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Migalhas Notariais e Registrais

Questões práticas e teóricas envolvendo o Direito Notarial e de Registro.

Izaías G. Ferro Júnior, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Hercules Alexandre da Costa Benício, Flauzilino Araújo dos Santos, Ivan Jacopetti do Lago e Sérgio Jacomino
O direito à herança, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, é um dos direitos fundamentais. O Código Civil brasileiro, em seus artigos 1.784 a 2.027, estabelece as regras e procedimentos para o exercício desse direito. Quando um herdeiro aceita uma herança, pode fazê-lo de maneira expressa, por meio de um documento formal, ou tácita, através de ações que evidenciem a aceitação. Em ambas as formas, ele assume tanto os direitos quanto as responsabilidades da herança, com o mesmo efeito legal. Por isso, a aceitação deve ser expressa é formalizada por uma declaração escrita, enquanto a aceitação tácita resulta de comportamentos que mostram a aceitação dos bens e das obrigações da herança, disposto no artigo 1.805, §1º e §2º do Código Civil.   Conforme Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira1 Se o herdeiro aceita a herança, quer de forma expressa ou tácita, posterior renúncia é ineficaz. Aliás, uma aceitação expressa, por escrito, dificilmente é encontrada. Comum, porém, é a aceitação tácita, e o herdeiro outorga procuração ao advogado, entra no processo ou requer a abertura do inventário e já aceitou a herança de forma definitiva. O Código menciona as duas formas de aceitação: expressa e tácita. Ir ao funeral, à missa de sétimo dia, pagar uma conta hospitalar de seu falecido pai não pode ser considerada como aceita a herança. É preciso que ele pratique um ato inerente, como, por exemplo, contratar um advogado para defender um bem que tenha sido invadido, ou, até mesmo, cobrar alugueis do inquilino. A aceitação é ato jurídico simples, sem maiores formalidades. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aceita a herança, tácita ou expressa, não pode mais haver renúncia a ela. Jurisprudência: INVENTÁRIO Herança Renúncia Descabimento Herança aceita inequivocamente pela agravante, que ajuizou o inventário declarando-se herdeira universal aceita a herança, tácita ou expressamente, não pode mais haver renúncia a ela Arts. 1805 e 1812 do CC Decisão mantida Recurso desprovido. (TJSP2 - (Relator(a): Rui Cascaldi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/08/2013; Data de registro: 13/08/2013).                          No âmbito tributário, após a aceitação da herança, o herdeiro deve declarar os bens recebidos e pagar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conforme as normas e alíquotas estipuladas pela legislação do estado onde o falecido residia. A aceitação da herança é um passo essencial no processo sucessório, mas não constitui, por si só, o fato gerador do imposto. Noutro giro, temos o artigo 1.806 do Código Civil aborda a renúncia de direitos hereditários, que é quando um herdeiro decide não aceitar a herança por qualquer motivo, nesse caso, a renúncia pode ser feita de forma abdica­tiva, ou seja, o herdeiro desiste da herança, e a parte que lhe caberia é incorporada ao total a ser dividido entre os outros herdeiros. A renúncia também é definitiva e jamais poderá o herdeiro arrepender-se. No contexto tributário, a renúncia à herança não acarreta obrigação tributária para o renunciante, pois não há transferência ou alienação da herança; ele apenas deixa de ser herdeiro, como resultado, os demais herdeiros, que permanecem na mesma linha de descendência ou que se tornam herdeiros devido à renúncia e assumem a responsabilidade tributária. De acordo com Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira3 A lei prevê duas formas de renúncia: abdicativa e translativa. Aquele é a renúncia pura e simples e este é um ato complexo, porque implica em aceitação e transferência do direito para outrem. A renúncia abdicativa deve ser feita "em benefício do monte", isto é, a pessoa renúncia e os remanescentes (aceitantes) recolherão a herança. Quando a renúncia é abdicativa não gera tributo, A lei não consagra a renúncia tácita, deve ela ser expressa e cumprir o renunciante as formalidades legais. Faz-se por escritura pública ou instrumento autêntico. Na prática do dia a dia, os herdeiros outorgam ao advogado uma procuração por instrumento público, conferindo-lhe poderes para renunciar a herança. O herdeiro já disse ao magistrado que não quer, e será lavrado, no processo de inventário, um termo de renúncia, que deverá ser assinado pelo advogado, que recebeu os poderes em instrumento público. Há muitos anos, e acontece, também, em pequenas comarcas do interior, o advogado colhe a assinatura do renunciante em procuração por instrumento particular. Se o juiz for mais rígido, mandará que seja lavrada a renúncia formal, exigindo que o herdeiro a assine. Nesse ínterim, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é condição sine qua non à validade da renúncia da herança a sua formalização na forma pública, isto é, através de escritura pública, ou mediante termo nos autos de inventário. Jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE PARTILHA. RENÚNCIA DA HERANÇA. FORMALIZAÇÃO POR TERMO NOS AUTOS. RENUNCIANTES REPRESENTADOS POR PROCURADOR MUNIDO DE PROCURAÇÃO PARTICULAR. INVALIDADE DO ATO. NECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO DE MANDATO, COM PODERES ESPECÍFICOS, OU O COMPARECIMENTO PESSOAL DE TODOS OS HERDEIROS RENUNCIANTES EM JUÍZO, OU, AINDA, A CONFECÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE RENÚNCIA (ART. 806 DO CC/2002). PARTILHA NULA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. É condição sine qua non à validade da renúncia da herança a sua formalização na forma pública, isto é, através de escritura pública, ou mediante termo nos autos de inventário, neste caso, com o comparecimento pessoal de todos os herdeiros renunciantes em juízo, ou, se representados, que o procurador esteja munido de instrumento público de mandato, com poderes específicos, não sendo suficiente a procuração particular.(TJ-SC - AC: 20111028065 SC 2011.102806-5 (Acórdão), Relator: Stanley da Silva Braga, Data de Julgamento: 15/08/2012, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado). O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também se manifestou no sentido de que a renúncia é um ato solene. A renúncia da herança é ato solene, exigindo o artigo 1.806 do CC, para o seu reconhecimento, que conste "expressamente de instrumento público ou termo judicial", sob pena de nulidade (CC, artigo 166, IV), não produzindo nenhum efeito, sendo que "a constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo validade a outorga por instrumento particular (REsp 1.236.671/SP, Rel. p/ acórdão Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe de 04/03/2013). Na hipótese, o Tribunal de origem não considerou válida a constituição de mandatário por instrumento particular pela viúva-meeira do falecido para o fim de renúncia translativa à sua parte da herança. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo interno a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 11 de abril de 2022. Ministro RAUL ARAÚJO Relator. Agora, vamos explorar a complexa Cessão de Direitos Hereditários, um dos temas mais intrincados e relevantes desse artigo, esse mecanismo é essencial para herdeiros que desejam transferir sua parte antes da conclusão do inventário, a cessão envolve questões jurídicas e sociais complexas e requer uma atenção meticulosa dos requisitos legais para assegurar a validade do acordo. Dessa forma, ocorrendo o falecimento de uma pessoa, dá-se início ao processo sucessório, no qual os bens deixados são divididos e transferidos aos herdeiros, que assumem tanto os direitos quanto as responsabilidades associadas ao patrimônio. Oportuno mencionar, o registrado pela professora Diniz4, que: O princípio da Saisine, em um sistema de direito civil, o possuidor tem um bem que é presumido como o seu legítimo proprietário, a menos que se prove o contrário, ou seja, a posse de um bem é suficiente para que o possuidor seja considerado como seu proprietário, até que se demonstre a existência de um direito de propriedade conflitante. A professora Diniz5, ensina que: O princípio da Saisine discutido no âmbito das sucessões, afirma que a transferência da propriedade ocorre automaticamente com o falecimento do proprietário, o princípio da Saisine é a regra que estabelece que, com o falecimento do titular, a propriedade é transferida imediatamente para os herdeiros, dispensando qualquer formalidade adicional para a efetivação da transferência imediatamente para os herdeiros. Ademais, vale a pena relembrar ainda, o conceito do pacto de corvina, ou "pacta corvina", que é sendo um acordo que se refere à herança de uma pessoa ainda viva. A expressão, derivada do latim, traduz-se como "acordo do corvo", aludindo aos hábitos alimentares dessa ave que aguarda a morte de suas vítimas para se beneficiar dos restos mortais. Tal acordo é explicitamente proibido pelo Código Civil, conforme disposto no artigo 426, evidenciando sua natureza antiética e a necessidade de respeitar as disposições legais sobre a sucessão. Passando-se por essas considerações, a renúncia e a cessão de direitos hereditários fazem-se necessário a manifestação de vontade relativa à herança que deve ser formalizada por meio de instrumento público ou por termo judicial nos autos para garantir sua validade, o prazo para essa formalização inicia-se a partir do momento do falecimento do titular da herança e se estende até a efetiva partilha dos bens. Ademais, é relevante destacar que, na cessão de direitos hereditários, há a incidência de impostos, o que deve ser considerado no processo de transmissão que veremos a frente. Desse modo, a cessão de direitos hereditários constitui um procedimento jurídico pelo qual um herdeiro transfere a outra pessoa os direitos que lhe cabem sobre a herança de um falecido. Em termos práticos, isso significa que o cessionário a pessoa que recebe os direitos adquire o direito de receber a parte da herança que originalmente pertencia ao cedente o herdeiro que está transferindo os direitos. Esse processo pode ser formalizado por meio de escritura pública ou por termos nos autos, conforme estipulado pelos artigos 1.793 e 1.806 do Código Civil, sob pena de nulidade. Sublinhamos e grifamos. Veja bem, o Código Civil em vigor, estabelece o artigo 1.793, §1º, §2º e §3º "o direito à sucessão aberta, bem como a quota-parte do co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública". Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira6 ensina como elaborar cessão de escritura pública, vejamos: A cessão do direito pode ser alienado pelo herdeiro a outrem, obedecidas as regras para tal. Em primeiro lugar, somente pode ser feita por escritura pública, dando-se preferência aos demais coerdeiros. Se houve abertura de inventário, necessária, também, a prévia autorização do juiz do feito. A cessão é genérica, não podendo o cessionário determinar o bem alienado, porque todos são titulares da universalidade, até que a partilha seja ultimada e homologada por sentença. Ocorre a cessão, a miúdo, quando o interessado quer "dinheiro" e o processo demora mais que o devido. Deve, então, oferecer aos outros, diretamente ou por intermédio de petição no curso do processo. Se o juiz deferir o requerimento, estará habilitado o herdeiro ceder parte ou a totalidade do seu direito. O estranho deve ser evitado, porque dificultará concluir o processo, ddesejoso de receber um certo bem. Deixando de requerer a prévia autorização do juiz, ineficaz será a cessão, pois todos os bens estão arrolados no inventário. Em face disso, no caso da escritura será necessário que todos os herdeiros estejam presentes e concordes para que o cessionário possa realizar o inventário extrajudicial, ele deve apresentar a escritura de cessão de direitos hereditários no momento da lavratura da escritura pública de inventário para habilitação, e se for caso o caso adjudicação, com a presença e anuência de todos os herdeiros, que devem ser maiores e capazes, o cessionário poderá receber a parte do acervo hereditário a que tem direito conforme estabelecido, nos termos do art. 16 da Resolução nº 35, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na parte da herança e de sua administração o co-herdeiro não está autorizado a transferir sua parte da herança para uma pessoa que não faz parte da sucessão, caso outro co-herdeiro tenha interesse em adquirir essa parte nas mesmas condições. Por outro lado, o co-herdeiro que não for informado sobre a cessão pode adquirir a quota transferida a um terceiro, desde que pague o valor correspondente à parte cedida e faça a solicitação dentro de cento e oitenta dias após a cessão, esse prazo assegura que todos os co-herdeiros tenham a oportunidade de exercer o direito de preferência e garante uma distribuição justa das partes da herança. Segundo o artigo 1.794 do Código Civil brasileiro, quando um herdeiro pretende ceder sua parte da herança a um terceiro, os co-herdeiros têm o direito de preferência para adquirir essa parte nas mesmas condições oferecidas ao terceiro, isso significa que os co-herdeiros podem adquirir a quota cedida antes que ela seja transferida para alguém de fora da sucessão. Se vários co-herdeiros estiverem interessados em exercer o direito de preferência sobre a quota cedida, a divisão dessa parte será feita conforme a proporção das quotas hereditárias de cada um. Ou seja, a parte cedida será repartida entre os co-herdeiros interessados de acordo com a participação de cada um na herança, garantindo que a divisão respeite a participação de cada herdeiro no espólio. Nesse cenário, o direito de preferência na cessão de direitos hereditários, surge como um elemento crucial do instituto, assegurando aos herdeiros já envolvidos no processo sucessório a prioridade na aquisição dos direitos transferidos, garantindo a proteção dos interesses de todos os participantes. Nesse ínterim, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que é nulo o negócio jurídico que não observe a exigência legal de anuência no instrumento público para a cessão onerosa de direitos hereditários. Jurisprudência: Agravo de instrumento. Inventário. Cessão de direitos hereditários declarada inválida por desrespeitar forma expressa prevista em lei que exige instrumento público. Discordância do agravado. Impossibilidade de reduzir a termo nos autos. Recurso improvido. (TJSP- Relator (a): Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20/10/2015; Data de registro: 20/10/2015). EMENTA: DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO- CESSÃO ONEROSA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - DIREITO DE PREFERÊNCIA - CIÊNCIA DOS HERDEIROS NÃO CEDENTES - INÉRCIA - DECADÊNCIA. Nos termos do art. 1.795 do CC, "o coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão." O Código Civil não veda que se demonstre a ciência a respeito da cessão por qualquer meio de prova. (TJMG - Apelação Cível 1.0011.08.020032-9/001, Relator (a): Des. (a) Evangelina Castilho Duarte, 14a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/09/2014, publicação da súmula em 10/11/2014). Com efeito, é importante reafirmar que a herança é classificada como bem imóvel de acordo com o art. 80, II, do Código Civil, e pode ser transmitida de forma gratuita ou onerosa. Quando a transmissão ocorre de maneira gratuita, assemelha-se à doação, estando sujeita ao Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Em contraste, na transmissão onerosa, que se equipara à compra e venda, incide o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos (ITBI). É imperativo considerar essas distinções para assegurar a correta aplicação dos tributos conforme a modalidade de transmissão do bem. Noutro giro, passando por todas as considerações, fazemos a pergunta mais importante, é possível registrar a escritura de cessão de direitos hereditários, aceitação ou renúncia no registro de imóveis? A resposta é clara, não, a doutrina e jurisprudência também diz que não! Assim sendo, importante observar que a lei de registros públicos nº 6.015/73, não prevê expressamente que a aceitação, cessão ou renúncia dos direitos hereditários seja considerada um título hábil para o registro de imóveis.   Posto isto, tal escritura não consta do rol taxativo de documentos estabelecidos pelo artigo 167 da referida lei, não fica de forma expressa na parte dos atos de registro/averbação da referida lei, muito menos no Código Civil ou qualquer outra legislação esparsa que fundamente a prática de considerar termo ou escritura como título hábil para o registro de imóveis. Pois bem, dito isso não poderia faltar as sábias palavras do registrador paulista Ademar7  Fioranelli sobre CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS em sua obra de Direito Registral Imobiliário. Os contratos versando sobre herança, de forma geral, são instrumentalizados como sendo de "cessão de direitos hereditários", estipulando a respeito da massa hereditária ou objetivando imóvel certo e determinado integrante de determinado monte partível. É inerente a esses tipos de contratos relevante aspecto jurídico, que os submete aos mesmos princípios reguladores da compra e venda, o que tem merecido, no decorrer dos tempos, ampla e considerável discussão por parte dos doutrinadores - e não menor apreciação pelos nossos julgadores no sentido de se fixar o seu acesso, ou não, ao Registro Imobiliário. A matéria já foi enfrentada pelo C. Supremo Tribunal Federal, que defendeu a posição da recepção do título no assento registral (RF 110/77 e 122/134). Hoje, a nosso ver, não há mais dúvida a respeito, tendo a jurisprudência administrativa registral solidificado ? entendimento da impossibilidade do seu ingresso, por ferir princípios básicos do direito imobiliário, tais como os da continuidade, especialidade, disponibilidade, e, também, por ausente no elenco taxativo do inc. I do art. 167 da Lei 6.015/73. Consagra o entendimento, ainda, que o direito à herança é considerado imóvel apenas por ficção legal, cabendo ao cessionário de tais direitos pleitear no inventário o pagamento em partilha do que coubesse ao cedente, como sub-rogado nos direitos deste último. Resumindo: o direito do herdeiro só se materializa com a partilha. Sua cota é ideal, e só se torna certa pela partilha, faltando, assim, os elementos que permitam o lançamento no Registro Imobiliário. O registro, se permitido, desprezaria os já citados princípios registrários, que, rigorosamente, devem ser preservados, fato não observado nas decisões prolatadas pelo C. Supremo Tribunal Federal. Neste sentido: "Direitos hereditários não são suscetíveis de registro, consoante a jurisprudência pacifica do Conselho; e o compromisso de compra e venda não tem objeto determinado, precisamente porque ainda não houve partilha e especificação dos bens inventariados... Além disso, o registrador, em seu artigo, continua apresentando argumentos que estão em consonância com sua visão predominante na jurisprudência e na doutrina, no que diz respeito à impossibilidade do registro da cessão de direitos hereditários... (Ap. civel 6.861-0, São Caetano do Sul, 13.4.87, CSMSP, Rel. Des. Sylvio do Amaral) "Depois, oportuno é salientar que direitos hereditários não são passíveis de ingresso no Registro de Imóveis." "Cabe ao interessado ultimar os inventários nos quais possui direitos e providenciar o registro do formal de partilha." (Ap. cível 4.258-0, Jacupiranga, 15.7.85, CSMSP, Rel. Des. Nélson Pinheiro Franco) O ilustre Magistrado Kioitsi Chicuta, ao decidir dúvida por mim suscitada no proc. 382/90, em 6.9.90, perante a 1.a Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo, assim decidiu: "A herança, como é cediço, constitui uma universitas juris, um complexo ideal, composto de direitos e obrigações, móveis e imóveis. E. enquanto não solidificado o direito do herdeiro sobre determinado bem, através da partilha, não se pode dar acolhida a título que instrumenta cessão de direito sobre parte ideal de um bem integrante do monte, sob pena de ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade." Claro que, figurando na matrícula ou transcrição anterior o de cujus como proprietário disponente, diverso do que, no título, figura como transferente (o cedente dos direitos hereditários), o ato pretendido, sem a prévia mudança da titulariedade, vulnera a consecutividade do registro, conforme regra expressa continuada nos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/73, interligado ao da disponibilidade, que se vincula ao enunciado de que ninguém pode transmitir o que não detém, ou no dizer dos latinos: "nemo dat quot non habet". A impossibilidade do registro das aquisições do direito à sucessão aberta é reconhecida, também, pela maioria dos doutrinadores, destacando-se os seguintes: Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, forense, 1976, p. 49 e 270); Walter Ceneviva (Normas do Registro de Imóveis, Freitas Bastos, 1988, p. 102). Nesta linha, destacamos as palavras do mestre Serpa Lopes, que salienta: "[...] em relação à cessão de direitos hereditários cumpre salientar que, nada obstante ser considerado imobiliário o direito à sucessão aberta, não está subordinada ao Registro de Imóveis." (Tratado dos Registros Públicos, 1955, vol. III, p. 295) O autor deste trabalho não descarta a possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento da sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Este, então, será recepcionado como compra e venda, já que a simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência, como, aliás, dispõe o art. 85 do CC. Neste caso, se a cessão era antes tida como condicional, deixou de sê-lo no instante em que o imóvel passou a figurar, in tabula, em nome do cedente e que passou a ter a disposição da coisa. Contudo, a escritura serve apenas como um título para que o cessionário possa se habilitar no processo de inventário judicial ou extrajudicial, assumindo, para todos os efeitos legais, a condição de herdeiro, consequentemente, o cessionário pode requerer a abertura da sucessão e a partilha dos bens, conforme previsto no artigo 1.772, parágrafo primeiro, do Código Civil. Após a habilitação no inventário, é o formal de partilha que concede ao cessionário o direito de propriedade sobre o imóvel. Este documento formal de partilha constitui o título que deve ser apresentado para registro no cartório de imóveis, conforme preconizado no artigo 167, inciso I, da Lei nº 6.015/73. Portanto, a formalização da cessão de direitos hereditários exige escritura pública, todavia, reafirmamos que não encontra guarida no Registro de Imóveis, refletindo a especificidade e fala as limitações previstas pela legislação vigente. Segundo os artigos 16, 17, 18 e 19 da Resolução nº 35 do CNJ, a renúncia deve ser