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Por que pesquisar sobre Teoria da Agência?

terça-feira, 1 de julho de 2025

Atualizado em 30 de junho de 2025 13:55

Este pequeno texto é fruto de um projeto de pesquisa mantido pela UFJF sobre o Direito das Organizações (públicas e privadas). Dele resulta a coluna do Migalhas -  Migalhas de Direito das Organizações - que coordeno juntamente com professores da instituição e de outras parceiras.

Inicio a reflexão com uma afirmação recorrente em textos influenciados pela Teoria da Agência quando afirmam o escopo do Direito Societário: "The role of the law is to reduce agency cost by ensuring that agentes act in the interests of principals rather than in their own personal interest. Law does this by providing for the enforcements os contracts, facilitating contracting through disclosure and by reducing the cost of contracting through the provision of default rules."1

O que paira por trás desse pensamento?

Buscar responder à essa questão nos conduz não somente a um mergulho sobre os fundamentos do agencialismo, mas, também, à analogia histórica entre as companhias e os trusts, aos limites dessa analogia, ao debate existente no Direito Anglo-Americano entre posições contratualistas e posições do direito fiduciário e, ao fim e ao cabo, às pesquisas sobre os limites teóricos da Teoria da Agência.

Enfim, como compreender nos dias de hoje normas jurídicas e cogentes que conformam os comportamentos dos chamados agentes de governança? Normas econômicas seriam suficientes para refrear comportamentos egoístas e oportunísticos?

Ao nosso ver, pesquisas que se proponham a investigar tanto aspectos teóricos e explicativos do agencialismo, quanto pesquisas que desafiem a teoria analisando os efeitos práticos de suas propostas são necessárias. Se de um lado, ao longo das últimas décadas, o potencial analítico da teoria se mostra útil especialmente para entendermos os conflitos de interesses advindos da estrutura societária, de outro lado, seus limites devem ser testados. É nesse processo que uma teoria é substituída ou ganha sofisticação.

Por isso apresentamos uma pequena provocação.

A teoria da agência, como uma vertente neoclássica do pensamento econômico, compreende a empresa como uma mera ficção jurídica, cuja essência reside na confluência de múltiplas relações contratuais, decorrentes dos fatores de produção ou do mercado de bens e serviços. Assim concebida, a empresa não se configura como uma hierarquia dotada de poder de comando, mas sim como uma estrutura contratual análoga ao mercado, destituída de autoridade disciplinar, o que decorre do princípio da neutralidade do vínculo contratual. Nessa perspectiva, a gestão empresarial é compreendida como um processo contínuo de renegociação contratual, no qual a parte insatisfeita preserva a faculdade de rescindir o vínculo estabelecido.

O substrato comportamental dessa abordagem repousa na premissa de que os agentes econômicos racionais, ainda que inconscientemente, resolvem problemas em sua busca pela maximização da riqueza. À luz da intensa competição e da capacidade adaptativa dos agentes, apenas os arranjos contratuais mais eficientes sobrevivem, de acordo com uma lógica inspirada na seleção natural. Tal pressuposto se vincula diretamente à dinâmica de mercado formulada pela economia clássica, sendo emblemático o aforismo de Adam Smith, segundo o qual não se deve esperar o jantar da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro, mas sim de seu interesse próprio. Essa abstração sustenta que o altruísmo não é o motor das relações econômicas, mas sim o amor-próprio - elemento fundante da divisão do trabalho e da cooperação via trocas voluntárias.

Embora as proposições neoclássicas apresentem certa continuidade com as teorias administrativas precedentes - notadamente no que concerne à relevância das forças de mercado -, distinguem-se por sua maior sofisticação analítica. A essas forças, agora, agregam-se os mecanismos de preço nos mercados de fatores, de valores mobiliários e de contratos de gestão. Entretanto, ao se afirmar que os contratos celebrados entre atores de mercado são bilaterais e livres, o poder hierárquico outrora atribuído aos administradores perde sua força, já que, num arranjo contratual entre partes igualmente livres, ambas têm o direito de buscar novos parceiros contratuais.

Tal abordagem reducionista circunscreve a função do direito societário a um papel quase residual. O direito das sociedades, nessa acepção, não constitui um instrumento de legitimação do poder hierárquico, mas sim um mero componente contratual da estrutura de capital. Partindo-se da premissa de que apenas os modelos mais eficientes perduram, presume-se que o contrato societário opera uma partilha ideal de riscos, tornando-se dispensável qualquer forma de intervenção estatal para salvaguarda dos interesses dos acionistas.

A referida concepção aproxima-se das formulações mais extremadas do contratualismo na medida em que sustenta uma crença na autorregulação por meio do mecanismo de preços - razão pela qual é classificada como uma variante forte.

Logo, as relações societárias deveriam ser reguladas por normas dispositivas e facilitadoras da contratação ou da extinção dos contratos. Normas cogentes devem ser evitadas: normas econômicas dariam conta dos conflitos potencialmente existentes. Percebe-se que há no agencialismo tanto uma proposta positiva, no sentido de descrever a realidade, quanto uma proposta normativa.

