Multa cominatória deve ter como limite o valor da obrigação não cumprida?
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Atualizado em 21 de maio de 2025 11:08
O § 1º do art. 536 do CPC estabelece que o juiz pode se valer da imposição de várias medidas de apoio para obrigar alguém ao cumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer contra a própria vontade. Dentre elas está a multa cominatória ("astreinte") utilizada como coerção para fazer com que o devedor cumpra uma obrigação de fazer ou não fazer algo.
Tal multa é tão importante que é objeto de um artigo inteiro do CPC, o art. 537, que é dedicado a disciplinar vários aspectos da sua aplicação aos devedores de obrigação de fazer ou não fazer. Um dos aspectos mais controversos diz respeito ao valor da multa e a possibilidade de ela ser alterada pelo magistrado que a fixou. Os incisos I e II do § 1º do art. 537 do CPC tratam do assunto da seguinte forma:
"Art. 537
(...)
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento" (grifos nossos).
Pela interpretação literal do dispositivo acima transcrito, somente as multas que ainda não venceram podem ter o seu valor alterado para mais ou para menos, se elas se tornaram insuficientes ou excessivas, ou se o obrigado demonstrou parcial cumprimento superveniente da obrigação.
Analisar o comportamento do executado e do exequente é fundamental para se alterar o valor da multa. Não se pode tolerar o executado que descumpre ordens judiciais apostando na hipótese de se desvencilhar da multa no futuro, assim como é intolerável a desídia do exequente que apenas aguarda o tempo passar na expectativa de que as "astreintes" lhe proporcionem um enriquecimento sem causa1.
Recentemente, o STJ, por meio de julgado da sua 4ª turma, decidiu que não só a multa vencida pode ser alterada, mas também que ela pode ser reduzida se ultrapassar o limite da obrigação não cumprida. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE. REVISÃO. ESTIPULAÇÃO DE TETO PARA A COBRANÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO" (STJ, 4ª Turma, Resp 1604753/RS, rel. Min. João Otávio Noronha, v.u., deram parcial provimento, j. 07.05.2023, p. DJEn 12.05.2025).
Nesse julgado, o STJ decidiu que "A revisão do valor das astreintes deve considerar a importância do bem jurídico tutelado e a proporcionalidade em relação ao valor da obrigação principal, evitando enriquecimento sem causa".
No caso concreto, a ré foi condenada à remoção de equipamentos e de limpeza de danos ambientais em imóvel destinado ao comércio de combustíveis. Porém, após acumulados mais de R$ 23.000.000,00 em multas, a ré ainda não tinha cumprido a obrigação! O Tribunal então entendeu por bem reduzir o valor da multa R$ 5.000.000,00.
Diante disso, pergunta-se, pode o juiz reduzir o valor da multa? A resposta é positiva para o STJ, como aconteceu no caso acima ementado, não havendo em preclusão ou trânsito em julgado da decisão que fixa a multa. Porém, é preciso ter cautela em sua revisão, havendo situações em que, pelo comportamento do devedor ou até mesmo pelo valor da obrigação, é recomendável que o valor da multa não seja proporcional ao valor da obrigação. Se, por exemplo, uma empresa cobra mensalmente uma tarifa de um real de seus consumidores de maneira indevida, e estes requerem a suspensão da cobrança, a "astreinte" será ineficaz se for aplicada uma multa mensal do mesmo valor da empresa. O objetivo da multa é estimular o réu a cumprir a obrigação, de maneira que o valor da multa deve levar em consideração a situação financeira do devedor, o seu comportamento, o valor da obrigação e o comportamento do próprio credor, como exposto alhures. Desta forma, nos parece que andou mal o STJ ao asseverar que o valor da multa deve guardar proporcionalidade com o valor da obrigação. Nem sempre é o caso.
Afinal de contas, o objetivo do procedimento é fazer com que o devedor cumpra a obrigação, e, para isso, é preciso que ele seja instado para tanto, mediante a aplicação de multa que seja, inclusive, superior à obrigação. Ainda, seria uma distorção do instituto se o devedor se recusar a cumprir a obrigação e, ao final, for premiado com a redução da multa. Por isso, é importante observar os próximos julgados a respeito do tema.
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1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 11ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2022, p. 554-560.