feita de forma clara e inequívoca para garantir seu reconhecimento formal, quando houver renúncia ou partilha que implique em transmissão, os cônjuges dos herdeiros devem comparecer à lavratura da escritura pública de inventário e partilha, exceto no regime de separação absoluta de bens. Dito isso, o(a) companheiro(a) com direito à sucessão deve ser incluído, podendo ser necessário recorrer à decisão judicial se não houver consenso sobre a união estável ou sobre outros herdeiros. A meação do(a) companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados, plenamente capazes, estejam presentes e concordes. Para concluir, é evidente que os pontos abordados, destacam a análise das escrituras públicas de aceitação, renúncia e cessão de direitos hereditários, e revela a complexidade e a especificidade dos procedimentos relacionados à herança no direito brasileiro, apesar de sua importância na formalização e regulamentação dos direitos sucessórios, essas escrituras não são aptas para registro diretamente no Cartório de Registro de Imóveis. Isso se deve ao fato de que a Lei de Registros Públicos e o Código Civil brasileiro não incluem explicitamente tais escrituras no rol de atos aceitos para registro. O registro de imóveis é regido por princípios específicos, como continuidade, especialidade e disponibilidade, que não se aplicam diretamente às transações de direitos hereditários antes da partilha formal dos bens. A aceitação da herança, embora crucial para o processo sucessório, não resulta automaticamente na transferência de propriedade dos bens. A aceitação apenas confirma o status do herdeiro como titular dos direitos sobre a herança, sendo que a transferência real dos bens ocorre somente após a partilha. A renúncia à herança deve ser feita de forma expressa e formal, conforme o artigo 1.806 do Código Civil, através de escritura pública ou termo judicial. A jurisprudência é clara ao exigir a formalização pública da renúncia, visto que o ato deve ser reconhecido formalmente para que produza efeitos legais. O mesmo princípio se aplica à cessão de direitos hereditários, que deve ser realizada por escritura pública e não pode ser registrada diretamente no Cartório de Registro de Imóveis. Todavia, no que tange à cessão de direitos hereditários, é importante destacar que, apesar de ser formalizada por escritura pública, a transferência de direitos hereditários não é imediatamente registrável no Cartório de Imóveis. O direito de preferência dos co-herdeiros e as exigências de formalização garantem que a cessão seja realizada de acordo com as normas legais, mas a efetiva transferência de propriedade só ocorre após a conclusão do inventário e a emissão do formal de partilha. Em conclusão, a formalização dos atos de aceitação, renúncia e cessão de direitos hereditários deve observar rigorosamente as exigências legais, distinguindo-se claramente do processo de registro de imóveis. O formal de partilha e a escritura de inventário são os documentos exclusivamente capacitados para efetivar a transferência de propriedade no Cartório de Imóveis. Por outro lado, embora as escrituras de aceitação, renúncia e cessão desempenhem um papel crucial na abertura, habilitação e conclusão do inventário, elas não têm a validade necessária para o registro de imóveis. __________ 1 Silva Paulo Cotrim e Samuel Mezzalira. Artigo 1805 do Código Civil Come. Direitocompontocom. Disponível aqui. Acesso em: 06 de agosto de 2024. 2 TJSP - Relator (a): Rui Cascaldi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/08/2013; Data de registro: 13/08/2013). 3 Silva Paulo Cotrim e Samuel Mezzalira. Artigo 1805. Direitocompontocom. Disponível aqui. Acesso em: 06 de agosto de 2024. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Volume: 3 (Direitos Reais) 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. Volume: v. 3. p. 174. 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2020. 6 Silva Paulo Cotrim e Samuel Mezzalira. Artigo 1805. Direitocompontocom. Disponível aqui. Acesso em: 06 de agosto de 2024. 7 Fioranelli, Ademar. Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001. p. 515/517.
quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Multipropriedade mobiliária no mundo e no Brasil

Introdução A multipropriedade, também conhecida como propriedade compartilhada ou time-sharing, é um instituto jurídico que permite a múltiplos titulares compartilhar o domínio de um mesmo bem, de forma que cada um possa usar e gozar da coisa durante um período de tempo determinado (TEPEDINO, 2019, p. 5). Esse modelo de propriedade tem ganhado relevância nas últimas décadas, especialmente no setor imobiliário como uma alternativa para o acesso a bens de alto valor agregado, a exemplo dos imóveis de veraneio (OLIVEIRA, 2019, p. 23). No entanto, a multipropriedade não se restringe a bens imóveis, podendo incidir também sobre bens móveis, dando origem à denominada multipropriedade mobiliária. Essa modalidade, embora menos difundida que a imobiliária, apresenta grande potencial de expansão na medida em que permite o compartilhamento de bens como embarcações, aeronaves, veículos e equipamentos de alto custo (MARCATO, 2018, p. 15). O presente artigo tem por objetivo analisar o instituto da multipropriedade mobiliária, abordando seu conceito, características e regulamentação em diferentes países, com especial ênfase no tratamento conferido pelo projeto de lei 3.801/20, em tramitação no Congresso Nacional brasileiro. Conceito de Multipropriedade Mobiliária 2.1. Definição A multipropriedade mobiliária, à semelhança da imobiliária, pode ser definida como um regime de condomínio especial, no qual cada coproprietário é titular de uma fração de tempo, correspondente a um direito real de propriedade sobre um bem móvel corpóreo. Essa fração confere ao multiproprietário as faculdades de usar, gozar, fruir e dispor do bem com exclusividade, de forma alternada com os demais titulares, segundo as regras estabelecidas no memorial de instituição e na convenção do condomínio (MARCATO, 2018, p. 17). 2.2. Características A multipropriedade mobiliária apresenta algumas características distintivas em relação à propriedade tradicional. Em primeiro lugar, há uma dissociação entre a titularidade do direito e o uso do bem, uma vez que cada multiproprietário só pode exercer seus poderes durante o período correspondente à sua fração de tempo (TEPEDINO, 2019, p. 8). Além disso, o objeto da multipropriedade é indivisível, não se sujeitando a ações de divisão ou extinção de condomínio. Cada fração de tempo é, por sua vez, uma parte indivisível, à qual se vincula uma fração ideal do patrimônio condominial como um todo (MARCATO, 2018, p. 19). Outra característica relevante é a possibilidade de instituição da multipropriedade sobre um conjunto de bens da mesma espécie, e não apenas sobre um único bem. Nessa hipótese, os multiproprietários terão direito a usar os bens de forma alternada, segundo critérios predefinidos, o que confere maior flexibilidade e eficiência ao aproveitamento dos bens (OLIVEIRA, 2019, p. 27). 2.3. Direitos dos Multiproprietários Os multiproprietários têm direito a usar, gozar e fruir do bem durante o período correspondente à sua fração de tempo, com exclusividade. Podem, ainda, ceder sua fração em locação ou comodato, bem como aliená-la ou onerá-la livremente, independentemente da anuência dos demais multiproprietários (MARCATO, 2018, p. 22). No entanto, os multiproprietários também estão sujeitos a algumas obrigações, como o dever de contribuir para as despesas de conservação e manutenção do bem, proporcionalmente à sua fração ideal e de usar o bem segundo sua destinação, abstendo-se de atos que possam prejudicar os demais titulares (TEPEDINO, 2019, p. 12). 3.0. Multipropriedade Mobiliária no Mundo 3.1. França 3.1.1. Histórico A França foi um dos primeiros países a regulamentar a multipropriedade, inicialmente no setor imobiliário. A lei 86-18, de 6/1/86, disciplinou a multipropriedade imobiliária, estabelecendo regras para sua constituição, administração e extinção (SAINT-ALARY-HOUIN, 2019, p. 35). Posteriormente, a multipropriedade mobiliária também passou a ser admitida com base nas regras gerais do Direito Civil Francês. Embora não haja uma lei específica sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a validade dessa modalidade de propriedade compartilhada (ATIAS, 2018, p. 42). 3.1.2. Regulamentação Legal Na ausência de uma lei específica, a multipropriedade mobiliária na França é regida pelas disposições gerais do Código Civil sobre a propriedade e o condomínio, com as adaptações necessárias. Aplicam-se, ainda, as normas de proteção ao consumidor, especialmente em relação aos contratos de aquisição de frações de tempo (SAINT-ALARY-HOUIN, 2019, p. 38). A doutrina francesa tem defendido a necessidade de uma regulamentação própria para a multipropriedade mobiliária, a fim de conferir maior segurança jurídica e transparência às relações entre os multiproprietários e destes com terceiros (ATIAS, 2018, p. 45). 3.1.3. Natureza Jurídica Segundo a doutrina majoritária francesa, a multipropriedade mobiliária constitui um direito real de propriedade sobre a fração de tempo, atribuindo ao multiproprietário as prerrogativas de usar, gozar e dispor do bem durante o período correspondente (SAINT-ALARY-HOUIN, 2019, p. 41). Trata-se, portanto, de uma forma de propriedade plena, ainda que limitada no tempo, e não de um direito real sobre coisa alheia. Nesse sentido, o multiproprietário pode alienar ou onerar sua fração de tempo, sem necessidade de anuência dos demais titulares (ATIAS, 2018, p. 48). 3.2. Alemanha 3.2.1. Regulamentação Legal Na Alemanha, a multipropriedade mobiliária é regulada pela lei de contratos de habitação temporária (teilzeit-wohnrechtegesetz), de 20/12/96. Essa lei estabelece normas específicas para a celebração de contratos que tenham por objeto o direito de uso temporário de bens móveis, como embarcações e veículos recreativos (SCHMIDT, 2019, p. 52). A lei alemã impõe uma série de requisitos formais e materiais para a validade desses contratos, visando a proteger os adquirentes de frações de tempo. Entre outras disposições, a lei prevê um direito de arrependimento em favor do adquirente, exercível no prazo de 14 dias após a celebração do contrato (SCHMIDT, 2019, p. 55). 3.2.2. Natureza Jurídica De acordo com a doutrina alemã prevalente, a multipropriedade mobiliária configura um direito real limitado, que confere ao titular o uso e gozo do bem durante o período de sua fração, mas com restrições quanto à faculdade de disposição (OECHSLER, 2018, p. 61). Isso porque, segundo essa corrente, a alienação ou oneração da fração de tempo depende da anuência dos demais multiproprietários, uma vez que pode afetar a destinação comum do bem. Trata-se, assim, de um direito real sui generis, que não se confunde com a propriedade plena (OECHSLER, 2018, p. 63). 3.3. Inglaterra 3.3.1. Aplicação da Multipropriedade Mobiliária Na Inglaterra, a multipropriedade mobiliária tem sido utilizada principalmente em relação a bens como iates e aeronaves, permitindo o compartilhamento dos elevados custos de aquisição e manutenção desses bens (SMITH, 2019, p. 68). A prática tem se disseminado por meio de arranjos contratuais variados, que vão desde a copropriedade tradicional até a constituição de clubes ou sociedades de proprietários, passando pela celebração de contratos de locação de longa duração (SMITH, 2019, p. 71). 