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Negócios processuais e dez anos de CPC/15

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Atualizado em 12 de junho de 2025 08:56

O CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais, valendo destacar o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".

Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma:

"Convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".

Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual.

A portaria 33/18 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. Merece aplausos o art. 38 da portaria 33/18 da PGFN que autoriza expressamente a Fazenda Pública a celebrar negócios processuais, com vistas a promover o recebimento do crédito.

As portarias 360 e 742, ambas da PGFN, prestigiam claramente o manejo do art. 190 do CPC/15 para fins de obtenção de uma maior efetividade no trâmite das execuções fiscais.

Na lei 13.874/19, reforça-se ainda mais a ideia do uso do art. 190 do CPC/15 pelo Poder Público: "Art. 19. § 12.  Os órgãos do Poder Judiciário e as unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderão, de comum acordo, realizar mutirões para análise do enquadramento de processos ou de recursos nas hipóteses previstas neste artigo e celebrar negócios processuais com fundamento no disposto no art. 190 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC)".

Não é demais lembrar que a resolução 118/14 do Conselho Nacional do Ministério Público também já estimulava as convenções processuais: "Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta".

Ademais, há situações em que o próprio CPC/15 estipula o escopo do negócio processual. Trata-se dos negócios processuais típicos. São as situações, por exemplo, do art. 63 do CPC/15, para fins de escolha de foro nas hipóteses de competência relativa, do art. 471 do CPC/15, para fins de escolha consensual de perito, e do art. 373, parágrafo terceiro, do CPC/15, para fins de distribuição dinâmica e consensual do ônus da prova.

O STJ já enfrentou o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do RE 1738656/RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidado o entendimento de que os negócios processuais entabulados pelas partes podem ser prestigiados, mas que: "a interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser restritiva, de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de questões relacionadas ao direito material ou processual que obviamente  desbordem  do  objeto convencionado entre os litigantes, sob pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC."

O STJ, por sua vez, em importantíssimo julgado, no REsp 1810444 / SP, tendo como relator o ministro Luis Felipe Salomão, já delimitou que a negociação processual não pode versar sobre poderes do magistrado e sobre questões que podem afetar o devido processo legal.

No julgamento do REsp 1361869 / SP, por sua vez, com a relatoria do ministro Raul Araújo, a segunda seção do STJ prestigiou a negociação processual, nos seguintes termos: "1. Pedido de Homologação de Acordo firmado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.). 2. Conquanto o presente negócio jurídico processual se apresente perante os peticionantes como, efetivamente, um acordo, em sua projeção para os interessados qualificados, em especial para o Estado-Juiz, o instrumento descortina-se como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", negócio processual que, após homologado sob o rito dos recursos repetitivos, é apto a gerar norma jurídica de eficácia parcialmente erga omnes e vinculante (CPC, art. 927, III). 3. Homologa-se o acordo entabulado entre KIRTON BANK S.A. (nova denominação de HSBC BANK BRASIL S.A - BANCO MÚLTIPLO - sucessor parcial do BANCO BAMERINDUS S.A) e BANCO SISTEMA S.A. (nova denominação da massa liquidanda do BANCO BAMERINDUS S.A.), como "Pacto de Não Judicialização dos Conflitos", com: a) desistência de todos os recursos acerca da legitimidade passiva para responderem pelos encargos advindos de expurgos inflacionários relativos à cadernetas de poupança mantidas perante o extinto Banco Bamerindus S/A, em decorrência de sucessão empresarial parcial havida entre as instituições financeiras referidas; b) os compromissos assumidos pelos pactuantes de: b.1) não mais litigarem recorrerem ou questionarem em juízo, perante terceiros, especialmente consumidores, suas legitimidades passivas, passando tal discussão a ser restrita às próprias instituições financeiras pactuárias, sem afetar os consumidores; b.2) encerrarem a controvérsia jurídica da presente macrolide, com parcial desistência dos recursos; b.3) conferir-se ao Pacto ora homologado, nos moldes do regime dos recursos repetitivos, eficácia erga omnes e efeito vinculante vertical".

É certo, portanto, que os recentes julgados, no geral, prestigiaram a aplicação do art. 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura do instituto em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15.

O STJ, também no que se refere à negociação processual do art. 471 do CPC/15, recentemente se manifestou no julgamento do REsp 1924452 / SP, tendo sido relator o ministro Ricardo Cueva, no sentido de que: "As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição".

Logo, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais.

O recente relatório de pesquisa "Convenções Processuais nos Tribunais"2, da UERJ, com a coordenação do Professor Antonio do Passo Cabral, comprova essa percepção.

A pesquisa bem concluiu que3: "Foram encontradas, entre 2016 e 2024, um total de 1653 decisões judiciais de tribunais sobre as convenções processuais"; "quase metade dos acordos processuais discutidos nos tribunais brasileiros diz respeito a convenções probatórias (47,8%). Em seguida, vêm os acordos sobre a suspensão do processo (9,8%), a execução e o cumprimento de sentença (9,1%), sobre os prazos (7%), as audiências (6,4%) e a competência (4,7%)"; "São Paulo, o Estado mais rico e populoso do país, lidera as estatísticas, sendo aquele onde mais o Judiciário debateu os negócios jurídicos processuais, seguido pelo Paraná. Em ambos os Estados, destacaram-se tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal Regional do Trabalho"; e "No mesmo sentido, as decisões dos tribunais sobre acordos processuais concentram-se na região Sudeste, que responde por 59% do total, seguida das regiões Sul, CentroOeste, Nordeste e Norte"; e "Em 77% dos casos, o Judiciário validou as convenções, prestigiando as regras negociadas e determinando sua aplicação tal como pactuado pelas partes"; e "A Justiça do Trabalho foi aquela que teve o menor percentual de invalidação, tendo admitido os acordos em 88,7% dos casos e anulado as convenções em apenas 11,3% deles"; e "A Justiça Estadual (74,5%) e a Justiça Federal (68,4%) também apresentaram altos índices de validação dos acordos"; e "A média de validação dos acordos entre todos os tribunais brasileiros foi de 77,6%. Alguns tribunais apresentaram índices bem altos, entre 90 e 100% de admissão e validação. Por exemplo, o TJ/SC teve 96%, o TJ/RJ 90%, o TJ/PE e o TJ/ES registraram 88%".

As sinalizações do próprio Poder Judiciário quanto ao instituto em muito podem auxiliar as partes na elaboração de convenções processuais, norteando de forma mais aderente a cada caso concreto a forma de solução de disputas.

É fundamental, todavia, observar-se os requisitos e limites previstos na legislação para a celebração dos negócios processuais, bem como analisar-se as diretrizes já adotadas pelos tribunais pátrios acerca da validade desses acordos realizados entre as partes.

_______

1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68.

2 3 Disponível aqui.