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STJ fixa a tese de fluência do prazo para quitação integral da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente à partir da execução da medida liminar

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Atualizado em 4 de setembro de 2025 11:18

O instituto da alienação fiduciária prevista no decreto-lei 911/69 é tema de constantes controvérsias debatidas pelo Poder Judiciário. Tamanha a repetição de temas congêneres em torno do instituo conduziu ao regime de afetação em sede de recurso especial repetitivo, pela 2ª seção do STJ (Tema repetitivo 1.279):

"PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ART. 256-H DO RISTJ C/C O ART. 1.037 DO CPC/2015.

CAUSA-PILOTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRAZO PARA O PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA. ART. 3º, §1º, DO DECRETO-LEI N. 911/1969. RECURSO AFETADO.

1. O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça dispõe, em seu art. 256-H que o recurso especial interposto contra acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgue o mérito de incidentes de resolução de demandas repetitivas tramitará conforme o procedimento estabelecido para os recursos indicados pelo tribunal de origem como representativos da controvérsia.

2. Justifica-se tal procedimento em razão do que estabelece o art. 987 do CPC/2015, que presume a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida quando a decisão recorrida julgar o mérito do IRDR, concedendo, excepcionalmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário interposto, além de determinar a aplicação da tese jurídica adotada pela Corte Superior a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito em todo o território nacional.

3. Nos termos do art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/1969, cinco dias após executada a liminar de busca e apreensão, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

4. Caso concreto em que a divergência reside na data de início do prazo para o pagamento da dívida, sustentando a recorrente que a fluência ocorre a partir da intimação e não da data da execução da medida liminar.

5. No julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR instaurado no Tribunal de origem, fixou-se a seguinte tese acerca do tema: "Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, o prazo de 5 dias para quitação integral da dívida, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69, começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar".

6. Existência de multiplicidade de recursos e divergência jurisprudencial quanto à interpretação da matéria pelas Cortes locais, configurando risco efetivo à isonomia e à segurança jurídica.

7. Delimitação da controvérsia: fixação do termo inicial da fluência do prazo para quitação integral da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, nos termos do art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969.

8. Recurso especial afetado ao rito dos recursos repetitivos, com determinação de sobrestamento de recursos especiais e agravos nos próprios autos em tramitação em segunda grau de jurisdição e no STJ, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015.

(STJ, Recurso Especial n. 2126264/MS, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 03/09/2024, grifou-se)

As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese:

"(...)

A tese firmada no IRDR julgado pelo TJMS relaciona-se à interpretação do termo inicial da fluência do prazo para o pagamento da integralidade da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, diante do que estabelece o art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969, in verbis:

Art. 3º. O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

Importa referir que o STJ decidiu, em julgamento de recurso especial submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 722), que "nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária" (REsp n. 1.418.593/MS, relator MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/5/2014, DJe de 27/5/2014).

Segundo o voto do E. Relator, o objeto da controvérsia naquele julgamento não se referia à contagem do prazo para o pagamento da dívida, senão "em saber se, com o advento da Lei n. 10.931/2004, que alterou o art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, nas ações de busca e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente, é possível a purgação da mora pelo pagamento somente das parcelas vencidas, ou se o dispositivo exige o pagamento da integralidade da dívida, isto é, o montante apresentado pelo credor na inicial" (grifos do subscritor).

Sobre o específico ponto em discussão neste recurso, o STJ tem decidido reiteradamente que a fluência do prazo para a purgação da mora inicia-se da execução da liminar de busca e apreensão, tal como prevê expressamente o art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/1969. A propósito: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO DO BEM REVOGADA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO AO DEVEDOR FIDUCIANTE. INVIABILIDADE, ANTE A SUA ALIENAÇÃO. RESTITUIÇÃO QUE DEVE OBSERVAR O VALOR MÉDIO DE MERCADO DO VEÍCULO À ÉPOCA DA BUSCA E APREENSÃO. MORA DESCARACTERIZADA. FIXAÇÃO DE MULTA COM BASE NO ART. 3º, § 6º, DO DECRETO-LEI N. 911/69. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA.

1. Ação de busca e apreensão, em virtude de suposto inadimplemento de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária.

2. Ação ajuizada em 16/11/2018. Recurso especial concluso ao gabinete em 22/04/2021. Julgamento: CPC/2015.

3. O propósito recursal é definir i) qual é o valor a ser restituído à devedora fiduciante quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito - se o valor do veículo na Tabela FIPE à época da apreensão do bem ou se o valor propriamente obtido com a sua venda extrajudicial; e ii) se a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 3º, § 6º, do DL 911/69 subsiste ainda que a ação de busca e apreensão tenha sido julgado extinta sem resolução do mérito.

4. Após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 (cinco) dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. Caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor.

5. Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem. Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o risco do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem.

6. Privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, a composição do prejuízo do devedor fiduciante deve traduzir-se no valor de mercado do veículo no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão).

7. A multa prevista no art. 3º, § 6º, do Decreto-lei 911/69 não é cabível quando houver extinção do processo sem julgamento do mérito.

