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A prova escrita e necessária emenda da petição inicial, na visão do STJ

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Atualizado em 2 de outubro de 2025 09:11

A ação monitória, rotulada como procedimento especial no CPC, tem como benefício a conversão do mandado injuntivo em mandado executivo acaso o réu, citado, não apresente embargos monitórios e deixe de adimplir a obrigação (art. 701, § 2º). 

De resto nada há de especial em aludido procedimento, valendo notar que o legislador estatuiu como requisito da ação monitória a existência de prova escrita sem eficácia de título executivo.

Uma vez ausente a prova escrita seria o caso de indeferimento da petição inicial? Ou, expedido o mandado injuntivo e apresentados embargos monitórios apto a questionar a inexistência de prova escrita, seria o caso de procedência dos embargos monitórios caso o juiz acolha tal fundamento ou necessária instrução probatória com vista a esclarecer a existência ou não do fato constitutivo do direito do autor (art. 373, I, do CPC)? Recentemente o STJ examinou aludidas questões:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. NOMEAÇÃO. CURADOR ESPECIAL. EMBARGOS. NEGATIVA GERAL. JULGAMENTO ANTECIPADO. MÉRITO. PEDIDO. IMPROCEDÊNCIA. FUNDAMENTO. DOCUMENTAÇÃO. INICIAL. INSUFICIÊNCIA. PONTOS CONTROVERTIDOS. INDICAÇÃO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. DEVER DE COOPERAÇÃO. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. SENTENÇA. NULIDADE. RETORNO À ORIGEM. ADEQUADA INSTRUÇÃO.

1. A controvérsia dos autos resume-se em definir: (a) se a análise da suficiência da prova escrita, sem eficácia de título executivo, constitui exame de mérito ou verificação de pressuposto específico da ação monitória, restrito à fase injuntiva; (b) se, diante da nomeação de curador especial e da apresentação de embargos por negativa geral, é legítima a improcedência do pedido por insuficiência probatória, sem prévia oportunidade ao autor para produzir provas pertinentes.

2. A ação monitória visa tutelar o direito do credor que dispõe de prova documental apta a gerar forte probabilidade do crédito, mas sem eficácia executiva, partindo da premissa de que o devedor não apresentará defesa idônea ou não disporá de fundamentos jurídicos sólidos para afastar a cobrança.

3. Na fase inicial, na aferição dos pressupostos da monitória, a atuação do magistrado é baseada em juízo de cognição sumária, verificada à luz da documentação da inicial e sem prévia oitiva do réu.

4. Na dúvida a respeito da suficiência da documentação, é dever do magistrado conferir ao autor a oportunidade para emendar a inicial ou para requerer a conversão do rito para o comum, em observância à instrumentalidade das formas e à primazia do julgamento de mérito (§ 5º do art. 700 do CPC).

5. Reconhecida a suficiência da documentação, expedirá o juiz o mandado injuntivo, citando o réu por qualquer meio, inclusive por edital.

6. Citado o devedor por edital e não encontrado, deverá ser nomeado curador especial, que poderá deduzir defesa por negativa geral, nos termos que pode abranger o parágrafo único do art. 341 do CPC, que tanto questões processuais ou de mérito quanto a insuficiência da documentação para comprovar a dívida.

7. Apresentados os embargos, instaura-se cognição plena e exauriente, cabendo ao magistrado, diante da negativa geral e havendo dúvida sobre os fatos da causa, adotar postura cooperativa, na forma do art. 6º do CPC, indicando os fatos a serem provados e especificando as provas a serem produzidas, mesmo de ofício, em observância ao art. 370 do CPC.

8. É indevida a extinção da monitória por falta de provas antes de ser dada a oportunidade de o credor juntar novos documentos ou de, por qualquer outro meio, comprovar a matéria controvertida.

9. No caso, a sentença que julgou improcedente o pedido, sem prévia e clara indicação dos pontos controvertidos nem oportunidade para a devida instrução, violou o § 5º do art. 700 do CPC (aplicado por analogia), o dever de cooperação e o princípio da não surpresa (arts. 6º e 10 do CPC).

10. Recurso especial provido. Sentença anulada. Determinado o retorno dos autos à origem para regular instrução probatória."

(STJ, Recurso Especial n. 2133406/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 17/09/2025, grifou-se)

As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese:

"(...)