3.3.2. Regulamentação Legal Não há, na Inglaterra, uma legislação específica sobre a multipropriedade mobiliária. Aplicam-se, assim, as regras gerais do direito contratual e do direito de propriedade, com as adaptações necessárias a cada caso concreto (SMITH, 2019, p. 74). Os tribunais ingleses têm reconhecido a validade e a eficácia dos arranjos de multipropriedade mobiliária, desde que observados os requisitos legais para a constituição e transferência da propriedade sobre bens móveis, bem como as normas de proteção ao consumidor (SMITH, 2019, p. 77). 3.3.3. Natureza Jurídica Na Inglaterra, prevalece o entendimento de que a multipropriedade mobiliária constitui um direito de propriedade pleno sobre a fração de tempo, incluindo os poderes de usar, gozar, fruir e dispor do bem durante o período correspondente (SMITH, 2019, p. 80). Esse direito é oponível erga omnes e pode ser livremente cedido ou transferido pelo multiproprietário, independentemente do consentimento dos demais titulares. Trata-se, portanto, de uma forma de propriedade individual, ainda que temporalmente limitada (SMITH, 2019, p. 83). 3.4. Espanha 3.4.1. Regulamentação Legal A Espanha conta com uma regulamentação específica para a multipropriedade mobiliária, introduzida pela lei 4/12, de 6/7, que estabelece normas sobre os contratos de aproveitamento por turno de bens móveis (GARCÍA GARNICA, 2019, p. 88). Essa lei define os requisitos para a celebração e execução desses contratos, os direitos e deveres das partes, as regras de publicidade e informação ao consumidor, entre outros aspectos. Aplica-se tanto aos contratos celebrados na Espanha quanto àqueles firmados no exterior, desde que envolvam bens situados em território espanhol (GARCÍA GARNICA, 2019, p. 91). 3.4.2. Natureza Jurídica Segundo a doutrina espanhola majoritária, a multipropriedade mobiliária configura um direito real de aproveitamento por turno, que atribui ao titular o uso e gozo do bem durante sua fração de tempo, mas com limitações quanto à faculdade de disposição (GARCÍA GARNICA, 2019, p. 94). Isso porque a lei espanhola condiciona a alienação ou oneração da fração de tempo à concordância dos demais multiproprietários, visando a preservar a destinação comum do bem. Trata-se, assim, de um direito real autônomo, distinto da propriedade plena (GARCÍA GARNICA, 2019, p. 97). 3.5. Portugal 3.5.1. Regulamentação Legal Em Portugal, a multipropriedade mobiliária é regulada pelo decreto-lei 275/93, de 5/8, que disciplina o direito real de habitação periódica. Embora essa norma se refira expressamente a imóveis, a doutrina e a jurisprudência têm admitido sua aplicação, por analogia, aos contratos de direito de habitação temporária em bens móveis (CARVALHO FERNANDES, 2018, p. 102). O decreto-lei português estabelece as regras para a constituição, exercício e extinção do direito de habitação periódica, bem como os requisitos de validade dos contratos que tenham por objeto esse direito. Prevê, ainda, normas de proteção aos adquirentes, como o direito de arrependimento e a proibição de práticas comerciais abusivas (CARVALHO FERNANDES, 2018, p. 105). 3.5.2. Natureza Jurídica De acordo com a doutrina portuguesa dominante, a multipropriedade mobiliária configura um direito real de habitação periódica, que confere ao titular o poder de usar e fruir do bem durante o período correspondente à sua fração de tempo (CARVALHO FERNANDES, 2018, p. 108). No entanto, esse direito está sujeito a limitações quanto à faculdade de disposição, uma vez que a alienação ou oneração da fração de tempo depende da anuência dos demais titulares. Trata-se, portanto, de um direito real limitado, distinto da propriedade plena (CARVALHO FERNANDES, 2018, p. 111). Confira aqui a íntegra da coluna
Resumo: Este micro opúsculo pretende demonstrar a ingente importância do provimento 180 de 2024 do CNJ, em especial no registro de imóveis, no tocante à aceitação de títulos com assinaturas eletrônicas avançadas, criando um "elo de sintonia" com os títulos das instituições financeiras, inclusive quando grande parte dos clientes utiliza a plataforma gov.br, a partir de um comparativo com a legislação anterior, que ensejou um dilema jurídico aos cartórios de imóveis, atualmente superado pelo citado provimento. 1. Introdução A questão das assinaturas válidas em documentos digitais é tema de grande importância na atualidade para o registro de imóveis. Isso porque hoje a maioria dos documentos recebidos para registro ou averbação são eletrônicos. Tal realidade é inescapável nos grandes centros e mesmo nas cidades de porte médio. Nas cidades pequenas, entretanto, os documentos físicos ainda são maioria, embora tal fato esteja em rápida mutação para os títulos nato-digitais e digitalizados com assinaturas eletrônicas, devido em grande parte ao agronegócio. Quão importante as assinaturas eletrônicas ao registro de imóveis na atualidade que, enquanto os autores do presente texto terminavam de redigir uma crítica a não-aceitação por parte do registro de imóveis da assinatura avançada, por ausência normativa nacional, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) publicava uma norma suprindo tal crítica: O provimento 180 de 2024. Desta forma, a primeira versão do presente artigo já "nasceu velha" porque tratou de um tema em concomitante regulamentação pela CNJ. Entretanto, mesmo "nascido velho", este artigo revela a importância daquela normativa e a analisa, tendo sido o mesmo atualizado. Por fim, este artigo também poderá servir como argumentação às eventuais situações ocorridas antes do referido provimento. 2. A natureza jurídica e o conteúdo do Provimento 180/2024 da CNJ O provimento 180/24 da CNJ é uma norma administrativa de natureza abstrata com efeito reflexo, ou seja, é uma norma que atinge não somente os tabeliães e oficiais de registro, mas também a sociedade em geral. Ademais, sua força normativa decorre do § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, incluído pela lei 14.383/22, que delega à Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis. Aquele provimento alterou o Código Nacional de Normas (provimento 149/23) em diversos pontos, referente às várias especialidades extrajudiciais. No tocante ao cerne da presente matéria, interessa dizer que ocorreu a revogação expressa do art. 324 do citado código que tratava da recepção pelos registros de imóveis de títulos digitais, tanto aqueles nato-digitais (§ 1º da norma revogada), quando os digitalizados (§ 2º da norma revogada). Tal artigo revogado se encontrava topograficamente na parte de registro de imóveis. Agora, a recepção de documentos pelo registro de imóveis em forma eletrônica não se encontra mais na parte específica do código de normas, porém, na parte geral. Isso significa que a recepção de títulos eletrônicos pelo registro de imóveis agora segue a mesma normativa da recepção de títulos pelas demais serventias. Diferentemente do que ocorria na regulamentação anterior, existe agora previsões a respeito de recepção de títulos que possuam assinaturas avançadas. Tais previsões estão no art. 208 do Código Nacional de Normas (prov. 149/23). O inciso I do § 1º do art. 208 do Código Nacional de Normas, prevê a possibilidade de recepção de documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado por todos os signatários por meio de assinatura qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e de registro. (grifos nossos). Logo em seguida, o inciso II do mesmo parágrafo prevê a recepção de documento público ou particular que exija a assinatura apenas do apresentante, com os mesmos requisitos do documento citado no inciso I, tendo inclusive permissão de uso de assinatura qualificada ou avançada (grifos nossos). Note-se que a diferença entre os incisos do § 1º do art. 208 do código nacional de normas é a seguinte: enquanto o seu inciso I trata de assinatura por todos os signatários, o seu inciso II, ao contrário, trata de assinatura apenas do apresentante. Outra previsão é o inciso IV do supracitado art. 208, no qual se permite a aceitação de assinaturas qualificadas ou avançadas (grifos nossos) em documentos desmaterializados por qualquer notário ou registrador, desde que gerados em PDF/A e assinados pelos próprios, substitutos ou prepostos. Avançando-se na norma, encontramos o § 2º do art. 208 do Código Nacional de Normas, que trata de títulos digitalizados em conformidade com o art. 5º do decreto 10.278/20. Agora, tais títulos podem utilizar também de assinaturas eletrônicas do tipo avançado, além das qualificadas. Portanto, ciente das dificuldades dos cartórios brasileiros ante os dilemas normativos, a Corregedoria Nacional de Justiça atualizou o Código de Normas Nacional, a fim de permitir a sintonia normativa entre os cartórios de imóveis e as instituições financeiras. Dessa maneira, e nos termos do § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, o provimento 180/24 da CNJ foi o "elo de sintonia" entre o art. 17-A da lei 14.063/20 e o seu art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20. Em resumo, é possível afirmar que os cartórios de imóveis poderão aceitar os "títulos nato-digitais públicos ou privados", os "documentos desmaterializados" por notários ou registrador, além dos "títulos digitalizados" (nos termos do art. 5º do decreto 10.278/20), contendo "assinatura eletrônica avançada ou qualificada". Ocorre que, antes da publicação do provimento 180/24, caso tenha havido eventual ingresso equivocado nos fólios reais de títulos com assinatura avançada, seria importante conhecer a presente proposta de conservação dos negócios jurídicos, à luz da teoria de "A obrigação como processo". 3. Origem, classificação e extensão normativa de assinatura eletrônica A assinatura eletrônica foi instituída inicialmente pela MP 2.200-2/01, cujo seu art. 1º define bem o seu conceito legal: "a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica (...), bem como a realização de transações eletrônicas seguras". O certificado digital ICP-BR garante autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos (públicos e privados) em formato eletrônico, bem como as declarações constantes nesses documentos presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, nos termos do § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/01 c/c o art. 219 do Código Civil. Aliás, o conceito normativo de certificado digital ICP-BR é muito semelhante ao conceito normativo de assinatura eletrônica notarizada prevista no inciso I do art. 285 do prov. 149/23 da CNN/CN/CNJ-Extra1, ao dizer que se considera "assinatura eletrônica notarizada: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por um notário, atribuindo fé pública". Note-se que as normas da CNJ e da MP 2.200-2/01 pretendem garantir a segurança na autoria, autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos (públicos e privados) em formato eletrônico. A validade da certificação digital dar-se-á pela certificadora raiz da ICP-BR, por meio de ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (art. 12 da MP 2.200-2/01), disponível no site. Por outro lado, não se olvide que, no tocante às certidões dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais, nos termos do art. 68 da lei 8.934/94, será confirmada sua autenticidade no site, na parte de "verificação de documentos do empreendedor - certidão online". Por meio da lei 14.063/20, foram criadas as assinaturas eletrônicas simples, avançada e qualificada (art. 4º, incisos I, II e III), conforme o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, sendo que a assinatura eletrônica qualificada - que utiliza certificado digital ICP-BR (art. 4º, inciso III) - é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos (§ 1º do art. 4º). Nos atos de transferência e registro de imóveis, será obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20). Entretanto, o § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, alterado pela lei 14.382/22, autorizou a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada para atos que envolvam imóveis. Outrossim, o art. 38 da lei 11.977/09, alterado pela lei 14.382/22, também permitiu que os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada. No tocante ao registro de imóveis, o § 2º do art. 38 da lei 11.977/09, também permitiu ao CNJ estabelecer hipóteses de admissão de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis. Até então, antes do provimento 180/24 da CNJ, os títulos imobiliários (transferência de titularidade ou ônus reais) precisam de assinatura eletrônica qualificada, que ensejava, por conseguinte, um dilema jurídico nas serventias de imóveis, quando recebiam títulos com assinatura avançada. 