O recente julgamento do REsp 1601868/SC e a importância do princípio do contraditório para a admissão da prova emprestada
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
Atualizado em 5 de fevereiro de 2025 09:50
Recentemente, a 1ª turma do STJ julgou o REsp 1601868/SC, tendo sido relator o ministro Paulo Sérgio Domingues, estabelecendo-se que: "É válida a admissão ao processo de prova emprestada, desde que respeitado o contraditório na demanda em que a prova venha a ser utilizada".
Posição semelhante foi a adotada no julgamento do AgRg no RMS 43329/RS, no STJ, tendo sido relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendendo-se que: "A utilização da prova emprestada pelo Tribunal de Contas só será válida se o processo administrativo lá desenvolvido observar as garantias do devido processo legal. Assim, não há prejuízo".
Igualmente importante, nesse ponto, é o julgamento do AgInt no REsp 1426271/MT, também no STJ, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, proclamando-se que: "É válida a utilização de prova emprestada, desde que observado o contraditório e ampla defesa. Precedentes do STF e do STJ. Súmula 83/STJ".
É da essência do art. 372 do CPC/15 a permissão para o manejo da prova emprestada, mas desde que observado o princípio do contraditório.
E a prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.
Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro."
E, para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.
Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal".
O art. 372 do CPC/15 dá especial importância ao princípio do contraditório, estabelecendo que a prova emprestada, para ser admitida, necessita sempre observar este nobre princípio, o qual se relaciona de forma íntima com o devido processo legal.
E como bem lembra Cássio Scarpinella Bueno5, o conceito de devido processo legal tem profunda relação com a noção de devida participação das partes no processo, devendo-se assegurar às mesmas a possibilidade de defesa e contraditório: "O processo deve ser devido porque, em um Estado Democrático de Direito, não basta que o Estado atue de qualquer forma, mas deve atuar de uma específica forma, de acordo com as regras preestabelecidas e que assegurem, amplamente, que os interessados na solução da questão levada ao Judiciário exerçam todas as possibilidades de ataque e defesa que lhe pareçam necessárias, isto é, de participação".
Como bem leciona Nelson Nery Jr.6, "por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a exigência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos."
Novamente trazendo a importância de se assegurar a devida participação das partes no processo, Cássio Scarpinella Bueno7 relaciona a noção de contraditório com a necessidade de se garantir ao sujeito do processo a possibilidade de o mesmo influenciar, através da devida participação, na decisão a ser proferida: "Justamente em função desta nova compreensão dos elementos 'ciência' e 'informação' é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a ideia de participação na decisão do Estado, viabilizando-se, assim, mesmo que no processo, a realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito. O que se deve destacar, a este respeito, é que o princípio do contraditório deve ser entendido como a possibilidade de o destinatário da atuação do Estado influenciar - ou, quando menos, ter condições reais, efetivas de influenciar - em alguma medida, na decisão a ser proferida".
Vale destacar, nesse aspecto, o enunciado 52 do FPPC, o qual enfatiza que: "Para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, considerando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária".
Portanto, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior.
A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal.
Exatamente neste sentido já se posicionou o STF, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado:
"A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl 11243, rel. min. Gilmar Mendes, 8/6/11, Tribunal Pleno); e
"É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC 106.398, rel. min. Celso de Mello, 4/10/11, Segunda turma).
Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal.
1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190.
2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191.
3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323.
4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125.
5 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 104 e 105.
6 NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 172.
7 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108.