O conceito de controle societário, conforme delineado pela lei 6.404/1976, art. 116 e parágrafo 2º do art. 243, constitui derivado do poder, refletindo a capacidade de influenciar ou determinar a conduta de outrem no contexto organizacional. No âmbito jurídico, o controle pode assumir significações diversas, ora como processo de vigilância e verificação da atividade própria ou alheia, com vistas à prevenção ou correção de eventuais desvios, ora como poder de dominação e direção, conforme o sentido anglo-saxônico de "control", aplicado à relação entre sociedade controladora e controlada. É mais corrente na literatura especializada brasileira a adoção da acepção de controle enquanto poder político e de domínio sobre as deliberações assembleares, a eleição da maioria dos administradores e a determinação dos rumos da sociedade, evidenciando a personalização do poder exercido pelo acionista controlador.
O poder de controle societário, longe de se limitar à mera autoridade formal, carrega consigo a funcionalidade jurídica de fiscalização e direcionamento da companhia, vinculando o controlador ao cumprimento do objeto social e da função social da empresa. Conforme o parágrafo único do art. 116 da lei das S/A, ao acionista controlador compete não apenas conduzir os negócios sociais e orientar os órgãos da sociedade, mas também atuar de forma a prevenir e corrigir sua própria conduta, fiscalizando os administradores e garantindo a observância dos interesses da companhia, de seus acionistas minoritários, dos empregados e da comunidade em que está inserida. Tal perspectiva funcionalista do controle, evidencia a assimilação do poder pelo Direito, condicionando-o a deveres de lealdade e responsabilidade jurídica, sob pena de responsabilização do controlador por desvios de finalidade ou uso oportunístico de seu poder-dever.
No contexto da estabilidade do controle acionário, o Direito Societário brasileiro distingue formas estáveis e instáveis de controle, com base na previsibilidade de transferência do poder. O controle majoritário e o controle por mecanismos legais são considerados estáveis, pois sua transferência depende da vontade do acionista controlador, enquanto o controle minoritário e o administrativo (não previsto entre nós) configuram formas instáveis, suscetíveis a aquisições hostis ou mudanças na composição societária.
Entretanto, ainda que questão antiga no Direito das Sociedades, a classificação das formas de controle previstas no Direito das Companhias brasileiro suscita alguma dúvida diante da complexidade regulatória e dos arranjos organizacionais que envolvem as companhias.
O professor Eric Hilt1 comentando o clássico "The Modern Corporation and Private Property"2 afirma que a obra inicia com uma caracterização surpreendente do mundo empresarial da década de 1930 (em referência à realidade estadunidense): "Crescendo até proporções enormes, pode-se dizer que evoluiu um 'sistema corporativo' - assim como outrora existiu um sistema feudal." Berle e Means argumentaram que o surgimento desse sistema transformou fundamentalmente o papel da companhia na sociedade, e que essas estruturas haviam se tornado tão grandes e influentes que seu comportamento impactava "a vida do país e. de cada indivíduo". No entanto, sua escala enorme significava que eram financiadas pela "riqueza de inúmeros indivíduos", quase todos os quais se tornaram investidores completamente passivos, sem qualquer papel em sua governança: a propriedade estava separada do controle. Para Berle e Means, isso significava que os conceitos tradicionais de sociedade não eram mais adequados. Um novo conceito de corporação era necessário - um conceito que pudesse implicar que os interesses da comunidade deveriam ser incorporados à conduta corporativa.
A partir desse diagnóstico, Berle e Means identificam a tão conhecida separação entre controle e propriedade. Mas ao identificarem esse fenômeno, constatam que a sua intensidade não se manifesta no mesmo grau em todas as companhias. Essa foi a chave para que desenvolvessem o seu sistema de classificação das formas de controle: caminhando entre formas que apresentam com maior intensidade a dissociação entre propriedade e controle, como é o caso do controle administrativo, e formas onde essa intensidade é menor, como ilustra o controle por meio da propriedade quase total.
