O importante e recente julgamento do REsp 2.175.073 - PR - A decretação da indisponibilidade do bem de família via CNIB
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Atualizado em 15 de outubro de 2025 08:48
Como já tivemos a oportunidade de abordar, a CNIB é uma central de dados capaz de promover busca de bens do devedor em todo o território nacional, bem como de comunicar aos agentes de registros públicos que houve decretação judicial de indisponibilidade de bens do devedor - (disponível aqui).
Nos termos do referido site: "A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB é um sistema de alta disponibilidade, criado e regulamentado pelo Provimento Nº 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça e se destina a integrar todas as indisponibilidades de bens decretadas por Magistrados e por Autoridades Administrativas.
Os principais objetivos da CNIB são: Dar eficácia e efetividade às decisões judiciais e administrativas de indisponibilidades de bens, divulgando-as para os Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro de Imóveis de todo o território nacional e para outros usuários do sistema. E proporcionar segurança aos negócios imobiliários de compra e venda e de financiamento de imóveis e de outros bens".
Também como explicado no citado site: "Na prática, a CNIB realiza verdadeiro rastreamento de todos os bens que o atingido pela indisponibilidade possui em território nacional, evitando a dilapidação do patrimônio, constituindo-se, ademais, em importante ferramenta no combate ao crime organizado e na recuperação de ativos de origem ilícita. A CNIB foi idealizada a partir de constatações feitas pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que as Ordens de Indisponibilidades de Bens não chegavam ao conhecimento de todos os cartórios do país. Por isso, imóveis de propriedade de pessoas físicas e jurídicas que foram atingidas por indisponibilidades permaneciam como patrimônio absolutamente livre e desembaraçado. E assim, esses bens eram vendidos ou financiados, envolvendo contratantes de boa-fé, que teriam de peregrinar por Juízos e Tribunais a fim comprovar que os gravames lhes eram ocultos. A CNIB foi desenvolvida a partir do Termo de Acordo de Cooperação Técnica Nº 084/2010, firmado em 14 de junho de 2010, e funciona como módulo da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis, com capacidade para atender todos os Tribunais do país, órgãos públicos, Tabeliães de Notas, Oficiais de Registros de Imóveis e demais interessados, em todo o território nacional. O sistema conta com tecnologias e infraestrutura que atendem aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico)".
A CNIB já vem sendo utilizada em diversas situações pelo TJ/SP, nas quais o Poder Judiciário conclui que o devedor não adota uma postura cooperativa e em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15, em evidente postura procrastinatória:
"MONITÓRIA - Pedido de inclusão da devedora no cadastro da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) - Indeferimento - Inadmissibilidade - Possibilidade de expedição da ordem de indisponibilidade de bens da agravada diante das infrutíferas diligências para localização de bens penhoráveis - Decisão reformada - Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2179367-23.2018.8.26.0000; Relator (a): Álvaro Torres Júnior ; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Vinhedo - 1ª Vara; Data do Julgamento: 26/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018)"
"PROCESSO - Indeferimento do pedido de indisponibilidade de bens imóveis em nome dos executados na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - Admissível o deferimento de registro do nome do executado junto à Central de Indisponibilidade de Bens, cadastro instituído pelo Provimento 39/2014, da Col. Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, quando não localizados bens passíveis de penhora, por se tratar de medida adequada para garantir o resultado útil do processo de execução por quantia certa contra devedor solvente ou cumprimento de sentença de obrigação de pagar, visto que idônea e eficaz para agilizar a busca por bens aptos para satisfação de crédito executado, atendendo, assim, ao princípio da efetividade da execução, sendo certo que, se é verdade que a execução deve ser feita da forma menos onerosa para o devedor (CPC/2015, art. 805), não é menos verdadeiro que ela é processada para satisfação do direito do credor (CPC/2015, art. 789, 797 e 824) - Como, na espécie, restaram parcialmente frutíferas as diligências realizadas para localização de bens penhoráveis, mediante os sistemas Bacenjud, Infojud e Renajud, de rigor, a reforma da r. decisão agravada, para deferir o pedido de expedição de ordem de indisponibilidade de bens dos executados, junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, como requerido pela parte agravante, providenciando o MM Juízo da causa o necessário para o cumprimento do ora julgado. Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2196491-19.2018.8.26.0000; Relator (a): Rebello Pinho; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/11/2018; Data de Registro: 21/11/2018)".