2. Assinatura eletrônica nas instituições financeiras antes do Prov. 180/2024 As instituições financeiras, que atuam com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública, e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada (art. 17-A da lei 14.063/20 alterado pela lei 14.620/23). É importante ressaltar que o art. 17-A da lei 14.063/20 fala expressamente em "celebração", em vez de "registro" ou "averbação", implicando, por conseguinte, que se trata de formalização de contrato entre a instituição financeira e o seu partícipe, em momento anterior ao registro de imóvel. Na prática, as instituições financeiras solicitam ao cliente o uso de plataforma gov.br para assinar eletronicamente. Ocorre que em grande parte das vezes quando da utilização desta plataforma, utiliza-se de assinatura eletrônica avançada, e não da qualificada. As identidades digitais da plataforma gov.br estão classificadas em três tipos: i) Identidade Digital Bronze; ii) Identidade Digital Prata; e iii) Identidade Digital Ouro, sendo que a bronze usará assinatura simples, ao passo que as duas últimas (prata e ouro), usaram as assinaturas simples e avançada (art. 1º, § 3º, da portaria SEDGGME 2.154/21), salvante para os atos de transferência e de registro de bens imóveis, que somente poderá usar assinatura qualificada (art. 1º, § 4º, da portaria SEDGGME 2.154/21 c/c o art. 4º, inciso III, alínea "a", do decreto federal 10.543/20). Dessa maneira, percebe-se que a plataforma gov.br permite dois tipos de assinaturas eletrônicas: uma avançada e outra qualificada. No entanto, os clientes na maioria das vezes, por não possuírem certificado digital ICP-Brasil (assinatura eletrônica qualificada), se utilizam da assinatura avançada, que ensejava um dilema registral. 3. Dilema registral antes do Prov. 180/2024: Assinatura eletrônica versus cartório de imóveis Sucede que, à luz da doutrina de Clóvis V. do Couto e Silva, no seu livro "A obrigação como processo", ao dizer, em suma, que a boa-fé contratual vai desde a celebração até o registro de imóveis, tudo indica que o art. 17-A da lei 14.063/20 criou um hiato jurídico com a regulamentação jurídica de assinatura eletrônica no registro de imóveis. O art. 38 da lei 11.977/09 determina que atos de registros públicos deverão ser inseridos no registro eletrônico2, permitindo a criação da plataforma mantida pelo ONR - Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, integrado atualmente pelo ON-RCPN - Operador Nacional do Registro Civil das Pessoas Naturais, pelo ON-RTDPJ - Operador Nacional do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas. O § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, incluído pela lei 14.393/22, permite a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada para atos envolvendo registro de imóveis. Eis aí o aparente dilema registral: Enquanto uma norma permite à instituição financeira atuante com crédito imobiliário o uso de assinatura eletrônica avançada (art. 17-A da lei 14.063/20); outra norma não permitia aceitá-la no registro de imóveis (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20), até regulamentação em contrário da Corregedoria Nacional de Justiça (§ 2º do art. 17 da lei 6.015/73). 4. Uma ideia resolutiva ao dilema registral antes do Prov. 180/2024 Uma ideia resolutiva ao dilema normativo sobre assinaturas eletrônicas - à luz da teoria de Clóvis V. do Couto e Silva ("A obrigação como processo") - seria a aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos3, positivado em nosso Código Civil. Por exemplo, "em caso de cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador" (art. 1.899); "na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados" (art. 1.547); "não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé" (art. 523). Desse modo, seria possível interpretar as leis 14.063/20 (assinaturas eletrônicas) e 6.015/73 (lei de registros públicos) à luz do princípio da conservação dos negócios jurídicos, afastando-se, portanto, da regra tempus regit actum, a qual significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua apresentação a registro, sendo irrelevante a data de sua celebração. Então, uma vez iniciada a obrigação contratual com instituição financeira contendo assinatura avançada, tudo indica que a serventia de imóveis poderia aceitá-la, com o intuito de terminar a referida obrigação, à luz da teoria de "A obrigação como processo", mais conhecida como princípio da boa-fé objetiva contratual, positivado no art. 422 do Código Civil e também previsto no enunciado 25 da I Jornada de Direito Civil do CJF4, sem implicar, d'outro lado, violação normativa à legislação específica sobre registro de imóveis. Nesse contexto, entendemos que, até a publicação do prov. 180/24 do CNJ, seria possível aceitar apenas assinaturas eletrônicas qualificadas no registro de imóveis. Entrementes, em caso de eventual ingresso equivocado no fólio real, tal argumentação jurídica é uma proposta de conservação dos negócios jurídicos com assinaturas avançadas, à luz da teoria de "a obrigação como processo". 4.1 Da situação específica dos títulos do agronegócio Antes mesmo do provimento 180/24 do CNJ já existia legislação complementar ao art. 17-A da lei 14.063/20, no tocante especificamente a legislação sobre cédula de crédito que parecia permitir o uso de assinatura eletrônica avançada. Aqui se adentra nos títulos do agronegócio. Na cédula de crédito bancário - CCB, por exemplo, foi permitida assinatura eletrônica de maneira genérica (§ 5º do art. 20 da lei 10.931/04, alterada pela lei 13.986/20), condicionando apenas a garantia de identificação inequívoca de seu signatário, sem qualquer remissão à observância da lei 14.063/20 ou da MP 2.200-2/01, como fizeram expressamente outras leis e legislações (lei 6.015/73 e decreto federal 10.543/20). Outrossim, na cédula de crédito rural hipotecária e/ou pignoratícia, também foi permitida ao emitente ou representante (com poderes especiais) a assinatura eletrônica, desde que garantida a identificação inequívoca de seu signatário, nos termos inciso IX do art. 14 c/c o inciso IX do art. 20, ambos do decreto-lei 167/67, sem qualquer tipo de remissão à observância da lei 14.063/20 ou da MP 2.200-2/01. Nesse contexto, ante a ausência de remissão normativa expressa, o prov. 180/24 da CNJ praticamente espancou qualquer dúvida sobre as classificações de assinaturas eletrônicas permissivas nas cédulas de crédito bancário e rural, ou seja, os oficiais de imóveis podem aceitá-las com assinatura avançada e qualificada. Na cédula de produto rural - CPR (lei 8.929/94), por sua vez, já foi bem mais específica, permitindo expressamente assinatura eletrônica avançada ou qualificada para registro e averbação constituída por bens móveis e imóveis, nos termos do inciso II do § 4º do art. 3º da lei 8.929/94, incluído pela lei 13.986/20. Ou seja, antes do provimento já existia uma regulamentação específica para tais títulos. Como a lei específica delegou à Corregedoria Nacional de Justiça estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, praticamente o prov. 180/24 da CNJ serviu para ratificar a força normativa do inciso II do § 4º do art. 3º da lei 8.929/94. Assim, quando se analisa os atos normativos de títulos envolvendo o agronegócio em sintonia com o prov. 180/24, é possível concluir que a exceção tornou-se a regra, ou seja, antes eram poucas normas permitindo expressamente a assinatura eletrônica avançada ou qualificada, mas agora, após a citado provimento, tornou-se uma regra tal permissão, incluindo os títulos emitidos por instituições financeiras que atuam com crédito imobiliário. 5. Conclusão A partir do provimento 180/24 da Corregedoria Nacional de Justiça se tornou possível a utilização de assinaturas eletrônicas avançadas perante os serviços de registro de imóveis para diversos títulos, nas hipóteses agora regulamentadas no art. 208 do Código Nacional de Normas, merecendo elogios essa regulamentação da CNJ, pois tratou de tema de extrema importância ao registro de imóveis e que carecia de regulamentação. Ocorre que, antes daquele provimento, em que pese a grande evolução tecnológica nos negócios privados e públicos, a exemplo de assinaturas eletrônicas e de Serp - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, tudo indicava que, ante a ausência de normas sistemáticas, era até possível a celebração contratual com assinatura eletrônica avançada, mas não se permitia o seu ingresso no registro de imóveis. Após criação jurídica de chave digital ICP-BR (MP 2.200-2/01), sendo classificada como assinatura eletrônica qualificada para os atos de registro de imóveis (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20), representou um grande avanço aos negócios jurídicos, notadamente a criação de meios para uso de documentos nato-digitais. Acontecia que, para celebração de contratos com instituição financeira atuante com crédito imobiliário, foi permitida a assinatura eletrônica avançada e qualificada (art. 17-A da lei 14.063/20, incluído pela lei 14.620/23), sem qualquer ressalva expressa ao § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, que permite à Corregedoria Nacional de Justiça estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis. Para piorar, quando a instituição financeira solicitava ao cliente assinatura pela plataforma gov.br, ainda que a finalidade seja a segurança da celebração contratual, ensejava um problema registral, qual seja, na maioria das vezes, por não ter ICP-Brasil, o cliente assina através da assinatura avançada. Dessa maneira, antes do prov. 180/24, ocorria o seguinte dilema jurídico: Conquanto permitida a celebração de contrato bancário com assinatura avançada, não seria permitido o seu ingresso no fólio real. Assim, com o intuito de resolver tal dilema às situações anteriores àquele provimento da CNJ, propomos a aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos - já positivado em nosso direito civil (art. 422 do Código Civil), em vez de aplicar a regra tempus regit actum, a qual significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua apresentação a registro. A situação se encontra hoje normatizada de maneira correta pelo CNJ, terminando com a situação jurídica de insegurança que existia anteriormente. Por fim, é deveras importante frisar que, havendo eventuais situações antes do provimento 180/24, será prudente interpretar cum grano salis as normas de assinaturas eletrônicas no registro de imóveis, a fim de manter em sintonia a boa-fé objetiva contratual com o sistema de registro de imóveis. __________ 1 Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra). 2 Cf. o art. 76 da Lei nº 13.465/2017 c/c o Provimento nº 89/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça. Em seguida, foi publicada a Lei n.º 14.382/2022, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) c/c o Prov. 149/2023 do CNN/ CN/CNJ-Extra. 3 BUZAR, Maurício. A invalidade do negócio jurídico. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 181-183. 4 "Art. 422. [do Código Civil]. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". No mesmo sentido, diz o enunciado 25 da I Jornada de Direito Civil do CJF: "O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual"