A controvérsia dos autos resume-se em definir: (a) se a análise da suficiência da prova escrita, sem eficácia de título executivo, constitui exame de mérito ou verificação de pressuposto específico da ação monitória, restrito à fase injuntiva; (b) se, diante da nomeação de curador especial e da apresentação de embargos por negativa geral, é legítima a improcedência do pedido por insuficiência probatória, sem prévia oportunidade ao autor para produzir provas pertinentes.

A irresignação merece prosperar.

(...)

3.2. Da previsão do § 5º do art. 700 do CPC.

O CPC/15 esclareceu o procedimento cabível quando a avaliação judicial entender pela insuficiência da documentação inicial para ensejar ao credor a utilização da ação monitória.

De fato, o atual Código permite ao credor a emenda da petição inicial e, em último caso, a conversão da monitória em procedimento comum - o que ressalta que o procedimento monitório é uma faculdade do credor, que também pode valer-se da ação de conhecimento para satisfazer a sua pretensão de cobrança.

Além disso, estabelece que é dever do juiz - em homenagem à economia processual e no exercício do dever de cooperação (art. 6º do CPC) - o oferecimento da oportunidade ao credor de emendar a inicial, para, assim, demonstrar suficientemente a sua dívida, complementando a documentação, ou para converter a monitória em ação de conhecimento.

(...) 

A extinção do processo nessa fase ocorre apenas em última hipótese:

somente se o credor, intimado a tanto, não emendar a inicial ou converter o rito para o do processo comum de conhecimento, eis que, "se o autor insistir na via monitória, caberá ao juiz , se assim indeferir a petição inicial considerar adequado à luz da cognição sumária efetuada sobre a prova documental trazida aos autos" (Ibidem - grifou-se).

(...)

Os embargos à monitória permitem o debate sobre toda a matéria de defesa arguível pelo devedor, tanto de mérito quanto processual, possibilitando que a suficiência da documentação da inicial também seja questionada com a abertura do contraditório pleno.

No entanto, na hipótese de acolhimento da alegação de insuficiência da documentação que instruiu a inicial, a jurisprudência desta Corte destaca que é indevida a extinção da monitória antes de ser dada a oportunidade de o credor juntar novos documentos ou de, por qualquer outro meio, comprovar a matéria controvertida.

A propósito:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS MONITÓRIOS. CONVERSÃO DO RITO ESPECIAL EM PROCEDIMENTO COMUM. POSSIBILIDADE DE AMPLA PRODUÇÃO PROBATÓRIA. PROVA PERICIAL INDEFERIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.

CERCEAMENTO DE DEFESA. CONFIGURADO. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO E SENTENÇA. RETORNO AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.

1. Ação monitória, ajuizada em 9/10/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 19/12/2022 e concluso ao gabinete em 19/6/2023.

2. O propósito recursal consiste em decidir se há cerceamento de defesa na hipótese em que, após a oposição de embargos, o juiz julga antecipadamente o pedido monitório, indeferindo a produção de prova pericial, e conclui pela improcedência da pretensão com fundamento na insuficiência da prova escrita.

3. A cognição da ação monitória, que em princípio é sumária, será dilatada mediante a emenda à exordial ou diante da iniciativa do réu em opor embargos, permitindo que se forme um juízo completo e definitivo sobre a existência ou não do direito do autor.

4. Após a oposição dos embargos monitórios e a conversão ao procedimento comum, configura cerceamento de defesa a ulterior extinção do processo por insuficiência da prova escrita quando requerida a produção de prova pericial pela parte autora.

5. A exigência de ajuizamento de nova ação de conhecimento viola os princípios da instrumentalidade das formas, da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito.

6. Recurso especial conhecido e provido para anular o acórdão e a sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, para que, observando o devido processo legal e as normativas do procedimento comum, oportunize a produção de provas às partes e aprecie novamente a controvérsia."

(REsp 2.078.943/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023 - grifou-se)

De fato, somente é possível a extinção do processo por insuficiência da prova escrita se, oportunizada a produção probatória, a parte mantém-se inerte, não apresentando nenhum complemento comprobatório.

Nesse sentido:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. PROCEDIMENTO COMUM. PRODUÇÃO PROBATÓRIA. NEGATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. 

comum, não configura cerceamento de defesa a ulterior extinção do processo por insuficiência da prova escrita, quando, oportunizada a produção probatória, a parte não apresenta nenhum documento.