Esse pensamento nos influencia até os dias de hoje de maneira que cuidaremos agora de classificar as formas de controle previstas no Direito das S.A. brasileiro a partir do esquema classificatório proposto por Berle e Means. Não descuramos, outrossim, da contribuição dada ao Direito brasileiro pela obra "O poder de controle na sociedade anônima"3, de Fábio Konder Comparato e atualizações de Calixto Salomão Filho.
a) Controle majoritário
O controle majoritário - aquele em que o acionista controlador é titular de mais de cinquenta por cento das ações com direito de voto -, segundo a análise seminal de Berle e Means, representa o estágio inicial na histórica separação entre propriedade e controle societário, fenômeno que posteriormente se revelou como a raiz dos conhecidos problemas de agência na governança corporativa. Nessa modalidade, o poder de conduzir os negócios sociais transita da minoria para a maioria acionária, ensejando a necessidade de regulação jurídica que estabeleça deveres de lealdade, responsabilização dos controladores e mecanismos de invalidação de deliberações assembleares.
Tal configuração evidencia a relação de agência entre acionistas controladores e minoritários, na medida em que os primeiros, ainda que não detenham poder de disposição sobre os bens sociais, preservam o comando sobre as atividades da companhia, sobretudo em razão da amplitude de matérias submetidas à deliberação da assembleia geral, conforme preceitua o art. 121 da lei 6.404/1976.
No âmbito do Direito Societário brasileiro, cumpre salientar que a caracterização do controlador, para fins do art. 116 da lei das S/A, distingue-se do mero acionista majoritário, haja vista que a titularidade isolada ou coletiva de mais de cinquenta por cento do capital votante não se apresenta como requisito imprescindível e suficiente. Em consonância, o acionista controlador deve ser entendido como aquele detentor de direitos societários que lhe assegurem, de maneira permanente, preponderância nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores, independentemente da posse da maioria absoluta das ações. Tal concepção evidencia que o controle societário se ancora na efetividade do poder de decisão e na capacidade de influenciar os rumos da companhia, mais do que na titularidade numérica de ações.
Ademais, a compreensão do controle majoritário deve considerar as especificidades dos mecanismos legais que estruturam o poder na sociedade anônima, notadamente a adoção de ações ordinárias simples e ações com voto plural, bem como a coexistência de ações ordinárias e preferenciais. Essas estruturas, ao mesmo tempo em que consolidam o poder do controlador, permitem distinguir entre controle majoritário estável e outras formas de controle, assegurando a adequada funcionalização do poder em conformidade com os deveres de lealdade e responsabilidade previstos na legislação societária.
b) Controle por mecanismo legal
O controle por mecanismos legais revela-se como instrumento sofisticado para a manutenção do domínio societário em grandes empreendimentos, permitindo aos acionistas fundadores ou empreendedores exercerem preponderância decisória sem a necessidade de deter a maioria das ações votantes. Tal estratégia encontra respaldo em estruturas societárias ou contratuais, que se materializam, dentre outras formas, na constituição de holdings ou na celebração de acordos de voto, conforme preceitua o art. 118 da lei 6.404/1976, ensejando o denominado controle piramidal ou em cascata. Este modelo de organização corporativa encontra fundamentação legal expressa no parágrafo 2º do art. 243 da lei das S/A, ao dispor que a sociedade controlada é aquela em que a controladora, direta ou indiretamente, detém direitos societários que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações e o poder de eleger a maioria dos administradores, consolidando-se como mecanismo de concentração de poder decisório.
Outrossim, a adoção de estrutura dual de ações constitui outra via legal de controle societário por mecanismo legal, englobando as ações ordinárias com voto plural e as ações preferenciais sem direito de voto. A introdução do voto plural no ordenamento jurídico brasileiro, mediante a lei 14.195/21, que alterou os arts. 16 e 110-A da lei 6.404/76, confere aos titulares de tais ações a prerrogativa de exercer controle decisório desproporcional à participação acionária detida. Tal inovação, ainda que reconhecida como instrumento de preservação de estratégias de longo prazo pelos fundadores, suscita debates sobre sua eficácia e risco de descompasso entre os interesses dos insiders e os acionistas externos, refletindo dilema clássico da governança corporativa contemporânea quanto à proteção do interesse social versus exercício de controle personalista.
