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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
sexta-feira, 13 de junho de 2025

Negócios processuais e dez anos de CPC/15

O CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais, valendo destacar o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "Convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. A portaria 33/18 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. Merece aplausos o art. 38 da portaria 33/18 da PGFN que autoriza expressamente a Fazenda Pública a celebrar negócios processuais, com vistas a promover o recebimento do crédito. As portarias 360 e 742, ambas da PGFN, prestigiam claramente o manejo do art. 190 do CPC/15 para fins de obtenção de uma maior efetividade no trâmite das execuções fiscais. Na lei 13.874/19, reforça-se ainda mais a ideia do uso do art. 190 do CPC/15 pelo Poder Público: "Art. 19. § 12.  Os órgãos do Poder Judiciário e as unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderão, de comum acordo, realizar mutirões para análise do enquadramento de processos ou de recursos nas hipóteses previstas neste artigo e celebrar negócios processuais com fundamento no disposto no art. 190 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC)". Não é demais lembrar que a resolução 118/14 do Conselho Nacional do Ministério Público também já estimulava as convenções processuais: "Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta". Ademais, há situações em que o próprio CPC/15 estipula o escopo do negócio processual. Trata-se dos negócios processuais típicos. São as situações, por exemplo, do art. 63 do CPC/15, para fins de escolha de foro nas hipóteses de competência relativa, do art. 471 do CPC/15, para fins de escolha consensual de perito, e do art. 373, parágrafo terceiro, do CPC/15, para fins de distribuição dinâmica e consensual do ônus da prova. O STJ já enfrentou o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do RE 1738656/RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidado o entendimento de que os negócios processuais entabulados pelas partes podem ser prestigiados, mas que: "a interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser restritiva, de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de questões relacionadas ao direito material ou processual que obviamente  desbordem  do  objeto convencionado entre os litigantes, sob pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC." O STJ, por sua vez, em importantíssimo julgado, no REsp 1810444 / SP, tendo como relator o ministro Luis Felipe Salomão, já delimitou que a negociação processual não pode versar sobre poderes do magistrado e sobre questões que podem afetar o devido processo legal. No julgamento do REsp 1361869 / SP, por sua vez, com a relatoria do ministro Raul Araújo, a segunda seção do STJ prestigiou a negociação processual, nos seguintes termos: "1. Pedido de Homologação de Acordo firmado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.). 2. Conquanto o presente negócio jurídico processual se apresente perante os peticionantes como, efetivamente, um acordo, em sua projeção para os interessados qualificados, em especial para o Estado-Juiz, o instrumento descortina-se como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", negócio processual que, após homologado sob o rito dos recursos repetitivos, é apto a gerar norma jurídica de eficácia parcialmente erga omnes e vinculante (CPC, art. 927, III). 3. Homologa-se o acordo entabulado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.), como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", com: a) desistência de todos os recursos acerca da legitimidade passiva para responderem pelos encargos advindos de expurgos inflacionários relativos à cadernetas de poupança mantidas perante o extinto Banco Bamerindus S/A, em decorrência de sucessão empresarial parcial havida entre as instituições financeiras referidas; b) os compromissos assumidos pelos pactuantes de: b.1) não mais litigarem recorrerem ou questionarem em juízo, perante terceiros, especialmente consumidores, suas legitimidades passivas, passando tal discussão a ser restrita às próprias instituições financeiras pactuárias, sem afetar os consumidores; b.2) encerrarem a controvérsia jurídica da presente macrolide, com parcial desistência dos recursos; b.3) conferir-se ao Pacto ora homologado, nos moldes do regime dos recursos repetitivos, eficácia erga omnes e efeito vinculante vertical". É certo, portanto, que os recentes julgados, no geral, prestigiaram a aplicação do art. 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura do instituto em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. O STJ, também no que se refere à negociação processual do art. 471 do CPC/15, recentemente se manifestou no julgamento do REsp 1924452 / SP, tendo sido relator o ministro Ricardo Cueva, no sentido de que: "As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição". Logo, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais. O recente relatório de pesquisa "Convenções Processuais nos Tribunais"2, da UERJ, com a coordenação do Professor Antonio do Passo Cabral, comprova essa percepção. A pesquisa bem concluiu que3: "Foram encontradas, entre 2016 e 2024, um total de 1653 decisões judiciais de tribunais sobre as convenções processuais"; "quase metade dos acordos processuais discutidos nos tribunais brasileiros diz respeito a convenções probatórias (47,8%). Em seguida, vêm os acordos sobre a suspensão do processo (9,8%), a execução e o cumprimento de sentença (9,1%), sobre os prazos (7%), as audiências (6,4%) e a competência (4,7%)"; "São Paulo, o Estado mais rico e populoso do país, lidera as estatísticas, sendo aquele onde mais o Judiciário debateu os negócios jurídicos processuais, seguido pelo Paraná. Em ambos os Estados, destacaram-se tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal Regional do Trabalho"; e "No mesmo sentido, as decisões dos tribunais sobre acordos processuais concentram-se na região Sudeste, que responde por 59% do total, seguida das regiões Sul, CentroOeste, Nordeste e Norte"; e "Em 77% dos casos, o Judiciário validou as convenções, prestigiando as regras negociadas e determinando sua aplicação tal como pactuado pelas partes"; e "A Justiça do Trabalho foi aquela que teve o menor percentual de invalidação, tendo admitido os acordos em 88,7% dos casos e anulado as convenções em apenas 11,3% deles"; e "A Justiça Estadual (74,5%) e a Justiça Federal (68,4%) também apresentaram altos índices de validação dos acordos"; e "A média de validação dos acordos entre todos os tribunais brasileiros foi de 77,6%. Alguns tribunais apresentaram índices bem altos, entre 90 e 100% de admissão e validação. Por exemplo, o TJ/SC teve 96%, o TJ/RJ 90%, o TJ/PE e o TJ/ES registraram 88%". As sinalizações do próprio Poder Judiciário quanto ao instituto em muito podem auxiliar as partes na elaboração de convenções processuais, norteando de forma mais aderente a cada caso concreto a forma de solução de disputas. É fundamental, todavia, observar-se os requisitos e limites previstos na legislação para a celebração dos negócios processuais, bem como analisar-se as diretrizes já adotadas pelos tribunais pátrios acerca da validade desses acordos realizados entre as partes. _______ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 3 Disponível aqui.
A possibilidade de fixação de honorários equitativos também nos casos de grande valor é, sem dúvida, uma das maiores controvérsias do CPC de 2015 e já foi abordado por diversas vezes em nossa coluna1. Diversas tentativas vêm sendo feitas para afastar a previsão do CPC/15 quanto a fixação dos honorários advocatícios, nos termos estabelecidos pelos §§ 2º e 3º do art. 85. A Corte Especial do STJ afastou a possibilidade de fixação equitativa dos honorários em causas de grande vulto no julgamento do Tema 1.076 e parecia ter dado ponto final à discussão. Entretanto, a controvérsia foi levada ao STF, que para surpresa de muitos entendeu que a questão seria constitucional e teria repercussão geral. No dia 24/5/24, foi publicado o esperado acórdão do recurso extraordinário 1.412.069, relatado pelo ministro André Mendonça. Nele, restou esclarecido que o Tema de repercussão geral 1.255 se restringe às demandas em que a Fazenda Pública é parte, segundo já explicitado em artigo nesta coluna2. Não contentes, foi criado o Tema 1.402 no STF, que possui a seguinte descrição: "Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, LIV; e XXXV, da Constituição Federal, se nas causas que não envolvem a Fazenda Pública, a garantia de acesso à Justiça e o princípio da razoabilidade autorizam a fixação de honorários de sucumbência por equidade (CPC/15, art. 85, § 8º), quando a aplicação do § 2º do art. 85 do CPC/15 resultar em montante excessivo." Em 30/5/25, pela apertada maioria de 6x5, o plenário virtual do STF encerrou o julgamento e entendeu que a questão não teria repercussão geral, por não se tratar de matéria constitucional3. Trata-se de decisão acertada, que respeita o texto legal e protege a previsibilidade da remuneração da advocacia, que é essencial à boa prestação jurisdicional. Portanto, em processos envolvendo particulares, não há mais nenhuma razão para o sobrestamento dos feitos, a não aplicação do Tema 1.076 do STJ e a relutância na fixação dos honorários advocatícios entre 10% e 20%, nos termos do art. 85, § 2, do CPC. Reitera-se o entendimento já trazido nessa coluna de que não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Nesses casos, o legislador houve por bem afastar a equidade e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários-mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo e pelo interesse público que ela representa. Ademais, os honorários não servem somente para remunerar os advogados, mas também para conter a excessiva litigiosidade. Nesse sentido é o entendimento do professor Luciano Benetti Timm em parecer concedido ao Conselho Federal da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil: "Em um país notoriamente assolado pelo problema da litigância excessiva, o instituto dos honorários sucumbenciais cria baliza fundamental à operacionalização de princípios como o direito à duração razoável do processo e da isonomia, ao exigir responsabilidade e ponderação dos que buscam a prestação jurisdicional."4 Logo, ao possibilitar honorários equitativos muito abaixo da previsão legal, não teremos mais esse filtro para barrar ações abusivas e frívolas. Desse modo, espera-se que o STF também respeite a opção do legislador de afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios em processos envolvendo a Fazenda Pública, criando critérios objetivos para tal fixação. De fato, o CPC/15 procurou afastar subjetivismos dos magistrados ao fixar honorários muito dispares nas ações que envolvem os entes públicos. ______________ 1 Como exemplo: disponível aqui.   2 Disponível aqui.  3 Disponível aqui.  4 Disponível aqui. 
A necessária constituição em mora do devedor fiduciante nos contratos de alienação fiduciária regidos pelo decreto lei 911/69, com vistas a autorizar ulterior busca e apreensão de bem imóvel ou leilão extrajudicial de bem móvel sempre circundou controvérsias na jurisprudência no tocante ao cumprimento das formalidades legais de aludido ato. Recentemente a 2ª seção do STJ examinou o tema, sob o prisma de decidir se é válida a notificação extrajudicial para efeito de constituição em mora do devedor fiduciante e ulterior busca e apreensão, caso enviada pelo e-mail deste apontado no contrato de alienação fiduciária: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. CORREIO ELETRÔNICO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. ENDEREÇO ELETRÔNICO. CONTRATO. COMPROVAÇÃO DE RECEBIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que manteve decisão de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, considerando válida a notificação extrajudicial por e-mail para comprovar a mora do devedor. II. Questão em discussão 2. Controvérsia acerca da possibilidade de utilização do correio eletrônico (e-mail) para comprovar o cumprimento da exigência legal de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto- Lei n. 911/1969. III. Razões de decidir 3. Com a alteração introduzida pela Lei n. 13.043/2014, o art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 911/1969 ampliou as possibilidades de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, passando a dispor que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". (REsp n. 2183860 - DF, Segunda Seção, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 14.05.2025) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) Anteriormente à alteração introduzida pela Lei n. 13.043/2014, o art. 2º, § 2º,do Decreto-Lei n. 911/1969 determinava que a notificação fosse obrigatoriamente realizada por intermédio de carta registrada, enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos, ou mediante o protesto do título, a critério do credor. Com a inovação legislativa, passou a constar no parágrafo segundo que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário" (grifei). Portanto, houve uma ampliação das possibilidades de notificação extrajudicial do devedor fiduciante, visando a promover maior eficiência e celeridade no procedimento de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente. Cumpre indagar quais critérios são necessários para determinar se o meio de comunicação utilizado é apropriado para a notificação do devedor fiduciante. Quando a lei sinaliza sua vontade de abranger outros casos que compartilham a mesma essência daquele expressamente mencionado, torna-se necessário empregar como técnica de hermenêutica jurídica a interpretação analógica. Essa técnica visa a aplicar a norma a situações não expressamente contempladas por ela, mas que guardem semelhanças relevantes com aquela prevista. Na interpretação analógica, o intérprete identifica uma hipótese similar àquela regulada pela norma e, com base nessa analogia, estende seus efeitos ao caso não expressamente previsto, desde que haja uma correspondência significativa entre os elementos essenciais das situações comparadas. Sobre a interpretação analógica, cito Reis Friede: A chamada interpretação analógica, por sua vez, ocorre quando a própria regra determina sua incidência a hipóteses semelhantes. Para tanto, a lei, a fim de sinalizar a possibilidade de o intérprete empregar tal recurso, apresenta uma situação casuística, seguida por uma fórmula genérica. Por conseguinte, na interpretação analógica, a norma é extraída a partir dos próprios elementos fornecidos pela lei. (Teoria do Direito. Editora Lumen Juris. 2ª ed. Rio de Janeiro: 2019, p. 739) Dessa forma, para avaliar a adequação do procedimento de notificação do devedor fiduciante no caso em questão, é essencial compreender os requisitos de validade da carta registrada com aviso de recebimento e, em seguida, verificar se há semelhança relevante entre as situações em análise. Nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, a mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento da obrigação e se consolida no atraso culposo do devedor ao deixar de cumprir a prestação previamente acordada entre as partes, revelando sua natureza ex re, ou seja, ocorre de forma automática. Não obstante a mora decorrer do vencimento do prazo sem o adimplemento da obrigação, o legislador determinou ao credor uma obrigação prévia ao ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente, a notificação extrajudicial do devedor (arts. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei n. 911/1969). O inadimplemento do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária ocasiona consequências graves ao devedor, como a perda da posse direta do bem e do direito real de sua aquisição. Além disso, o procedimento de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente é bastante célere. Com a comprovação da notificação extrajudicial, o credor fiduciário poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem fiducial, a qual será concedida liminarmente (art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969). E ainda, cinco dias após executada a liminar, consolida- se a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário (§ 1º). Por conseguinte, a importância da notificação extrajudicial do devedor não pode ser subestimada. Por intermédio dela, assegura-se ao devedor a plena ciência dos desdobramentos de sua inadimplência contratual, permitindo-lhe agir de forma proativa para regularizar sua situação financeira. Isso pode envolver o pagamento dos valores pendentes, a renegociação dos termos contratuais ou a entrega voluntária do bem alienado fiduciariamente. Em suma, a notificação possibilita ao devedor defender seus próprios interesses, promovendo transparência e facilitando soluções amigáveis entre as partes envolvidas. Reitere-se que o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 estabelece ser a carta registrada com aviso de recebimento uma das formas de notificação extrajudicial do devedor. Por sua vez, esta Corte firmou o entendimento, em recurso especial repetitivo, de que, "em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros" (REsp n. 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 20/10/2023 - grifei). Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento, independentemente de quem tenha assinado o AR. A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem. Sob esse aspecto, é possível, por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido. Importante destacar, nesse ponto, o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no art. 188 do CPC/2015, segundo o qual, "os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir". Considerando que a finalidade essencial da notificação é proporcionar ao devedor a plena ciência de sua inadimplência, alcançada tal finalidade por meio eletrônico com comprovação de recebimento, não há falar em nulidade ou insuficiência do ato. O surgimento de novos meios de comunicação é uma realidade que não pode ser ignorada pelo direito, devendo a lei acompanhar e se adaptar à evolução da sociedade e da tecnologia. A comunicação desempenha um papel fundamental nas relações comerciais, e a maneira como as pessoas interagem está em constante transformação, especialmente com o avanço da internet e das tecnologias digitais. Os novos meios de comunicação, como redes sociais, aplicativos de mensagens instantâneas e correio eletrônico, proporcionam uma interação mais rápida, eficiente e acessível em comparação com os meios tradicionais. Isso requer uma abordagem dinâmica e proativa por parte dos legisladores, dos operadores do direito e da sociedade, a fim de garantir que as normas estejam alinhadas com as necessidades do mundo contemporâneo. Nesse sentido, divirjo do entendimento da Terceira Turma, segundo a qual, " descabe cogitar a possibilidade de reconhecer a validade da notificação extrajudicial enviada somente por correio eletrônico porque teria ela atingido a sua finalidade, na medida em que a ciência inequívoca de seu recebimento pressuporia o exame de uma infinidade de aspectos relacionados à existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, ao efetivo uso da ferramenta pelo devedor fiduciante, a estabilidade e segurança da ferramenta de correio eletrônico e a inexistência de um sistema de aferição que possua certificação ou regulamentação normativa no Brasil, de modo a permitir que as conclusões dele advindas sejam admitidas sem questionamentos pelo Poder Judiciário" (REsp n. 2.035.041/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023 - grifei). No referido precedente ficou consignado que, "embora a recorrente sustente que possuiria meios próprios para demonstrar, tecnicamente, a entrega e a leitura da mensagem pelo recorrido, bem como para atestar que o conteúdo corresponderia à notificação extrajudicial apta a constituir o devedor em mora, fato é que esse sistema de aferição não possui certificação ou regulamentação normativa no Brasil, de modo a permitir que as conclusões dele advindas sejam admitidas sem questionamentos pelo Poder Judiciário". Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida. Além disso, a aceitação, pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de mensagens eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como ocorre com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais. Se a parte apresentar evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega da mensagem, assim como a autenticidade de seu conteúdo, o Magistrado pode considerar tais elementos válidos para efeitos legais. O legislador, consciente da impossibilidade de prever todas as situações que possam surgir na prática empresarial de notificação extrajudicial, especialmente diante da rápida evolução tecnológica, autorizou o uso de formas diversas da carta registrada com aviso de recebimento. Exigir regulamentações e certificações específicas para cada nova tecnologia seria o mesmo que esvaziar o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, obrigando, na prática, as instituições financeiras a disporem somente da carta registrada com aviso de recebimento. Sob uma perspectiva de análise econômica do direito, não se pode ignorar que a notificação eletrônica representa economia de recursos e celeridade processual, alinhando-se ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e à busca por maior eficiência na prestação jurisdicional. No mais, eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem, nos termos do que dispõe o art. 373, II, do CPC/2015. Nessa perspectiva, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail, encaminhado ao endereço eletrônico fornecido no contrato de alienação fiduciária, a notificação extrajudicial deve ser admitida para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem, uma vez cumpridos os mesmos requisitos aplicáveis à carta registrada com aviso de recebimento. Cumpre ressaltar ainda, o princípio da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais. Se o devedor forneceu voluntariamente seu endereço eletrônico e autorizou expressamente comunicações por esse meio, não pode posteriormente alegar invalidade da notificação realizada conforme previamente acordado, em clara aplicação da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium). Desse modo, mantenho a posição firmada no julgamento do REsp n. 2.087.485/RS, para considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e comprovado seu efetivo recebimento, uma vez cumpridos os mesmos requisitos da carta registrada com aviso de recebimento. Por pertinente, transcrevo a ementa do julgado: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO DE BEM. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. CORREIO ELETRÔNICO. E-MAIL. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DE RECEBIMENTO. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo entendimento firmado em recurso especial repetitivo, em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos por alienação fiduciária, será considerada suficiente a prova de recebimento da notificação extrajudicial no endereço indicado no instrumento contratual pelo devedor fiduciante, independentemente de quem tenha recebido a correspondência (REsp n. 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 20/10/2023). 2. O legislador, consciente da impossibilidade de prever todas as situações que possam surgir na prática empresarial de notificação extrajudicial, especialmente diante da rápida evolução tecnológica, autorizou a utilização de formas distintas da carta registrada com aviso de recebimento, conforme se extrai do disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969. 3. Assim, por interpretação analógica do referido dispositivo legal, considera- se suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e seja comprovado seu efetivo recebimento, uma vez cumpridos os mesmos requisitos exigidos da carta registrada com aviso de recebimento. 4. Eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem, nos termos do art. 373, II, do CPC/2015. 5. No caso dos autos, não houve comprovação do recebimento da correspondência eletrônica. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 2.087.485/RS, de minha relatoria, Quarta Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024.) No caso dos autos, o Tribunal de origem afirmou que, além de constar expressamente no contrato a autorização do devedor fiduciário para que as comunicações da instituição financeira ocorressem via correio eletrônico, houve efetivo recebimento da notificação, nos seguintes termos (fls. 124/126): In casu, verifica-se que a notificação extrajudicial reproduzida no ID138939155 do processo de origem, foi expedida ao seu destinatário através de e-mail registrado. [...] Ainda, cumpre ressaltar que na cláusula 11 das CLÁUSULAS E CONDIÇÕES  GERAIS  -  CÉDULA  DE  CRÉDITO  BANCÁRIO  CCB (documento de ID 138939158) do contrato entabulado entre as partes, consta expressamente a autorização do devedor fiduciário para que as comunicações da instituição financeira ocorram por e-mail: Destarte, a alegação do réu agravante no sentido de que não reconhece o IP do computador onde foi aberta a mensagem, não tem o condão de afastar a constatação de que houve o efetivo recebimento da notificação encaminhada pelo réu, eis que é sabido a possibilidade de acesso dos e-mails por celular, ou qualquer outro computador com a utilização de senha personalíssima. Deste modo, havendo autenticação de envio, entrega e conteúdo da correspondência eletrônica por Cartório, torna-se inquestionável sua efetividade para constituir o réu em mora, substituindo o (quase) ultrapassado Aviso de Recebimento. Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. Deixo de aplicar o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, porquanto não foram fixados honorários na origem. É como voto. " (REsp n. 2183860 - DF, Segunda Seção, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 14.05.2025) O aresto supra citado soa acertado pois, (i) o legislador foi expresso em autorizar a validade da notificação extrajudicial para efeito de constituição em mora no endereço posto em contrato, independentemente de prova de seu recebimento pelo destinatário, (ii) a interpretação analógica ao caso soa acertada, porquanto o envio da notificação por outro meio tecnológico também posto em contrato combinado entre as partes não subtrai a essência do ato de dar ciência ao devedor, (iii) a finalidade da notificação se presta a avisar o devedor quanto ao inadimplemento e ulterior consequência da mora, de sorte a oportunizar a este pagar o débito ou renegociar a dívida, de sorte que defesas limitadas a tal formalismo, sem dar qualquer solução ao pagamento da dívida ou impugnação ao seu valor em verdade revelam caráter procrastinatório, diante do intuito em si da notificação , repita-se, voltado a dar oportunidade ao devedor para purgação da mora.