2. Agravo interno não provido."

(AgInt no AREsp 2.527.262/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025)

Essa orientação pode ser aplicada, com incidência analógica da previsão do § 5º do art. 700 do CPC, ao caso em que a apresentação dos embargos ocorrer por negativa geral e na qual a iniciativa da produção de provas partir de ofício do magistrado, na forma do art. 371 do CPC.

4. Conclusões.

Conforme demonstrado na fundamentação, a ação monitória atende aos princípios da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, evitando os custos e a morosidade do processo de cognição plena quando não se vislumbra contestação idônea que o justifique. Ao mesmo tempo, impede o abuso do direito de defesa por parte de devedores desprovidos de razão e previne o comprometimento da efetividade da tutela jurisdicional em razão da demora inerente ao procedimento comum.

Trata-se de faculdade conferida ao credor, que pode lançar mão desse procedimento especial sempre que possuir relativa certeza de seu crédito, documentado ou comprovado por prova oral produzida antecipadamente, mas ainda destituído de eficácia de título executivo extrajudicial. Nada obsta, contudo, que o credor, por conveniência ou prudência, opte pelo processo comum, assegurando-se lhe essa possibilidade, especialmente quando houver dúvida quanto à presença dos pressupostos da monitória.

De fato, se o juiz tiver dúvidas sobre a satisfação dos pressupostos da monitória, deve, nos termos do § 5º do art. 700 do CPC, conferir ao credor a possibilidade de emendar a inicial ou de converter a ação para o rito comum, de cognição plena, extinguindo-a apenas em caso de recusa.

A verificação do atendimento desses pressupostos para a monitória é fruto do exercício da cognição sumária do juiz e anterior à participação do devedor no processo, dependendo, portanto, de um juízo de probabilidade. Pode, assim, ser revista por ocasião da apresentação dos embargos, que têm natureza de contestação e, por isso, alcançam toda a matéria de defesa, seja processual ou material, expandido a cognição, que, a partir de então, passa a ser ampla e exauriente, como no processo comum de conhecimento.

Nos embargos, no caso de o devedor ter sido citado por edital e não for encontrado, o curador especial pode deduzir a defesa por negativa geral, estando isento do ônus da impugnação específica.

Nesse caso, se a documentação que instrui a inicial não possibilitar ao juiz o juízo de verossimilhança necessário à constituição definitiva do título executivo judicial, deve o juiz adotar a postura do art. 371 do CPC, indicando, de ofício, os fatos controvertidos e as provas cuja produção deve caber ao credor, sob pena de cerceamento do seu direito ao contraditório e ao devido processo legal.

Aplica-se, por analogia, a previsão do § 5º do art. 700 do CPC: a extinção do processo por ausência de prova suficiente da dívida exige a prévia concessão de oportunidade ao credor para juntar documentação complementar que eventualmente possua ou para requerer a produção de outros meios de prova que entender pertinentes.

Diferentemente, contudo, da fase inicial da monitória, não se admite a emenda da inicial para a conversão do procedimento, em razão de o processo, com a apresentação dos embargos, já se encontrar submetido a juízo de cognição exauriente.

Desse modo, nos embargos por negativa geral apresentados pelo curador especial, a conclusão do magistrado pela insuficiência probatória sem que tenha, de modo cooperativo, especificado as provas a serem produzidas e indicado os fatos a serem provados, dando a oportunidade ao credor de instruir adequadamente a ação, ofende a instrumentalidade das formas, o dever de cooperação, imposto a todos os sujeitos do processo, e o princípio da não surpresa.

(STJ, Recurso Especial n. 2133406/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 17/09/2025, grifou-se)

A decisão supra soa acertada, porquanto (i) a escolha do credor entre o procedimento comum ou a via da ação monitória não pode ficar alheia ao indeferimento desta última ao alvedrio da melhor interpretação da prova documental suficiente, em especial a se considerar os impactos sucumbenciais daí decorrentes. Ainda, (ii) se o propósito da atividade jurisdicional é empenhar-se a resolução de mérito (ou efetivo pronunciamento judicial da lide sobre quem tem razão), a prematura extinção da ação monitória, sem resolução de mérito (fundada na falta de prova documental escrita) milita em desfavor de aludida efetividade. A três, (iii) o franqueamento da ampla defesa mediante ulterior produção de prova apta a corroborar a existência da obrigação na ação monitoria (ao revés de sua extinção) tem por esteio também atingir o escopo jurídico da jurisdição, evitando-se a repropositura da demanda ou o afastamento da ação monitória por ter o autor, na visão do magistrado, eleito o nome iuris equivocado da demanda.