A desnecessidade de intimação pessoal e prévia da parte para aplicação da multa por ato atentatório a dignidade da Justiça
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Atualizado em 23 de abril de 2025 14:22
A chamada multa por ato atentatório à dignidade da justiça possui previsão em inúmeras passagens do CPC/15, a exemplo dos (i) arts. 77, §§s 1º e 2º (violação aos deveres das partes e procuradores)1, (ii) art. 161, parágrafo único (cumulação da multa quando reconhecida a responsabilidade civil do depositário infiel)2 (iii) § 1º-C, do art. 2463 (réu citado por meio eletrônico deixa de cumprir com o ônus de apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente), (iv) art. 334, § 1º (não comparecimento do autor ou réu na audiência de tentativa de conciliação obrigatória)4, (v) art. 772, parágrafo único (multa por ato atentatório imposta em razão de determinadas condutas do Executado)5, (vi) art. 903, § 6º (suscitação infundada de vício processual com vistas a ensejar a desistência do arrematante)6 (vii) e art. 918 (rejeição liminar dos embargos à execução quando considerados manifestamente protelatórios)7.
A despeito do legislador tornar como credor de aludida multa ora a parte (art. 774, par. único e art. 903, § 6º), ora ao Estado (art. 77, § 3º e art. 334, § 8º), ora nada esclarecer quem seria o titular de aludida multa (art. 161, parágrafo único, art. 246, § 1º-C e art. 918, par. único) recentemente a quarta turma do STJ dirimiu a controvérsia quanto a necessidade de prévia intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. OMISSÃO NA INDICAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. REGRA GERAL. ADVERTÊNCIA PRÉVIA. CARÁTER FACULTATIVO. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recurso especial contra acórdão que condicionou a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado e advertência específica sobre a sanção.
II. Questão em discussão
2. Controvérsia acerca da necessidade de intimação pessoal e prévia advertência específica para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
III. Razões de decidir
3. O art. 270 do CPC estabelece a intimação eletrônica como meio preferencial de comunicação processual, sendo a intimação pessoal exigível apenas mediante expressa previsão legal.
3.1. Para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, mostra-se suficiente a intimação eletrônica do executado, por ausência de previsão legal específica quanto à intimação pessoal.
4. A advertência prevista no art. 772, II, do CPC constitui faculdade judicial, não configurando requisito prévio obrigatório para imposição da multa.
IV. Dispositivo e tese
5. Recurso provido para afastar a exigência de intimação pessoal e de prévia advertência como requisitos para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito. Tese de julgamento: "1. A aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação por meio eletrônico. 2. A advertência prévia ao executado sobre a possibilidade de aplicação da multa é uma faculdade do Magistrado, não constituindo requisito obrigatório."
(REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25)
As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese:
"(...)
Do ato atentatório à dignidade da justiça
A relevância dessa discussão transcende o caso concreto, uma vez que impacta diretamente na efetividade dos mecanismos processuais destinados a coibir condutas que comprometam o regular desenvolvimento do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional.
O art. 774 do CPC/15 estabelece rol de condutas consideradas atentatórias, abrangendo tanto ações comissivas quanto omissivas do executado que possam comprometer a eficácia da execução. A norma processual reconhece como atentatórias à dignidade da justiça situações que vão desde a fraude à execução até a não indicação de bens penhoráveis, passando por condutas como a oposição maliciosa com emprego de ardis, a criação de embaraços à penhora e a resistência injustificada às ordens judiciais.
Importante destacar que tais previsões normativas não constituem mera faculdade do magistrado, mas verdadeiro poder-dever de coibir práticas que atentem contra a efetividade da prestação jurisdicional executiva. A caracterização dessas condutas como atos atentatórios à dignidade da justiça permite a aplicação de sanções processuais significativas, visando não apenas punir o comportamento inadequado do executado, mas principalmente garantir a efetividade da execução.
O sistema processual, ao estabelecer tais mecanismos, reconhece que a execução não pode ser frustrada por condutas desleais ou não cooperativas do executado, sendo fundamental a existência de instrumentos que permitam ao Poder Judiciário fazer valer suas decisões e garantir a satisfação do direito do exequente.
Vale ressaltar que a aplicação dessas sanções deve sempre observar o contraditório e a ampla defesa, permitindo ao executado justificar sua conduta, mas sem que isso implique em esvaziamento da efetividade dos mecanismos processuais previstos para garantir o resultado útil do processo executivo.
(...)
Da intimação
O CPC estabelece como regra geral, em seu art. 270, que "as intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei". Tal dispositivo reflete a modernização do sistema processual e a busca pela celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.
É importante ressaltar que, nos casos em que o legislador entendeu necessária a intimação pessoal, houve expressa previsão legal nesse sentido. A título exemplificativo, cito o art. 485, § 1º, do CPC/15, que exige expressamente a intimação pessoal da parte para promover os atos e diligências que lhe incumbir, sob pena de extinção do processo; e o art. 513, § 2º, II, que determina a intimação pessoal do executado sem procurador constituído nos autos para cumprimento de sentença.