Introdução Na primeira parte deste trabalho, meu colega de pesquisas, Sérgio Jacomino, lançou algumas questões envolvendo a assimilação da IA nas rotinas de um cartório de Registro de Imóveis. A mim coube, no âmbito do NEAR-lab - Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico, desenvolver algumas rotinas a fim de testar a funcionalidade da ferramenta aplicada à solução de alguns problemas bastante comuns nas serventias imobiliárias. Criamos uma área de trabalho (workspace) na qual interagem alguns pesquisadores para desenvolvimento e especialização da ferramenta de IA e aplicando seus recursos em tarefas próprias dos cartórios de Registro de Imóveis. Nos últimos três meses buscamos simular a execução das rotinas mais complexas e trabalhosas do processo de registro, considerando a aplicação da IA para ganho de eficiência e desempenho. A breve demonstração levada a efeito, e referida abaixo, abre um horizonte de grandes possibilidades e oportunidades, mas revela, igualmente, imensos riscos. Boas perguntas - melhores respostas De partida, percebe-se que a maior precisão da resposta da máquina está vinculada à qualidade da pergunta, vale dizer: o prompt da máquina deve receber demandas bem estruturadas e afinadas para obtenção de respostas qualificadas. Assim, para cada espécie de título apresentado, há um script específico que foi convertido pela máquina para interagir com a plataforma. POC SREI-GEN O projeto denominado "POC SREI-GEN" ou "Prova de Conceito do SREI Generativo" teve por objetivo testar o uso de agentes virtuais especializados para automatizar tarefas repetitivas e complexas do processo de registro de imóveis, considerando alguns de seus desafios atuais: Título em conteúdo desestruturado, em papel e em forma narrativa; Matrícula e atos escriturados em papel em forma narrativa; Exame de grande volume de documentos acessórios dos títulos; Exame de requisitos complexos, como por exemplo identificação de operações para comunicações para comunicar ao Siscoaf - Sistema de Controle de Atividades Financeiras; Necessidade de coordenação de dados entre as diversas fontes e etapas do processo. Durante o projeto, desenvolvemos alguns chats de IA, denominados agentes virtuais especialistas, para desempenhar e automatizar tarefas específicas em cada etapa do processo. A esses agentes demos o nome de agentes registrais. A partir da aplicação de técnicas de engenharia de prompts, especializamos os agentes registrais para receber o título e os documentos comprobatórios apresentados para registro, bem como a matrícula do imóvel, fornecendo como saída resultados específicos esperados em cada interação do processo. Considerando a metodologia de notação BPMN - Business Process Model and Notation1, mapeamos e selecionamos algumas rotinas presentes nos principais processos do registro, como a recepção, pré-qualificação de títulos e a qualificação registral. Buscou-se testar o uso do modelo de linguagem natural nestas rotinas, para leitura e compreensão dos conteúdos dos títulos e da matrícula do imóvel. Testamos alguns dos modelos de IA disponíveis atualmente, como, por exemplo, o ChatGPT-4o, um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI baseado na arquitetura GPT-4 (Generative Pre-trained Transformer 4). Esse modelo foi treinado usando uma grande quantidade de dados textuais, permitindo que ele compreenda e gere texto de forma coerente e contextual. No evento de Coimbra, apresentamos alguns vídeos práticos da atuação dos agentes registrais especialistas em cada etapa do processo. Por exemplo, as etapas iniciais de recepção e pré-qualificação do título exigem atualmente um enorme esforço de leitura e identificação das informações do título. O primeiro agente registral demonstrado visou fornecer os dados estruturados do título, considerando: Título e negócio jurídico; Imóvel; Pessoas envolvidas; Valores e condições de pagamento; Cláusulas contratuais obrigatórias. Exemplo de atividades dos processos "Recepcionar" e "Pré-qualificar título" Além dos desafios atuais do processo, a implantação do SREI - Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis exigirá dos registradores a adoção de novos parâmetros e rotinas operacionais estabelecidos principalmente no art. 10 do provimento CNJ 89/19.2 Dentre as novas práticas, será necessário realizar a atividade de "primeira qualificação eletrônica" com o objetivo de permitir a migração de um registro de imóvel existente efetuado no livro em papel, seja transcrição ou matrícula, para o formato de registro eletrônico denominado matrícula eletrônica. Exemplo de atividades do processo de "Qualificação Registral": Em relação ao processo de qualificação eletrônica, especializamos agentes registrais para desenvolver rotinas como: Análise da matrícula para consolidação da situação jurídica; Exame do título e de documentos comprobatórios; Exame de requisitos exigidos para comunicação ao Siscoaf; Estruturação de dados para auxiliar o exame e qualificação; Comparativo de elementos do título com a matrícula do imóvel; Consulta às leis e jurisprudência especializada sobre a matéria; Também foi possível integrar os agentes registrais em um único processo de registro, sendo necessário fazer o upload do título e da matrícula apenas uma vez. a) Os principais resultados do projeto foram: A eficiência da automação de tarefas complexas ou trabalhosas; Especialização de agentes registrais especialistas por etapa do processo; Maior coordenação entre as etapas dos processos; Precisão e controle de saída; Instruções e base de conhecimento aprovadas pelo registrador; Verificação de integridade dos resultados; b) Pontos de atenção ao uso da IA no RI: Privacidade e segurança de dados; Dependência tecnológica; Responsabilidade legal; Decisão final será sempre do registrador. Uma das importantes conclusões do projeto, foi identificar um aspecto essencial e indispensável do processo registral que é a necessidade do registrador realizar a devida conferência e revisão escrupulosa dos resultados gerados pelos agentes registrais. As ferramentas de IA proporcionam rapidez, agilidade, eficiência e precisão, permitindo que o registrador se concentre em aspectos mais complexos e subjetivos do processo de registro, porém não o substituindo em seu poder decisório, nem exonerando-o das responsabilidades inerentes à atividade. Um aspecto que deve merecer toda a nossa atenção é relacionado com o tema da privacidade e segurança de dados no uso da IA, além das responsabilidades legais e éticas que implicam o uso da IA nos processos de registro. A questão da transparência e da não discriminação nos sistemas de IA é crucial para garantir que a tecnologia seja utilizada de maneira justa e ética. Outro tema relevante é a necessidade de regulamentação específica para a IA, especialmente em áreas que envolvam direitos de personalidade. É necessária e urgente a regulamentação sobre o uso da inteligência artificial no Brasil. O projeto do Novo Código Civil3 inaugura o Livro VI sobre o Direito Civil Digital e, em seu capítulo III, define como "situação jurídica digital toda interação no ambiente digital de que resulte responsabilidade por vantagens ou desvantagens, direitos e deveres entre: Entidades digitais como robôs, assistentes virtuais, inteligências artificiais, sistemas automatizados e outros." O capítulo VII dedica-se especificamente a temas relativos à inteligência artificial. Também estão em tramitação o PL 6.119/234, que trata da alteração do Código Penal para punir fraudes publicitárias utilizando IA, e o PL 2.338/235, que estabelece normas gerais para o desenvolvimento, implementação e uso responsável da IA com foco na proteção de direitos fundamentais, transparência e mitigação de riscos. Conclusões - Uma ruptura paradigmática do sistema registral? Progressivamente, os meios eletrônicos foram se insinuando no processo registral, transformando-o profundamente. Na era digital, deparamo-nos com um ambiente totalmente novo, interdependente, interconectado, interligado full time, gerando impulsos que são percebidos e assimilados por sofisticados sistemas de IoT, gerando padrões estatísticos que nos revelam, por exemplo, distorções que possam ocorrer no processo registral. As novas ferramentas capturam detalhes que os humanos já não podem assimilar, interpretar e processar, especialmente no contexto de avulsão de dados (big data). Já as máquinas podem diagnosticar, de modo automatizado, desconformidades com padrões normativos, legais ou até mesmo com a praxe consolidada nos cartórios. Além disso, é possível identificar ocorrências suscetíveis de especial atenção (Siscoaf, indisponibilidades etc.), robustecendo a segurança do sistema. A partir da especialização de ferramentas de IA é possível obter resultados mais consistentes com o intuito de acelerar a assimilação de conhecimento sobre matérias complexas e extensas, incluindo temas exigidos para análise e qualificação de títulos apresentados para registro. Entretanto, a resposta da máquina depende diretamente da instrução que lhe é fornecida (prompt). Um prompt cuidadosamente elaborado orienta o modelo com mais eficiência na produção da resposta ou do conteúdo almejado, elevando tanto a pertinência quanto a exatidão do resultado. A engenharia de prompts aplicáveis ao Registro de Imóveis fornecerá uma interação mais eficiente com as aplicações de IA. A partir da uniformização e padronização de termos aplicáveis ao registro de imóveis é possível "ensinar" a máquina a assimilar com maior precisão os significados das informações e fornecer resultados muito mais consistentes e adequados. Enfim, são inúmeras as possibilidades de aplicação da IA aos processos de registros. A ferramenta deverá operar como uma espécie de AVR - assistente virtual registral, oferecendo ao registrador apoio em atividades práticas como exame e qualificação do título ou, ainda, na consolidação da situação jurídica atual do imóvel. __________ 1 Business Process Model and Notation (BPMN) é um modelo internacional de representação gráfica de especificação de processos, desenvolvido pela Business Process Management Initiative (BPMI) e mantido pelo Object Management Group (OMG), sendo ratificado também pela International Organization for Standardization (ISO), Norma ISO/IEC 19510 (ISO, 2013). 2 Provimento CNJ 89/2019. Disponível aqui. Acesso em 11/06/2024. 3 Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Disponível aqui. Acesso em 11/06/2024. 4 Projeto de lei 6.119/2023. Disponível aqui. Acesso em 11/06/2024. 5 Projeto de lei 2.338/2023. Disponível aqui. Acesso em: 11/06/2024.