O § 1º do art. 536 do CPC estabelece que o juiz pode se valer da imposição de várias medidas de apoio para obrigar alguém ao cumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer contra a própria vontade. Dentre elas está a multa cominatória ("astreinte") utilizada como coerção para fazer com que o devedor cumpra uma obrigação de fazer ou não fazer algo.  Tal multa é tão importante que é objeto de um artigo inteiro do CPC, o art. 537, que é dedicado a disciplinar vários aspectos da sua aplicação aos devedores de obrigação de fazer ou não fazer. Um dos aspectos mais controversos diz respeito ao valor da multa e a possibilidade de ela ser alterada pelo magistrado que a fixou. Os incisos I e II do § 1º do art. 537 do CPC tratam do assunto da seguinte forma: "Art. 537 (...) § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento" (grifos nossos). Pela interpretação literal do dispositivo acima transcrito, somente as multas que ainda não venceram podem ter o seu valor alterado para mais ou para menos, se elas se tornaram insuficientes ou excessivas, ou se o obrigado demonstrou parcial cumprimento superveniente da obrigação. Analisar o comportamento do executado e do exequente é fundamental para se alterar o valor da multa. Não se pode tolerar o executado que descumpre ordens judiciais apostando na hipótese de se desvencilhar da multa no futuro, assim como é intolerável a desídia do exequente que apenas aguarda o tempo passar na expectativa de que as "astreintes" lhe proporcionem um enriquecimento sem causa1. Recentemente, o STJ, por meio de julgado da sua 4ª turma, decidiu que não só a multa vencida pode ser alterada, mas também que ela pode ser reduzida se ultrapassar o limite da obrigação não cumprida. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE. REVISÃO. ESTIPULAÇÃO DE TETO PARA A COBRANÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO" (STJ, 4ª Turma, Resp 1604753/RS, rel. Min. João Otávio Noronha, v.u., deram parcial provimento, j. 07.05.2023, p. DJEn 12.05.2025). Nesse julgado, o STJ decidiu que "A revisão do valor das astreintes deve considerar a importância do bem jurídico tutelado e a proporcionalidade em relação ao valor da obrigação principal, evitando enriquecimento sem causa". No caso concreto, a ré foi condenada à remoção de equipamentos e de limpeza de danos ambientais em imóvel destinado ao comércio de combustíveis. Porém, após acumulados mais de R$ 23.000.000,00 em multas, a ré ainda não tinha cumprido a obrigação! O Tribunal então entendeu por bem reduzir o valor da multa R$ 5.000.000,00.  Diante disso, pergunta-se, pode o juiz reduzir o valor da multa? A resposta é positiva para o STJ, como aconteceu no caso acima ementado, não havendo em preclusão ou trânsito em julgado da decisão que fixa a multa. Porém, é preciso ter cautela em sua revisão, havendo situações em que, pelo comportamento do devedor ou até mesmo pelo valor da obrigação, é recomendável que o valor da multa não seja proporcional ao valor da obrigação. Se, por exemplo, uma empresa cobra mensalmente uma tarifa de um real de seus consumidores de maneira indevida, e estes requerem a suspensão da cobrança, a "astreinte" será ineficaz se for aplicada uma multa mensal do mesmo valor da empresa. O objetivo da multa é estimular o réu a cumprir a obrigação, de maneira que o valor da multa deve levar em consideração a situação financeira do devedor, o seu comportamento, o valor da obrigação e o comportamento do próprio credor, como exposto alhures. Desta forma, nos parece que andou mal o STJ ao asseverar que o valor da multa deve guardar proporcionalidade com o valor da obrigação. Nem sempre é o caso. Afinal de contas, o objetivo do procedimento é fazer com que o devedor cumpra a obrigação, e, para isso, é preciso que ele seja instado para tanto, mediante a aplicação de multa que seja, inclusive, superior à obrigação. Ainda, seria uma distorção do instituto se o devedor se recusar a cumprir a obrigação e, ao final, for premiado com a redução da multa. Por isso, é importante observar os próximos julgados a respeito do tema. ____________ 1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 11ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2022, p. 554-560.
O STF, com o Tema de Repercussão Geral 1238, revisitou o importantíssimo ponto da proibição da prova ilícita, conforme ementa do ARE 1316369 RG: "Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel. 2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. 3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. 4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes. 5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes. 6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal 7. Repercussão geral reconhecida. 8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça. 9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos. 10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário. 11. Fixação da tese: "São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário". Este acórdão se relaciona com o conceito de efetividade processual, o qual não pode se confundir com a mera obtenção de celeridade, na medida em que um processo que seja rápido, mas que não respeite o due process of law, não estará em conformidade com o espírito do moderno processo civil, o qual também almeja garantir o respeito às garantias constitucionais. Respeitar o devido processo legal, portanto, é elemento essencial em toda a sistemática do moderno processo civil.  A Magna Carta, em seu art.5º, LIV, prescreve que: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".  E certamente o devido processo legal é princípio base para todo o sistema processual, encerrando em seu conceito o dever de respeitar as garantias processuais que são conferidas pela Constituição Federal e pelas regras ordinárias às partes, entre elas o direito ao contraditório e à ampla defesa, conferindo-se, ainda, tratamento igualitário aos litigantes.  A correta aplicação do due process of law permite a obtenção de um processo efetivo, pautado pelo respeito à segurança, mas também voltado à celeridade. O devido processo legal encerra em seu conceito a diretriz de que ninguém será privado de sua liberdade e/ou de seus bens sem a observância de procedimento previamente previsto em lei, bem como sem a garantia da ampla defesa, do contraditório, da motivação das decisões judiciais, do direito à prova e do devido tratamento igualitário entre as partes do processo. O direito de provar o quanto se alega também é expressão do devido processo legal e é garantia do adequado acesso à justiça (art.5º, XXXV e LIV, da Magna Carta).  Mas o direito à produção da prova não pode ser absoluto, devendo ser limitado pela proibição ao uso da prova ilícita (art.5º, LVI, da Magna Carta). E isso como respeito ao próprio devido processo legal e em nome da adequada efetividade do processo. Atualmente, a proibição da prova ilícita está refletida no art.5º, LVI, da Magna Carta, e no art. 369 do CPC; regras estas que estampam importante restrição ao livre exercício do direito à prova no processo civil brasileiro.  O sistema probatório brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, de tal sorte que todo e qualquer instrumento de prova pode ser admitido no processo (arts. 155 do CPP e 369 do  CPC). Mas o próprio art. 369 do CPC apresenta um grande limitador a essa liberdade probatória, o qual é justamente o da proibição ao uso da prova ilícita.  O art. 157 do CPP nos apresenta uma definição de prova ilícita, a qual seria aquela que viola disposições legais e/ou constitucionais.  Sobre o mandamento constitucional do art. 5º, LVI, Nelson Nery Jr. observa que sua aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo; sendo certo que sua inobservância gera nulidade processual.  Nesse contexto, fundamental é o Tema de Repercussão Geral 1238, no qual o STF proclamou a tese de que são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário. E essa tese se relaciona, também, com o art. 372 do CPC, o qual prevê a possibilidade do empréstimo da prova, desde que respeitado o princípio do contraditório. Há muito se debate sobre a validade do uso da prova emprestada no processo civil, de modo que a positivação de tal instituto ratifica posição já sinalizada na doutrina e na jurisprudência.  Por prova emprestada se entende aquela que foi produzida em outro processo, cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.   Para Nelson Nery Jr, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.   A questão do uso da prova emprestada tem fundamental importância quando se estuda a problemática das provas ilícitas no processo civil, razão pela qual o Tema de Repercussão Geral 1238, apreciado pelo STF, tem extrema relevância.  É bem de se ver que a aplicação do art. 372 do CPC não deve prescindir de uma profunda análise do caso concreto, não só observando se a prova nos autos originais foi constituída e produzida à luz do devido processo legal, mas também se verificando, em especial, se a mesma atendeu ao quanto disposto nos arts. 369 do CPC e 5, LVI, da Magna Carta. Havendo ilicitude detectada, tal qual definido pelo STF no julgamento do ARE 1316369 RG, não é possível se permitir o empréstimo de prova.  Proteger o due process of law - e os princípios a ele inerentes - é elemento essencial da efetividade processual.  ***
A advocacia se uniu e lutou muito pela aprovação do projeto, que deu origem à Lei nº 15.109/2025, incluindo o §3º no artigo 82 do CPC. Segundo a previsão legal publicada em 14/03/2025: "§ 3º Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo." Entretanto, nesses poucos dias de vigência da lei o que se viu é que muitos magistrados estão a deixando de aplicar, sob a alegação de sua suposta ilegalidade / inconstitucionalidade1. O Tribunal de Justiça de São Paulo começa a decidir a controvérsia e os primeiros julgados são favoráveis à aplicação do texto legal: "Agravo de instrumento. Cobrança de honorários. Lei n. 15.109/2025 que incluiu o §3º no artigo 82 do CPC, dispensando o advogado do adiantamento das custas processuais. Inconstitucionalidade não verificada. Disposição legal acerca do momento do pagamento, não se tratando de isenção de obrigação prevista em Lei Estadual. Precedentes desta C. Câmara. Tramitação prioritária do feito. Indeferimento mantido. Parte que postula por benefício pessoal alheio. Recurso parcialmente provido." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2125989-11.2025.8.26.0000; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/05/2025; Data de Registro: 05/05/2025) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Honorários advocatícios. Decisão que indefere o pedido de dispensa do adiantamento das custas iniciais do processo. Inteligência do art. 82, §3º do CPC, incluído pela recente Lei nº 15.109/2025. Norma declarada inconstitucional de forma incidental pelo Juízo "a quo". Inconstitucionalidade não vislumbrada. Mencionada lei federal nº 15.109/2025 que não isentou o advogado de cumprir obrigações estabelecidas em lei estadual, mas apenas postergou o momento do pagamento. Ausência de violação ao princípio da isonomia. Dispensa do adiantamento das custas em ações relativas à cobrança de honorários advocatícios não está atrelada ao sujeito, mas à causa de pedir da ação. Advogado que não faz jus à referida dispensa em demandas de outra natureza. Precedente desta Colenda Câmara. Decisão reformada. Recurso provido."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2120458-41.2025.8.26.0000; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM AÇÃO ACIDENTÁRIA. DECISÃO QUE DETERMINOU AO PATRONO DA AUTORA O RECOLHIMENTO DA TAXA JUDICIÁRIA INERENTE À EXECUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IRRESIGNAÇÃO DOS EXEQUENTES. PERTINÊNCIA. A LEI Nº 15.109/2025, SANCIONADA EM 13/3/2025, TROUXE INOVAÇÕES SIGNIFICATIVAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NOTADAMENTE COM A DISPENSA AOS ADVOGADOS DO PAGAMENTO ANTECIPADO DE CUSTAS PROCESSUAIS EM AÇÕES DE COBRANÇA E NA EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, CABENDO AO RÉU OU EXECUTADO SUPRIR, AO FINAL DO PROCESSO, O SEU PAGAMENTO, SE TIVER DADO CAUSA AO PROCESSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 82, §3º, DO CPC. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2047898-04.2025.8.26.0000; Relator (a): Richard Pae Kim; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Público; Foro de Assis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/04/2025; Data de Registro: 29/04/2025) Os julgados estão corretos, pois no caso não há uma dispensa do pagamento das custas ou uma isenção somente para os advogados, mas sim uma inexigibilidade do adiantamento das custas, um diferimento, já que, conforme a previsão do § 3º, do artigo 82 do CPC, as custas serão pagas ao final pelo executado. Nesse sentido é o entendimento de Antonio Carlos de Almeida Amendola em excelente editorial produzido para a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)2: "Tal dispositivo veicula mera postergação de pagamento de custas processuais apenas e tão somente na cobrança de honorários advocatícios, verbas alimentares decorrentes do trabalho, ficando a cargo do réu suprir recursos financeiros para sua quitação caso tenha dado causa ao processo. Se tiver dado causa à cobrança de honorários de forma ilegal ou por equívoco, a Advogada ou o Advogado suporta o ônus das custas. Não se trata, portanto, de isenção, privilégio ou tratamento anti-isonômico, mas sim de regra que, conforme apontado no próprio PL, objetiva o adequado funcionamento da Justiça, com todos seus atores, inclusive Advogadas e Advogados da iniciativa privada, atuando da forma mais livre possível, inclusive por meio de suas sociedades. Não se verifica invasão de competência legislativa dos Estados ou Distrito Federal, muito menos vício de iniciativa legislativa." Em recentíssima decisão, o Relator do Agravo de Instrumento nº 2110232-74.2025.8.26.0000 determinou a remessa dos autos ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo para o julgamento da inconstitucionalidade do artigo 82, § 3º, do Código de Processo Civil. Já são tantos casos de não aplicação da lei em tão poucos dias de sua vigência, que será importante se o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do de São Paulo puder julgar rapidamente a questão para que não tenhamos mais discussão sobre o tema e espera-se que a inconstitucionalidade levantada de ofício por vários magistrados de nosso estado seja afastada e a previsão legal reste mantida. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
A chamada multa por ato atentatório à dignidade da justiça possui previsão em inúmeras passagens do CPC/15, a exemplo dos (i) arts. 77, §§s 1º e 2º (violação aos deveres das partes e procuradores)1, (ii) art. 161, parágrafo único (cumulação da multa quando reconhecida a responsabilidade civil do depositário infiel)2 (iii) § 1º-C, do art. 2463 (réu citado por meio eletrônico deixa de cumprir com o ônus de apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente), (iv)  art. 334, § 1º (não comparecimento do autor ou réu na audiência de tentativa de conciliação obrigatória)4, (v) art. 772, parágrafo único (multa por ato atentatório imposta em razão de determinadas condutas do Executado)5, (vi) art. 903, § 6º (suscitação infundada de vício processual com vistas a ensejar a desistência do arrematante)6 (vii) e art. 918 (rejeição liminar dos embargos à execução quando considerados manifestamente protelatórios)7. A despeito do legislador tornar como credor de aludida multa ora a parte (art. 774, par. único e art. 903, § 6º), ora ao Estado (art. 77, § 3º e art. 334, § 8º), ora nada esclarecer quem seria o titular de aludida multa (art. 161, parágrafo único, art. 246, § 1º-C e art. 918, par. único) recentemente a quarta turma do STJ dirimiu a controvérsia quanto a necessidade de prévia intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. OMISSÃO NA INDICAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. REGRA GERAL. ADVERTÊNCIA PRÉVIA. CARÁTER FACULTATIVO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial contra acórdão que condicionou a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado e advertência específica sobre a sanção. II. Questão em discussão 2. Controvérsia acerca da necessidade de intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. III. Razões de decidir 3. O art. 270 do CPC estabelece a intimação eletrônica como meio preferencial de comunicação processual, sendo a intimação pessoal exigível apenas mediante expressa previsão legal. 3.1. Para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, mostra-se suficiente a intimação eletrônica do executado, por ausência de previsão legal específica quanto à intimação pessoal. 4. A advertência prevista no art. 772, II, do CPC constitui faculdade judicial, não configurando requisito prévio obrigatório para imposição da multa. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso provido para afastar a exigência de intimação pessoal e de prévia advertência como requisitos para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito. Tese de julgamento: "1. A aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação por meio eletrônico. 2. A advertência prévia ao executado sobre a possibilidade de aplicação da multa é uma faculdade do Magistrado, não constituindo requisito obrigatório." (REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25) As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese: "(...) Do ato atentatório à dignidade da justiça A relevância dessa discussão transcende o caso concreto, uma vez que impacta diretamente na efetividade dos mecanismos processuais destinados a coibir condutas que comprometam o regular desenvolvimento do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional. O art. 774 do CPC/15 estabelece rol de condutas consideradas atentatórias, abrangendo tanto ações comissivas quanto omissivas do executado que possam comprometer a eficácia da execução. A norma processual reconhece como atentatórias à dignidade da justiça situações que vão desde a fraude à execução até a não indicação de bens penhoráveis, passando por condutas como a oposição maliciosa com emprego de ardis, a criação de embaraços à penhora e a resistência injustificada às ordens judiciais. Importante destacar que tais previsões normativas não constituem mera faculdade do magistrado, mas verdadeiro poder-dever de coibir práticas que atentem contra a efetividade da prestação jurisdicional executiva. A caracterização dessas condutas como atos atentatórios à dignidade da justiça permite a aplicação de sanções processuais significativas, visando não apenas punir o comportamento inadequado do executado, mas principalmente garantir a efetividade da execução. O sistema processual, ao estabelecer tais mecanismos, reconhece que a execução não pode ser frustrada por condutas desleais ou não cooperativas do executado, sendo fundamental a existência de instrumentos que permitam ao Poder Judiciário fazer valer suas decisões e garantir a satisfação do direito do exequente. Vale ressaltar que a aplicação dessas sanções deve sempre observar o contraditório e a ampla defesa, permitindo ao executado justificar sua conduta, mas sem que isso implique em esvaziamento da efetividade dos mecanismos processuais previstos para garantir o resultado útil do processo executivo. (...) Da intimação O CPC estabelece como regra geral, em seu art. 270, que "as intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei". Tal dispositivo reflete a modernização do sistema processual e a busca pela celeridade e eficiência na prestação jurisdicional. É importante ressaltar que, nos casos em que o legislador entendeu necessária a intimação pessoal, houve expressa previsão legal nesse sentido. A título exemplificativo, cito o art. 485, § 1º, do CPC/15, que exige expressamente a intimação pessoal da parte para promover os atos e diligências que lhe incumbir, sob pena de extinção do processo; e o art. 513, § 2º, II, que determina a intimação pessoal do executado sem procurador constituído nos autos para cumprimento de sentença. No que se refere especificamente à aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, não há nenhuma previsão legal que imponha a necessidade de intimação pessoal do executado. O silêncio do legislador, neste caso, não pode ser interpretado como uma lacuna a ser preenchida pelo julgador, mas sim como uma opção legislativa deliberada pela aplicação da regra geral de intimação por meio eletrônico. Ademais, a própria natureza do ato atentatório à dignidade da justiça, que configura violação aos deveres de lealdade e cooperação processual, não justifica a exigência de tratamento diferenciado quanto à forma de intimação. O executado que, devidamente representado nos autos, prática condutas que comprometem a efetividade da execução, não pode se beneficiar de uma proteção processual não prevista em lei. Entendimento diverso representaria verdadeiro obstáculo à efetividade das sanções processuais previstas para coibir condutas desleais, além de contrariar a sistemática adotada pelo CPC, que privilegia a intimação eletrônica como regra geral. (...) Neste contexto, forçoso concluir que a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação na forma prevista no art. 270 do CPC/15, ou seja, preferencialmente por meio eletrônico, e, não sendo possível, pelos demais meios regulares de intimação previstos na legislação processual. Da advertência O legislador processual, no art. 772, II, do CPC/15, atribuiu ao magistrado o poder-dever de advertir o executado sobre condutas que configurem ato atentatório à dignidade da justiça, evidenciando uma preocupação fundamental com a efetividade do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional. O referido dispositivo legal, ao prever que compete ao juiz "advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça", estabelece uma faculdade do Magistrado, a ser exercida de acordo com as peculiaridades do caso concreto, e não um requisito prévio e obrigatório para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Tal interpretação decorre, primeiramente, da própria natureza dos atos atentatórios à dignidade da justiça, que configuram condutas manifestamente contrárias aos deveres de lealdade e cooperação processual. O executado que, conscientemente, pratica qualquer das condutas previstas nos incisos do art. 774 do CPC/15, não pode alegar desconhecimento de sua ilicitude processual para se eximir da sanção correspondente. Dessa forma, a advertência deve ser compreendida como instrumento adicional posto à disposição do magistrado para prevenir a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, podendo ser utilizado quando o juiz verificar sua utilidade concreta para o caso em análise. Trata-se de faculdade processual que não se confunde com requisito prévio para aplicação da multa. Vale ressaltar que esta interpretação não viola o princípio da não surpresa (art. 10 do CPC/15), uma vez que as condutas tipificadas como ato atentatório à dignidade da justiça estão expressamente previstas em lei, sendo de conhecimento presumido das partes e seus procuradores. A própria participação no processo executivo pressupõe ciência dos deveres e das sanções processuais aplicáveis. Neste contexto, forçoso concluir que a multa por ato atentatório à dignidade da justiça pode ser aplicada independentemente de prévia advertência do executado, ficando a critério do Magistrado a utilização da faculdade prevista no art. 772, II, do CPC/15, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. (...) Portanto, as instâncias de origem, ao condicionarem a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado com advertência específica, contrariaram frontalmente o disposto nos arts. 772, II, e 774 do CPC/15. (...) É como voto." (REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25, grifou-se) O aresto supra citado soa acertado pois, (i) o legislador foi expresso em situações típicas processuais em que se exige a necessária intimação pessoal da parte, (ii) sendo indevido o alargamento de tal interpretação em hipóteses ali não previstas, (iii) uma vez tipificada a conduta que caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça como norma cogente prevista no CPC, soa correto o entendimento de dispensa de uma advertência prévia como requisito necessário a aplicação da multa (o que não se confunde com o direito da parte impugnar o juízo decisório quanto a eventual error in procedendo no tocante a aplicação da multa). Malgrado o julgado acima tenha decidido questão afeta a aplicação da multa prevista no art. 772, par. único do CPC, a ratio decidendi supra guarda harmonia de aplicação para as demais hipóteses previstas no CPC quanto a multa por ato atentatório à dignidade da justiça. __________ 1 "Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) V - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. (...) § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. 2 "Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo. Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça." 3 "Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça. (...) § 1º As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021). Disponível aqui. 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação: I - pelo correio; II - por oficial de justiça; III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV - por edital. § 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021). Disonível aqui.  § 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.  (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)". Disponível aqui.  4 "Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (...)  8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado." 5 "Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: (...) Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material." 6 "Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos. (...) § 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem." 7 "Art. 918. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: (...) Parágrafo único. Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios."