"EXECUÇÃO - SISTEMA RENAJUD - Dever de colaboração com o Poder Judiciário e incidência do princípio da cooperação - Exequente que já tentou outros meios de localização de bens, porém sem êxito - Arts. 139, II, 378 e 380, I do CPC/2015 - Considerando a necessidade e a utilidade da medida, impõe-se o deferimento do pedido - Pedido de restrição de veículos pelo sistema RENAJUD - Admissibilidade - Agravante que não alcançará o desiderato sem a intervenção do Poder Judiciário - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. REQUERIMENTO DE INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - SISTEMA SERASAJUD - POSSIBILIDADE - O art. 782, § 3º do CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade de o credor requerer a inclusão do nome do devedor no cadastro de proteção ao crédito, como meio coercitivo para dar maior efetividade à execução - Demonstrada a viabilidade e a utilidade do pleito do credor, ora agravante, é caso de se deferir o pedido, via SERASAJUD - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS (CNIB) - Sistema validamente previsto e regulado pelo provimento 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça - Medida que viabiliza não somente a localização de imóveis eventualmente registrados em comarcas distantes e de inviável consulta pelo exequente, mas também acautela direito futuro, relativamente a outros que o executado vier a adquirir, e em cuja matrícula ficará constando o respectivo registro diligência - Efetividade da tutela jurisdicional - Decreto de indisponibilidade e respectivo registro que se mostra devido - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2170999-25.2018.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 19ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/10/2018; Data de Registro: 10/10/2018)".
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de execução de título extrajudicial. Decisão agravada que indeferiu pedido de busca de bens passíveis de penhora através da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, uma vez que o Juízo "a quo" não está cadastrado para realizar tal pesquisa. Insurgência da exequente. Pretensão de reforma. Pedido de efeito antecipatório recursal, cuja apreciação se dá, neste momento, diretamente pelo colegiado desta câmara julgadora (arts. 129 e 168, § 2º do RITJSP). Com razão o recorrente. Possibilidade de deferimento da medida requerida para emissão de ordem de indisponibilidade de bens por meio do sistema operado pela Central de Indisponibilidade de Bens (CNIB). Deve o magistrado "a quo" envidar esforços a fim de efetuar o cadastro junto ao sistema. Efeito antecipatório recursal indeferido e, na sequência, já julgado o agravo, com a decisão recorrida sendo reformada. Recurso provido, com determinação.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2186867-43.2018.8.26.0000; Relator (a): Roberto Maia; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2018; Data de Registro: 03/10/2018)".
"Agravo de instrumento - Ação ordinária de cobrança - Cumprimento de sentença - Pedido formulado pela credora para inscrição do nome da executada no cadastro de inadimplentes, via SERASAJUD, bem como inscrição no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB - Admissibilidade - Executada que não pagou o débito nem indicou bens passíveis de penhora - Tentativas de localização de bens que resultaram infrutíferas - Decisão reformada - Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2192409-42.2018.8.26.0000; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2018; Data de Registro: 27/09/2018)".
E no julgamento do agravo de instrumento 2167302-93.2018.8.26.0000, ocorrido em 22/10/18, a 18ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, em acórdão relatado pelo desembargador Roque Antonio Mesquita de Oliveira, decidiu que: "RECURSO - Agravo de Instrumento - Execução de título extrajudicial - Insurgência contra o r. "decisum" que indeferiu o pedido de decretação da indisponibilidade de bens dos executados através da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) - Admissibilidade - Executados que não pagaram o débito nem indicaram bens passíveis de penhora - Tentativas de localização de bens que resultaram infrutíferas - Indisponibilidade de bens - Medida que busca assegurar a efetividade do processo, eis que sua decretação por meio da CNIB visa a localização de bens em todo território nacional - Precedentes desta Corte de Justiça - Recurso provido."
No âmbito do STJ, por sua vez, a CNIB veio a ter sua aplicação reconhecida, nas lides cíveis, no julgamento do REsp 1.963.178, da relatoria do ministro Bellizze: "A adoção da CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não impede a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à propriedade ou outro direito real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de publicidade do ato de indisponibilidade''.
E, mais recentemente, o STJ enfrentou a questão do manejo da CNIB para decretar a indisponibilidade do bem de família, através do julgamento do REsp 2.175.073 - PR:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. INADIMPLEMENTO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. RECONHECIMENTO. INDISPONIBILIDADE. CNIB. POSSIBILIDADE.
I. Hipótese em exame
1.Execução de título extrajudicial, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 12/7/2024 e concluso ao gabinete em 29/10/2024.