Introdução No transcurso do IX Encontro de Direitos Reais, Registral Imobiliário e Notarial, promovido pelo Centro de Estudos Notariais e Registrais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (CeNoR), realizado entre os dias 22 e 23 de maio deste ano de 2024, buscamos introduzir um tema palpitante que já circula entre os registradores e profissionais que atuam nos Registros de Imóveis brasileiros. A mim coube lançar algumas questões preliminares, aproximando-nos do cerne dos complexos problemas envolvidos na matéria. Na parte II deste trabalho, a cargo da pesquisadora Nataly Cruz, buscou-se demonstrar, na prática, como o uso da ferramenta de IA (Inteligência Artificial) pode integrar-se no processo registral. Os resultados são os frutos da "POC SREI-GEN" ou "Prova de Conceito do SREI Generativo", desenvolvida no âmbito do NEAR-lab - Núcleo de Estudos Avançados de Registro de Imóveis eletrônico. Às portas de Tebas A esfinge da modernidade nos lança uma questão essencial: a máquina substituirá o humano no juízo de qualificação registral? Subordinadas a esta pergunta fundamental, outras podem ser agitadas: Quais os impactos que as novas tecnologias de inteligência artificial (IA) poderão ter nas atividades registrais? Qual a distinção entre automação de tarefas repetitivas (algoritimização e robôs) em comparação com a IA? Como a IA pode se constituir em uma camada de suporte (agentes ou assistentes virtuais) dedicados a cumprir tarefas críticas do processo registral? Como os cartórios darão respostas a demandas da sociedade digital? A IA pode ser uma ferramenta útil e eficaz para dar suporte a tais necessidades? Enfim, ela pode representar um novo ciclo de renovação do sistema registral pátrio? Algoritmo versus IA Nos cartórios já encontramos muitos exemplos de algoritmos (ou BOTs) - programas que executam tarefas específicas, pré-programadas, que funcionam de modo automatizado e sem necessidade de contínua intervenção humana. Essas ferramentas são extremamente úteis para automatizar tarefas repetitivas, com melhoria da eficiência operacional e diminuição de custos, muitas delas sem a direta intervenção humana. Eis alguns exemplos: Pesquisa automática de selos furtados, extraviados e inutilizados. Obtenção de dados cadastrais diretamente da administração pública (apuração de valor venal, de referência, nome oficial de logradouros, inscrição cadastral etc.). Atualização automática da CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de bens. Prenotação de títulos a partir de dados estruturados (XML) e seu aproveitamento para inserção no sistema de registro. Geração automática de certidões e visualização de matrículas (CNS + CNM + contraditório). Distribuição automática de títulos (natureza, complexidade, prazos etc.). Geração de indicadores de desempenho e fluxo interno de rotinas para gestão de processos registrais. Controle de prazos. Aproveitamento dos dados georreferenciados de imóveis urbanos e rurais para locação em plantas cadastrais por sistemas geodésicos de gestão territorial etc. Interconexão com sistema de cadastro de imóveis rurais. Clique aqui e confira a coluna na íntegra.
Recentemente, no final de julho, a 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, julgou procedente dúvida suscitada por um Oficial de Registro Imóveis, mantendo o óbice ao prosseguimento do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial que tinha como objeto instrumento particular de promessa de permuta.1 O caso julgado envolvia um instrumento particular de permuta de imóveis, em que as partes atribuíram, para fins fiscais, a cada um deles, o valor de R$100.000,00, e conferiram, no próprio instrumento particular, recíprocas quitações. Enfrentando dificuldade em obter a escritura pública para transferir o imóvel para o seu nome no Ofício Imobiliário, o primeiro permutante ingressou com o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial. Todavia, sobreveio nota devolutiva, desqualificando o título em razão do não cumprimento do requisito da quitação (art. 216-B da lei 6.015/73, e provimento 150 do CNJ), sob o fundamento de que a permuta não se convalidou pela falta de transmissão do imóvel para o segundo permutante. Segundo o Oficial de Imóveis, há ausência da comprovação da quitação, que no caso de permuta, deveria ocorrer por meio da escritura ou do registro do imóvel do primeiro permutante para o segundo permutante. A sentença reputou válida a justificativa apresentada pelo Oficial Registrador para obstaculizar o prosseguimento da adjudicação compulsória extrajudicial, aduzindo que: O fato de o instrumento particular indicar que os contratantes conferem mútua e recíproca quitação não possui o condão de demonstrar que houve o efetivo pagamento, mesmo que a avença tenha sido assinada pelos envolvidos, com reconhecimento de firma; Em se tratando de contrato de permuta de imóveis, o cumprimento da obrigação assumida, com a consequente quitação, somente estaria caracterizada com a efetiva transmissão da propriedade do imóvel do requerente da adjudicação (primeiro permutante) para o requerido (segundo permutante). Com todo respeito à sentença exarada pela 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, tal entendimento pode levar a inviabilidade do processo de adjudicação compulsória extrajudicial quando essa tiver como objeto promessa de permuta. Explicamos. A adjudicação compulsória extrajudicial tem duas premissas fundamentais previstas nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil2: O inadimplemento de quem deve outorgar ou receber a escritura e o adimplemento das obrigações contratuais pela parte requerente da adjudicação. Na compra e venda, após pagar todo o preço, o promitente comprador, provando a quitação (adimplemento), pode exigir a outorga da escritura definitiva. E se o promitente vendedor injustificadamente se negar (inadimplemento), o promitente comprador pode ingressar com o pedido de adjudicação compulsória, requerendo o suprimento da manifestação de vontade do vendedor pelo juiz (judicial) ou pelo registrador (extrajudicial). Na permuta não ocorre assim. A permuta, prevista no art. 533, do Código Civil3, configura-se em negócio jurídico de troca de um bem pelo outro. No caso julgado, o primeiro permutante entregou seu imóvel em troca do imóvel do segundo permutante, "taco a taco", sem reposição de valores. Tal troca foi formalizada em instrumento preliminar, em um contrato particular de permuta, no qual as partes se deram mútua quitação e se obrigaram a formalizar a respectiva escritura posteriormente. Perceba-se que, na permuta, a obrigação de outorgar a escritura é uma prestação mútua, que precisa ser cumprida em conjunto. Ambos os contratantes precisam comparecer em um Tabelionato de Notas para firmar um único ato, escritura pública de permuta, onde figuram como outorgantes e reciprocamente outorgados. Ou seja, não há como um permutante cumprir com sua obrigação contratual de transferência definitiva do imóvel sem que o outro também o faça. Diante disso, a análise das premissas fundamentais da adjudicação compulsória na permuta precisa levar em conta as peculiaridades desse negócio jurídico, que é diferente da compra e venda. O STJ, no julgamento do REsp 306012/RJ4, traz essa análise com bastante clareza, ao afirmar que a parte requerente da adjudicação compulsória que tem como objeto promessa de permuta cumpre com sua obrigação contratual (adimplemento) ao apresentar a documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva. Ora, diz o STJ, "se os autores/reconvintes adimpliram a sua prestação, nada mais justo do que reclamem o cumprimento integral da promessa de permuta. Podiam valer-se tanto da ação de adjudicação compulsória como da via aberta pelos arts. 639/641 do Código de Processo Civil." Assim, a prova da quitação na adjudicação compulsória envolvendo a promessa de permuta, a prova do adimplemento, se dá com a efetiva disponibilidade de um dos permutantes em cumprir com sua obrigação contratual de outorgar a escritura à outra parte. Ou seja, como diz o STJ, com a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva. Veja-se que não é possível que a prova da quitação se dê com a efetiva transferência do bem para a outra parte. Tratando-se de obrigação mútua, a ser cumprida simultaneamente no mesmo ato, é impossível que apenas um dos permutantes formalize o ato sem a presença e concordância do outro. A quitação, o adimplemento contratual, na permuta, se dá com a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva por um dos permutantes. E havendo resistência do outro permutante em realizar a escritura de permuta, está caracterizado o inadimplemento contratual, e o remédio é a adjudicação compulsória, como bem mencionou o STJ. Na via extrajudicial, as premissas fundamentais da adjudicação compulsória extrajudicial, a prova da quitação (adimplemento) e o inadimplemento de quem deve outorgar a escritura, são atestadas na ata notarial, pelo Tabelião de Notas (art. 216-B, inciso III, da lei 6.015/73).5 Dessa forma, na ata notarial envolvendo instrumento particular de promessa de permuta, o Tabelião de Notas irá atestar a quitação, o adimplemento da parte requerente, demonstrando que foi apresentada a documentação necessária à lavratura da escritura, documentação essa apta a comprovar que não pendem ônus ou indisponibilidades que possam inviabilizar o cumprimento da prestação contratual por parte do requerente, qual seja, a transferência do seu imóvel para a parte requerida. Ademais, com a intenção de criar uma prova de quitação ainda mais robusta e configurá-la dentre de uma