Por derradeiro, o controle por mecanismo legal ainda se manifesta quando há a emissão de ações preferenciais sem direito de voto representando mecanismo adicional pelo qual minoritários podem exercer controle decisório, uma vez que a lei admite a emissão de tais ações até o limite de cinquenta por cento do total de ações emitidas. Dessa forma, mesmo sem possuir a maioria do capital social, determinados acionistas podem consolidar influência significativa sobre as deliberações societárias, evidenciando a complexidade e sofisticação do controle legalmente estruturado nas companhias. Tais instrumentos legais, embora legítimos, exigem análise atenta quanto aos deveres de lealdade e à mitigação de eventuais conflitos de agência, reafirmando a centralidade do equilíbrio entre autonomia de gestão e proteção dos interesses coletivos da sociedade e dos acionistas minoritários.
c) Controle minoritário
O controle minoritário no contexto societário brasileiro tem sido objeto de análise doutrinária, especialmente em função da dispersão acionária observada nas últimas décadas. A partir da segunda metade dos anos 2000, o mercado acionário presenciou, após trinta anos, a primeira tentativa de aquisição hostil. Naquele período, as empresas vinham negociando o controle societário e incorporando defesas contra aquisições em seus estatutos sociais, evidenciando transformações na governança corporativa. Paralelamente, a fusão da Bovespa com a BM&F (atual B3), contribuiu para impulsionar o mercado de capitais e reforçou a tendência de dispersão acionária, suscitando debates sobre a possibilidade de aproximação do controle administrativo brasileiro (problemático entre nós, como se verá) com modelos internacionais, em especial o estadunidense.
A doutrina nacional tem questionado a aplicação da classificação de Berle e Means ao contexto local, enfatizando a necessidade do caráter permanente e autônomo para que se configure o poder de controle. Atributos que faltariam ao controle minoritário. Há quem sustente que, enquanto o controle majoritário implica deveres específicos, o controle minoritário não estaria sujeito às mesmas obrigações, pois carece de constância e independência para dirigir a sociedade de forma autônoma, conforme dispõe o art. 116 da lei 6.404/1976.
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho argumentam que a lei das S/A admite implicitamente o controle minoritário, observando, para tanto, as normas jurídicas que se impõem sobre a instalação e o funcionamento da assembléia-geral. Afirmam, em conclusão, que "teoricamente, portanto, um só acionista, detentor de uma única ação, pode constituir a assembléia."4 A exceção fica por conta das matérias previstas nos incisos do art. 136 da lei 6.404/1976, em que se exige a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, do total de votos, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.5
Entretanto, entendemos que o controle minoritário é previsto na lei das S.A. brasileira ante a sua operacionalidade, conforme entendem Berle e Means, manifestando-se quando nenhuma outra parcela de ações possui força suficiente para constituir núcleo capaz de reunir maioria de votos, sugerindo que, no Brasil, mesmo uma minoria acionária poderia influenciar decisivamente o funcionamento da companhia por meio das deliberações sociais.
d) Controle administrativo
O controle administrativo se caracteriza pela elevada dispersão acionária, situação em que nenhum indivíduo ou pequeno grupo detém participação suficiente para dominar isoladamente a assembleia. Quando o maior interesse isolado representa fração ínfima, como 1% do capital, nenhum acionista possui poder relevante para influir decisivamente sobre a administração ou para consolidar maioria de votos capaz de exercer controle efetivo. Esse fenômeno representa o ápice da separação entre propriedade e controle descrita por Berle e Means, sendo posteriormente identificado por Jensen e Meckling6, a partir da década de 1970, como a gênese de problemas de agência, que surgem da divergência entre os interesses dos proprietários e os comportamentos dos administradores.