8. No entanto, uma vez demonstrada, no ajuizamento da ação, a devida constituição em mora do fiduciante, a sua descaracterização - porque reconhecida, a partir da análise das cláusulas pactuadas, a abusividade dos encargos no período de normalidade contratual - implica o julgamento de improcedência do pedido de busca e apreensão e não a extinção do processo sem resolução do mérito.

9. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.(REsp 1.933.739/RS, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/6/2021, DJe de 17/6/2021)

(...)

Também no mesmo sentido: (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.431.807/PR, relator ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 27/5/2024, DJe de 29/5/2024; AgInt no AREsp n. 2.209.359/GO, relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 3/6/2024, DJe de 6/6/2024; REsp n. 1.742.897/PR, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/9/2020, DJe de 16/9/2020; AgInt no REsp n. 1.632.707/MT, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/3/2020, DJe de 25/3/2020; REsp n. 1.790.211/MS, relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019; AgRg no AREsp n. 521.506/MS, relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/6/2015, DJe de 3/8/2015).

Por conseguinte, a questão jurídica discutida nos presentes autos, dada a multiplicidade de recursos interpostos e o risco à isonomia e à segurança jurídica, recomenda sua afetação ao rito dos recursos repetitivos.

(...)

Verifica-se da decisão proferida pelo E. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ: "Os recursos referentes à interpretação de dispositivos do Decreto-Lei 911/1969 aportam com frequência no STJ, o que indica o potencial multiplicador da controvérsia. Nesse sentido, registro que foram recuperados 25 acórdãos e 1.555 decisões monocráticas sobre o tema, na base de jurisprudência do STJ, com a utilização de critério de pesquisa apresentado pela Seção de Identificação de Teses Repetitivas (SETRE), da Secretaria de Jurisprudência do Tribunal.

Ademais, no Recurso Especial 1.418.593/MS, paradigma do Tema Repetitivo 722, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a Segunda Seção do STJ decidiu sobre a "necessidade de, na busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, ser paga a integralidade do débito para caracterizar-se a purgação da mora pelo pagamento, não sendo suficiente o pagamento, tão somente, das parcelas vencidas" (DJe de 27/5/2014).

Nessa oportunidade, operou-se a interpretação do art. 3º e parágrafos do Decreto-Lei 911/1969, com a redação da Lei 13.043/2014, fixando-se a seguinte tese: Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial - sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. 

Todavia, destaque-se que o termo inicial do prazo de 5 dias, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei 911/1969, não foi objeto do recurso paradigma do Tema Repetitivo 722. No entanto, considero que, para se definir sobre a ampliação da tese firmada no Tema, a fim de abarcar a questão jurídica objeto do IRDR sul-mato-grossense, é conveniente que o presente recurso seja submetido à sistemática qualificada" (e-STJ fls. 1.233/1.234).

No entanto, malgrado o STJ tenha fixado orientação jurisprudencial uniforme, tem-se verificado significativa dispersão jurisprudencial acerca da matéria, com adoção de distintas interpretações pelos Tribunais ordinários, o que tem conduzido à multiplicidade de recursos nesta Corte Superior. Nesse sentido, a indicação de centenas de processos pela Comissão Gestora de Precedentes demonstra que, relativamente à questão jurídica proposta, a eficácia meramente persuasiva da jurisprudência desta Corte não se revelou eficaz para redução do número de discussões envolvendo a matéria.

Destarte, presentes os requisitos necessários ao conhecimento da matéria aventada nos recursos e tendo em vista a notícia da multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, entendo que o presente recurso merece ser afetado ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do que estabelece o art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e dos 256-I e seguintes do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

(...)

Ante o exposto, voto no sentido de AFETAR o presente recurso ao rito dos recursos especiais repetitivos, com determinação de suspensão do processamento dos recursos especiais e os agravos em recurso especial em tramitação em segundo grau de jurisdição (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais ) e nesta Corte, para firmar tese a respeito da seguinte questão federal: fixação do termo inicial da fluência do prazo para quitação integral da dívida nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, nos termos do art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/1969.

Comunique-se o teor da decisão ao E. Ministro Presidente, às E. Ministras e E. Ministros que compõem a Segunda Seção do STJ, bem como aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e dos Tribunais Regionais Federais.

(STJ, Recurso Especial n. 2126264/MS, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 03/09/2024, grifou-se)

Recentemente o Tema repetitivo 1.279 restou decidido, para firmara seguinte tese: "Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, o prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69, começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar."

Embora o v. acórdão ainda será publicado, a técnica de julgamento do recurso especial repetitivo põe fim a controvérsia em debate, a firmar precedente de observância obrigatória por Tribunais de Justiça e Regionais Federais, ao se determinar a obrigatoriedade de sua observância pelos juízes vinculados às respectivas cortes e desta forma otimizar a racionalização de julgamentos com vistas a manter-se a jurisprudência integral, estável e coerente, sem prejuízo da preservação da isonomia ao aplicar-se o mesmo entendimento consolidado a situações congêneres. Aguardemos, pois, pela publicação do v. acórdão com vistas a compreender a ratio decidendi e obter dicta prevalecentes no recente precedente vinculante firmado.