Com o recente entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 13.02.2025, no julgamento do Recurso Especial 2.072.206/SP no sentido de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), disciplinado pelos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), aqueles que pretendem requerer a instauração do IDPJ devem fazê-lo com cautela redobrada. Isso porque, se for indeferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica no bojo do referido incidente, caberá condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios para o os patronos da parte vencedora no IDPJ. Nesse cenário, a "ação de produção antecipada de provas", disciplinada pelos arts. 381 a 383, do CPC, surge como um instrumento importante para ser utilizado antes do ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o art. 134, § 4º, do mesmo diploma legal, dispõe que "o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica". Assim, afigura-se cabível a produção antecipada da prova para verificar se estariam preenchidos os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade em um caso concreto. Por exemplo, se a hipótese for de incidência do art. 50, do Código Civil, caberia a produção antecipada de prova para verificar se a personalidade jurídica da sociedade foi utilizada para um desvio de finalidade ou uma confusão patrimonial. Cabe destacar que o manejo da "ação de produção antecipada de provas", nesse caso, estaria enquadrada nas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381, do CPC, a saber: "I - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; II - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação". Nesse contexto, o interessado em pedir a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade no curso de um processo, pode ter interesse em propor a "ação de produção antecipada de provas" para, se encontrar provas de que houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial, propor um acordo com o sócio que terá o seu patrimônio atingido caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja deferido (CPC, art. 381, II). De igual modo, o prévio conhecimento de um desvio de finalidade ou de uma confusão patrimonial pode servir para justificar o requerimento de instauração do IDPJ (CPC, art. 381, III). Apesar da evidente utilidade da "ação de produção antecipada de provas" para justificar ou evitar o ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou até para celebrar um acordo, há julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sentido contrário, conforme se pode depreender da ementa abaixo: APELAÇÃO - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. Pleito de apresentação de extratos bancários para fundamentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento da petição inicial. Extinção devida. Art. 381, do Código de Processo Civil. Produção antecipada de provas que não se presta como procedimento investigatório. Medida que poderia ter sido pleiteada nos autos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Sentença mantida. Recurso de apelação improvido. (TJSP; Apelação Cível 1026591-42.2023.8.26.0562; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2024; Data de Registro: 10/10/24)  Com o devido respeito, a "ação de produção antecipada de prova" é importante instrumento para viabilizar a autocomposição ou justificar a propositura de uma demanda. O próprio ato de produzir provas não pode ser dissociado da ideia de investigar. Afirmar que produzir provas não é um procedimento investigatório parece algo, no mínimo, contraditório. Quem produz provas quer investigar, sim, e está tudo bem. Não há nada de errado com isso. Tanto melhor se a investigação for para se chegar à conclusão de que não há prova suficiente para se requer a instauração de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido é a lição de Tatiana Tiberio Luz ao afirmar o seguinte: "Essa medida também é um importante instrumento para que as partes não só avaliem as suas chances em uma ação que vise ao acertamento da lide, mas que fundamentem a sua pretensão melhor e de maneira mais completa e responsável. Com efeito, no processo civil brasileiro, há a estabilização da demanda já na fase postulatória, ou seja, antes da fase instrutória, nos termos do art. 329 do Código de Processo Civil, e o resultado da prova pode ter o condão de tornar os argumentos apresentados pelas partes insuficientes ou mesmo prejudicados, não sendo possível que essas aditem os fatos e a causa de pedir da demanda após a instrução e, ainda, sofram os riscos de pagamento de sucumbência ante uma pretensão ou defesa mal formulada. A ação de produção antecipada de provas, nesse sentido, dá maior segurança às partes não só em relação ao direito decorrente do fato provado, como às sua alegações na demanda que tenha por finalidade a resolução da lide, sendo importante ferramenta para identificar e delimitar os elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedidos e causa de pedir) da lide, bem como para fundamentar de maneira mais segura a defesa" (Ação de produção antecipada de provas, São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2024. p. 123, grifos nossos). Portanto, merece aplausos o julgado abaixo ementado, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, no qual se admite o cabimento da "ação de produção antecipada de provas", com base no art. 381, II e III, do CPC, para investigar o preenchimento dos pressupostos necessários para se requerer a desconsideração da personalidade jurídica. Confira-se: "APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA PREVISÃO DO ART. 381, II E III, DO CPC. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO A QUO. DISCUSSÃO PRINCIPAL AFETA À FALÊNCIA. VIS ATRACTIVA DO JUÍZO FALIMENTAR. SEGREDO DE JUSTIÇA. LEVANTAMENTO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ação de produção antecipada de prova. Indeferimento da inicial. Extinção do processo, sem resolução do mérito. Reforma. Interesse de agir presente. Adequação da via processual eleita. Atividade probatória pretendida pelas recorrentes que visa possibilitar a autocomposição das partes ou a desconsideração da personalidade jurídica de massa falida. Hipótese que se enquadra na previsão do art. 381, II e III, do CPC. Competência. Ação a ser distribuída perante o juízo competente para o julgamento da matéria a ser discutida futuramente. Jurisprudência. Incompetência absoluta do Juízo a quo. Questão principal afeta à falência. Vis atractiva do juízo falimentar. Levantamento do segredo de justiça. Manutenção. Decretação do segredo de justiça excepcional. Ausência de interesse público ou social a exigir preservação da intimidade das partes. Aplicação do art. 5º, LX, da CF, e do art. 189 do CPC. Recurso parcialmente provido.  (TJSP; Apelação Cível 1084535-35.2020.8.26.0100; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2024; Data de Registro: 21/02/2024, grifos nossos) Diante disso, é de se esperar que prevaleça o entendimento exarado acima pelo acórdão do Des. J.B. Paula Lima, proferido em harmonia com a melhor doutrina, que visa tornar o direito processual mais eficiente, evitando-se demandas inúteis e promovendo a solução consensual dos conflitos, sempre que possível. Além disso, o manejo da "ação de produção antecipada de provas" pode evitar que seja instaurado IDPJ com pouco embasamento e o pedido seja julgado improcedente, gerando a condenação do requerente ao pagamento de verbas de sucumbência.
Recentemente, a 3ª turma do STJ julgou o recurso especial 2.127.038 , tendo sido relator o ministro Humberto Martins. No julgamento, ocorrido em 18/2/25, a Corte entendeu que: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ÀS CORRETORAS DE CRIPTOATIVOS COM A FINALIDADE DE LOCALIZAR E PENHORAR ATIVOS FINANCEIROS DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia consiste em saber se, em cumprimento de sentença, é possível a expedição de ofício às corretoras de criptoativos com o intuito de localizar e penhorar eventuais ativos financeiros da parte executada. 2. Com efeito, esta Corte Superior adota o entendimento de que, embora "deva a execução ser processada do modo menos gravoso ao devedor, ela há de realizar-se no interesse do credor, que busca, pela penhora, a satisfação da dívida inadimplida" (AgInt no AREsp 956.931/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, julgado em 21/3/17, DJe de 10/4/17). 3. Registre-se que a IN RFB - Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 1.888/19 institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à secretaria especial da Receita Federal do Brasil. 4. Trata-se de um ativo financeiro passível de tributação, cujas operações devem ser declaradas à Receita Federal, sendo, portanto, um bem de valor econômico, suscetível de eventual constrição. Apesar de não serem moeda de curso legal, os criptoativos podem ser usados como forma de pagamento e como reserva de valor. 5. Em observância aos princípios que norteiam o processo de execução e o interesse das partes credora e devedora, é plenamente possível a expedição de ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) ou a utilização de medidas investigativas para acessar as carteiras digitais do devedor, tal qual pleiteado pela parte credora para eventual penhora. 6. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi acolhida a tese sustentada pelo recorrente, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial. Recurso especial provido". Conforme se nota, o STJ bem estabeleceu que é "plenamente possível a expedição de ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) ou a utilização de medidas investigativas para acessar as carteiras digitais do devedor, tal qual pleiteado pela parte credora para eventual penhora". Para entendermos a relevância desse julgamento, vale lembrarmos que "Criptoativos são bens virtuais, protegidos por criptografia, com registros exclusivamente digitais - ou seja, não são ativos físicos. As operações podem ser feitas entre pessoas físicas ou empresas, sem a necessidade de passar por uma instituição financeira. Entre os criptoativos, estão, por exemplo, as criptomoedas, como o Bitcoin. A categoria também envolve outros produtos, como tokens (contratos que representam a custódia de algum ativo) e stablecoins (moedas vinculadas a outros ativos, como o dólar, por exemplo). Ainda fazem parte desse mercado as moedas-meme, que têm chamado atenção após valorizações expressivas - mesmo sendo baseadas apenas em especulação. É o caso da Pepecoin, que avançou quase 7.000% em valor de mercado em menos de 20 dias de existência" 1  Dentre os criptoativos, se destacam as criptomoedas, ou moedas virtuais, asseguradas por criptografia, sem nenhuma autoridade central responsável por sua governança. Em sua maioria, são negociadas através de exchanges, conforme definição da instrução normativa 1.888/19 da Receita Federal do Brasil. No comunicado do Banco Central 31.379/17, destacou-se que: "Considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil alerta que estas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor. A compra e a guarda das denominadas moedas virtuais com finalidade especulativa estão sujeitas a riscos imponderáveis, incluindo, nesse caso, a possibilidade de perda de todo o capital investido, além da típica variação de seu preço. O armazenamento das moedas virtuais também apresenta o risco de o detentor desses ativos sofrer perdas patrimoniais". A instrução normativa 1.888/19 da Receita Federal do Brasil, por sua vez, em seu art. 5º, definiu os termos de criptoativos e exchanges, além de sinalizar pela obrigatoriedade da prestação de informações ao órgão relativas às operações desses ativos: "I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos. Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços". A lei 14.478/22, seguida pelo decreto federal 11.563, de 13/6/23, delineou que caberá ao Banco Central do Brasil supervisionar o mercado de criptoativos, definindo regras e autorizando as licenças específicas para as operações das exchanges. E quanto à possibilidade de expedição de ofícios às corretoras de criptoativos e posterior constrição, diversos são os julgados do TJ/SP autorizando a penhora: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - Pedido de expedição de ofícios a corretoras de criptomoedas - Indeferimento - Criptoativos que são reconhecidos pela Receita Federal como ativos financeiros, a serem declarados perante o Fisco - Bens passíveis de penhora, não abrangidos pelo sistema Sisbajud - Admissibilidade da medida - Precedentes deste Tribunal - Diligência que não pode ser realizada diretamente pelo credor sem intervenção do Judiciário - Desnecessidade de expedição de ofício a empresa que possui crédito dos executados, ante esclarecimentos prestados - Decisão reformada em parte - Recurso parcialmente provido" (AI 2056225-06.2023.8.26.0000). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Insurgência contra decisão que indeferiu pedido de penhora de criptomoedas, ante a falta de prova de sua existência. Cabimento. Pesquisa que não é meramente especulativa, porquanto a execução se desenvolve no interesse do credor. Informações sobre a movimentação de criptoativos tem caráter sigiloso, sendo oneroso para a agravante obter quaisquer dados nesse sentido. Necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Decisão reformada. Recurso provido". (AI 2131324-79.2023.8.26.0000). "Agravo de instrumento. Execução fundada em título executivo extrajudicial. Decisão judicial que indeferiu pedido do exequente da expedição de ofício às empresas que realizam a custódia de criptomoedas. Recurso do exequente. Cabimento da medida. 1. Obtenção da informação que reclama intervenção judicial. 2. Providência que atende à efetividade do processo de execução. Recurso provido." (AI 2255880-90.2022.8.26.0000). É verdade que existem entendimentos minoritários no sentido de que esses bens não poderiam ser objeto de penhora, por não serem considerados exatamente dinheiro e/ou valores mobiliários; ou mesmo no sentido de que seria inviável a expedição de ofício às corretoras específicas para a obtenção de informações sobre os ativos virtuais do devedor: "PENHORA Execução de título extrajudicial Pretensão de pesquisa e penhora de criptoativos em nome do executado Expedição de ofício para operadoras de criptomoedas. Ausência de regulamentação no Brasil acerca da comercialização de moedas criptografadas Impossibilidade: De rigor o indeferimento do pedido de expedição de ofícios para pesquisas e posterior penhora de criptoativos em nome do executado, em razão da ausência de regulamentação pelo Banco Central da comercialização e circulação, bem como da ausência de indicativos específicos da existência de ativos em nome do executado". (AI 2223718-76.2021.8.26.0000). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu o pedido da exequente de expedição de ofícios às corretoras de criptomoedas, a fim de buscar investimentos de titularidade da executada. Irresignação. Descabimento. Pedido genérico. Exequente que não trouxe qualquer prova de que a executada possua investimentos em criptomoedas ou que seja titular de bens dessa natureza. Precedente deste E. TJ/SP. Decisão mantida. Recurso não provido". (AI 2146117-23.2023.8.26.0000). Estes entendimentos, além de minoritários, vão na contramão do moderno processo civil, que se pauta em um modelo cooperativo e na necessidade de o magistrado auxiliar o credor a localizar o devedor e seus bens, conforme tão bem preconizam os arts.  6º e 772, III, do CPC. A doutrina brasileira reforça esta conclusão, ao claramente estipular, nos termos do art. 772 do CPC/15, que o juiz pode, em qualquer momento do processo, determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável. Luiz Guilherme Marinoni2 bem aponta que "o inciso III dá ao juiz o poder de exigir de qualquer pessoa natural ou jurídica elementos que sejam relevantes para a execução, tais como informações sobre bens penhoráveis, sua localização ou eventuais ônus existentes. Para a satisfação dessa ordem, o juiz pode valer-se dos poderes do art. 773, além de eventualmente aplicar as sanções do art. 774, parágrafo único, quando cabível". Luiz Guilherme Marinoni3, quanto ao art. 6º do CPC/15, ainda acrescenta que: "o princípio da colaboração estrutura-se a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo. O juiz tem deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção, e de auxílio para com os litigantes. (...). Pense-se, por exemplo, no exequente que não encontra bens penhoráveis do executado para satisfação de seu crédito. É tarefa do juiz auxiliá-lo na identificação do patrimônio do executado a fim de que a tutela executiva possa ser realizada de forma efetiva". Vale reforçar que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell4, para quem "deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".  Seguindo a doutrina acima acerca do princípio da cooperação, corretos são os entendimentos jurisdicionais do TJ/SP que determinam que as corretoras informem se o devedor tem ativos virtuais que sejam passíveis de constrição, conforme abaixo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. Expedição de ofício para as empresas Foxbit, Mercado Bitcoin, Bitcointrade, Brasil Bitcoin e Novadax, na tentativa de penhora de criptomoedas/bitcoins. Indeferimento. Irresignação da parte exequente. Cabimento. Feito executivo ajuizado há anos. Tentativas frustradas de obtenção do crédito. Necessidade de intervenção judicial para obtenção das informações pleiteadas, observado, ademais, que as aplicações em bitcoins ainda não possuem regulamentação pelo Bacen. Recurso provido". (AI 2207750-69.2022.8.26.0000). Interessante, neste ponto, é o julgado do TJ/MT que autoriza, inclusive, a expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, para a obtenção de informações quanto à existência de criptoativos em nome do devedor: "AGRAVANTE - DEBORA BATTISTOTTI BRAGA PAIVA AGRAVANTE - PAULINO PAIVA MARIANO AGRAVADO - ARTHUR FILIPOVITCH FERREIRA PRESIDIU O JULGAMENTO O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA -INDEFERIMENTO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA INDEFERIDA - BLOQUEIO DE CRIPTOMOEDAS - ALEGAÇÃO DE GOLPE/FRAUDE - EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À RECEITA FEDERAL PARA REQUISIÇÃO DE SOBRE POSSÍVEIS ATIVOS DO DEVEDOR EM CRIPTOMOEDAS, PARA FINS DE PENHORA - POSSIBILIDADE - ALTERAÇÃO DO CENÁRIO NACIONAL COM A INSTRUÇÃO NORMATIVA 1.888/2016 DA RECEITA FEDERAL - AGRAVO PROVIDO. Com a alteração do cenário nacional após a instrução normativa 1.888, de 3/5/19 - em que a Receita Federal passou a obrigar o fornecimento, por corretoras (exchanges), de informações sobre operações com criptomoedas, como biticoins -abriu-se um caminho para facilitar a vida dos credores que buscam a penhora de ativos em criptomoedas. Neste contexto, afigura-se viável a expedição de ofício à Receita Federal para requisitar das corretoras cadastradas se estão como custodiantes de possíveis ativos do devedor em criptomoedas, para fins de penhora".5  Nesse passo, o STJ, ao apreciar recentemente o Recurso Especial n. 2127038 - SP, confirmou a possibilidade de expedir-se ofício às corretoras de criptomoedas (exchanges) para permitir-se a efetivação de eventual constrição; em linha com a melhor orientação doutrinária e jurisprudencial sobre o tema da penhora de criptoativos. ________ 1 Disponível aqui. Acesso em 4/9/23. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 155. 4 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183.  5 Disponível aqui.
Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2.015 foi o fim do juízo de admissibilidade do recurso de apelação. Desse modo, agora cabe somente ao juiz de primeiro grau abrir vistas para a apresentação de contrarrazões e determinar o envio do recurso ao Tribunal1. Nesses quase dez anos de vigência do CPC/15 controvérsia que surgiu é se os autos deveriam ser enviados ao Tribunal mesmo no caso de existência de vício manifesto e insanável e que impediria o conhecimento do recurso de apelação. O exemplo clássico é o da intempestividade. Nesse sentido, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves entende que "(...) mesmo num caso de manifesta intempestividade, no qual o apelante se vale do recurso com o nítido intuito de protelar o trânsito em julgado, deverá ser encaminhada ao tribunal, com o que se gastará um tempo razoável, tanto pior quanto pior for o funcionamento do Judiciário local."2 Entretanto, muitos juízes continuaram arraigados ao CPC/1973 e permaneceram fazendo juízo de admissibilidade e barrando o processamento de recursos de apelação. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência não eram unânimes em apontar qual seria o instrumento cabível para possibilitar que o recurso de apelação barrado pelo juiz de primeiro grau pudesse ser apreciado pelo Tribunal. Desse modo, em recente julgado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão e definiu a seguinte tese para o Tema Repetitivo 1.267:  "1. A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC; 2. Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC", nos termos do voto do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Decidiu, ainda, modular os efeitos da decisão no sentido de que, até a data da publicação do acórdão, referente ao tema repetitivo n. 1267, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, é possível o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do CPC ou do Mandado de Segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado." Segundo o entendimento da Corte Especial, a decisão do juiz a quo que barra o processamento da apelação viola o §3º do artigo 1.010 do CPC/153, caracterizando usurpação de competência do tribunal autorizando assim, o manejo da reclamação, conforme prevista no inciso I do artigo 988. Se a negativa de seguimento se der no âmbito de execução ou cumprimento de sentença, além da reclamação ainda caberá a interposição de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC. Entretanto, mais importante ainda foi a modulação concedida pelo STJ para possibilitar que até a publicação do acórdão da Corte Especial4, com base no princípio da fungibilidade5 e em caráter excepcional, o possível recebimento de correição parcial, agravo de instrumento ou mandado de segurança como reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado.                        Assim sendo, além de pacificar a divergência existente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça resguardou o direito de todos que manejaram o instrumento inadequado para que possam ter o seu pleito apreciado pelo tribunal como Reclamação. Cumpriu assim o STJ o seu verdadeiro papel de uniformizador da jurisprudência e do Tribunal da Cidadania. __________ 1 Exceto nos casos em que o CPC permite a retração ao juiz de primeiro grau. 2 Manual de direito processual civil. Volume único - 16. ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2024, p. 1.167. 3 "§ 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade." (g.n.) 4 Ainda pendente de publicação em 2/4/2025. 5 Existiam julgados recentes do STJ afastando a possibilidade de fungibilidade recursal com o agravo de instrumento, "em razão de inexistir dúvida objetiva quanto ao recurso adequado" (Agravo em RESP nº 2.341.141, 2ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 18/8/23).  
A pretexto da eficiência, racionalidade de julgamentos e quiçá com vistas a atender ao Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo (CF, art. 5º, LXXVIII), muitas turmas julgadoras, ao decidir determinado recurso, passaram a utilizar a fundamentação per relationen (também conhecida por fundamentação por referência ou fundamentação por remissão). Em outras palavras, ao decidir o recurso, a turma julgadora ao revés de enfrentar um a um, os fundamentos recursais que ensejaram a impugnação de determinada decisão judicial convidando a sua reforma ou anulação, tornam a repetir os fundamentos da decisão impugnada, para ao final proclamar seu acerto, respectiva manutenção e desnecessidade de qualquer reparo. Tal prática não prevista no CPC foi objeto de questionamento. Afinal, por vezes o recurso, ao impugnar uma sentença ou decisão interlocutória, pode versar exatamente no inconformismo de não enfrentamento da decisão impugnada de questões fundamentais ou necessárias trazidas em defesa e não examinadas. Logo, a mera repetição da decisão impugnada ao julgar o recurso pode dar margem a repetição de idêntico error in judicando ou procedendo. A título de exemplo, basta examinar determinada decisão impugnada ausente de fundamentação em precedentes, ao revés de precedentes invocados pela parte sucumbente em sua defesa e em sentido contrário ao decidido, porém ignorados. A repetição da respectiva decisão impugnada despida de pronunciar-se do porquê os precedentes invocados não devem ser observados ao caso concreto viola a inteligência do art. 489, § 1º, VI, do CPC 1 e compromete a manutenção para evitar manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente com decisões no mesmo sentido em casos congêneres. Deveras, a extensão das hipóteses previstas em aludido parágrafo, aptas a elucidar que tipo de decisão não pode ser considerada fundamentada, inclusive são consideradas como omissão, aptas desafiar o manejo de embargos de declaração (art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC 2. Daí por que em vista das críticas recorrentes a aplicação não prevista no CPC de fundamentação per relationen ao decidir aludido recurso, a Corte Especial do STJ enunciou a seguinte proposta de afetação sob a égide de julgamento de recurso especial repetitivo: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. SUBMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL AO RITO DOS REPETITIVOS. VALIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. 1. Delimitação da controvérsia: "Definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts. 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015". 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015." (ProAfR no Resp 2148059/MA, Corte Especial, Rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 10/12/24). A decisão de afetação também determinou por unanimidade a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão. O relatório e razões que ensejaram na afetação, rezam, em síntese: "(...) Nas razões do especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, a autora aponta violação do art. 489, § 1º, inciso IV, do CPC de 2015. Sustenta, em síntese, a ausência de fundamentação do acórdão estadual, que manteve a decisão monocrática do relator que se limitou a transcrever ipsis litteris a sentença apelada. Apresentadas contrarrazões ao apelo extremo, que foi admitido na origem como representativo de controvérsia, nos termos do art. 1.036, § 1º, do CPC. Constatada a relevância da matéria e a multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, o atual presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (eminente ministro Rogério Schietti Cruz) recomenda a afetação do processo como repetitivo para definir "se a fundamentação por referência ou por remissão per relationem, na qual são utilizadas motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir, resulta na nulidade do ato decisório". É o relatório. (...) Ademais, conforme noticiado pelo presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, a questão jurídica "já foi apreciada pelo STJ em outros 661 recursos especiais, oriundos do TJMA, e em pelo menos 25 agravos internos", o que demonstra a repetição da matéria. 4. Desse modo, uma vez evidenciado o caráter multitudinário e relevante da mencionada questão jurídica e o preenchimento dos demais requisitos exigidos pelos arts 1.036, § 6º, do CPC de 2015 e 257-A, § 1º, do RISTJ, considero ser caso  e afetação do presente recurso especial como representativo da controvérsia, conjuntamente com os REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA, nos termos do § 5º do art. 1.036 do CPC de 2015, para que sejam julgados pela Corte Especial, sob o rito dos repetitivos. 5. Ante o exposto, proponho: (i) a afetação do presente recurso especial e dos REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015; (ii) a delimitação da controvérsia nos seguintes termos: "definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015"; (iii) a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e dos agravos em recurso especial, em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão, observada a orientação prevista no artigo 256-L do RISTJ; (iv) que se proceda à comunicação, com cópia da decisão colegiada de afetação, aos ministros da Corte Especial desta Corte e aos presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais; (v) que seja dada ciência, facultada a atuação nos autos como amici curiae, ao Instituto Brasileiro de Direito Processual, à Advocacia Geral da União, à Ordem dos Advogados do Brasil, à DPU - Defensoria Pública da União, ao IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e ao BRASILCON Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor; e (vi) a oportuna vista ao Ministério Público Federal para parecer, nos termos do art. 1.038, III, § 1º, do CPC de 2015. É como voto." Se é certo que a luz da celeridade processual por vezes a fundamentação per relationen pode otimizar o tempo gasto para se trazer fundamentação em igual sentido ao se manter os fundamentos de determinada decisão impugnada, também é certo quem nem sempre a fundamentação empregada em determinado recurso destinado a reforma ou anulação da decisão impugnada estará assentado no quanto foi dito em defesa, mercê quando presentes error in procedendo ou uma das inúmeras hipóteses que ocupam o art. 489, § 1º do CPC, forte em explicitar o que não pode ser considerada uma decisão judicial fundamentada. Confia-se, portanto, que a Corte Especial esteja atenta ao decidir sensível tema que também se harmoniza ao Princípio Processual Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa ao viabilizar que os pontos em defesa suscitados sejam de fato e de direito examinados, enfrentados e decididos quando da prestação da tutela jurisdicional, ao revés da mera prática de repetição da decisão impugnada para ao final dizer que está correta e o recurso improvido. 1 "Art. 489. (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: l - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento." 2 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: (...) Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º ." II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; (...)
