COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. CPC na prática >
  4. Cláusula compromissória em título executivo não obsta, por si só, a execução

Cláusula compromissória em título executivo não obsta, por si só, a execução

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Atualizado em 25 de setembro de 2025 08:42

Como se sabe, em processo de conhecimento, cabe ao réu alegar em contestação a existência de convenção de arbitragem, conforme art. 337, inciso X, do CPC. Se isso for feito, deve o juízo extinguir o processo sem resolver o mérito nos termos do art. 485, inciso VII, do CPC.

Sem a provocação do réu, o juiz não pode conhecer acerca da existência de convenção de arbitragem e, caso não seja mencionada pela defesa, presume-se a aceitação da jurisdição estatal e a renúncia ao juízo arbitral (CPC, art. 337, § § 5º e 6º).

Em processo de execução, tais dispositivos não incidem da mesma maneira e sequer podem conduzir à extinção da execução sem uma análise mais profunda das alegações do executado. Em outras palavras, a simples existência de convenção de arbitragem em contrato que também é título executivo (por exemplo, um contrato assinado pelo devedor e duas testemunhas, nos termos do art. 784, inciso III, do CPC) não impede o ajuizamento de uma execução.

O resultado prático das assertivas feitas acima é que, se o credor de uma obrigação constante de um instrumento contratual assinado pelo devedor e duas testemunhas se deparar com o inadimplemento de uma obrigação do devedor, ele poderá ajuizar processo de execução fundado em título extrajudicial contra este último.

O devedor, uma vez citado na execução, poderá se defender por meio de embargos à execução mas, a simples existência de convenção de arbitragem (que pode ser uma cláusula compromissória) não é o suficiente para obstar a execução ou fazer com que o juízo julgue extinto o processo sem resolução de mérito com base no art. 485, inciso VII, do CPC.

Por óbvio, se houver arbitragem instaurada e se for objeto do processo arbitral a decisão sobre o cumprimento ou não de uma obrigação constante do título executivo que está sendo executado, a execução deve ser suspensa, pois o árbitro ou tribunal arbitral serão os competentes para decidir sobre questões que digam respeito à existência, constituição, existência ou extinção do crédito (REsp 1.949.566/SP, 4ª turma, Dje 19/10/21).

Nesse caso, havendo processo arbitral em curso, a suspensão a pedido do executado seria por evidente prejudicialidade entre a arbitragem e o processo de execução do título executivo extrajudicial que contém cláusula compromissória (CPC, art. 919, § 1º). Nesse sentido, o STJ assim se manifestou em julgado recente:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ATÉ O PRONUNCIAMENTO DO JUÍZO ARBITRAL.

 I CASO EM EXAME

1. Embargos à execução ajuizados em 28/01/2021, dos quais foi extraído o presente recurso especial, interposto em 07/05/2024 e concluso ao gabinete em 07/11/2024.

2. Na hipótese, o Tribunal de origem determinou a suspensão da execução, à espera do pronunciamento do juízo arbitral acerca da higidez do título executivo.

 II QUESTÃO EM DISCUSSÃO

3. O propósito recursal consiste em determinar (I) se houve negativa de prestação jurisdicional; (II) se é possível o prosseguimento da ação de execução mesmo diante da ausência de pronunciamento do juízo arbitral acerca do contrato que a instrumentaliza, considerando a pactuação de cláusula compromissória arbitral.

 III RAZÕES DE DECIDIR

4. Não há ofensa aos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem examina, de forma suficientemente fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial, na medida necessária ao deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

5. Conforme a jurisprudência desta Corte, é possível o imediato ajuizamento de ação de execução lastreada em título executivo que contenha cláusula compromissória arbitral, pois a jurisdição estatal é a única dotada de coercibilidade e capaz de promover a excussão forçada do patrimônio do devedor. Não seria razoável exigir que o credor, portador de título executivo, fosse obrigado a iniciar um processo arbitral tão somente para obter um novo título do qual, no seu entender, já é titular.

6. Desse modo, é possível a coexistência de processo de execução e de procedimento arbitral, desde que estejam circunscritos a seus respectivos âmbitos de competência.

7. Independentemente do teor das questões que podem ser dirimidas no juízo estatal e no juízo arbitral, o processo de execução, uma vez ajuizado, somente poderá ter a sua suspensão justificada pela instauração do procedimento perante o juízo arbitral, seguida de requerimento ao juízo da execução. A suspensão da ação executiva, embora possível, não é automática; não decorre da existência de cláusula compromissória arbitral, ipso facto.

8. Na hipótese dos autos, não há notícia acera da instauração de procedimento de arbitragem por parte da executada para a discussão de questões relacionadas ao contrato e que possam influir sobre a execução, de modo a justificar sua suspensão até a decisão do juízo arbitral. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da execução.

 IV DISPOSITIVO

9. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 2.167.089/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/8/2025, DJEN de 26/8/2025.)"

Nesse caso, tratava-se de um contrato de fornecimento de produtos alimentícios com uma cláusula compromissória (leia-se: convenção de arbitragem). Com base nesse contrato, foram expedidas duplicatas referentes a mercadorias que foram entregues e não pagas. 

A credora promoveu a execução lastreada nesses dois títulos executivos e a devedora alegou, em sede de embargos à execução, que haveria cláusula compromissória e que não cumpriu a sua parte no contrato porque a credora não teria cumprido a parte dela. 

Considerando que não havia arbitragem instaurada, o STJ entendeu que a cláusula compromissória, por si só, não suspende a execução. A ministra Nancy Andrighi afirmou em seu voto que "é possível o imediato ajuizamento da execução lastreada em título executivo que  contenha cláusula compromissória, pois a jurisdição estatal é a única dotada de coercibilidade capaz de promover a execução forçada do patrimônio do devedor"

No entender do STJ, "não seria razoável exigir que o credor, portador de título executivo, fosse obrigado a iniciar um processo arbitral tão somente para obter um novo título do qual, no seu entender, já é titular".

Em conclusão, "a simples existência de cláusula compromissória arbitral não é suficiente, por si só, para impedir o ajuizamento de eventual execução ou para fundamentar sua extinção'. É plenamente possível a coexistência de processo de execução e procedimento arbitral, desde que "estejam circunscritos a seus respectivos âmbitos de competência". Ou seja, na execução são praticados atos executivos de competência da esfera judicial e, se houver arbitragem instaurada, lá se discutirá a existência, a validade e o cumprimento (ou não) das obrigações constantes do título executivo.