A literatura especializada dedica atenção considerável aos custos decorrentes da dissociação entre propriedade e controle, bem como às políticas capazes de mitigá-los. Adam Smith já apontava que, nessa configuração, os administradores não possuiriam incentivos naturais para conduzir os negócios de forma eficiente, diferentemente dos administradores-proprietários. Jensen e Meckling consolidaram tal percepção ao caracterizar a relação acionista-administrador como um problema agencialista, no qual os acionistas assumem o papel de principais e os administradores o de agentes, que maximizam utilidade pessoal. A análise agencialista identifica custos de monitoramento, de vinculação dos agentes e perdas residuais resultantes de desvios de comportamento, mesmo na presença de mecanismos incentivadores, constituindo a primeira abordagem estruturada para compreender a separação entre propriedade e controle.
Além da relação direta entre acionistas e administradores, a literatura moderna reconhece a atuação de outros atores capazes de monitorar e limitar os agentes, tais como detentores de debêntures, advogados, órgãos reguladores como a CVM e participantes do mercado, inclusive potenciais adquirentes de valores mobiliários. No âmbito do Direito brasileiro, o controle administrativo não possui previsão expressa, uma vez que o art. 116 da lei das S/A define o controlador com base no status acionário. Os problemas de agência deste gênero são, portanto, entre nós, regulados especialmente pela seção IV da lei 6.404/1976, sendo ressaltado o dever de lealdade imposto aos administradores pelo art. 155, que orienta a conduta destes em conformidade com os interesses da companhia.
e) Controle externo
O controle externo caracteriza-se, em regra, pelo exercício do poder de influência sobre a companhia por meios distintos do direito de voto. Em determinadas situações, o controlador externo pode também ser acionista, mas o seu poder não se concretiza através da votação, valendo-se de instrumentos externos, tais como cláusulas contratuais, condicionantes decorrentes do endividamento societário ou da intervenção estatal na economia. Conforme salientam Comparato e Salomão Filho, "[h]á, assim, em primeiro lugar, toda uma série de hipóteses em que o controle externo resulta de uma situação de endividamento da sociedade."7
Todavia, assim como ocorre no controle administrativo, a definição legal de controlador prevista no art. 116 da lei 6.404/1976 não contempla essa modalidade de controle. Em consequência, não se aplicam a ele as obrigações de lealdade previstas no parágrafo único do referido dispositivo, que recaem sobre o acionista controlador.
Apesar disso, o controlador externo está sujeito às normas gerais de responsabilidade civil, especialmente àquelas que impõem o dever de reparação de danos a quem, por ato ilícito comissivo ou omissivo, nos termos dos arts. 186 e 187 do CC, ou por exercer atividade de risco nos moldes do parágrafo único do art. 927 do mesmo diploma, cause prejuízo a outrem.
Em nota conclusiva, destacamos que o fenômeno do controle societário das Sociedades Anônimas é complexo e desafia juristas na medida em que o controlador, enquanto agente de governança, conduz direta ou indiretamente os negócios sociais, influenciando e às vezes determinando a organização, devendo conformar-se à padrões jurídicos e éticos. Recomendamos para um aprofundamento deste debate a leitura do nosso texto "Deveres de Lealdade do Controlador".8
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1 HILT, Eric. The Berle and means corporation in historical perspective. Seattle UL Rev., 2018, 42: 417.
2 BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner C. The modern corporation and private property. Rev. ed. New York: Harcourt, Brace & World, Inc., 1967. (Original publicado em 1932).
3 COMPARATO, Fábio Konder et al. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
4 COMPARATO, Fábio Konder et al. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
5 Ibid.
6 JENSEN, Michael C.; MECKLING, William H. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. In: CORPORATE Governance: Values, Ethics and Leadership. London: Gower, 2019. p. 77-132. ISBN 9781315191157.
7 COMPARATO, Fábio Konder et al. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
8 OLIVEIRA, F. de S. Deveres de lealdade do controlador. Revista Jurídica da UFERSA, [S. l.], v. 9, n. 17, p. 272-322, 2025. DOI: 10.21708/issn2526-9488.v9.n17.p272-322.2025. Disponível aqui. Acesso em: 12 ago. 2025.