Recentemente, a 2ª seção do STJ julgou o Conflito de Competência de 206933/SP, tendo sido relatora a ministra Nancy Amdrighi. No julgamento, ocorrido em 6/2/25, a Corte entendeu que: "3. A lei 14.879/24 alterou o art. 63 do CPC no que diz respeito aos limites para a modificação da competência relativa mediante eleição de foro. A nova redação do § 1º do dispositivo dispõe que "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor". 4. Como consequência da não observância dos novos parâmetros legais, será considerada prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, sem qualquer vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico, podendo o Juízo declinar de ofício da competência, nos termos do § 5º do art. 63 do CPC. 5. Com a vigência da nova legislação, tem-se a superação parcial da súmula 33/STJ, segundo a qual "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 6. Aplica-se a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC aos processos cuja petição inicial tenha sido ajuizada após 4/6/24, data da vigência da lei 14.879/24 (art. 2º). O estabelecimento desse marco temporal decorre da interpretação conjugada do art. 14 do CPC, que estabelece a Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, e do art. 43 do CPC, segundo o qual a competência será determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial. 7. Por outro lado, a nova legislação não será aplicada às demandas ajuizadas em momento anterior à sua vigência, sobrevindo a prorrogação da competência relativa - pelo foro de eleição - em razão da inércia da contraparte e da incidência da súmula 33/STJ". Portanto, estabeleceu-se a importante premissa de que se aplica a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC/15, apenas aos processos ajuizados após a data da vigência da lei 14.879/24. Vale lembrar que a eleição consensual de foro, em contratos, é um típico negócio processual que já estava previsto em nosso sistema processual na vigência do CPC de 1973, conforme disciplinava o art. 111 daquele diploma adjetivo. Com o CPC/15, as situações de competência relativa, definidas por critérios de território e valor, também ganharam disciplina própria, no correspondente art. 63, com a permissão expressa de que as partes podem negociar modificando a competência, e elegendo o foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e obrigações. O aludido art. 63 foi alterado pela lei 14.879 de 2024, a qual acrescentou alguns critérios - verdadeiras premissas - para que as partes observem quando da arquitetura da cláusula de eleição de foro. Basicamente, quando da elaboração da convenção processual de que ora tratamos, as partes devem inserir a cláusula de eleição de foro em instrumento escrito, bem como a cláusula deve aludir expressamente a determinado negócio jurídico. Além disso, nos termos da nova lei, a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio ou residência de uma das partes ou com o local da obrigação; ressalvando-se os cenários que podem ser favoráveis ao consumidor. E apesar de a questão da competência ser matéria de contestação, nos termos do art. 337, II, do CPC/15, a lei 14.879 de 2024 permite que, caso a cláusula de eleição de foro não observe as premissas ora acima elencadas, o Poder Judiciário a desconsidere de ofício, determinando-se a redistribuição da ação ajuizada, conforme os critérios de definição legal de competência estabelecidos nos arts. 42 a 53 do CPC/15. Nesse contexto, relevantíssimo é o julgado da 2ª seção do STJ, com a apresentação de um marco temporal para que, nos termos das mudanças oriundas da lei 14.879 de 2024, o Poder Judiciário desconsidere de ofício a cláusula de eleição de foro.
A oposição de Embargos à Execução Fiscal só pode ocorrer após a total garantia do juízo, nos termos do § 1º, do artigo 16 da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80). O inciso II do referido artigo prevê ainda, que o prazo de 30 dias será contado da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia.  Portanto, pela literalidade da lei, o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal começa a fluir a partir do oferecimento da garantia, pouco importando a sua aceitação. Contudo, é muito comum que o Exequente não concorde com os termos da garantia e requeira alterações. A questão ganha maior importância no caso do seguro garantia, já que é uma forma menos dispendiosa do que a realização do depósito judicial e o oferecimento da fiança bancária e que gera contestações do Fisco, principalmente por não ser uma garantia por tempo indeterminado. Existem diversos julgados de Tribunais prevendo a aplicação literal da lei com o prazo inicial iniciando a partir da apresentação da garantia:  APELAÇÃO - Embargos à execução fiscal - Sentença de extinção do processo sem resolução de mérito por intempestividade (art. 485, X, CPC) - Irresignação da embargante/executada - Prazo para ajuizamento de embargos à execução fiscal é de 30 dias, conforme consta do art. 16 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal) - Termo inicial, a ser considerado no caso dos autos, como a "juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia" (art. 16, II, LEF) - Impossibilidade de que o termo inicial a ser considerado seja seu conhecimento acerca do aceite da Fazenda Pública da garantia ofertada - Ausência de base legal e não equiparação às demais hipóteses - Intempestividade reconhecida - Embargos à execução fiscal anteriormente opostos que já haviam sido extintos, bastando que a executada interpusesse recurso de apelação, o que não ocorreu - Manutenção da sentença - Não provimento dorecurso interposto. (g.n.)  (TJSP;  Apelação Cível 1002455-42.2022.8.26.0068; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Barueri - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/09/2022; Data de Registro: 26/09/2022)  A aplicação literal pode trazer problemas ao executado, pois se não apresenta desde logo os embargos, esses podem ser tidos como intempestivos e se os apresenta e a garantia não é aceita os embargos podem ser extintos.  Desse modo, muito importante o recentíssimo entendimento da 1ª Turma do STJ no sentido de que o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal só começa a fluir após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz:  "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO INICIAL. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO DO ACEITE DO SEGURO GARANTIA PELO JUIZ. RECURSO PROVIDO. 1. O prazo para oposição de embargos à execução deve iniciar-se após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz, interpretação dos artigos 7º e 16 da Lei 6.830/1980. 2. Recurso provido." (REsp n. 2.185.262/RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024.) Já existiam julgados dos Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "garantido o juízo por meio de depósito efetuado pelo devedor, é necessária sua formalização, de modo que o prazo para oposição de embargos inicia-se a partir da intimação do depósito." (EREsp n. 767.505/RJ 1ª Seção do STJ). No mesmo sentido, entende a Corte "que o oferecimento de fiança bancária não dispensa a lavratura do termo de penhora e posterior intimação do executado acerca do ato, momento a partir do qual passará a fluir o prazo para oposição dos embargos." (AgRg no REsp n.1.043.521/MT).  Assim sendo, o recente entendimento mostra-se importante, pois mantém o entendimento já consagrado pelo STJ para o depósito judicial e a fiança bancária também para os casos de oferecimento de seguro garantia. Espera-se que tal entendimento seja acompanhado pelos Ministros da 2ª Turma do STJ.
Diante de controvérsias emergidas a respeito do novo regime do cabimento do recurso de agravo, a Corte Especial do STJ, ao Julgar o Tema Repetitivo n. 988 (REsp  n. 1.696.396) sedimentou o entendimento da tese de "taxatividade mitigada", a afastar a interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC com vistas a autorizar, excepcionalmente, o cabimento do recurso de agravo em outras hipóteses além daquelas previstas em aludido dispositivo, em especial quando verificada a urgência ou inutilidade futura do recurso restrita a devolução da matéria impugnada para reexame em sede de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC) . Nesse contexto, passou-se a admitir o cabimento de recurso de agravo contra a) decisão que indefere habilitação de crédito em recuperação judicial , b) decisão que defere pedido de levantamento em desapropriação c) decisão que inadmite intervenção de terceiros  e d) decisão interlocutória acerca da prescrição  e) decisão que afasta a impossibilidade jurídica do pedido , dentre outras hipóteses. Recentemente a celeuma restou examinada pelo STJ, desta feita não para se discutir a aplicação ou não da taxatividade mitigada ao caso concreto, mas, ao revés, consistente em examinar, quando previsto o cabimento de recurso de agravo em lei especial, se no âmbito de aludido regime há de ser observada a taxatividade mitigada PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. APLICAÇÃO. 1. A controvérsia cinge-se ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indeferiu o aditamento da inicial por intempestividade, no bojo de ação civil pública. 2. Caso em que o Tribunal de origem entendeu que a decisão agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas. 3. As duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. 4. Agravo interno desprovido (STJ, AgInt. no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "(...) O Tribunal de origem entendeu que a decisão interlocutória agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas (e-STJ fls. 115/116). No julgamento dos embargos de declaração opostos pela agravada, a Corte a quo consignou, ainda, que "não há na lei de ação civil pública nenhuma particularidade quanto à admissibilidade do recurso originário" (e-STJ fl. 160). Porém, como assinalado na decisão ora agravada, as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. Nesse sentido: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. LACUNA EXISTENTE NA LEI Nº 7.347/85. APLICAÇÃO DO ART. 19, § 1º, DA LEI N. 4.717/65. ANALOGIA. COLMATAÇÃO EMPREENDIDA NO ÂMBITO DO MICROSSISTEMA LEGAL DE TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. ART. 1.015, XIII, DO CPC. 1. Discute-se a aplicação, por analogia, do art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) na hipótese em que o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória proferida no âmbito de ação civil pública, matéria que extrapola a tese firmada no julgamento dos REsp's 1.696.396/MT e 1.704.520/MT (Tema nº 988), sob o rito repetitivo. 2. Nas ações civis públicas, cabível se revela a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória, devendo a lacuna existente na Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) ser colmatada mediante a aplicação de dispositivo também integrante do microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, a saber, o art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Nessa toada hermenêutica: REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017. 3. Afora isso, o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em demandas coletivas também encontra amparo no próprio inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015, cujo dispositivo admite a interposição do recurso instrumental em "outros casos expressamente referidos em lei". Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 4/12/2019. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.828.295/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020). (...) Assim, conquanto não prevista especificamente na Lei de Ação Civil Pública, a regra legal prevista na Lei da Ação Popular estende-se a todas as ações inseridas no microssistema de tutela coletiva, de modo que é cabível a interposição de agravo de instrumento na espécie. Por fim, embora não merecedor de acolhimento, o agravo interno, no caso, não se revela manifestamente inadmissível ou improcedente, razão pela qual não deve ser aplicada a multa do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno. (STJ, AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) Pacificado o entendimento no STJ de que malgrado o art. 19º, 1º, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) prever o cabimento do recurso de agravo como meio de impugnação de decisão interlocutória tirada daquela modalidade de demanda (sem fazer restrição alguma quanto ao seu cabimento), aludido dispositivo restou interpretado a ponto de autorizar o cabimento do recurso de agravo também no âmbito das ações civis públicas, dada a leitura de ambas espécies de demanda integrarem o chamado microssistema legal de tutela dos interesses transindividuais. Logo, soa correto o julgamento supra citado, porquanto parte da perspectiva de afastar qualquer discussão em torno de aplicar-se ou não a tese da taxatividade mitigada. Longe disso, na medida em que há na lei especial a previsão do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação contra decisão interlocutória, despido de aludir a qualquer hipótese de cabimento, não há razão da lei especial ceder espaço a disposição em sentido contrário no art. 1.015 do CPC (de onde se extrai hipóteses restritas de cabimento do recurso de agravo).
Em 26/10/23, nesta coluna, foi escrito um artigo que terminava assim: "Vamos torcer para que o STJ, ao julgar o recurso especial 2.072.206/SP, que versa sobre o mesmo tema e cujo julgamento foi afetado pela 3ª turma à Corte Especial no último dia 24 de outubro de 2023, pacifique o entendimento de que cabe condenação em verbas de sucumbência no IDPJ"1. Ao que tudo indica, a nossa torcida deu certo! Em 13/2/25, o recurso especial 2.072.206/SP foi julgado firmando o entendimento de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, disciplinado pelos arts. 133 a 137 do CPC - Código de Processo Civil. Como informado na ocasião, a controvérsia dos autos do recurso em referência poderia ser resumida em saber se é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência na hipótese de rejeição do pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que o art. 85, § 1º do Código de Processo Civil não previu, de forma expressa, os incidentes como fatos geradores de honorários. A resposta a tal indagação dada pelo STJ é positiva, ou seja, nesses casos é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência para aquele que pede a instauração do IDPJ e tem decisão desfavorável ao final do "incidente". Vale lembrar que, desde 30/3/17, nesta coluna, tem sido defendido o cabimento de condenação ao pagamento de verbas de sucumbência por parte do vencido no IDPJ2. Em 8/7/22, foi reiterado o entendimento lançado cinco anos antes, a despeito da jurisprudência oscilante do STJ e do TJ/SP3. Em 26/10/23, foi comemorado nesta coluna que, finalmente, pelo menos um dos argumentos expostos anteriormente nesta nas datas acima indicadas (30/3/17 e 8/7/22) foram acolhidos, por maioria, pela 3ª turma do STJ. Confira-se, a propósito, a ementa de um julgado que ocorreu em setembro de 2023: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO.1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.2. O CPC/15 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência.3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.5. Recurso especial conhecido e não provido.(REsp 1.925.959/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 12/9/23, DJe de 22/9/23.) Cumpre notar que já se sustentava há bastante tempo que, apesar de os arts. 133 a 137 do CPC fazerem referência a um "incidente" de desconsideração da personalidade jurídica, o que há, a bem da verdade, é uma demanda incidental. Por tal razão, o argumento de que seria um mero "incidente processual" e não comportaria condenação do vencido em verbas de sucumbência e por inexistir previsão para tanto no art. 85, do CPC, não poderia ser acolhido. Há, efetivamente, a formulação de novo pedido e nova causa de pedir no curso do processo, quando é requerida a instauração do IDPJ. Ademais, há citação, contestação, fase instrutória (se necessária) e decisão. Em outras palavras, tem-se tudo que uma demanda tem (menos o nome)4. Agora nos resta aguardar a lavratura e publicação do acórdão do julgamento do recurso especial 2.072.206/SP para aplaudirmos mais! 1 Disponível aqui.    2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 VIEIRA, Christian Garcia. "Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimento e temas polêmicos". Salvador: JusPodvum, 2017, p. 183.
Recentemente, a 1ª turma do STJ julgou o REsp 1601868/SC, tendo sido relator o ministro Paulo Sérgio Domingues, estabelecendo-se que: "É válida a admissão ao processo de prova emprestada, desde que respeitado o contraditório na demanda em que a prova venha a ser utilizada". Posição semelhante foi a adotada no julgamento do AgRg no RMS 43329/RS, no STJ, tendo sido relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendendo-se que: "A utilização da prova emprestada pelo Tribunal de Contas só será válida se o processo administrativo lá desenvolvido observar as garantias do devido processo legal. Assim, não há prejuízo". Igualmente importante, nesse ponto, é o julgamento do AgInt no REsp 1426271/MT, também no STJ, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, proclamando-se que: "É válida a utilização de prova emprestada, desde que observado o contraditório e ampla defesa. Precedentes do STF e do STJ. Súmula 83/STJ". É da essência do art. 372 do CPC/15 a permissão para o manejo da prova emprestada, mas desde que observado o princípio do contraditório. E a prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.  Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro." E, para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.  Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal". O art. 372 do CPC/15 dá especial importância ao princípio do contraditório, estabelecendo que a prova emprestada, para ser admitida, necessita sempre observar este nobre princípio, o qual se relaciona de forma íntima com o devido processo legal. E como bem lembra Cássio Scarpinella Bueno5, o conceito de devido processo legal tem profunda relação com a noção de devida participação das partes no processo, devendo-se assegurar às mesmas a possibilidade de defesa e contraditório: "O processo deve ser devido porque, em um Estado Democrático de Direito, não basta que o Estado atue de qualquer forma, mas deve atuar de uma específica forma, de acordo com as regras preestabelecidas e que assegurem, amplamente, que os interessados na solução da questão levada ao Judiciário exerçam todas as possibilidades de ataque e defesa que lhe pareçam necessárias, isto é, de participação". Como bem leciona Nelson Nery Jr.6, "por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a exigência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos." Novamente trazendo a importância de se assegurar a devida participação das partes no processo, Cássio Scarpinella Bueno7 relaciona a noção de contraditório com a necessidade de se garantir ao sujeito do processo a possibilidade de o mesmo influenciar, através da devida participação, na decisão a ser proferida: "Justamente em função desta nova compreensão dos elementos 'ciência' e 'informação' é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a ideia de participação na decisão do Estado, viabilizando-se, assim, mesmo que no processo, a realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito. O que se deve destacar, a este respeito, é que o princípio do contraditório deve ser entendido como a possibilidade de o destinatário da atuação do Estado influenciar - ou, quando menos, ter condições reais, efetivas de influenciar - em alguma medida, na decisão a ser proferida". Vale destacar, nesse aspecto, o enunciado 52 do FPPC, o qual enfatiza que: "Para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, considerando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária". Portanto, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior. A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal. Exatamente neste sentido já se posicionou o STF, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado: "A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl 11243, rel. min. Gilmar Mendes, 8/6/11, Tribunal Pleno); e "É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC 106.398, rel. min. Celso de Mello, 4/10/11, Segunda turma). Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal. 1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190. 2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323. 4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 104 e 105. 6 NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 172. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108.
Os embargos de divergência possuem a importante função de uniformizar a jurisprudência de nossas Cortes Superiores. De fato, o artigo 926 do CPC prevê que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência mantê-la estável, integra e coerente. Portanto, quanto maior a abrangência do cabimento de tal recurso, melhor para o sistema processual1. Desse modo, foi aplaudida a redação do § 1º do artigo 1043 do CPC ao prever que "Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária". Com tal redação o Código procurou superar o entendimento então vigente, sob a égide do CPC/1973, de que não serviriam para demonstração do dissídio pretoriano os arestos proferidos em ações originárias ou em espécies recursais diversas dos recursos especiais e extraordinários, tais como Conflito de Competência, Recurso Ordinário, Mandado de Segurança, Ação Rescisória2. Esse é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno: "O acórdão paradigmático, ou seja, o acórdão utilizado para demonstrar a dissonância do entendimento jurisprudencial e que enseja a sua uniformização mediante o emprego desse recurso, por sua vez, pode decorrer de julgamentos de recursos e de outros processos de competência originária, tais como mandados de segurança, ações rescisórias e reclamações, no que é expresso o § 1º do art. 1.043."3 Portanto, causou surpresa o recente julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça não aceitando como paradigma julgamento de Mandado de Segurança impetrado originariamente no STJ:  "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA EM SEDE DE AÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Os embargos de divergência têm por finalidade pacificar a jurisprudência no âmbito do Tribunal quanto à interpretação da legislação federal examinada na via do recurso especial. 2. Não servem como paradigmas, para fins de comprovação de dissídio jurisprudencial em embargos de divergência, acórdãos proferidos em sede de ação constitucional, notadamente porque diverso o grau de cognição com relação ao recurso especial. 3. Agravo interno não provido." (AgInt nos EAREsp n. 2.143.376/SP, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 6/11/2024, DJe de 23/12/2024.) Do voto vencedor faz-se importante a transcrição do seguinte trecho:  "Com efeito, o CPC/2015, a princípio, possibilitou a interposição de embargos de divergência contra acórdão proferido em processo de competência originária (inciso IV do art. 1.043), porém, esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 13.256/2016. Logo, o recurso uniformizador ficou restrito à hipótese de julgamento em sede de apelo especial. Nesse cenário, tem-se que a função de uniformizar a interpretação da legislação federal se dá na via do recurso especial. E, para tanto, é conveniente que o aresto paradigma tenha sido proferido em julgamento com mesmo grau de cognição." O inciso IV revogado previa que é embargável o acórdão de órgão fracionário que "nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal". Assim, a previsão revogada previa que o acórdão de julgado de competência originária poderia ensejar a oposição de Embargos de Divergência. Já o § 1º prevê que o acórdão das ações originárias poderia servir de paradigma para possibilitar o cabimento dos Embargos de Divergência. Portanto, salvo melhor juízo, o CPC/15 não permite o cabimento de embargos de divergência em face de acórdão que julgou ação originária, mas estes podem servir de paradigma para confrontar julgamentos proferidos por em recursos Extraordinário e Especial.     Nesse sentido é o entendimento expresso no muito bem fundamentado voto vencido da lavra do Min. Raul de Araújo:  "(...) seria, logicamente, perfeitamente possível aceitar-se, em embargos de divergência, que a impugnação de acórdão proferido tanto na própria ação rescisória ou em recurso ordinário em mandado de segurança não fora a revogação expressa do inciso IV do art. 1.043 do Novo CPC pela Lei 13.256/2016. Contudo, como houve a revogação, somente é possível utilizar-se o acórdão em ação originária ou em recurso como paradigma, e não como paragonado (CPC, art. 1.043, § 1º)." Em outro trecho assim previu o voto vencido:  "Destarte, o regramento do § 1º do art. 1.043 do CPC foi repetido no referido art. 266, § 1º, do RISTJ, reforçando a convicção de que não mais deveria prevalecer a jurisprudência de outrora, de feição mais restritiva, no sentido de que os paradigmas devem se limitar aos acórdãos proferidos em recursos especiais e em seus consectários. Portanto, o legislador ordinário, nos embargos de divergência em recurso especial ou recurso extraordinário, expressamente ampliou as hipóteses de cabimento e afastou aquela interpretação restritiva antes adotada na vigência do CPC de 1973, para claramente admitir que o aresto paradigma possa ser exarado em qualquer ação originária ou recurso julgado por órgão do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (art. 1.043, § 1º)."  Assim sendo, o entendimento presente no voto vencido parece se coadunar melhor com a expressa previsão legal e com a intenção do legislador. Tendo sido um julgamento com um placar um tanto apertado (8X5) talvez a matéria volte a ser julgada novamente no futuro, mas enquanto isso não ocorrer, paradigmas de ações originárias constitucionais não devem ser utilizados para a demonstração da divergência. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento da professora Teresa Arruda Alvim: "Os embargos de divergência foram bastante alterados, principalmente, quanto à sua hipótese de cabimento. Procurou-se dar aos embargos de divergência bastante rendimento, de molde a que cumpram com eficiência a sua função que é, em última análise, a de desestimular recursos para o STJ ou STF. Isso porque o fato de haver tese jurídica sobre a qual haja divergência interna corporis, no Tribunal Superior, é elemento que, obviamente, estimula recursos. O objetivo dos embargos de divergência é exata e precisamente o de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, internamente. Portanto, quanto mais larga ou abrangente for a hipótese de cabimento dos embargos de divergência, a tendência é a de que menor seja o número de recursos interpostos. Os incisos têm como marca visível a intenção do legislador no sentido de "desmanchar" a jurisprudência que, equivocadamente, restringe indevidamente o cabimento deste recurso, à luz do CPC de 1973." (Comenta´rios ao Co´digo de Processo Civil / organizadores Lenio Luiz Streck, Dierle Nunes, Leonardo Carneiro da Cunha; coordenador executivo Alexandre Freire. - 2. ed. - São Paulo : Saraiva, 2017, p. 1441). 2 EREsp 50.458/SP, CORTE ESPECIAL, Rel. Min. Demócrito Ribeiro, DJ de 07/08/1995; AgRg nos EREsp 103.701/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. José Delgado, DJe de 06/11/2006; AgRg nos EREsp 190.998/AM, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 13/10/2005; AgRg nos EREsp 793.405/RJ, TERCEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 09/05/2011. 3 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 2, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 757. Esse também é o entendimento de Luiz Dellore: "5. Embargos de divergência no caso de ação originária e outros recursos (§ 1.º). Por ausência de previsão no Código anterior, muito se debateu acerca da possibilidade de apontar a divergência entre um REsp ou RE e uma ação de competência originária do tribunal superior (como ação rescisória, mandado de segurança ou conflito de competência). 5.1. O Código buscou deixar de lado esse debate, ao expressamente afirmar ser isso possível. 5.2. Da mesma forma, o parágrafo aponta o confronto de teses contidos em recursos, o que leva à conclusão de que não somente REsp e RE (mencionados nos incisos), mas também outros recursos (como o ROC) podem ser utilizados como base para o acórdão paradigma. 5.3. Portanto, pela letra da lei, cabe divergência para discutir teses firmadas entre dois recursos, duas ações de competência originária ou entre recurso e ação de competência originária. 5.4. Esta alteração legislativa prestigia a tese decidida, e não o meio processual em que se discutiu a tese. O que é absolutamente lógico, pois o objetivo dos embargos de divergência é afastar a divergência quanto a um determinado entendimento jurisprudencial. 5.5. Contudo, a jurisprudência do STJ não vem admitindo que a divergência decorra de outro recurso que não o próprio REsp (vide jurisprudência selecionada), mantendo o entendimento firmado à luz do Código anterior. Além do viés restritivo, um argumento para isso é a revogação do inciso IV (...)" (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 1630).