II. Questão em discussão
2. O propósito recursal consiste em decidir se é possível decretar a indisponibilidade, por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens ("CNIB"), de bem de família declarado impenhorável.
III. Razões de decidir
3. A Lei 8.009/90, ao instituir a impenhorabilidade do bem de família, buscou proteger a entidade familiar, de modo a tutelar o direito constitucional fundamental da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus componentes. Precedentes.
4. A indisponibilidade é medida cautelar atípica, deferida com substrato no poder geral de cautela do juiz. Por meio dela, restringe-se o direito do devedor de dispor sobre a integralidade do seu patrimônio. Precedente.
5. As Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte têm decidido pela possibilidade de utilização da CNIB nas demandas cíveis.
6. No que diz respeito ao bem de família, a proteção à moradia e à entidade familiar, conferidas pela Constituição Federal, que determinam sua impenhorabilidade, não são afrontadas pela ordem de indisponibilidade via CNIB. Isso porque serão resguardados os direitos de usar e fruir do bem para fins residenciais.
7. Embora não possam ser tomadas medidas expropriatórias em relação ao bem de família, a indisponibilidade via CNIB poderá servir como medida coercitiva ao pagamento da dívida, ao dar ciência a possíveis interessados em negócio envolvendo o imóvel.
8. Nas execuções civis, a ordem de indisponibilidade por meio da CNIB poderá recair sobre bens de família, pois não impede a lavratura de escritura representativa de negócio jurídico e não afronta a proteção da impenhorabilidade, mas dá ciência da dívida a terceiros, coagindo os devedores ao pagamento.
9. No recurso sob julgamento, nenhuma violação à lei federal há no acórdão do TJ/PR, pois, diante de execuções civis, a indisponibilidade por meio da CNIB por recair sobre bem de família declarado impenhorável".
O julgamento está em linha com a preocupação em aplicar-se medidas executivas atípicas de natureza patrimonial, garantindo-se formas de localizar bens do devedor.
Ao permitir o uso da CNIB para decretar a indisponibilidade do bem de família do devedor, inexiste relativização do art. 833 do CPC. Pelo contrário, o direito de moradia, que é o valor a ser preservado através do instituto do bem de família, fica observado. A CNIB não representa necessariamente um ato de preparação para uma futura expropriação, tal qual o é a penhora de bens. Apenas busca-se, através dessa medida coercitiva via CNIB, que o bem não venha a ser transferido, via registro imobiliário, a terceiro, impedindo-se o devedor de se desfazer do seu patrimônio. A medida, portanto, chancelada pelo STJ, contribui para a preservação do patrimônio do devedor, auxiliando-se, ainda que indiretamente, via técnica coercitiva, para a solvência da execução.
Uma ponderação a ser feita é se a medida precisa ser excepcional. Entendo que não precisa ser excepcional e nem subsidiária, devendo a CNIB ser utilizada logo no início da execução, quando dos primeiros indícios no processo de que o devedor, por exemplo, aparenta não ter ativos bancários para pagar ou garantir a dívida.
Outra ponderação é a possibilidade de o STJ consolidar seu entendimento sobre a questão do manejo da CNIB para as hipóteses do bem de família, envolvendo-se tanto as dívidas civis, como as dívidas fiscais. Isso porque, tendo em vista a dinâmica dos arts. 185 do CTN e 792 do CPC, faria sentido que a CNIB fosse utilizada como mecanismo de publicidade acerca da existência de dívidas contra o devedor, evitando-se fraudes e prejuízos a terceiros de boa fé.
Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa1, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell2 já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor".
É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera. Por isso, o uso adequado de sistemas eficazes de localização e bloqueio de bens se mostra essencial para a efetividade da execução.
Heitor Vitor Mendonça Sica3, neste passo, leciona que "a localização de bens do executado constitui um dos capítulos mais tormentosos da execução por quantia certa. Contudo, é certo que a solução para esse entrave não será encontrada no âmbito da técnica processual, mas sim na centralização e informação dos registros públicos acerca da propriedade de bens imóveis e móveis".
Daí a certeza de que o adequado uso do sistema CNIB pode ser mais uma ferramenta para que a tão almejada efetividade da execução possa ser conquistada pelo credor, em ampla consonância e aderência com as normas fundamentais do CPC/15.
__________
1 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25.
2 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392.
3 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Notas sobre a efetividade da execução civil. In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 498.