Ao conceber os contratos como a essência da estrutura empresarial, o paradigma agencialista acentua a primazia da autorregulação contratual e minimiza o papel do Estado, convertendo o direito societário em um simples mecanismo habilitador, composto por normas dispositivas. A teoria da agência, sob esse prisma, considera prescindíveis as normas imperativas - como os deveres fiduciários - concebidas para coibir abusos na gestão e no controle societário, uma vez que as forças de mercado seriam suficientes para compelir os gestores a atuarem em consonância com os interesses dos acionistas.2

Historicamente, os administradores eram concebidos como fiduciários, cujas obrigações atuavam como limites à sua discricionariedade. Com o advento da teoria da agência formulada por Jensen e Meckling, parte da doutrina norte-americana passou a esvaziar o conteúdo dos trusts e a reduzir os deveres fiduciários a simples estipulações contratuais. No entanto, tais tentativas desfiguram os fundamentos históricos e conceituais do direito fiduciário. Os contratos e os deveres fiduciários diferem profundamente quanto à sua gênese e alcance: os contratos derivam da common law e se baseiam na vontade das partes, enquanto os deveres fiduciários emergem da equity e podem, inclusive, contrariar essa vontade.

Além disso, aspectos normativos essenciais ao trust, como a vedação de cláusulas exonerativas de responsabilidade, revelam-se inconciliáveis com os princípios contratuais, evidenciando a impropriedade da assimilação reducionista proposta pelas abordagens agencialistas.

Sob outra perspectiva, analisa-se a estrutura societária a partir da analogia com os trusts, no contexto do direito anglo-americano. Tal comparação é construída sobre características jurídicas partilhadas por ambas as figuras: a separação patrimonial, que impede que os credores dos sócios alcancem os bens sociais; a natureza não exigível do capital social, que protege a sociedade contra os próprios sócios; a limitação da responsabilidade dos sócios perante credores sociais; a capacidade processual autônoma; e a discricionariedade gerencial.

Com base em investigação histórico-comparativa, John Morley conclui que os trusts incorporavam quase todas as características doutrinárias atribuídas às sociedades por ações, sendo acessíveis de forma ampla tanto a súditos britânicos quanto a cidadãos norte-americanos.3

Todavia, há argumentos que fragilizam a analogia entre trusts e companhias. Embora o direito societário tenha assimilado princípios fiduciários, existem diferenças estruturais relevantes. Os administradores societários exercem a gestão dos bens da companhia sem deter sua propriedade, e gozam de maior discricionariedade, em virtude da amplitude dos fins sociais, contrastando com os objetivos específicos dos trusts, geralmente estipulados nos instrumentos fiduciários.

Ainda assim, os trusts demonstraram eficácia histórica como alternativa à constituição de sociedades. Durante o século XIX, mesmo após a promulgação de estatutos gerais de incorporação, grande parte das empresas permaneceu estruturada sob a forma fiduciária. No Reino Unido, quando da edição do primeiro estatuto geral de incorporação em 1844, os trusts superavam em mais de dez vezes o número de sociedades constituídas. Notavelmente, apenas quatro das 882 grandes empresas constituídas como trusts optaram pela conversão à forma societária, ilustrando uma resistência à solução societária.4

Contudo, essa realidade não se reproduziu no contexto jurídico brasileiro, no qual o instituto do trust não teve protagonismo similar. Essa ausência de paralelismo histórico e normativo levanta dificuldades adicionais à analogia entre as companhias brasileiras e os trusts anglo-americanos, mas não a impede.

Em notas conclusivas, pensamos que pesquisas podem entregar resultados interessantes quando contextualizem a Teoria da Agência nas discussões pertinentes ao local de sua concepção, o Direito Anglo-Americano, analisando a sua proposta inserida no debate entre proposições fundadas no direito fiduciário e aquelas outras baseadas no direito contratual, testando não somente os fundamentos da proposta teórica, mas também os limites práticos da sua aplicação no direito brasileiro.

Apesar das convergências e divergências mencionadas, as teorias agencialistas acabam por dissolver qualquer vínculo entre o direito societário e as obrigações fiduciárias.

__________

1 CHELER, Eva. Company law: a real entity theory. Oxford:: Oxford University Press, 2021. p. 5.

2 HILL, Jennifer G. Hidden fallacies in the agency theory of the corporation. European Corporate Governance Institute-Law Working Paper, 2024, 799.

3 MORLEY, John. The Common Law Corporation: The Power of the Trust in Anglo-American Business History. Columbia Law Review, Yale, v. 116, n. 8, 25 jan. 2017.

4 MORLEY, John. The Common Law Corporation: The Power of the Trust in Anglo-American Business History. Columbia Law Review, Yale, v. 116, n. 8, 25 jan. 2017.