O CPC/15 passou a dedicar um único dispositivo para melhor regulamentar a admissão do amicus curiae, ao que reza o art. 138: "Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. A vagueza escolhida pelo legislador para melhor definir "(...) órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada" é tema de infindável controvérsia, restando ao alvedrio dos tribunais lhe conferir a melhor interpretação. Recentemente a Primeira turma do STJ decidiu que não cabe a intervenção de amicus curiae "(...) de instituição composta exclusivamente por advogados, cujo interesse jurídico guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.": "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AMICUS CURIAE. INTERESSE AO JULGAMENTO FAVORÁVEL A UMA DAS PARTES.IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. DESPROPROCIONALIDADE OU IRRAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA. JUROS DEMORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO MENSAL. REEXAME FÁTICOPROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL. EXISTÊNCIA DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPEDIMENTO AO INÍCIO DO LUSTRO PRESCRICIONAL. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DESÃO PAULO NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL DAS AUTORAS CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.I - A intervenção pelo amicus curiae tem espaço diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia, fazendo-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Precedentes.II - Tratando-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes, fica inviabilizada sua admissão como amicus curiae no presente caso. Precedentes.III - Consoante a jurisprudência desta Corte, não é cabível, na via especial, ressalvadas as hipóteses de flagrante desproporcionalidade ou irrazoabilidade, a revisão do valor estipulado pelas instâncias ordinárias a título de indenização, porquanto demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável à luz do óbice contido na súmula 7/STJ.IV - Em casos de responsabilidade civil extracontratual, a fluência dos juros de mora tem início a partir da data do evento danoso (súmula 54 do STJ). Aplicação da súmula 83/STJ.V - Rever a compreensão do tribunal de origem quanto à inviabilidade de retorno do de cujus ao exercício de atividade remunerada, face à enfermidade que lhe acometia, demandaria necessário revolvimento da matéria fático-probatória produzida, inviabilizando-se, assim, o arbitramento de pensão mensal em favor do grupo familiar.VI - À vista do princípio da relativa independência entre as instâncias de responsabilização, contraposta à necessária integridade do ordenamento jurídico, restou consagrado, no art. 200 do Código Civil, que a prescrição da pretensão reparatória cível só terá início após a apuração definitiva, no juízo criminal, de fato passível de enquadramento em tipo penal.VII - O entendimento deste Tribunal é uníssono no sentido de que antes do trânsito em julgado da ação criminal não corre a prescrição quando a pretensão se origina de fato que também deva ser apurado no juízo criminal, ou seja, em cenário no qual haja relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal, sendo irrelevante a ausência de oferecimento de denúncia se houve a abertura de inquérito policial posteriormente arquivado.VIII - Ainda que a ação cível seja intentada contra entes públicos, cuja responsabilidade por ação ou omissão é objetiva, o prazo prescricional não terá início antes da conclusão da apuração criminal, tendo em vista que a legislação não trouxe tal exceção, não competindo ao intérprete fazê-la.IX - Embora objetiva, consoante entendimento firmado pelo STF no Tema da repercussão geral 362, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público não se reveste de caráter absoluto, baseando-se na teoria do risco administrativo, sendo admissível seu abrandamento e, até mesmo, a exclusão da responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias, como o caso fortuito e a força maior.X - Nos termos do art. 200 do Código Civil, o prazo prescricional da pretensão ressarcitória é obstado nas hipóteses em que a conduta potencialmente danosa seja a mesma apurada no juízo criminal, devendo idêntico fato ter potencial tanto à responsabilização civil quanto à criminal, não sofrendo impacto do óbice a pretensão veiculada contra eventuais condutas autônomas praticadas por outros agentes, mesmo se ocorridas na mesma oportunidade.XII - Recurso especial do município não conhecido. Recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido." (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "I. Pedido de intervenção na qualidade de amicus curiae O LAWFARE INSTITUTE objetiva sua intervenção como amicus curiae, nos termos dos arts. 6º, § 2º, da lei 9.868/99 e 138 do Código de Processo Civil. Alega que "foi constituído no ano de 2017 tendo como missão a defesa dos direitos fundamentais, a ordem do Estado Democrático de Direito e a preservação dos direitos humanos, especialmente com a atuação contra o crescente fenômeno do lawfare, que foi definido em livro conceitual lançado por CRISTIANO ZANIN MARTINS, VALESKA T. Z. MARTINS e RAFAEL VALIM como o 'uso estratégico do Direito para fins de prejudicar, deslegitimar e perseguir um inimigo'" (fl. 1.236e). Sustenta a "presença de elementos que indiquem a possibilidade da deturpação do Direito para fins ilegítimos" porquanto "relevante dispositivo do Código Civil (art. 200) está sendo interpretado de forma atrofiada para restringir direitos fundamentais" (fl. 1.237e). (...) Acerca dessa modalidade interventiva, Eduardo Talamini ensina, in verbis: Trata-se de modalidade interventiva admissível em todas as formas processuais e tipos de procedimento. A atuação do amicus curiae, dada sua limitada esfera de poderes (e, consequentemente, sua restrita interferência procedimental), é cabível inclusive em procedimentos especiais regulados por leis esparsas em que se veda genericamente a intervenção de terceiros. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente os poderes da parte. Assim, cabe ingresso de amicus em processo do juizado especial, bem como no mandado de segurança. Em tese, admite-se a intervenção em qualquer fase processual ou grau de jurisdição. A lei não fixa limite temporal para a participação do amicus curiae. A sua admissão no processo é pautada na sua aptidão em contribuir. Assim, apenas reflexamente a fase processual é relevante: será descartada a intervenção se, naquele momento, a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver mais nenhuma relevância (destaques meus). Outrossim, ao analisar os pressupostos objetivos e subjetivos para o cabimento da intervenção do amicus curiae, o autor prossegue: A intervenção do amicus curiae cabe quando houver "relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia" (art. 138, caput, do CPC/15). As regras especiais dessa intervenção, acima enumeradas, não exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá-las. São duas as balizas: por um lado a especialidade da matéria, o seu grau de complexidade; por outro, a importância da causa, que deve ir além do interesse das partes, i.e., sua transcendência, repercussão transindividual ou institucional. São requisitos alternativos ("ou"), não necessariamente cumulativos: tanto a sofisticação da causa quanto sua importância ultra partes (i.e., que vá além das partes) pode autorizar, por si só, a intervenção. De todo modo, os dois aspectos, em casos em que não se põem isoladamente de modo tão intenso, podem ser somados, considerados conjuntamente, a fim de viabilizar a admissão do amicus. [...] Podem ser amicus curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas - e, nesse caso, tanto entes públicos como privados; entidades com ou sem fins lucrativos. Mesmos órgãos internos a outros entes públicos podem em tese intervir nessa condição. O elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a "representatividade adequada". Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica, cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições, pareceres, estudos, levantamentos etc.). A "representatividade" não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em colaborar). A existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção como amicus curiae. O simples fato de o terceiro ter interesse na solução da causa não é fundamento para permitir sua intervenção como amicus curiae. Mas, por outro lado, o seu eventual interesse no resultado do julgamento também não é, em si, óbice a que intervenha em tal condição. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o Judiciário. E é frequente que a existência de um interesse na questão discutida no processo faça do terceiro alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis. Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. Todo esse acervo - nitidamente formado a partir de interesses específicos da entidade e seus integrantes - tende a ser muito útil à solução do processo. Caberá ao julgador aproveitá-lo, filtrando eventuais desvios ou imperfeições. (Amicus curiae - comentários ao art. 138 do CPC, em Breves comentários ao novo CPC. Organizado por Teresa Wambier, F. Didier Jr., E. Talamini e B. Dantas, São Paulo, Ed. RT, 2015, pp. 438-445 - destaques meus). A seu turno, o STF assentou a compreensão segundo a qual o amicus curiae é um colaborador da Justiça que, assim, não se vincula processualmente ao deslinde da controvérsia, tampouco defende interesses próprios, como espelham os seguintes julgados: A admissão de terceiros, 'órgãos ou entidades', nos termos da lei, na condição de amicus curiae, configura circunstância de fundamental importância, porém de caráter excepcional, e que pressupõe, para tornar-se efetiva, a demonstração do atendimento de requisitos, dentre os quais, a relevância da matéria e a representatividade do terceiro. Nesse sentido anota Cléver Vasconcelos: 'O amicus curiae [...], conquanto considerado fenômeno de uma intervenção atípica, porque o 'amigo da corte' não pretende que a ação seja julgada a favor de ou contra uma das partes, mas sim colabora para uma decisão justa do Poder Judiciário, por meio de uma participação meramente informativa. O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiae, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiae, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador'. [...]. (ADPF 134 MC, relator min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 22/4/08, publicado em DJe-077 DIVULG 29/4/08 PUBLIC 30/4/08 - destaque meu). CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO ACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A RECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesse próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do interessado. 2. A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no STF possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser deferida segundo juízo do relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimidade recursal ao preterido 3. Embargos de declaração não conhecidos. (ADIn 3.460 ED, relator min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, j. 12/2/15, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 11/3/15 PUBLIC 12/3/15 - destaque meu). Desse panorama, extrai-se que a intervenção do amicus curiae caberá diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia. A par disso, subjetivamente, faz-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à solução do litígio, extraída do seu histórico e de seus atributos, bem como a representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Assim, a participação do amicus curiae no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão judicial, em benefício da jurisdição. No caso, embora o ato constitutivo anexado pelo requerente esteja ilegível (fls. 1.113 e seguintes), no sítio eletrônico do instituto consta que sua missão é "a produção de conteúdo científico sobre lawfare e a análise de casos emblemáticos envolvendo o fenômeno. O Instituto nasceu em 2017 por iniciativa dos advogados Valeska Teixeira Martins, Cristiano Zanin Martins e Rafael Valim, a partir da constatação de que o Direito está sendo utilizado de forma estratégica em diversos países para obtenção de fins ilegítimos, de natureza geopolítica, política, comercial, financeira e militar" (disponível em: ). Ou seja, trata-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes - na espécie, as autoras -, circunstância que afasta a sua admissão como amicus curiae. No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIÆ. EXEGESE DO ART. 138 DO CPC. DECISÃO QUE INDEFERE INGRESSO DO COLABORARDOR DA CORTE. IRRECORRIBILIDADE. HIPÓTESES DE INGRESSO: RELEVÂNCIA DA MATÉRIA, ESPECIFIDADE DO TEMA E REPERCUSSÃO SOCIAL DA CONTROVÉRSIA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PEDIDO ANTERIOR À INCLUSÃO DO FEITO EM PAUTA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. Os amici curiae são admitidos nos processos com a função de fornecer informações, subsídios e argumentos técnicos ao julgador (CPC/15, art. 138). 2. Trata-se de discricionaridade do magistrado admitir ou não o amicus curiae, decisão essa que é irrecorrível (REsp 1.696.396, Corte Especial). 3. Não basta que o peticionante demonstre interesse na causa, mas deve comprovar concretamente os requisitos de "relevância da matéria", "especificidade do tema" e "repercussão social da controvérsia" (REsp 1.333.977, Segunda seção). 4. A figura é prevista em processos de natureza objetiva, sendo admissível em processos subjetivos apenas em situações excepcionais. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, Primeira seção). Os amici curiae não são admissíveis na hipótese em que o interesse da entidade pretenda ao resultado do julgamento favorável a uma das partes. Não pode o amicus curiae assumir a defesa dos interesses de seus associados ou representados em processo alheio (EDcl na QO no REsp 1.813.684/SP, Corte Especial). 5. O amicus curiæ deve protocolar seu pedido de ingresso como colaborador da corte antes de o processo ser incluído em pauta de julgamento (REsp n. 1.152.218/RS, Corte Especial). 6. O amicus curiæ não tem direito subjetivo à sustentação oral (Questão de Ordem no REsp 1.205.946/SP, Corte Especial). 7. Agravo interno não conhecido. (AgInt no MS 25.655/DF, relator ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 16/8/22, DJe 19/8/22 - destaque meu). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INFLUÊNCIA DA DEMORA OU DIFICULDADE NO FORNECIMENTO DE FICHAS FINANCEIRAS NO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ESTADOS DA FEDERAÇÃO E DISTRITO FEDERAL. PLEITO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIÆ. INDEFERIMENTO. DEFESA DE INTERESSE DE UMA DAS PARTES. APORTE DE DADOS TÉCNICOS. DESNECESSIDADE. 1. O amicus curiæ é previsto para as ações de natureza objetiva, sendo excepcional a admissão no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares indicar a generalização do julgado a ser proferido. 2. O STF ressaltou ser imprescindível a que não está a defender interesse privado, mas, isto sim, relevante interesse público (STF, AgRg na SS 3.273-9/RJ, rel. ministra Ellen Gracie, DJ 20/6/08). 3. No mesmo sentido: "O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiæ, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiæ, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador" (STF, ADPF 134 MC, rel. ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 22/4/08, publicado em DJe 29/4/08). 4. Na espécie, o interesse dos Estados da Federação e do Distrito Federal vincula-se diretamente ao resultado do julgamento favorável a uma das partes - no caso, a Fazenda Pública -, circunstância que afasta a aplicação do instituto. 5. Ademais, a participação de "amigo da Corte" visa ao aporte de informações relevantes ou dados técnicos (STF, ADI ED 2.591/DF, rel. ministro Eros Grau, DJ 13/4/07), situação que não se configura no caso dos autos, porquanto o tema repetitivo é de natureza eminentemente processual. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, relator ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 22/3/17, DJe 28/3/17 - destaques meus). Ademais, a matéria controversa é exclusivamente jurídica, prescindindo de informações técnicas ou científicas que demandem a atuação de amicus curiae. Portanto, é o caso de indeferimento do pedido de intervenção formulado. (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) Ao que se extrai do voto condutor acima em cotejo com o caso concreto, a rejeição de admissão do amicus curiae restou fundada nas premissas de que a) há interesse subjetivo favorável a uma das partes e b) sendo a matéria exclusivamente jurídica prescinde informações técnicas ou científicas a demandar a atuação do amicus curiae. Por sua vez, noutras ocasiões o STJ já aceitou a admissão do amicus curiae na contramão das premissas acima, ao decidir o Tema repetitivo 1.1561 (definir se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempor previsto em legislação gera dano moral in re ipsa) admitindo a participação da Febraban - Federação Brasileira dos Bancos que, a tomar partido das entidades que representa, defendeu a não configuração de dano moral ao tema, diga-se de passagem, de análise sob o prisma exclusivamente jurídico. Malgrado a rejeição fundada no voto condutor acima ou, sua admissão em situação diametralmente oposta, fato é que resta a Corte cidadã definir elementos objetivos de admissão ou rejeição do amicus curiae, a observar sua aplicação uniforme e evitar tratamentos distintos em situações semelhantes, e, desse modo, evitar limitar o necessário e amplo debate a respeito das questões que carecem a análise sob todos os prismas dada sua sensibilidade, relevância ou reverberação da decisão em casos congêneres. 1 RESP 1962275/GO, Segunda seção de Direito Privado, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24/4/24.
Como é de conhecimento geral, o art. 25 da lei 12.016, de 7/8/09 ("Lei do Mandado de Segurança") estabelece que: "Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé". Apesar de a Lei do Mandado de Segurança ("LMS") ser bastante clara no que diz respeito ao não cabimento de arbitramento de honorários advocatícios em favor do vencedor no rito do mandado de segurança, foram interpostos vários recursos de decisões que deixaram de fixar tais verbas de sucumbência. Com efeito, três recursos especiais foram afetados para serem julgados pela sistemática de julgamento dos recursos repetitivos no STJ. Trata-se do REsp 2053306/MG, do REsp 2053311/MG e do REsp 2053352/MG, todos da relatoria do min. Sérgio Kukina, julgados pela 1ª seção do STJ em 27/11/24 e com acórdãos publicados em 4/12/24. Na ocasião, a questão submetida a julgamento foi a seguinte: "Possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais". Em outras palavras, a questão era saber se, mesmo nos casos dos mandados de segurança cujas sentenças tenham efeitos patrimoniais, incide o art. 25, da LMS, que dispõe não caber condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Por exemplo, no caso do REsp 2053306/MG, ele foi interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça do referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. Nesse caso, em primeira instância, o contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. Havia, portanto, efeitos patrimoniais decorrentes da sentença proferida no mandado de segurança, que deveriam ser saldados nos mesmos autos, em razão de valores de tributos não recolhidos durante a vigência da liminar concedida anteriormente e revogada depois. Vale esclarecer que o juiz deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, sendo que tal decisão foi mantida pelo TJ/MG. Como fundamento legal, foi invocado o art. 25, da Lei do Mandado de Segurança, bem como os entendimentos consolidados nas súmulas 512 do STF e 105 do STJ1. Pois bem, em 4/12/24, a 1ª seção do STJ, ao julgar a questão, firmou a seguinte tese: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". Vale observar que a decisão da 1ª seção do STJ, que fixou o Tema Repetitivo 1.232, acima transcrito, ainda não transitou em julgado, tendo sido o MPF e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais intimados em 18/12/242. De todo modo, é importante transcrever a ementa do julgado sob análise para melhor compreender o seu alcance: "TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA N. 1.232/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça de referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. 2. Fato relevante: O contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. 3. As decisões anteriores: o juiz estadual deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, decisão mantida pelo TJ/MG. II. Questão em discussão 4. O tema em debate consiste em saber se é cabível a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual. III. Razões de decidir 5. A legislação especial do mandado de segurança, conforme o art. 25 da lei 12.016/09, veda a condenação em honorários advocatícios, aplicando-se também à fase de cumprimento de sentença. 6. A jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as súmulas 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança. 7. A natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional. IV. Dispositivo e tese 8. Tese de julgamento: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". 9. Caso concreto: Recurso não provido. 10. Dispositivos relevantes citados: Lei 12.016/09, art. 25; CPC, arts. 85, § 1º, e 523, § 1º. 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.097.947/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda turma, DJe de 14/3/24; AgInt no REsp 2.077.950/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe de 21/9/23; AgInt no REsp 1.994.560/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, DJe de 22/6/23; AgInt no AgInt no AREsp 2.127.997/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda turma, DJe de 26/5/23; AgInt no REsp 2.010.538/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira turma, DJe de 30/11/22; e AgInt no REsp 1.968.010/DF, relator Ministro Manoel Erhardt, Desembargador Convocado do TRF5, Primeira turma, DJe de 11/5/22; STF, ADIn 4.296, rel. Ministro Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/21. (REsp 2.053.311/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, 1ª seção, julgado em 27/11/24, DJe de 4/12/24.) Como se pode perceber, o entendimento de que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios em mandado de segurança nunca foi imune a controvérsias, considerando o teor e a necessidade de se consolidar o entendimento nas súmulas 512 do STF, 105 do STJ e agora no Tema Repetitivo 1.232 do STJ, a despeito da clareza solar do quanto disposto no art. 25 da LMS. Assim, a decisão da 1ª seção do STJ merece aplausos, pois visa, como bem salientado no corpo do acórdão acima ementado, "a não desestimular o uso desse remédio constitucional". Vivemos em um país sabidamente em processo de democratização, mas de um passado recente inegavelmente autoritário. Portanto, não desestimular o uso de instrumentos importantes, como o mandado de segurança, para o combate contra atos abusivos e ilegais praticados pelas autoridades é imprescindível para alcançarmos a tão sonhada democracia em seu estado mais puro. Que ela não seja apenas um sonho e que se torne cada vez mais a nossa realidade. 1 STF, Súmula 512: "Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança."; STJ, Súmula 105: "Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios". 2 Vide andamento processual: Disponível aqui.
Pela sua praticidade e efetividade, a penhora on-line de ativos financeiros é o pedido número um de todos os credores. De fato, com a efetivação de tal penhora é muito comum o devedor não localizado aparecer e o jogo inverte, pois a demora na tramitação do feito passa a não mais interessar tanto ao devedor. Entretanto, a penhora de dinheiro em conta por um longo espaço de tempo pode prejudicar o desenvolvimento das atividades do devedor e é muito comum o pedido de substituição dessa penhora pela apresentação de fiança bancária ou seguro-garantia judicial, eis que o art. 835, § 2º, do CPC equiparou essas duas garantias ao dinheiro1. O Entendimento do STJ sempre vinha sendo contrário a tal pleito, que só se justificaria em casos excepcionais: "A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora sejam garantias equivalentes, a fiança e o seguro-garantia não possuem o mesmo status da penhora em dinheiro, de modo que, somente em casos excepcionais, quando comprovada a necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade, admite-se a substituição."2 A Terceira Turma do STJ3 era praticamente a única Turma Julgadora que vinha permitindo tal substituição de forma mais ampla, eis que na 4ª Turma essa possibilidade também vinha sendo bem restrita: "Admite-se a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia apenas em hipóteses excepcionais, quando necessário para evitar dano grave ao devedor, sem causar prejuízo ao exequente."4 Portanto, é de se comemorar o recente acórdão da 4ª Turma do STJ: "Processual civil. Tutela cautelar antecedente. Recurso especial. Ação de cobrança com pleito indenizatório a título de danos morais. Locação de bens móveis: maquinário e equipamentos para realização de obra. Execução provisória. Penhora on-line de dinheiro. Substituição por seguro-garantia. Possibilidade. Presença dos requisitos para a concessão da liminar. Deferimento. 1. A concessão da tutela provisória, de caráter excepcional, é cabível quando necessária para impedir o perecimento do direito e a consequente inutilidade do provimento jurisdicional. 2. Nos termos dos arts. 300 e 996, parágrafo único, do CPC, em caso de recurso sem efeito suspensivo, a eficácia da decisão recorrida pode ser suspensa por decisão do relator, na hipótese em que houver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. 3. O art. 835, § 2º, do CPC/15, equipara a dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia judicial, para fins de substituição da penhora, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30% (trinta por cento). 4. Em relação ao referido dispositivo, há diversos julgados do STJ reconhecendo que, em que pese a lei se referir à "substituição", que pressupõe a anterior penhora de outro bem, o seguro-garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. No caso de seguro-garantia judicial a idoneidade da apólice deve ser aferida mediante verificação da conformidade de suas cláusulas às normas editadas pela autoridade competente, no caso, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. 5. Ressalta-se, também, que a simples fixação de prazo de validade determinado na apólice e a inserção de cláusula condicionando os efeitos da cobertura ao trânsito em julgado da decisão não implicam inidoneidade da garantia oferecida, pois a renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia. Caso não renovada a cobertura ou se o for extemporaneamente, caraterizado estará o sinistro, de acordo com a regulamentação estabelecida pela SUSEP, abrindo-se, para o segurado, a possibilidade de execução da própria apólice em face da seguradora. Precedentes. 6. Na espécie, diante do fumus bonis iuris e do periculum in mora devidamente demonstrados, bem como, considerando-se que: i) o CPC, art. 835, § 2º, e a jurisprudência do STJ autorizam a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia; ii) o valor dado em garantia é 30% maior que o débito executado; iii) houve a juntada de apólice de seguro garantia, com validade até 4/7/29 e de certidão de regularidade da seguradora perante a SUSEP; iv) se está no âmbito de uma execução provisória; v) a manutenção da penhora em dinheiro, em sede de execução provisória, certamente causará ao executado onerosidade maior que a necessária, afetando a atividade empresarial diante da vultuosidade do valor penhorado - R$ 104 milhões -, mostra-se plausível a liberação do referido valor em favor da requerente. 7. Pedido de tutela provisória provido." (g.n.) (TutCautAnt n. 672/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/9/24, DJe de 30/9/24.) Desse modo, havendo recentes julgados favoráveis à substituição de modo mais amplo pelas duas Turmas pertencentes à Segunda Seção do Tribunal, seria interessante que o tema fosse afetado para Julgamento pela Corte Especial do STJ para possa ocorrer a pacificação do tema em todas as Turmas do STJ. 1 A possibilidade de substituição é elogiada por Daniel Assumpção Neves: "A fiança bancária e, por extensão, o seguro-garantia judicial são formas de garantia do juízo que beneficiam todos os envolvidos na execução. Para o executado, a substituição será extremamente proveitosa porque, liberado o bem que havia sido penhorado, seu dinheiro poderá ser investido, o que certamente gerará dividendos, inclusive aumentando sua capacidade de fazer frente à cobrança enfrentada na execução. Essa circunstância verifica-se, inclusive, nos casos em que a penhora tem como objeto dinheiro, porque é notória a maior rentabilidade da maioria dos investimentos quando comparados com a correção dos depósitos em juízo. Na hipótese de utilização do dinheiro para financiar empreendimentos ou projetos, fica ainda mais nítida a importância da substituição ora defendida. Por outro lado, o exequente não terá nenhum prejuízo, porque o grande atrativo da penhora de dinheiro - liquidez imediata - será plenamente mantido com as duas espécies de garantia previstas pelo art. 835, § 2º, do CPC." (Código de Processo Civil Comentado, 9ª  edição, São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 1.468). 2 AgInt no AREsp n. 2.641.137/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/11/24, DJe de 29/11/24. No mesmo sentido temos os seguintes julgados da 1ª Turma: AgInt no AREsp 2496219 / SP, AgInt no REsp 2096069 / RJ, AgInt no AREsp 1603875 / SP e AgInt no AREsp 1546716 / SP. Esse também é o entendimento da Segunda Turma do STJ nos seguintes julgados: AgInt nos EDcl no REsp 2069883 / SP e AgInt no AREsp 2268523 / CE. 3 Vide os seguintes julgados: AgInt nos EDcl no AREsp 2392225 / RJ, REsp 2128204 / PR, AgInt no AREsp 2335077 / SP. O RESP 2.034.482/SP também da 3ª Turma já foi analisado nessa coluna em junho de 2023: Disponível aqui. 4 AgInt no AREsp n. 1.924.134/SC, relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 12/9/22, DJe de 22/9/22.
Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu afetar os Recursos Especiais de números 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, para julgamento sob o rito dos repetitivos. Trata-se do tema 1296, cujo objeto é: "Definir se a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". O tema, de alguma forma, já foi enfrentado pelo STJ, conforme se nota da redação da Súmula 410: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". E, em 2018, a Corte Especial do STJ já apreciou o assunto, no julgamento do EREsp n.  1.360.577, tendo-se prestigiado a orientação da Súmula 410 do STJ: "PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO. SÚMULA 410 DO STJ. 1. É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil. 2. Embargos de divergência não providos". Agora, através do julgamento do citado tema 1296, a Corte Especial do STJ revisitará a questão relativa à necessidade de prévia intimação do devedor para fins da incidência da multa de que trata o artigo 537 do CPC ("astreintes"); adotando-se, nesse cenário, a fixação de tese através do rito do julgamento de recursos repetitivos. Vale dizer que os recentíssimos posicionamentos do STJ revelam que a redação da Súmula 410 do STJ vem sendo muito prestigiada, conforme se nota dos julgados abaixo:  "Consoante a jurisprudência desta Corte, "é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula nº 410/STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.790.821/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 5/5/2022)" (STJ, AgInt no AREsp 2384676 / SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 18.03.2024).  "Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (EREsp n. 1.360.577/MG, relator p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 7/3/2019)". (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1834125 / AM, Relator Ministro Humberto Martins, 3ª. Turma, julgado em 26.02.2024).  "É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil" (EREsp 1.360.577/MG, Relator para o acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2018, DJe de 07/03/2019)". (STJ, REsp 1497574 / SC, Relator Ministro Raul Araújo, 4ª. Turma, julgado em 24/10/2023).  "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NECESSIDADE. SÚMULA 410/STJ. PRECEDENTES. ACÓRDÃO EM DESARMONIA À JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A iterativa jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de ser necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos da Súmula n. 410/STJ. 1.1. O envio de e-mail ao departamento jurídico da instituição financeira e aos seus patronos não substitui a intimação pessoal. 2. As questões afetas à regularidade e exigibilidade da multa cominatória constituem matéria de ordem pública e, por isso, nas instâncias originárias, não se sujeitam à preclusão e são passíveis de conhecimento de ofício. 3. O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso. 4. Agravo interno improvido". (STJ, AgInt no REsp 2079082 / SP, Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 11/09/2023).  "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSÃO POR MORTE. SUPLEMENTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA. AFASTAMENTO. DESCABIMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. HONORÁRIOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. 1. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de declaratórios, impede o conhecimento do apelo nobre (Súmula nº 211/STJ). 2. É necessária a intimação pessoal do devedor de obrigação de fazer para fins de incidência das astreintes". (STJ, AgInt no AREsp 2187501 / SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª. Turma, julgado em 14/08/2023).  O assunto, além de sumulado, já conta com precedente formado nos termos do artigo 927, V, do CPC, conforme se verifica do v. acórdão da Corte Especial do STJ, relativo ao julgamento do EREsp n.  1.360.577.  De todo modo, com o julgamento do tema 1296, a Corte Especial do STJ, através do rito de apreciação dos apelos especiais repetitivos, tende a confirmar o precedente já formado no referido julgamento do EREsp n.  1.360.577, delineando-se a incidência - para a questão - do artigo 927, III, do CPC.   Frisa-se que o artigo 927, III e V, do CPC, prevê, além da observância aos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, a vinculação de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados. Fredie Didier Jr. ensina que: "Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgãos de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. Afinal, o precedente não deve vincular só o tribunal que o produziu, como também os órgãos a ele subordinados. Diante disso, precedentes do: [...] b) plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal e infraconstitucional, vinculam o próprio STJ, bem como TRFs, TJs e juízes (federais e estaduais) a ele vinculados."1 Teresa Arruda Alvim, nesse cenário, bem destaca a importância de os precedentes serem seguidos.2 E, Daniel Mitidiero, com máxima didática, enfatiza que: "As cortes de justiça e os juízes a ela ligados não podem deixar de aplicar um precedente apenas por que não concordam com a solução formulada, isto é, com seu conteúdo".3 O STJ, no julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal n. 825, elegeu os julgados da Corte Especial como exemplos de sua "jurisprudência dominante" e que deve ser seguida pelos membros da Corte: "Esse conceito abrange decisões do STJ em incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDRs), incidentes de assunção de competência (IACs), recursos repetitivos e embargos de divergência, além de julgados da Corte Especial." A dinâmica de respeito aos precedentes, adotada pelo CPC, fica nítida nos termos da Recomendação n. 134/22 do CNJ, reforçando-se os cuidados que devem ser adotados para fins de preservar-se a segurança jurídica almejada pelo sistema desenhado nos artigos 926 e 927 do CPC. Com a apreciação do tema 1296, a Corte Especial do STJ tende a novamente reforçar entendimento já sumulado e que já foi objeto de julgamento, para fins do artigo 927, V, do CPC, conforme se notou na apreciação do EREsp n.  1.360.577; tudo de modo a se almejar - em favor da segurança jurídica - que o diálogo entre a súmula 410 da Corte Superior e a multa prevista no artigo 537 do CPC, no que toca à necessidade de prévia intimação do devedor, tenha sua conclusão em linha com a diretriz histórica confirmada - e já reconfirmada - pelo STJ em diversos outros julgamentos. __________ 1 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória. Salvador: Ed. Juspodivm, 2021, p. 593. 2 "O objetivo destes institutos, ou, se se preferir, destes regimes diferenciados de julgamento de ações de recursos, é justamente o de gerar segurança e previsibilidade. Não teria sentido algum se não tivessem de ser respeitados. Sua razão de ser seria brutalmente desrespeitada e sua finalidade inteiramente comprometida". (ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui).  3 MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. São Paulo: RT, 2021, p. 320.
A proteção do bem de família está disciplinada nos arts. 1º a 5º da lei 8.009/901, tendo o CC de 2002 regrado o regime do bem de família convencional nos arts. 1711 a 17122 e, por fim, o CPC, prevê no art. 833, I, a impenhorabilidade dos "(..)bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" ao passo em que o art. 832, caput, reza que "(...) não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis." À luz do advento do CPC/15, dúvida emergiu quanto à suposta revogação dos arts. 1º e 5º da lei 8.009/90 pelo CPC em vigor. O tema foi debatido recentemente pela Primeira Turma do STJ: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REVOGAÇÃO TÁCITA DA LEI 8.009/1990 PELO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA LEGAL E VOLUNTÁRIO. COEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. O CPC declara não sujeitos à execução os bens arrolados em seu art. 833 e, na forma do art. 832, aqueles que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Assim como ocorreu sob a legislação processual passada, as hipóteses de impenhorabilidade previstas no atual CPC coexistem com a regulamentação do bem de família, que, segundo a tradição brasileira, é dada por outros diplomas legais, como o CC de 1916, o CC de 2002 e a lei 8.009/90. 2. o fato de o CPC afirmar em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita da lei 8.009/90, assim como não o fez o art. 1.711 do CC, ao tratar do bem de família voluntário. Como já se decidiu no STJ, "O bem de família legal (lei 8.009/90) e o convencional CC coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente" (REsp 1.792.265/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 14/3/22). 3. Conforme a jurisprudência do STJ, para o reconhecimento da proteção da lei 8.009/90 não é necessária a prova de que o imóvel onde reside seja o único de sua propriedade. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp. 2+133+984/RJ, Primeira Turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 2.10.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "Trata-se de recurso especial interposto por JOSEPH BRAIS, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da CF/88, no qual se insurge contra o acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO assim ementado (fl. 126): 'ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. ART. 833 DOCPC/15. REVOGAÇÃO TÁCITA DA LEI 8.009/90. RECURSO PROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de execução fiscal, reconheceu a impenhorabilidade de imóvel do coexecutado, nos termos do art. 1º e 5º da lei 8.009/90. 2. A questão devolvida ao Tribunal no âmbito deste recurso diz respeito ao imóvel objeto de constrição na execução fiscal originária, de propriedade da agravante, que alega a impenhorabilidade do bem, por ser destinado à sua residência e de sua família, tratando-se de bem de família. 3. Merece ser ressaltada a existência de entendimento doutrinário respeitável - conforme, por exemplo, o apresentado pelo prof. Leonardo Greco em palestra realizada na EMARF - Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, em 27/10/17, o atual CPC/15, ao dispor sobre as impenhorabilidades, em seu art. 833, incisos I a XII, não incluiu, dentre essas hipóteses, os imóveis ou os chamados bens de família - que se entenderia, apenas, como sendo aqueles voluntariamente definidos e registrados como tal, na forma dos arts. 1.711 a 1.722, CC, o que não ocorre no caso dos autos, havendo, na medida em que a nova lei processual civil regula totalmente a matéria das impenhorabilidades, a revogação tácita da Lei 8.009/90. 4. A própria noção de bem de família, anteriormente contida na lei 8.009/90, já vinha sendo relativizada, para permitir a penhora do imóvel - ainda que fosse a única residência dos executados -, no caso de execução de débitos diretamente decorrentes do próprio imóvel, como, por exemplo, as despesas de condomínio ou débitos oriundos de financiamento habitacional destinado à aquisição do imóvel. Assim, reconhecida a revogação tácita da lei 8.009/90 pela nova norma processual, atualmente em vigor, são inaplicáveis, por conseguinte, os dispositivos da lei revogada mencionados pela embargante em suas razões. Precedentes desta 8ª Turma Especializada. 5. Outrossim, restou comprovado nos autos que o coexecutado, além de ser proprietário do imóvel objeto do presente agravo, é meeiro da fração de sua esposa em outros dois imóveis localizados no município de Cabo Frio/RJ. 6. Agravo de instrumento provido.' (...) Discute-se no processo se a proteção legal conferida pelos arts. 1º e 5º da lei 8.009/90 ao bem de família teria sido tacitamente revogada pelo CPC. A tese de que esses dispositivos foram revogados contraria o próprio CPC, que admite a convivência com outras declarações legais de impenhorabilidade ao estabelecer, antes de apresentar o seu próprio rol, o seguinte: Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Além de contrariar esse dispositivo, o entendimento de que o art. 833 do CPC teria exaurido as hipóteses de impenhorabilidade também é incompatível com a tradição jurídica brasileira, na qual o bem de família foi sempre regulado por outros diplomas e normas, como o CC de 1916 (art. 70 e seguintes), o CC de 2002 (arts. 1.711 e seguintes) e a lei 8.009/90. Por outro lado, o fato do CPC ter afirmado em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita do art. 5º, caput e parágrafo único, da lei 8.009/90, que, cuidando de hipótese diversa, declara a impenhorabilidade do bem de família de menor valor, quando outro não for indicado no registro público. O texto legal é o seguinte: Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do CC. O bem de família voluntário, que encontra previsão no art. 1.711 do CC e no art. 833, I, do CPC, mantém com o bem de família legal (lei 8.009/90) relação de coexistência e não de exclusão. Nesse sentido: 'RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. BEM DE FAMÍLIA LEGAL E CONVENCIONAL. COEXISTÊNCIA E PARTICULARIDADES. BEM DE FAMÍLIA LEGAL. OBRIGAÇÕES PREEXISTENTES À AQUISIÇÃO DO BEM. BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL. OBRIGAÇÕES POSTERIORES À INSTITUIÇÃO. 1. O bem de família legal (lei 8.009/90) e o convencional (CC) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente. A disciplina legal tem como instituidor o próprio Estado e volta-se para o sujeito de direito - entidade familiar -, pretendendo resguardar-lhe a dignidade por meio da proteção do imóvel que lhe sirva de residência. O bem de família convencional, decorrente da vontade do instituidor, objetiva, primordialmente, a proteção do patrimônio contra eventual execução forçada de dívidas do proprietário do bem. 2. O bem de família legal dispensa a realização de ato jurídico, bastando para sua formalização que o imóvel se destine à residência familiar. Por sua vez, para o voluntário, o CC condiciona a validade da escolha do imóvel à formalização por escritura pública e à circunstância de que seu valor não ultrapasse 1/3 do patrimônio líquido existente no momento da afetação. 3. Nos termos da lei 8.009/90, para que a impenhorabilidade tenha validade, além de ser utilizado como residência pela entidade familiar, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o beneficiário possua outros. Já na hipótese convencional, esse requisito é dispensável e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que inserido o bem. 4. Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel em que resida, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1.711, CC/02) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da lei 8.009/90). (...) (REsp 1.792.265/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/12/21, DJe de 14/3/22 - sem destaque no original.) Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal de origem, o fato do imóvel não estar registrado como bem de família não o torna penhorável, haja vista o que estabelecem os arts. 1º e 5º da lei 8.009/90. (...) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer da decisão de primeira instância que declarou a impenhorabilidade do bem de família. É o voto. (STJ, REsp. 2.133.984/RJ, Primeira Turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 2.10.2024, grifou-se) O julgado soa correto pois, (i) malgrado o art. 833, I, do CPC declare como impenhorável os bens declarados por ato voluntário (bem de família convencional), não sujeitos à execução, é certo que o art. 832 não faz restrição alguma da impenhorabilidade ficar renegada àquelas instituídas por ato voluntário. Do contrário, é cristalino em dizer que não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis. Ainda, (ii) não se pode perder de vista que ao arts. 1º a 5º da lei 8.009/90 tratam do regime jurídico da impenhorabilidade do bem de família, ali contemplando tanto a regulamentação do bem de família legal, quanto o bem de família convencional, previsto no art. 5º, parágrafo único, da lei especial. Logo, não há que se interpretar que a redação do art. 833, I teve o condão de revogar tacitamente toda a disciplina da lei 8.009/90, até porque, em havendo potencial conflito entre normas, há de se prestigiar o princípio da especialidade. _____________ 1 "Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; disponível aqui. II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; disponível aqui. IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Disponível aqui. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; e disponível aqui. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Disponível aqui. VIII - para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos. Disponível aqui. Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. § 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese. § 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do disponível aqui à área limitada como pequena propriedade rural. Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente." Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do disponível aqui. 2 "Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição."
Como se sabe, o art. 381, § 2º, do CPC/15, estabelece que "a produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu". Tal artigo não encontra disposição semelhante do CPC/1973, que dispunha em seu art. 800 que "as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal". Ou seja, na vigência do CPC/1973, o juízo competente para julgar a medida cautelar de produção antecipada de provas era o mesmo do juízo competente para julgar a ação principal. Contudo, mesmo na vigência do CPC/1973, o STJ entendia que poderia haver uma certa relativização da competência para facilitar a produção de provas. Confira-se, a propósito, a seguinte ementa: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REPARAÇÃO DE DANO. FORO DO LOCAL DO FATO. ORDEM PRÁTICA E PROCESSUAL. REDEFINIÇÃO DO FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. NECESSIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que poderá haver a mitigação da competência prevista no art. 800 do CPC/1973 quando se tratar de ação cautelar de produção antecipada de provas, podendo ser reconhecida a competência do foro em que se encontra o objeto da lide, por questões práticas e processuais, notadamente para viabilizar a realização de diligências e perícias. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.321.717/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018)". Em recente julgado, agora durante a vigência do CPC/2015, o STJ novamente reiterou o seu entendimento a respeito do tema, mas dessa vez respaldado na disposição expressa do § 2º do art. 382, do referido diploma legal. Cumpre notar, inclusive, que a Corte Superior fez prevalecer o foro do local do objeto a ser periciado em detrimento do foro da sede da empresa ré que coincidia com o foro de eleição. Veja-se: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO PELO RELATOR. AGRAVO INTERNO. MANIFESTAÇÃO DO COLEGIADO. VIOLAÇÃO AO ART. 932 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. LOCAL DA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA DIVERSO DO LOCAL DE SEDE DA EMPRESA RÉ E DE ELEIÇÃO. QUESTÃO DE PRATICIDADE DA INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. O propósito recursal é definir, se a produção antecipada de prova pericial pode ser processada no foro onde situado o objeto a ser periciado ao invés do foro de sede da empresa ré, que coincide com o foro eleito em contrato. 2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 4. A interposição de recurso e a devolução da matéria ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade, inexistindo interesse recursal a justificar conhecimento de suposta violação do art. 932 do CPC/2015. Precedentes. 5. Antes mesmo do advento da norma expressa do art. 381, § 2º, do CPC/2015, o STJ já permitia a relativização da competência do juízo da ação principal em relação aos procedimentos cautelares ao interpretar a aplicabilidade do art. 800 do CPC/73 à produção de provas na forma antecipada, levando em consideração questões práticas de instrução processual, além de a necessidade de se conferir maior celeridade. Precedentes. 6. Hipótese em que a realização de prova pericial em equipamento localizado em sede de empresa terceira exigirá do perito levantamento estrutural, verificação de cálculos e soluções de engenharia, além de questionamentos sobre materiais e técnicas de construção utilizados, para fins de avaliar existência de problemas ou defeitos que poderão ensejar eventual ação principal. 7. O foro de exame prévio de prova não torna ele prevento para a eventual ação principal (art. 381, § 3º, do CPC/2015), razão pela qual inexiste prejuízo presumido da parte que busca a prevalência da regra geral de competência territorial do domicílio do réu, ou da eleição de foro em contrato. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 2.136.190/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 6/6/2024)." Como é possível perceber, apesar de haver foro de eleição, que coincidia com o domicílio da ré, não haveria prejuízo presumido em favor dessa última, pois a produção antecipada de provas foi proposta no foro do local onde se encontrava o objeto a ser periciado. Ademais, não há prevenção de foro para a propositura de eventual ação principal, nos termos do § 3º do art. 381 do CPC/15, o que reforça a ideia de que a propositura da demanda no foro do local onde será realizada a perícia é benéfica para ambas as partes. Em outras palavras, merece elogios a decisão do STJ acima transcrita, que fez prevalecer o foro do local da perícia em detrimento do foro de eleição ou do domicílio do réu. No mesmo sentido é a mais abalizada doutrina, como se pode depreender da lição de Tatiana Tiberio Luz que, em primoroso trabalho sobre o tema, resultado de profunda pesquisa consubstanciada em tese de doutorado recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), ensina que: "(...) Conforme art. 381, § 2º, do Código de Processo Civil, para a ação de produção antecipada de provas, é competente o juízo do foro onde a prova deve ser produzida ou do domicílio do réu. Trata-se de uma inovação legislativa que merece aplausos, pois sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a competência para a ação de produção antecipada de provas era do foro competente para a ação que visava o acertamento da lide, o que nem sempre coincidia com o local onde a prova deveria ser realizada. Isso gerava o risco de perecimento da prova, especialmente considerando que, naquele regime, a ação de produção antecipada de provas era admitida exclusivamente com fundamento na urgência de sua produção. O atual diploma legal supera esse obstáculo ao permitir que a ação de produção antecipada de provas seja ajuizada no foro onde a prova deve ser realizada. Não obstante tal faculdade, não nos parece ser eficiente que a ação de produção antecipada de provas seja distribuída no foro do domicílio do réu se a prova a ser produzida deva ser realizada em outro local. Se, por exemplo, o autor pretender a realização de uma prova pericial em um imóvel localizado em uma comarca e o réu residir em outra, o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas no foro do domicílio do réu ensejará a expedição de carta precatória para a comarca em que a prova será produzida, se o pedido da sua produção for deferido, o que não parece haver muito sentido, mormente, se a produção da prova for fundamentada pela necessidade de sua produção urgentemente" (LUZ, Tatiana Tiberio. "Ação de produção antecipada de provas: princípios, hipóteses de cabimento e procedimento". São Paulo: Revista dos Tribunais Thomson Reuters Brasil, 2025. p. 155). Portanto, de qualquer ângulo que se examine a questão, seja à luz da jurisprudência ou da doutrina em seu estado da arte, é forçoso concluir que a decisão do STJ, de fazer prevalecer o foro do local onde está o objeto a ser periciado em detrimento do foro de eleição e do foro do domicílio do réu, merece aplausos e encontra-se irretocável. 