No que se refere especificamente à aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, não há nenhuma previsão legal que imponha a necessidade de intimação pessoal do executado. O silêncio do legislador, neste caso, não pode ser interpretado como uma lacuna a ser preenchida pelo julgador, mas sim como uma opção legislativa deliberada pela aplicação da regra geral de intimação por meio eletrônico.
Ademais, a própria natureza do ato atentatório à dignidade da justiça, que configura violação aos deveres de lealdade e cooperação processual, não justifica a exigência de tratamento diferenciado quanto à forma de intimação. O executado que, devidamente representado nos autos, prática condutas que comprometem a efetividade da execução, não pode se beneficiar de uma proteção processual não prevista em lei.
Entendimento diverso representaria verdadeiro obstáculo à efetividade das sanções processuais previstas para coibir condutas desleais, além de contrariar a sistemática adotada pelo CPC, que privilegia a intimação eletrônica como regra geral.
(...)
Neste contexto, forçoso concluir que a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça prescinde de intimação pessoal do executado, sendo suficiente a intimação na forma prevista no art. 270 do CPC/15, ou seja, preferencialmente por meio eletrônico, e, não sendo possível, pelos demais meios regulares de intimação previstos na legislação processual.
Da advertência
O legislador processual, no art. 772, II, do CPC/15, atribuiu ao magistrado o poder-dever de advertir o executado sobre condutas que configurem ato atentatório à dignidade da justiça, evidenciando uma preocupação fundamental com a efetividade do processo executivo e a própria autoridade jurisdicional.
O referido dispositivo legal, ao prever que compete ao juiz "advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça", estabelece uma faculdade do Magistrado, a ser exercida de acordo com as peculiaridades do caso concreto, e não um requisito prévio e obrigatório para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
Tal interpretação decorre, primeiramente, da própria natureza dos atos atentatórios à dignidade da justiça, que configuram condutas manifestamente contrárias aos deveres de lealdade e cooperação processual. O executado que, conscientemente, pratica qualquer das condutas previstas nos incisos do art. 774 do CPC/15, não pode alegar desconhecimento de sua ilicitude processual para se eximir da sanção correspondente.
Dessa forma, a advertência deve ser compreendida como instrumento adicional posto à disposição do magistrado para prevenir a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, podendo ser utilizado quando o juiz verificar sua utilidade concreta para o caso em análise. Trata-se de faculdade processual que não se confunde com requisito prévio para aplicação da multa.
Vale ressaltar que esta interpretação não viola o princípio da não surpresa (art. 10 do CPC/15), uma vez que as condutas tipificadas como ato atentatório à dignidade da justiça estão expressamente previstas em lei, sendo de conhecimento presumido das partes e seus procuradores. A própria participação no processo executivo pressupõe ciência dos deveres e das sanções processuais aplicáveis.
Neste contexto, forçoso concluir que a multa por ato atentatório à dignidade da justiça pode ser aplicada independentemente de prévia advertência do executado, ficando a critério do Magistrado a utilização da faculdade prevista no art. 772, II, do CPC/15, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
(...)
Portanto, as instâncias de origem, ao condicionarem a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça à prévia intimação pessoal do executado com advertência específica, contrariaram frontalmente o disposto nos arts. 772, II, e 774 do CPC/15.
(...)
É como voto."
(REsp 1947791/GO, 4ª turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/2/25, grifou-se)
O aresto supra citado soa acertado pois, (i) o legislador foi expresso em situações típicas processuais em que se exige a necessária intimação pessoal da parte, (ii) sendo indevido o alargamento de tal interpretação em hipóteses ali não previstas, (iii) uma vez tipificada a conduta que caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça como norma cogente prevista no CPC, soa correto o entendimento de dispensa de uma advertência prévia como requisito necessário a aplicação da multa (o que não se confunde com o direito da parte impugnar o juízo decisório quanto a eventual error in procedendo no tocante a aplicação da multa).
Malgrado o julgado acima tenha decidido questão afeta a aplicação da multa prevista no art. 772, par. único do CPC, a ratio decidendi supra guarda harmonia de aplicação para as demais hipóteses previstas no CPC quanto a multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
1 "Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
(...)
V - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
(...)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
2 "Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.
Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça."
3 "Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.
(...)
§ 1º As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021). Disponível aqui.
1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação:
I - pelo correio;
II - por oficial de justiça;
III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV - por edital.
§ 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021). Disonível aqui.
§ 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)". Disponível aqui.
4 "Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
(...) 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado."
5 "Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que:
(...)
Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material."
6 "Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.
(...)
§ 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem."
7 "Art. 918. O juiz rejeitará liminarmente os embargos:
(...)
Parágrafo único. Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios."