A possibilidade de parcelamento da taxa judiciária
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Atualizado em 29 de outubro de 2025 10:51
O art. 98 e seguintes disciplina a gratuidade da justiça prevista na lei 1.060/1950 e também no art. 5º, LXXIV da Constituição Federal.
Partindo da premissa prevista no art. 5º, LXXIV, dúvidas não há de que "(...) o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", a seguir a inteligência de que, uma vez concedida a gratuidade da justiça a parte fica isenta de arcar com as custas e despesas processuais enquanto perdurar o benefício.
Por sua vez, o § 6º do art. 98 inovou ao prever "(..) conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento." Embora topologicamente referido dispositivo se encontre na Seção IV (Da Gratuidade da Justiça), do Título I, do Livro III, da Parte Geral do CPC, a dar a entender tratar-se de dispositivo afeto a gratuidade, a própria ideia de parcelamento das despesas processuais amplia tal prerrogativa a parte que não necessariamente é beneficiária integral da gratuidade, sendo possível a benesse com vistas a melhor proporcionar o acesso a justiça limitada a prática de um ou mais atos processuais.
Explica-se, por vezes a parte não faz jus a gratuidade, porém não terá condições de arcar com o pagamento das custas processuais dada sua elevada monta, razão do pleito para aludido parcelamento, malgrado topologicamente localizado na disciplina da gratuidade da justiça.
Nesse contexto a 4ª turma do STJ examinou a questão, sob o prisma de definir a melhor interpretação da expressão "despesas processuais" para efeito de aplicação do §6º do art. 98 do CPC:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUSTA JUDICIAL. TAXA JUDICIÁRIA. PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO. CONCEITO. DESPESAS PROCESSUAIS. HIPOSSUFICIÊNCIA PARCIAL. DISCRICIONARIEDADE. MAGISTRADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento a agravo de instrumento, mantendo a decisão que indeferiu o pedido de parcelamento de taxas judiciárias iniciais em ação que visa à prorrogação de crédito rural com revisional de contrato.
2. O Tribunal de origem entendeu que as taxas judiciárias, por sua natureza tributária, não estariam abrangidas pelo conceito de "despesas processuais" previsto no art. 98, § 6º, do CPC, e que o parcelamento dependeria de previsão em lei estadual específica.
II. Questão em discussão
3. Consiste em saber se o art. 98, § 6º, do CPC, que prevê a possibilidade de parcelamento de " ", abrange as despesas processuais taxas judiciárias e as custas judiciais.
III. Razões de decidir
4. O parcelamento das taxas e das custas judiciais representa aplicação do princípio da proporcionalidade na concretização do direito de acesso à Justiça, seguindo a lógica de que quem pode o mais (conceder gratuidade total - isenção do tributo) pode o menos (autorizar parcelamento), sendo contraditório admitir que o magistrado possa dispensar integralmente o pagamento, mas não possa adotar medida menos gravosa ao erário.
5. Desse modo, não sendo hipótese de concessão do benefício integral da justiça gratuita, ao magistrado é conferido o poder de determinar o fracionamento do pagamento das taxas e custas judiciais, estabelecendo suas condições e forma de adimplemento quando ficar comprovada a dificuldade financeira da parte requerente para a quitação integral e imediata dos valores devidos.
IV. Dispositivo e tese
6. Recurso provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a fim de que analise a alegada hipossuficiência parcial dos recorrentes e delibere sobre o pedido de parcelamento da taxa judiciária.
Tese de julgamento: "1. O art. 98, § 6º, do CPC autoriza o parcelamento das taxas judiciárias e custas judiciais, abrangendo-as no conceito de despesas processuais."
Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 98, § 6º; CF, art. 5º, XXXV."
(STJ, REsp 2.208.615/SP, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma, j. 7/10/2025, v.u. grifou-se)
O voto condutor bem ponderou:
"(...) Sensível a esse imperativo constitucional, o legislador infraconstitucional estruturou no CPC um sistema abrangente de institutos voltados a assegurar o efetivo acesso ao Poder Judiciário àqueles desprovidos de recursos financeiros adequados. Esse sistema contempla desde a gratuidade integral da justiça (art. 98, caput) até mecanismos intermediários e graduais, como a gratuidade parcial (art. 98, § 5º) e o parcelamento das despesas processuais (art. 98, § 6º), permitindo uma tutela jurisdicional efetivamente inclusiva e proporcional às condições econômicas do jurisdicionado. O dispositivo legal objeto da controvérsia - art. 98, § 6º, do CPC - estabelece que, "conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento". A questão inicial a ser dirimida, portanto, é se a expressão "despesas processuais" empregada pelo legislador abrange também as custas judiciais e as taxas judiciárias, ou se estas, por sua natureza tributária, estariam excluídas do alcance da norma federal.
Uma interpretação sistemática e teleológica do CPC conduz à conclusão inequívoca de que as custas judiciais e as taxas judiciárias integram o gênero despesas processuais, para fins de aplicação do art. 98, § 6º. No entendimento consolidado da doutrina processualista, as despesas processuais abrangem a totalidade dos desembolsos necessários à instauração, desenvolvimento e conclusão da relação processual. Conforme a precisa lição de Moacyr Amaral Santos:
Compreendem todos os gastos que se fazem com e para o processo, desde a petição inicial até a sua extinção. São despesas inerentes ao processo, correspondentes aos atos do processo e devidas ao Estado, aos sujeitos da relação processual, tanto principais como secundários, auxiliares do juízo e a" outras pessoas que colaboram no desenvolvimento daquela relação (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 2, p. 300 - grifei).
Essa conceituação abrangente encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, que sistematicamente reconhece as despesas processuais como categoria ampla (gênero), da qual derivam, como espécies, as custas judiciais, a taxa judiciária e os emolumentos. Confiram-se:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. PEDIDO DE ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO JUDICIÁRIA. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES VENCIDAS E VINCENDAS. NÃO VERIFICAÇÃO. REEXAME DE PROVAS.
SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
[...]
2. Despesas processuais é gênero do qual são espécies as custas judiciais, a taxa judiciária e os emolumentos. As custas judiciais têm natureza tributária e visam a remunerar os serviços praticados pelos serventuários em juízo. A taxa judiciária, por seu turno, também é um tributo, mas é devida ao Estado em contraprestação aos atos processuais Precedentes.
[...]
5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial
(AgInt no AREsp 1.754.692/SP, relator ministro Raul Araújo, 4ª turma, julgado em 8/8/2022, DJe de 19/8/2022)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TRANSAÇÃO ANTES DA SENTENÇA. APLICABILIDADE DO ART. 90, § 3º, do CPC/2015. TAXA JUDICIÁRIA QUE NÃO SE ENQUADRA COMO CUSTAS REMANESCENTES. OBRIGAÇÃO DE RECOLHIMENTO.
[...]
4. Despesas processuais é gênero do qual são espécies as custas judiciais, a taxa judiciária e os emolumentos. As custas judiciais têm natureza tributária e visam a remunerar os serviços praticados pelos serventuários em juízo. A taxa judiciária, a seu turno, também é um tributo, mas é devida ao Estado em contraprestação aos atos processuais.
[...]
7. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.
(REsp 1.880.944/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 23/3/2021, DJe de 26/3/2021)
Cabe observar que o próprio CPC, ao disciplinar os benefícios da gratuidade da justiça em seu art. 98, § 1º, incluiu expressamente "as taxas ou as custas judiciais" (inciso I) entre os itens abrangidos pelo conceito mais amplo de despesas processuais. O legislador adotou técnica redacional que estabelece clara sistemática jurídica, posicionando as custas e taxas judiciárias como espécie das despesas processuais. Ademais, o parcelamento das custas judiciais e das taxas judiciárias previsto no art. 98, § 6º, do CPC representa nítida aplicação do princípio da proporcionalidade na concretização do direito fundamental de acesso à Justiça. Trata-se de medida que se situa entre dois extremos: de um lado, a imposição do pagamento integral das taxas de uma só vez, potencialmente impeditiva do acesso ao Judiciário; de outro, a concessão da gratuidade total, que dispensa o pagamento de qualquer valor.
A própria ratio legis do parcelamento fundamenta-se no princípio de que quem pode o mais pode o menos - sendo ilógico conferir ao magistrado o poder de conceder gratuidade total (isenção do tributo), dispensando integralmente o recolhimento das taxas, mas negar-lhe a prerrogativa de autorizar simples parcelamento, providência manifestamente menos onerosa aos cofres públicos. Tal mecanismo não representa nenhuma dispensa ou redução do valor devido, constituindo mera dilação do prazo para adimplemento, com integral preservação do montante e garantia de sua efetiva arrecadação.
(...)
Cumpre ressaltar ainda que a natureza tributária das custas judiciais e das taxas judiciárias, reconhecida pelo STF no julgamento da ADI 1.378/ES e pelo STJ no REsp 1.893.966/SP, não constitui óbice à aplicação do art. 98, § 6º, do CPC/15. As custas judiciais e as taxas judiciárias constituem tributo diretamente vinculado à efetivação da garantia constitucional de acesso ao Judiciário. Em virtude de sua relevância para o exercício da cidadania, o próprio CPC estabeleceu mecanismos de flexibilização de seu pagamento, conferindo ao magistrado a prerrogativa de, mediante análise criteriosa do caso concreto, conceder isenção aos comprovadamente hipossuficientes ou autorizar o parcelamento dos valores devidos.
Nesse contexto, é necessário reconhecer que as normas processuais que disciplinam o acesso à Justiça possuem aplicabilidade imediata em todo o território nacional, não podendo ser afastadas sob o argumento de ausência de previsão específica em legislação estadual.
Desse modo, não sendo caso de concessão do benefício integral da justiça gratuita, ao magistrado é conferido o poder discricionário de determinar o fracionamento do pagamento das taxas e custas judiciais, estabelecendo suas condições e forma de adimplemento quando comprovada a dificuldade financeira da parte requerente para a quitação integral e imediata dos valores devidos.
No Caso Concreto
O TJ/SP rejeitou o pedido de parcelamento da taxa judiciária com base na sua natureza tributária e, por conseguinte, estaria sujeita ao princípio da estrita legalidade, sendo necessária a previsão específica na lei estadual 11.608/03 para sua concessão. Ocorre que tal fundamentação revela uma inconsistência estrutural no raciocínio jurídico aplicado, pois a mesma lei estadual 11.608/03 também não prevê expressamente a possibilidade de isenção pelo benefício da justiça gratuita. Não obstante essa ausência normativa, a primeira instância analisou o pedido, indeferindo por ausência de comprovação da hipossuficiência (fl. 544).
Evidencia-se uma postura hermenêutica contraditória. Para o benefício da gratuidade de justiça, que isenta integralmente do tributo e gera impacto financeiro consideravelmente maior no erário, admite-se a aplicação direta da norma processual federal. Contudo, para o parcelamento, medida menos gravosa, que apenas dilui temporalmente o adimplemento, sem reduzir o devido, quantum exige-se previsão específica na legislação estadual.
Tal distinção carece de fundamento lógico-jurídico, pois ambos os institutos (gratuidade e parcelamento) compartilham a mesma natureza jurídica e finalidade constitucional, qual seja, propiciar o acesso à Justiça mediante a modulação do ônus financeiro do processo, em consonância com o princípio da capacidade contributiva do jurisdicionado.
Por fim, a verificação concreta da hipossuficiência parcial da parte recorrente - pressuposto fático para deferir o parcelamento das custas judiciais - demandaria, necessariamente, o reexame aprofundado do conjunto probatório dos autos. Tal providência, contudo, encontra óbice na súmula 7/STJ.
Dessa forma, reconhecida a possibilidade jurídica de parcelamento das taxas judiciárias com fundamento no art. 98, § 6º, do CPC, impõe-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que proceda ao exame do pedido à luz das circunstâncias fáticas do caso concreto.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reconhecendo que o art. 98, § 6º, do CPC autoriza o parcelamento das taxas judiciárias, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a fim de que analise a alegada hipossuficiência parcial dos recorrentes e, verificando sua ocorrência, delibere sobre o pedido de parcelamento como entender de direito.
É como voto.
(STJ, Resp 2.208.615/SP, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma, j. 7/10/2025, v.u. grifou-se)
A decisão supra soa corretíssima pois deixa claro, tal qual previsto no CPC (porém relutante alguns tribunais em sua aceitação): a) a gratuidade pode ser concedida parcialmente, exclusivamente para a prática de um único ato processual (CPC, art. 98, § 5º), b) no mais das vezes ao deferimento parcial da benesse, cabe ao juiz examinar a concessão de parcelamento ao pagamento das despesas processuais, c) daí incluídas, a taxa judiciária e custas judiciais.

