Produção antecipada de provas e incidente de desconsideração da personalidade jurídica
quinta-feira, 17 de abril de 2025
Atualizado em 16 de abril de 2025 14:31
Com o recente entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 13.02.2025, no julgamento do Recurso Especial 2.072.206/SP no sentido de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), disciplinado pelos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), aqueles que pretendem requerer a instauração do IDPJ devem fazê-lo com cautela redobrada. Isso porque, se for indeferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica no bojo do referido incidente, caberá condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios para o os patronos da parte vencedora no IDPJ.
Nesse cenário, a "ação de produção antecipada de provas", disciplinada pelos arts. 381 a 383, do CPC, surge como um instrumento importante para ser utilizado antes do ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o art. 134, § 4º, do mesmo diploma legal, dispõe que "o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica".
Assim, afigura-se cabível a produção antecipada da prova para verificar se estariam preenchidos os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade em um caso concreto. Por exemplo, se a hipótese for de incidência do art. 50, do Código Civil, caberia a produção antecipada de prova para verificar se a personalidade jurídica da sociedade foi utilizada para um desvio de finalidade ou uma confusão patrimonial.
Cabe destacar que o manejo da "ação de produção antecipada de provas", nesse caso, estaria enquadrada nas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381, do CPC, a saber: "I - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; II - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação".
Nesse contexto, o interessado em pedir a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade no curso de um processo, pode ter interesse em propor a "ação de produção antecipada de provas" para, se encontrar provas de que houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial, propor um acordo com o sócio que terá o seu patrimônio atingido caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja deferido (CPC, art. 381, II). De igual modo, o prévio conhecimento de um desvio de finalidade ou de uma confusão patrimonial pode servir para justificar o requerimento de instauração do IDPJ (CPC, art. 381, III).
Apesar da evidente utilidade da "ação de produção antecipada de provas" para justificar ou evitar o ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou até para celebrar um acordo, há julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sentido contrário, conforme se pode depreender da ementa abaixo:
APELAÇÃO - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. Pleito de apresentação de extratos bancários para fundamentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento da petição inicial. Extinção devida. Art. 381, do Código de Processo Civil. Produção antecipada de provas que não se presta como procedimento investigatório. Medida que poderia ter sido pleiteada nos autos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Sentença mantida. Recurso de apelação improvido. (TJSP; Apelação Cível 1026591-42.2023.8.26.0562; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2024; Data de Registro: 10/10/24)
Com o devido respeito, a "ação de produção antecipada de prova" é importante instrumento para viabilizar a autocomposição ou justificar a propositura de uma demanda. O próprio ato de produzir provas não pode ser dissociado da ideia de investigar. Afirmar que produzir provas não é um procedimento investigatório parece algo, no mínimo, contraditório. Quem produz provas quer investigar, sim, e está tudo bem. Não há nada de errado com isso. Tanto melhor se a investigação for para se chegar à conclusão de que não há prova suficiente para se requer a instauração de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse sentido é a lição de Tatiana Tiberio Luz ao afirmar o seguinte:
"Essa medida também é um importante instrumento para que as partes não só avaliem as suas chances em uma ação que vise ao acertamento da lide, mas que fundamentem a sua pretensão melhor e de maneira mais completa e responsável. Com efeito, no processo civil brasileiro, há a estabilização da demanda já na fase postulatória, ou seja, antes da fase instrutória, nos termos do art. 329 do Código de Processo Civil, e o resultado da prova pode ter o condão de tornar os argumentos apresentados pelas partes insuficientes ou mesmo prejudicados, não sendo possível que essas aditem os fatos e a causa de pedir da demanda após a instrução e, ainda, sofram os riscos de pagamento de sucumbência ante uma pretensão ou defesa mal formulada. A ação de produção antecipada de provas, nesse sentido, dá maior segurança às partes não só em relação ao direito decorrente do fato provado, como às sua alegações na demanda que tenha por finalidade a resolução da lide, sendo importante ferramenta para identificar e delimitar os elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedidos e causa de pedir) da lide, bem como para fundamentar de maneira mais segura a defesa" (Ação de produção antecipada de provas, São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2024. p. 123, grifos nossos).
Portanto, merece aplausos o julgado abaixo ementado, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, no qual se admite o cabimento da "ação de produção antecipada de provas", com base no art. 381, II e III, do CPC, para investigar o preenchimento dos pressupostos necessários para se requerer a desconsideração da personalidade jurídica. Confira-se:
"APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA PREVISÃO DO ART. 381, II E III, DO CPC. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO A QUO. DISCUSSÃO PRINCIPAL AFETA À FALÊNCIA. VIS ATRACTIVA DO JUÍZO FALIMENTAR. SEGREDO DE JUSTIÇA. LEVANTAMENTO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ação de produção antecipada de prova. Indeferimento da inicial. Extinção do processo, sem resolução do mérito. Reforma. Interesse de agir presente. Adequação da via processual eleita. Atividade probatória pretendida pelas recorrentes que visa possibilitar a autocomposição das partes ou a desconsideração da personalidade jurídica de massa falida. Hipótese que se enquadra na previsão do art. 381, II e III, do CPC. Competência. Ação a ser distribuída perante o juízo competente para o julgamento da matéria a ser discutida futuramente. Jurisprudência. Incompetência absoluta do Juízo a quo. Questão principal afeta à falência. Vis atractiva do juízo falimentar. Levantamento do segredo de justiça. Manutenção. Decretação do segredo de justiça excepcional. Ausência de interesse público ou social a exigir preservação da intimidade das partes. Aplicação do art. 5º, LX, da CF, e do art. 189 do CPC. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1084535-35.2020.8.26.0100; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2024; Data de Registro: 21/02/2024, grifos nossos)
Diante disso, é de se esperar que prevaleça o entendimento exarado acima pelo acórdão do Des. J.B. Paula Lima, proferido em harmonia com a melhor doutrina, que visa tornar o direito processual mais eficiente, evitando-se demandas inúteis e promovendo a solução consensual dos conflitos, sempre que possível. Além disso, o manejo da "ação de produção antecipada de provas" pode evitar que seja instaurado IDPJ com pouco embasamento e o pedido seja julgado improcedente, gerando a condenação do requerente ao pagamento de verbas de sucumbência.