo TJ/MG. II. Questão em discussão 4. O tema em debate consiste em saber se é cabível a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual. III. Razões de decidir 5. A legislação especial do mandado de segurança, conforme o art. 25 da lei 12.016/09, veda a condenação em honorários advocatícios, aplicando-se também à fase de cumprimento de sentença. 6. A jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as súmulas 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança. 7. A natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional. IV. Dispositivo e tese 8. Tese de julgamento: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". 9. Caso concreto: Recurso não provido. 10. Dispositivos relevantes citados: Lei 12.016/09, art. 25; CPC, arts. 85, § 1º, e 523, § 1º. 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.097.947/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda turma, DJe de 14/3/24; AgInt no REsp 2.077.950/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe de 21/9/23; AgInt no REsp 1.994.560/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, DJe de 22/6/23; AgInt no AgInt no AREsp 2.127.997/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda turma, DJe de 26/5/23; AgInt no REsp 2.010.538/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira turma, DJe de 30/11/22; e AgInt no REsp 1.968.010/DF, relator Ministro Manoel Erhardt, Desembargador Convocado do TRF5, Primeira turma, DJe de 11/5/22; STF, ADIn 4.296, rel. Ministro Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/21. (REsp 2.053.311/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, 1ª seção, julgado em 27/11/24, DJe de 4/12/24.) Como se pode perceber, o entendimento de que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios em mandado de segurança nunca foi imune a controvérsias, considerando o teor e a necessidade de se consolidar o entendimento nas súmulas 512 do STF, 105 do STJ e agora no Tema Repetitivo 1.232 do STJ, a despeito da clareza solar do quanto disposto no art. 25 da LMS. Assim, a decisão da 1ª seção do STJ merece aplausos, pois visa, como bem salientado no corpo do acórdão acima ementado, "a não desestimular o uso desse remédio constitucional". Vivemos em um país sabidamente em processo de democratização, mas de um passado recente inegavelmente autoritário. Portanto, não desestimular o uso de instrumentos importantes, como o mandado de segurança, para o combate contra atos abusivos e ilegais praticados pelas autoridades é imprescindível para alcançarmos a tão sonhada democracia em seu estado mais puro. Que ela não seja apenas um sonho e que se torne cada vez mais a nossa realidade. 1 STF, Súmula 512: "Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança."; STJ, Súmula 105: "Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios". 2 Vide andamento processual: Disponível aqui.