O relatório Justiça em Números de 2024 aponta que há 83,8 milhões de processos em tramitação, sendo que o percentual de 56,5% corresponde a execuções; e sendo que a maior parte dos processos de execução é composta pelas execuções fiscais, que representam 59% do estoque. Vale realçar que a taxa média nacional de congestionamento, quanto às execuções, é de 80,6%, o que demonstra, inevitavelmente, que temos uma grave crise na execução brasileira, ocasionada, principalmente, pela ausência de bens dos devedores para solverem os débitos exigidos. Existe, assim, uma enorme crise na execução no Brasil. E, em síntese, estudiosos no país lidam com esse cenário da execução de cinco formas: (i) propostas de reformas legislativas; (ii) estudos sobre desjudicialização; (iii) desenhos de requisitos e limites para a aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15"); (iv) debates sobre como localizar-se mais rapidamente os bens dos devedores; e (v) relativização da excepcionalidade de algumas medidas executivas, ou mesmo permissão de constrição de alguns bens tidos como impenhoráveis. Foi nesse último sentido, por exemplo, a posição da Corte Especial do STJ no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, relativizando-se a impenhorabilidade de salário prevista no artigo 833, IV, do CPC/15: "a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, em caráter excepcional, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família". A questão voltará a ser enfrentada pelo STJ no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.894.973, 2.071.335 e 2.071.382, de relatoria do ministro Raul Araújo, sob o rito dos repetitivos. A questão está cadastrada como Tema 1.230 e vai definir o "alcance da exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), em relação à regra da impenhorabilidade da verba de natureza salarial tratada no inciso IV do mesmo dispositivo, para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a cinquenta (50) salários-mínimos"1. E existe a possibilidade de a Corte Especial do STJ manter o entendimento - inclusive fixando critérios - de relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família; em linha, diga-se, com legislações processuais europeias, tal como se estipula no parágrafo 850-C da ZPO e no artigo 738 do CPC/13. Caso assim ocorra, e até mesmo por coerência, naturalmente a previsão da impenhorabilidade do montante de 40 salários-mínimos - prevista no artigo 833, X, do CPC/15, precisa ser revisitada; a exemplo, aliás, do que ocorre no parágrafo 850-k da ZPO e no artigo 738, 5, do CPC/13, nos quais a impenhorabilidade de valores em conta bancária acompanha, em sintonia, os parâmetros da proteção à verba salarial. No Brasil, registre-se, a falta de coerência do CPC/15 já ocorre nas balizas de proteção eleitas para as verbas salariais, em execuções de créditos não alimentares, apontando-se o patamar de 50 salários-mínimos no parágrafo 2º do artigo 833 do código. Por sua vez, o artigo 833, X, do CPC/15, protege a verba monetária de até 40 salários-mínimos, inexistindo uma lógica forte para explicar a razão de previsão díspares nesses dispositivos. E tal incongruência pode se agravar caso o julgamento do Tema 1.285 não acompanhe a linha de apreciação do Tema 1.230, pelo qual o STJ tende a confirmar a posição já delineada pela Corte Especial no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, fortalecendo-se um precedente que siga a diretriz da relativização do disposto no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15. Vale lembrar que o objeto do citado Tema 1.285 é justamente a interpretação do artigo 833, X, do CPC/15, cabendo ao STJ: "definir se é ou não impenhorável a quantia de até 40 salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos". O assunto será julgado pela Corte Especial do STJ, sob o rito dos repetitivos, apreciando-se os Recursos Especiais n. 2.015.693 e n. 2.020.425, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura. É certo dizer que a insegurança jurídica deve ser evitada e que a execução deve ser regida pelos pilares da efetividade e da eficiência, muito bem estampados nos artigos 4º e 8º do CPC/15; de tal sorte que a Corte Especial do STJ deve cuidar para que seus precedentes a serem fixados nos Temas 1230 e 1.285 estejam em harmonia, garantindo-se que nos casos de relativização da regra de impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15, também ocorra a relativização da proteção estipulada no artigo 833, X, do CPC/15. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 19.11.2024.
Nossos Tribunais recebem um número enorme de recursos e para tentar otimizar as pautas foram instituídos os julgamentos virtuais em muitas Cortes. Nesses julgamentos não é possível a realização de sustentação oral e nem mesmo assistir a sua realização. Em muitos casos são julgamentos que perduram por muitos dias, sendo que o Relator inclui o seu voto e os demais votantes ou acompanham ou apresentam voto divergente.  Não sendo possível sustentar oralmente e nem mesmo assistir ao julgamento virtual dúvida que surge é se seria necessária a publicação da inclusão dos feitos em pauta de julgamento. De fato, o artigo 934 do CPC prevê a obrigatoriedade da publicação da pauta de julgamento e o artigo 935 do CPC obriga que a publicação ocorra, no mínimo, 5 dias antes da realização do julgamento. Apesar de ser um Código recente, não é prevista exceção para o caso de julgamento virtual. O Tribunal de Justiça de São Paulo é uma das Cortes que instituiu o julgamento virtual e não publica a inclusão desses feitos em pauta de julgamento. O Tribunal, logo após a distribuição do recurso, publica para que as partes se manifestem, em cinco dias úteis, sobre a concordância com a realização do julgamento virtual. Não havendo oposição, o julgamento virtual é iniciado sem nova intimação das partes. Tal modalidade de julgamento está disciplinada nas Resoluções 549/2011 e 772/17 do Órgão Especial da Corte. Nesse sentido é o entendimento da Corte Paulista:  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Nulidade do julgado realizado por via de julgamento virtual Descabimento - Controvérsia recursal que não se enquadra no inciso VIII do art. 937 do CPC, sem possibilidade, pois, de sustentação oral, sendo despicienda a remessa dos autos para julgamento na modalidade presencial - Demais disso, o julgamento virtual dispensa a publicação de pauta de julgamento - Movimentação que se encontra devidamente registrada no andamento processual e disponível para consulta no site deste Tribunal - Nulidade afastada - Omissão - Ausentes as hipóteses do art. 1.022 do CPC - Caráter infringente - Inadmissibilidade - Embargos rejeitados." (g.n.)   (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 2072181-28.2024.8.26.0000; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/10/2024; Data de Registro: 29/10/2024)  "Embargos de Declaração. Acórdão que negou provimento ao recurso de apelação da ora embargante. Alegação de nulidade pela ausência de publicação da pauta de julgamento. Inocorrência. Parte que foi intimada sobre a distribuição do recurso, sendo-lhe facultado apresentar oposição ao julgamento virtual. O silêncio da recorrente, nessa hipótese, autoriza a referida modalidade de julgamento, nos termos da Resolução nº 549/2011, em sessão permanente desta C. Câmara. Cenário em que não há nova intimação ou inclusão em pauta, o que ocorre apenas nas sessões telepresenciais. Precedente deste E. TJSP. Embargos de declaração rejeitados." (g.n.)  (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 1054294-59.2019.8.26.0053; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/02/2024; Data de Registro: 27/02/2024)  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Nulidade do acórdão embargado, por ter sido prolatado em julgamento sem intimação da parte acerca de sua inclusão em pauta e da data do julgamento - Afastamento - Julgamento virtual - Embargante que não manifestou expressa oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da Resolução nº 549/2011, com a redação que lhe foi dada pela Resolução nº 772/2017 - Inexistência de previsão, quer na legislação processual civil, quer no regimento interno ou nas demais normas deste E. Tribunal, no sentido da obrigatoriedade de intimação das partes quanto ao início do julgamento virtual do recurso - Ausência, ademais, de omissão, contradição ou obscuridade que dê ensejo a qualquer modificação no julgado - Prequestionamento - Providência cabível apenas quando a decisão embargada, efetivamente, padece de obscuridade, contradição ou omissão, vícios não verificados no caso concreto - Embargos rejeitados." (g.n.)  (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 1129422-75.2018.8.26.0100; Relator (a): Caio Marcelo Mendes de Oliveira; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2020; Data de Registro: 02/12/2020) Entretanto, recente julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça atestou que o procedimento do Tribunal de Justiça de São Paulo não estaria correto e que deveria haver a publicação da pauta de julgamento mesmo para os casos em que as partes não manifestassem oposição ao julgamento virtual:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DA PAUTA DE JULGAMENTO. PREJUÍZO. NULIDADE DO JULGADO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. Conforme expressamente dispõem os artigos 934 e 935 do Código de Processo Civil de 2015, é necessária a publicação da pauta de julgamento no órgão oficial, sendo que entre a data de publicação e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de cinco dias. 2. A ausência de publicação da pauta de julgamento, ainda que na modalidade virtual, acarreta nulidade do julgado, notadamente quando a omissão causa prejuízo ao recorrente. 3. Agravo interno provido." (AgInt no AREsp n. 2.103.074/SP, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 5/9/2024.) Do voto vencedor se extraí os seguintes trechos: "Entendo que temos que ter maiores cuidados ou redobrados cuidados nessas pautas virtuais, porque, afinal, elas, no que agilizam o trabalho do órgão julgador, de outro lado, não podem implicar sacrifício do amplo direito de defesa que a Constituição assegura às partes num processo justo. Ressalta-se que a Resolução da Corte Estadual, conforme consignado no acórdão recorrido, trata de prazo específico de cinco dias úteis para manifestação de oposição ao julgamento virtual contados da publicação da distribuição dos autos, e não de prazo para julgamento, que é estabelecido nos arts. 934 e 935 do CPC/2015 (...) "Na hipótese, a ausência de publicação da pauta de julgamento configura nulidade insanável em razão do evidente prejuízo suportado pela parte recorrente, que teve a apelação julgada contra si. Se a parte tivesse colhido êxito na apelação, o fato de não ter sido intimada e não ter tido oportunidade para produzir sustentação oral ou apresentar memoriais não teria efetivamente acarretado prejuízo. Nessas condições, impõe-se o reconhecimento da nulidade do julgamento em face da ausência de publicação da pauta virtual nos termos estabelecidos nos arts. 934 e 935 do CPC/2015." Desse modo, parece correto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pois mesmo a parte não tendo manifestado oposição ao julgamento virtual no prazo do regimento, de cinco dias úteis, permanece seu direito assegurado pelos artigos 934 e 935 do CPC de ser intimada da pauta, para que possa distribuir memoriais ou marcar audiências com os julgadores.  Esse é o primeiro julgado que se tem notícia no Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento unânime quanto a desnecessidade de publicação da pauta de julgamento nesses casos virtuais. Portanto, o mais prudente é o advogado requerer a exclusão do recurso de eventual pauta virtual caso queira despachar memoriais, requerer audiência com os julgadores e mesmo sustentar oralmente e acompanhar o julgamento presencial ou telepresencial.  
O Incidente de IRDR - Resolução de Demandas Repetitivas, disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC, tem como principais objetivos (i) a racionalização de julgamentos de demandas que tratem a mesma matéria e (ii) uniformização de jurisprudência ao permitir que o precedente ali formado seja aplicado igualmente nas ações suspensas até ulterior julgamento do IRDR, sem prejuízo (iii) de sua observância na qualidade de precedente obrigatório. Contra a decisão que decide o IRDR, o art. 987 do CPC é expresso em determinar que "(...) do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso", tendo o § 1º, disposto que "(...) o recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida." Por sua vez, o recurso ordinário, disciplinado nos arts. 1027 e 1028 do CPC, tem, dentre suas hipóteses de incidência de cabimento, decidir aludido recurso interposto em "(...) mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e territórios, quando denegatória a decisão." Na hipótese acima, poder-se-ia cogitar que em (i) mandado de segurança originariamente impetrado em tribunal regional federal ou tribunal estadual, (ii) todavia convertido para julgamento sob o rito do IRDR com vistas a (iii) firmar tese denegatória da segurança, o recurso cabível contra aludida decisão seria o recurso ordinário. E foi desse modo que decidiu recentemente o STJ: "PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO EM TRIBUNAL. DENEGAÇÃO. TESE FIXADA EM IRDR. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. 2. Nos termos do art. 987 do CPC/15, o apelo nobre interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem no julgamento de IRDR deve ser processado de forma qualificada, sendo recebido como representativo de controvérsia. 3. Hipótese, porém, em que o presente recurso origina-se de ação mandamental que foi impetrada diretamente no Tribunal de origem e teve a segurança denegada, prevendo a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - o recurso ordinário como o cabível no caso concreto (art. 105, II, "b"), razão pela qual é inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. 4. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, grifou-se) O voto condutor restou fundado nas seguintes razões: "(...) Note-se, entretanto, que compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. Essa é a dicção do art. 256-E do RISTJ: Art. 256-E. Compete ao relator do recurso especial representativo da controvérsia, no prazo máximo de sessenta dias úteis a contar da data de conclusão do processo, reexaminar a admissibilidade do recurso representativo da controvérsia a fim de: rejeitar, de forma fundamentada, a indicação do recurso especial como representativo da controvérsia devido à ausência dos pressupostos recursais genéricos ou específicos e ao não cumprimento dos requisitos regimentais, observado o disposto no art. 256-F deste regimento; propor à Corte Especial ou à seção a afetação do recurso especial representativo da controvérsia para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do CPC e da seção II deste capítulo. Na hipótese, não obstante as considerações tecidas pela então ministra Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, da análise dos autos, verifica-se que não é caso de afetação do recurso à sistemática dos recursos repetitivos,  visto que este não ultrapassa os requisitos de admissibilidade. É que, a despeito da disciplina do art. 987, caput, do CPC/2015, que possibilita o manejo do especial contra acórdão proferido em incidente de resolução de demanda repetitiva, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira sistemática com o texto constitucional, de modo a conferir-lhe (à norma constitucional) a máxima aplicação e efetivação, especialmente em função da aplicação do princípio da força normativa da CF/88. Tratando-se de recurso originado de ação mandamental impetrada diretamente no Tribunal de origem que teve a segurança denegada, tem-se, nos termos da alínea "b" do inciso II do art. 105 da CF/88, que tal julgado deve ser atacado por recurso ordinário. Nesse contexto, considerando que, para o caso concreto, a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - estabelece expressamente o recurso ordinário como o cabível, afigura-se inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. (...)" (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1ª seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos, j. 9.10.2024, grifou-se) Todavia, emergiu divergência inaugurada por voto-vista do Min. Paulo Sérgio Domingues, seguida de voto vista do Min. Sérgio Kukina em igual sentido, divergência essa acompanhada pelo min. Teodoro Silva Santos: "(...) Pedi vista dos autos por entender que a discussão é nova na Corte, consistindo ela em saber se o acórdão que a um só tempo denega mandado de segurança e julga o IRDR pode ser impugnado por recurso especial; e, sendo negativa a resposta, se o princípio da fungibilidade poderia ser aplicado nessa hipótese. De início, consigno que não se aplica ao caso dos autos o entendimento adotado pela Corte Especial no REsp 1.798.374 (relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 21/6/22) de que "não cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de 'causa decidida'". Isso porque, no presente feito, o Tribunal de origem decidiu a tese e o caso, como se verifica na parte dispositiva do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 478): Do exposto, no incidente de resolução de demandas repetitivas, voto pela fixação da seguinte tese: "a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública". Ainda, no caso concreto, voto pela denegação da segurança, com a condenação do impetrante ao pagamento das custas processuais. Quanto ao recurso cabível no caso dos autos, entendo que a previsão do art. 105, inciso II, alínea b, da CF/88, que sujeita o acórdão denegatório de mandado de segurança a recurso ordinário, não pode ser mitigada com o fim de cumprir as finalidades do IRDR. Por mais relevantes que sejam, tais finalidades foram instituídas no plano infraconstitucional. Concordo neste ponto com o relator. Por outro lado, o fato de o art. 987 do atual CPC estabelecer que cabe recurso especial ou extraordinário contra o julgamento do mérito do IRDR não exclui o regramento específico do recurso ordinário, previsto no art. 1.027, II, a, do mesmo código e no art. 18 da lei 12.016/09, dispositivos que reproduzem o texto constitucional. Tudo isso me faz concluir, concordando com o relator, que a interposição do recurso especial na hipótese sob exame constitui erro. E reconheço que a jurisprudência sempre classificou esse erro como inescusável. O cabimento do recurso ordinário contra a denegação da segurança foi estabelecido pela Carta de 1946 e mantido pela Carta de 1967, levando o STF a enfrentar a matéria e se posicionar, conforme o teor do súmula 272, aprovada em 13/12/63, no sentido de que "Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança". Aquela última previsão constitucional foi suprimida pelo Ato Institucional 6/69 e restabelecida pela CF/88, dando ensejo à jurisprudência desta Corte, de fato sedimentada, na mesma direção. Apesar disso, esta Corte não enfrentou situação semelhante à dos autos. A questão é nova em razão do texto do art. 987 do atual CPC, que, bem depois da consolidação do entendimento acima exposto, no ano de 2015, estabeleceu: "Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial." Mas a questão também é nova em razão do contexto em que essa previsão surge, montando o sistema de precedentes instituído pela lei processual. O acórdão que decide os recursos extraordinário e especial interpostos contra o julgamento de mérito do IRDR uniformiza o tratamento da matéria nacionalmente. Além disso, terão esses recursos, como regra, efeito suspensivo. Segundo a doutrina, isso "significa dizer que o acórdão prolatado no incidente de resolução de demandas repetitivas nasce com a eficácia suspensa (ou contida), dependendo, para liberação do seus efeitos (fundamentalmente o fim da suspensão dos processos tratando da mesma questão de direito e a vinculação dos respectivos juízos à decisão do incidente) do transcurso in albis do prazo recursal ou do julgamento dos recursos especial ou extraordinário eventualmente interpostos" (ALVIM, Angélica Arruda ... [et. al.]. Comentários ao CPC. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.138). Em tese, tais efeitos não seriam alcançados com a interposição do recurso ordinário. Esse meio de impugnação não tem efeito suspensivo e o acórdão nele proferido não foi incluído no art. 927 do CPC. Quer dizer, o acórdão que decidiu o IRDR não é suspenso pela interposição do recurso ordinário. E o julgamento desse recurso pode resultar na substituição de um acórdão da instância ordinária com efeito vinculante por um acórdão da instância superior sem efeito vinculante. O novo sistema de precedentes trazido pelo CPC de 2015 foi estruturado imaginando que sejam suscitados os incidentes a partir de ações de rito comum ou não, iniciadas em primeiro grau de jurisdição, com apelação e eventualmente recurso especial. Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário. Daí a previsão do art. 987 do CPC, a prever apenas o recurso extraordinário e o recurso especial contra o julgamento do mérito do IRDR - aplicáveis às ações em geral, mas não ao mandado de segurança. Tais circunstâncias, a meu ver, não tornam correta a interposição do recurso especial no caso dos autos. Entretanto, certamente estiveram no horizonte do Estado do Paraná que no momento precisou examinar os meios de impugnação disponíveis e confrontá-los com o modelo de causas repetitivas implantado pelo CPC. Assim, a dúvida alegada pela parte recorrente decorre do novo sistema de precedentes, o que a caracteriza como uma dúvida externa ou objetiva, a amparar o recebimento de um recurso pelo outro. Nesse sentido: "A aplicação do princípio da fungibilidade exige, entre outros requisitos, a ocorrência de erro escusável, entendido como dúvida objetiva acerca do instrumento processual cabível" (AgInt no AREsp 1.709.041/RS, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, DJe de 11/3/21). É evidente que a aceitação do recurso ordinário, se for essa a posição a prevalecer no presente caso, trará consigo desafios que precisarão ser resolvidos. Esta Corte, a meu ver, precisará compatibilizar os tradicionais efeitos desse meio de impugnação com as finalidades do IRDR. Afinal, não se pode admitir a existência de uma lacuna no sistema. Nesse sentido bem lembrou o ministro Gurgel de Faria em seu pronunciamento oral na sessão de 24/4/24, que o CPC possui instrumentos para remover essa aparente incongruência, como o Incidente de Assunção de Competência, instituto que funciona como uma válvula de escape para a hipótese cogitada e cuja instauração pode ser requerida, inclusive, pela parte recorrente (art. 947, § 1º). Também se poderia pensar na submissão do recurso ordinário ao regime de "julgamento dos recursos repetitivos". Tais questões seriam discutidas no momento próprio. Considero importante fazer essas colocações porque para qualquer que seja a posição a ser adotada no presente julgamento será necessário, senão agora, no futuro, compatibilizar o cabimento do recurso ordinário na hipótese dos autos com o sistema de precedentes instituído pelo CPC. Por fim, em razão do ineditismo e das peculiaridades que mencionei, a aplicação do princípio da fungibilidade, apenas nesse caso específico, terá o condão de orientar a interpretação da norma nesta singular questão, bem como a futura aplicação dos dispositivos legais pelas partes e pelo Judiciário, em consonância com os entendimentos desta Corte Superior. Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno, a fim de, reconhecendo a aplicação do princípio da fungibilidade exclusivamente no presente caso, receber a irresignação como recurso ordinário. É o voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, Voto Vista min. Paulo Sérgio Domingues, grifou-se) Em igual sentido, sobreveio voto-vista sentido foi o voto-vista destacado pelo Min., Sérgio Kukina: "(...). Pois bem. Desde logo, estou a comungar com a pertinente observação trazida no voto divergente do ministro Paulo Sérgio Domingues, no sentido de que "Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário". Avançando, entendo possível, no caso, o imediato conhecimento do próprio recurso especial do Estado, uma vez que, na espécie e a meu sentir, revela-se o correto. Explico. De fato, em se optando pelo recebimento do especial como recurso ordinário constitucional, por aplicação da fungibilidade, restaria frustrado o propósito do legislador processual de 2015, no ponto em que, ao indicar o cabimento do recurso especial ou extraordinário para combater decisão proferida em IRDR, objetivou a que, apreciado o mérito do recurso pelo STF ou pelo STJ, a tese jurídica adotada fosse "aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito" (art. 987, § 2º, do CPC), cujo intento, na espécie, não seria alcançado com a utilização do recurso ordinário, que nada dispõe quanto a esse enfoque vinculante. Tenho, por isso, como acertada a opção do Estado agravante pelo emprego do recurso especial (art. 987 do CPC), sendo certo, como por ele sublinhado (fls. 776/779), que a 1ª seção do STJ já teve ensejo de julgar, no mérito, recurso especial oriundo de IRDR - REsp 1.807.665/SC, de minha relatoria (em desdobramento de lides apreciadas por Juizados Especiais Estaduais), de cuja decisão, a teor da súmula 203/STJ, não caberia recurso especial. Vencido que seja, no entanto, quanto a esse entendimento, já antecipo que, então, aderirei à tese favorável à aplicação do princípio da fungibilidade, em ordem a se conhecer do especial como se ordinário fosse, porquanto presentes os requisitos da dúvida objetiva (decorrente do próprio texto legal) e da ausência de erro grosseiro ou má fé, cuidando-se, mais, de recurso induvidosamente tempestivo. Reitero, porém, a circunstância de que, em se confirmando o acórdão local por esta 1 Seção em sítio de recurso ordinário (art. 105, II, "b", da CF), a tese meritória assim sufragada terá sua eficácia vinculante restrita apenas ao estado paranaense, não se aplicando a todo o território nacional, como aconteceria caso se conhecesse e julgasse o próprio recurso especial originariamente interposto pelo Estado (art. 987, § 2º, do CPC). ANTE O EXPOSTO, peço licença para, respeitosamente, divergir dos meus eminentes pares para dar provimento ao agravo interno do Estado do Paraná, em ordem a conhecer diretamente diretamente do próprio recurso especial. Caso reste vencido nessa proposta, e para viabilizar o necessário desempate, então adiro à divergência inaugurada pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues para, com amparo no princípio da fungibilidade, conhecer do recurso especial do Estado (art. 987 do CPC) como sendo recurso ordinário constitucional (art. 105, II, "b", da CF). É como voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.2024, voto-vista min. Sérgio Kukina, grifou-se) Ao final, a 1ª seção do STJ inadmitiu o recurso especial em apertado resultado de julgamento1, por entender, por maioria de votos, incabível o manejo de recurso especial interposto contra acórdão que decidiu IRDR, dada a particularidade de, no caso, malgrado o julgamento de IRDR, trata-se de mandado de segurança originariamente impetrado no âmbito dos tribunais, a desafiar o cabimento de recurso ordinário como meio de impugnação contra o v. acórdão de segunda instância. A nosso sentir, a divergência inaugurada deveria prevalecer com vistas a aplicar-se o princípio da fungibilidade. A uma, (i) há dúvida objetiva entre o cabimento do meio de impugnação que julgou o IRDR no caso, atraindo a incidência dos arts. 1027 (recurso ordinário) ou 987, do CPC (recurso especial ou extraordinário). A duas, (ii) em vista do regime especial reservado ao julgamento do IRDR (arts. 976 a 987 do CPC) e sendo a decisão então impugnada, inequivocadamente acórdão que decidiu IRDR, por mais razão dever-se-ia admitir o cabimento de recurso especial ou extraordinário, tal qual expressamente impõe o art. 987 do CPC ao prever aludidos meios de impugnação cabíveis contra as decisões colegiadas proferidas em sede de IRDR. A três, sendo aplicado ao regime de julgamento de IRDR o caráter de uma decisão vinculante (ou precedente obrigatório), por mais razão o corretor seria admitir como meio de impugnação contra decisão colegiada ali proferida o cabimento de recurso especial ou extraordinário, a aplicar-se aludido regime disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC por inteiro (e não pela metade). 1 "CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sérgio Kukina dando provimento ao agravo interno para conhecer do recurso especial, o voto do Sr. Ministro Francisco Falcão acompanhando o Relator e o voto desempate da Sra. Ministra Regina Helena Costa (RISTJ, Art. 24, I), a Primeira Seção, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Paulo Sérgio Domingues, Teodoro Silva Santos e Sérgio Kukina, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Afrânio Vilela, Francisco Falcão e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves. Presidiu e proferiu voto-desempate a Sra. Ministra Regina Helena Costa".
Como se sabe, o art. 40, da lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), estabelece que o juiz "suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição". Conforme o § 2° do referido dispositivo legal, decorrido o prazo máximo de 1 ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. Entretanto, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, nos termos do § 4º do mesmo artigo. Assim, pode ocorrer a prescrição intercorrente no curso da execução fiscal, se o processo for suspenso nos termos do art. 40 da lei de execuções fiscais, os autos forem enviados ao arquivo após um ano em cartório e, depois disso, fluir integralmente o prazo prescricional sem que sejam localizados o devedor ou seus bens passíveis de penhora. Apesar de a prescrição ser matéria que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, não raro é necessário que o executado "alerte" o magistrado sobre a ocorrência de prescrição intercorrente por meio de exceção de pré-executividade para que o decurso do prazo prescricional seja devidamente reconhecido pelo magistrado e produza seus efeitos legais. Questão interessante é saber se são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública caso aconteça o reconhecimento da prescrição intercorrente no curso da execução fiscal e após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado. Isso porque o art. 85, do CPC, que versa sobre a fixação de honorários advocatícios de sucumbência é silente a respeito. Recentemente, o STJ julgou o recurso especial 2.046.269 e tratou de responder esta questão pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.229 DO STJ. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 40 DA LEI 6.830/80. NÃO LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO OU DE BENS PENHORÁVEIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. APLICAÇÃO. 1. A questão jurídica controvertida a ser equacionada pelo STJ, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da lei 6.830/80. 2. Os princípios da sucumbência e da causalidade estão relacionados com a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios, sendo que a fixação da verba honorária com base na sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, que caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está previsto no art. 85, caput, do CPC/15, enquanto o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada. 3. O reconhecimento da prescrição intercorrente, especialmente devido a não localização do executado ou de bens de sua propriedade aptos a serem objeto de penhora, não elimina as premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais, ante a aplicação do princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação. 4. Ainda que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em condenação ao pagamento de verba honorária ao executado. 5. Tese jurídica fixada: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". 6. Solução do caso concreto: a) não se configura ofensa aos art. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022, II, do CPC/15,quando o tribunal de origem aprecia integralmente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, mesmo que em sentido contrário ao postulado, circunstância que não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional; b) o entendimento firmado pelo TRF da 4ª região é de que os honorários advocatícios, nos casos de acolhimento da exceção de pré-executividade para reconhecer a prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da LEF, não são cabíveis quando a Fazenda Pública não apresenta resistência ao pleito do executado, enquanto o precedente vinculante aqui formado explicita a tese de que, independentemente da objeção do ente fazendário, a verba honorária não será devida em sede de exceção de pré-executividade em que se decreta a prescrição no curso da execução fiscal. 7. Hipótese em que o acórdão recorrido merece reparos quanto à tese jurídica ali fixada, mas o desfecho dado ao caso concreto deve ser mantido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 2.046.269/PR, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 15/10/24, grifos nossos)". Assim, o recurso acima ementado foi julgado pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, tendo sido fixado o tema 1.229 pela 1ª seção do STJ, nos seguintes termos: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". Em outras palavras, o entendimento que acabou prevalecendo foi o de que, no âmbito da execução fiscal, a Fazenda (exequente) não deu causa à prescrição porque a não localização de bens do devedor ou de bens passíveis de penhora não foi causada por ela. Desse modo, no entender do STJ, a Fazenda não deveria ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios para o executado na hipótese de reconhecimento da prescrição intercorrente em exceção de pré-executividade porque ela não teria dado causa à não localização do devedor ou de seus bens. Com o devido respeito, tal decisão não é irretocável, pois deixa de considerar que o executado teve que contratar advogado para apresentar exceção de pré-executividade e fazer ser reconhecida prescrição. Ou seja, o trabalho do advogado tem um custo que foi desconsiderado pela decisão do STJ. E mais, a decisão ignora a possibilidade de a Fazenda ter sido negligente na tentativa de localização do executado ou de seus bens. Assim, simplesmente deixar de atribuir honorários advocatícios ao advogado que trabalhou no processo para defender os interesses de seu cliente não é a melhor solução. Isso apenas tornará mais oneroso o acesso à justiça, pois o advogado (que exerce função essencial à justiça nos termos do art. 133, da CF/88), sabendo que não receberá verbas de sucumbência devido ao entendimento fixado no tema 1.229, deverá cuidar de fixar em valor mais elevado os honorários pactuados no contrato de prestação de serviços advocatícios, para garantir o seu sustento.
O art. 1.026 do CPC/15 estabelece expressamente que a interposição dos embargos de declaração gera o efeito interruptivo para a contagem do prazo relativo à possibilidade de manejo de eventual recurso subsequente. A doutrina é bastante enfática quanto a este inerente efeito dos embargos de declaração, relativizando-se apenas o efeito interruptivo quando os embargos de declaração são interpostos de forma intempestiva. Teresa Arruda Alvim, neste ponto, é bem didática ao expor que: "Em qualquer caso, salvo no de intempestividade, os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição dos outros recursos, para ambas as partes" (Primeiros Comentários ao Novo CPC, RT, 2ª. edição, página 1645). Não é outra, inclusive, a posição de Cássio Scarpinella Bueno, sustentando-se claramente a regra do efeito interruptivo dos embargos de declaração, tal qual previsto no artigo 1026 do CPC/15 (Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, 2ª. edição, página 699). Neste ponto, portanto, muito importante é o julgado referente ao AgInt no REsp 1.590.726, da relatoria da ministra Assusete Magalhães, na linha de relativizar o efeito interruptivo dos embargos declaração apenas quando esse recurso for interposto de forma intempestiva. Veja-se: "De fato, como destacou a decisão ora agravada, esta Corte registra precedentes no sentido de que "os embargos de declaração são oponíveis em face de qualquer decisão judicial e, uma vez opostos, ainda que não conhecidos ou não acolhidos, interrompem o prazo de eventuais e futuros recursos, com exceção do caso em que são considerados intempestivos" (STJ, REsp 1.147.525/DF, rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª TURMA, DJe de 20/09/10). No mesmo sentido: STJ, REsp 796.051/SP, rel. Ministra ELIANA CALMON, 2ª TURMA, DJU de 11/12/07; AgRg no Ag 920.272/DF, rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª TURMA, DJe de 17/02/09; AgRg no AREsp 579.960/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, DJe de 10/06/15; AgRg no AgRg no AREsp 310.064/RS, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, 1ª TURMA, DJe de 28/05/14; AgRg no REsp 1395318/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª TURMA, DJe de 29/11/13." Igual posicionamento pode ser observado no julgamento do AgInt no AREsp 1836176 / DF, relatoria do ministro Raul Araújo: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. "(...) Os Embargos de declaração, com exceção dos intempestivos, interrompem o prazo para a utilização de outros recursos. Precedentes." (AgInt nos EDcl no REsp 1.457.036/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª turma, julgado em 21/3/19, DJe de 27/3/19). 2. Agravo interno desprovido." Este foi, aliás, o entendimento da Corte Especial do STJ, na apreciação do REsp 1.522.347: "A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo contendo pedido de efeitos modificativos, não interromperem o prazo para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não conhecimento do recurso" (REsp 1.522.347/ES, relator ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe de 16/12/15). Destaca-se a importância desses julgamentos, porque ainda são observados casos, na Corte Superior, onde em situações de "não conhecimento" dos embargos de declaração, em hipóteses diversas da intempestividade, nota-se o entendimento de que este recurso não teria o efeito interruptivo de que literalmente trata o art. 1026 do CPC/15. Veja-se: "O não conhecimento dos embargos de declaração por irregularidade formal e vício de fundamentação não enseja a interrupção do prazo para a interposição de qualquer outro recurso". (AgInt nos EDcl no REsp 2.078.598). Vale dizer que essa orientação, além de ser dissonante com a própria redação do art. 1026 do CPC, afronta a diretriz histórica da Corte Superior, conforme se nota do julgado abaixo: "Desde o julgamento do EREsp 302.177/SP, Rel. E. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, pela Corte Especial deste Tribunal, DJ de 27.9.04, ficou assentado o entendimento de que os Embargos de Declaração, mesmo quando incabíveis ou de caráter manifestamente infringente, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, a não ser na hipótese de os Embargos não serem conhecidos por intempestividade, o que não se aplica à espécie. (AgRg no RECURSO ESPECIAL 1.128.286 - GO, rel. Min. Sidnei Beneti)." Nesse contexto, até mesmo por segurança jurídica, e em respeito ao princípio da legalidade, a orientação expressa do art. 1026 do CPC, quanto ao efeito interruptivo dos embargos de declaração, deve ser observada, ressalvando-se apenas as situações de intempestividade na interposição desse importante recurso.
Em petições iniciais de ações de repetição de indébito de tributos era muito comum a juntada de milhares de guias de pagamento para a comprovação dos recolhimentos a serem devolvidos. Desde 2009 o STJ pacificou o entendimento de que bastaria a juntada de um único recolhimento para comprovar a condição de contribuinte do Autor e os outros recolhimentos poderiam ser juntados somente na fase de liquidação do julgado, conforme se extrai do tema 115 do STJ: "Mostra-se suficiente para autorizar o pleito repetitório a juntada de apenas um comprovante de pagamento da taxa de iluminação pública, pois isso demonstra que era suportada pelo contribuinte uma exação que veio a ser declarada inconstitucional. A definição dos valores exatos objeto de devolução será feita por liquidação de sentença, na qual obrigatoriamente deverá ocorrer a demonstração do quantum recolhido indevidamente."1                       Já na delimitação do tema 118 do STJ restou estabelecido: "a) tratando-se de mandado de segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da anterior exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação cabal de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo fisco; e b)tratando-se de mandado de segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva alegação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação suficiente dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação mandamental." Desse modo só devem ser juntados na inicial todos os comprovantes de pagamento quando se pretende a obtenção de um juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas ou a homologação de uma compensação realizada. Isto é, quando se quer que o judiciário ateste a efetiva existência, certeza e liquidez do crédito a ser compensado. Com isso ganhou-se agilidade no ajuizamento das ações, já que não mais seria necessário juntar todos os comprovantes e durante a tramitação do feito o Autor teria tempo para levantar e organizar a comprovação de todos os recolhimentos. Entretanto, alguns julgados ainda continuam prevendo que somente os recolhimentos comprovados nos autos seriam passíveis de repetição. Em recente julgado o STJ decidiu, com base na instrumentalidade do processo, que tal previsão transitada em julgado da comprovação prévia poderia ser afastada no caso do Ente Público reconhecer a existência do pagamento, que deixou de ser comprovado pelo contribuinte nos autos: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS 489 E 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL QUE RECONHECE O DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS CUJO RECOLHIMENTO INDEVIDO TENHA SIDO COMPROVADO NOS AUTOS. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS NÃO COMPROVADAS, MAS RECONHECIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO PAGAS. ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE FÉ PÚBLICA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JULGAMENTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, consoante se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados. Tem-se como fato incontroverso, expressamente reconhecido no acórdão recorrido, que a condenação do ente público na ação de conhecimento é restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual consta informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte. Os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo, o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado. Segundo preconizam os arts. 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida. Não há, portanto, necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário. O ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste. São cabíveis os honorários advocatícios em favor da parte credora pela rejeição total ou parcial da impugnação ofertada pela Fazenda Pública, excetuada da base de cálculo apenas eventual parcela devida do crédito. Precedente: AgInt no REsp 2.008.452/SP, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 13/9/2024. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.808.482/RS, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 8/10/24, DJe de 14/10/24.)      O julgamento do STJ está correto, já que no processo o contribuinte afirmou que recolheu as exações e o Fisco comprovou tais recolhimentos documentalmente nos autos. Logo, não faz sentido o Entre Público não querer devolver os valores sob a alegação de que o autor não juntou a comprovação dos recolhimentos. Desse modo, o entendimento do STJ parece atender aos princípios da economia e celeridade processual, vedando o enriquecimento ilícito do erário em detrimento do contribuinte, que efetuou o pagamento de tributos indevidos. ________ 1 Esse é o entendimento que prevalece no STJ até os dias de hoje: AgInt no AREsp 2.450.544/MG, Relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 22/4/24, DJe de 25/4/24.
O princípio da cooperação, previsto no art. 6 do CPC, estabelece o dever de todos os sujeitos do processo em cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. A dimensão de aludido princípio coube a doutrina e jurisprudência atribuir sua melhor interpretação, a convidar a discussões em torno da melhor leitura acerca de aludido dispositivo. Recentemente o STJ examinou a matéria, sob o prisma do juiz, como sujeito do processo, também sujeitar-se ao espírito colaborativo com vistas a entrega da tutela jurisdicional mais efetiva: " PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DEVER DE COOPERAÇÃO. ART. 6º DO CPC. DIFICULDADE DE OBTER INFORMAÇÕES SOBRE A SUCESSÃO DO DE CUJOS. SOLICITAÇÃO DE AUXÍLIO DO JUÍZO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE DILIGÊNCIAS ESPECÍFICAS E IDÔNEAS À FINALIDADE. PARTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 9/6/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/4/2024 e concluso ao gabinete em 15/5/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o juiz tem o dever de cooperar com a parte na busca de informações sobre a parte contrária quando a primeira enfrenta dificuldades para obtê-las e sendo estas indispensáveis para o exercício de seus ônus, faculdades, poderes e deveres. 3. O dever de colaboração está expresso no art. 6º do CPC, o qual dispõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva", bem como presente, implicitamente, em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, a prever que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu. 4. O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 5. De fato, não pode o Juízo - de modo algum - substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições. 6. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 7. Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. 8. No recurso sob julgamento, não houve violação ao art. 6º do CPC, visto que o recorrente não se desincumbiu de seu ônus, pois se limitou a pleitear diligências genéricas, sem especificá-las, bem como não demonstrou a idoneidade dos pedidos para alcançar a finalidade de identificar os sucessores do de cujos a fim de incluí-los no polo passivo da demanda.  9. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "12. O art. 6º do CPC estabelece que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão demérito justa e efetiva". 13. Com nítida inspiração no sistema germânico-europeu, o Código de Processo Civil vigente sedimenta a opção por um modelo colaborativo do processo, por meio do qual se pretende "dividir de maneira equilibrada as posições jurídicas do juiz e das partes no processo civil, estruturando-o como uma verdadeira 'comunidade de trabalho' (Arbeitsgemeinschaft)", expressão atribuída a Leo Rosenberg (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil [livro eletrônico]: Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. RB-1.2). 14. Nesse cenário, é importante observar que as atribuições das partes não se confundem, cabendo a cada uma delas os respectivos ônus, poderes e deveres previstos pelo ordenamento jurídico. 15. Entretanto, todas essas atribuições são orientadas pelo dever de colaboração. O juiz, por exemplo, tem seu papel redesenhado, assumindo uma dupla posição: paritário no diálogo e assimétrico na decisão (MITIDIERO. op. cit.). 16. Inclusive, densificando o tema, Miguel Teixeira de Souza desdobrou o dever do cooperar dos Tribunais portugueses em quatro deveres essenciais, quais sejam: (i) esclarecimento, que "consiste no dever do tribunal de se esclarecer junto às partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo"; (ii) prevenção, por meio do qual o Juízo deve "prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências de suas alegações ou pedidos"; (iii) consulta, devendo o tribunal "consultar as partes sempre que pretenda conhecer a matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem"; e (iv) auxílio "na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de ônus ou deveres processuais", sempre que uma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz desempenho de sua atribuição (GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição Processual Civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2003, n. 6. p. 50-57). 17. Por oportuno, confira-se os termos do art. 7º do CPC português, que também dispõe expressamente acerca do princípio da cooperação (Lei n.º 41/2013. Diário da República n.º 121/2013, Série I de 2013-06-26), in verbis: Artigo 7.º Princípio da cooperação 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo. (grifou-se) 18. Por sua vez, no sistema brasileiro, além da previsão do art. 6º do CPC, há inúmeros dispositivos que impõem, sobretudo em relação à atuação do juiz, o dever de colaborar com as partes. Veja-se, entre outros: art. 9º ("não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida"); art. 10 ("o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"); art. 321 ("o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado"); art. 139, IX ("o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais"); art. 772, II e III ("o juiz pode, em qualquer momento do processo: II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça; III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável"); e art. 933 ("se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de cinco dias"). 19. Acrescente-se que a cooperação também pode ser provocada pelas partes, consoante dispõe o art. 319, II e § 1º, do CPC, o qual autoriza o autor, na petição inicial, a requerer ao juiz as diligências necessárias à obtenção de informações que desconheça referentes aos "nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do réu". 20. De modo bastante similar ao que prevê o código português e ao que estabelece o art. 319, II e § 1º, do código brasileiro, entende-se que a parte pode solicitar a cooperação do Juízo quando demonstrar que não consegue obter informações sem as quais não pode exercer seus poderes, ônus, faculdades e deveres. 21. Não se ignora que as partes devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atividades, não podendo - de modo algum - o Juízo as substituir, porquanto a ele incumbe ser imparcial. 22. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 23. Veja-se que o Juízo tem deveres de esclarecimento, diálogo, auxílio e prevenção, os quais nada mais são do que meios para que se alcance uma decisão justa, a qual interessa não apenas à parte, mas ao Sistema de Justiça. 24. Acrescente-se, ainda, que a decisão do julgador não pode interferir na sua imparcialidade, bem como deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. (...)"  (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) A despeito do julgado acima haver mantido o conteúdo decisório de indeferimento de diligência postulada pela parte, não se pode perder de vista sua contribuição para melhor delineamento do conteúdo do princípio da cooperação, sua aplicação e observância também por parte do juiz, a resistir a expectativa de que longe de se enxergar aludido princípio como "perfumaria", venha este ser aplicado em garantia às partes para um processo justo e de resultados.