das formas de quitação previstas no art. 440-G, do provimento 150, do CNJ, que regulamenta a adjudicação compulsória extrajudicial, é possível utilizar-se do inciso VII, que passa muitas vezes desapercebido e parece ter sido criado justamente para o caso da permuta. O referido inciso prevê a "notificação extrajudicial destinada à constituição em mora" como forma de provar da quitação. Assim, se um dos permutantes notifica extrajudicialmente o outro permutante para que ele compareça a um Tabelionato de Notas e firme a escritura pública de permuta, e o permutante notificado se nega ou queda silente, está constituída a mora e caracterizadas, concomitantemente, as duas premissas da adjudicação: A quitação e o inadimplemento contratual. A notificação comprova a efetiva disponibilidade de um dos permutantes em cumprir com sua obrigação contratual de outorgar a escritura. Aliada a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva, mostrando a inexistência de ônus e a disponibilidade do imóvel a ser transferido, a notificação torna a prova da quitação robusta e irrefutável. Portanto, no caso analisado nesse artigo, a quitação mútua conferida dentro do próprio instrumento particular de permuta, somada à apresentação da documentação necessária à lavratura da escritura definitiva e a eventual constituição em mora pela notificação extrajudicial, seria suficiente para provar a quitação, viabilizando o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial. É oportuno salientar que não se desconhece julgados que consideram nulo o contrato preliminar, no qual o imóvel ultrapasse o valor de 30 salários-mínimos, por ferir o art. 108 do Código Civil, que exige escritura pública para transmissão de imóveis neste valor. Nessa linha, poder-se-ia tentar argumentar que o contrato particular de permuta objeto da discussão é nulo. Com todo respeito a esse entendimento, consideramos que ele se afasta do melhor direito, já que o contrato preliminar para compra de imóveis não opera a transferência definitiva do bem e é autorizado pelos arts. 463 e 1.418, do Código Civil. Nesta linha de entendimento, é o Código de Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina: Art. 1.007. O pagamento integral do preço, ainda que à vista, não descaracteriza a natureza preliminar do contrato, devendo, neste caso, firmar declaração de ciência de que deverá providenciar a escritura pública e seu registro para transmissão da propriedade. Dessa forma, não sendo considerado nulo o instrumento particular de permuta de imóveis que ultrapassam o valor de 30 salários-mínimos, e sobrevindo a quitação através da documentação apresentada ao Tabelião, mostrando a inexistência de ônus e a disponibilidade do imóvel a ser transferido, bem como através de eventual notificação extrajudicial que constitui em mora o requerido, deve a adjudicação compulsória extrajudicial seguir seu curso, sob pena de inviabilizar o instituto quando ela tiver como objeto contrato de permuta. É o que pensamos, respeitadas as opiniões contrárias. ________ 1 1VRPSP - Dúvida: 1070764-48.2024.8.26.0100. Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 23/07/2024 Data DJ: 26/07/2024. Relator: Rodrigo Jae Hwa An 2 Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. 3 Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações: I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante. 4 CONTRATO DE PROMESSA DE PERMUTA. RECUSA DOS RÉUS/RECONVINTES EM OUTORGAR A ESCRITURA DEFINITIVA. IMPROCEDÊNCIA DOS MOTIVOS ALEGADOS. EXECUÇÃO ESPECÍFICA. ARTS. 639 E 641 DO CPC. - Se o devedor não cumpre a obrigação, improcedente que é o motivo embasador de sua recusa à outorga da escritura definitiva, ao credor é lícito obter a condenação daquele a emitir a manifestação de vontade a que se obrigou, sob pena de, não o fazendo, produzir a sentença o mesmo efeito da declaração não emitida. Precedentes do STJ. Recurso especial interposto pelos réus/reconvintes não conhecido; recurso dos autores/reconvindos conhecido, em parte, e providos. (REsp n. 306.012/RJ, relator Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 10/9/2002, DJ de 17/3/2003, p. 234.) 5 Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.   (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) (...) III - ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; (Incluído pela lei 14.382, de 2022) (grifo nosso)
1. Introdução O instrumento de mandato apresentado junto a incorporação imobiliária é um documento de extrema importância, daqui inicia todo os direitos e deveres sob o qual um empreendimento imobiliário é planejado, desenvolvido e comercializado, envolvendo a construção ou reabilitação, visando à construção ou reforma de edifícios, com o objetivo de vendê-los posteriormente, com a finalidade de dividir o terreno em unidades autônomas que são vendidas a futuros proprietários, este procedimento requer a apresentação dos projetos aprovados, memoriais e quadros técnicos dentre outros documentos que serão arquivados perante o Cartório de Registro de Imóveis, assegurando aos compradores direitos específicos e garantias legais, enquanto o incorporador assume direitos e deveres. 2. O Incorporador Os incorporadores são pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por iniciar e coordenar o processo de incorporação imobiliária. Geralmente, eles criam uma SPE - Sociedade de Propósito Específico para esse fim. A SPE é uma entidade criada para um fim específico, neste caso, para realizar a incorporação imobiliária, o que permite aos incorporadores separar as responsabilidades e os riscos associados ao empreendimento imobiliário. Dessa forma, o incorporador também pode ser o próprio construtor, o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário com título que satisfaça os requisitos da alínea "a" do art. 32, o construtor, corretor de imóveis e o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste, conforme comprovado no registro de imóveis competente.          Com efeito, o incorporador é uma empresa especializada ou um grupo de investidores responsáveis por toda a execução do projeto, desde a obtenção das licenças necessárias até a entrega final das unidades aos compradores, os compradores têm direitos assegurados por lei, como informações claras sobre o empreendimento, cronograma de obras, condições de pagamento, entre outros, o incorporador deve oferecer garantias, como o patrimônio de afetação, que protege os compradores em caso de falência ou problemas na execução do empreendimento, investido de poderes nos termos da letra "m" do art. 32 da lei 4.591/64 certidão do instrumento público de mandato, referido no §1º do art. 31; §1º do artigo 31 da lei 4.591/64... "A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser": "No caso da alínea b (construtor), "o incorporador será investido, pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário deste ou o promitente cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, onde se faça menção expressa desta lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno, mas se obrigará pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador". Por outro lado, o art. 32 da lei 4.591/64, ensina que: "incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos". Letra m) Certidão do instrumento público de mandato, referido no §1º do art. 31. Em face disso, é obrigatório a transcrição literal da menção expressa no instrumento de mandato ipsis litteris disposto no §4º, do art. 35 da lei 4.591/64, isso assegura que todos os termos e condições legais estejam explicitamente definidos nos atos pessoais que praticar na qualidade de incorporador. Desse modo, abordaremos um modelo literal de transcrição no instrumento de mandato: Pelo presente instrumento público de mandato, [Nome do Outorgante], portador do RG nº [Número do RG] e CPF nº [Número do CPF], residente e domiciliado na [Endereço completo], doravante denominado OUTORGANTE, nomeia e constitui seu bastante procurador [Nome do Procurador], portador do RG nº [Número do RG] e CPF nº [Número do CPF], residente e domiciliado na [Endereço completo], doravante denominado OUTORGADO, com poderes específicos para representá-lo em todos os atos relacionado a direitos e deveres necessários à alienação das frações ideais de terreno, nos termos da lei [Número da lei], onde se faça menção expressa desta lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, (Art. 35. O incorporador terá o prazo máximo de 45 dias, a contar do termo final do prazo de carência, sublinhamos... se houver, para promover a celebração do competente contrato relativo à fração ideal de terreno, e, bem assim, do contrato de construção e da Convenção do condomínio, de acordo com discriminação constante da alínea "i", do art. 32. (vide lei 4.864/65 que altera o prazo máximo concedido ao incorporador para 60 dias), "§4º Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o §1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput deste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente)" obrigando-se o OUTORGANTE pelos atos que o OUTORGADO praticar na qualidade de incorporador. Local e data. [Assinatura do Outorgante] Além da transcrição, o §1º do art. 35 da lei 4.951/694, retrata também que: No caso de não haver prazo de carência, o prazo acima se contará da data de qualquer documento de ajuste preliminar. Sendo assim, inexistindo no processo de registro do memorial de incorporação a declaração expressa do prazo de carência, a incorporação torna se irretratável desde o momento em que o incorporador negociar qualquer unidade do memorial de incorporação, nesse sentido, o professor Tucci1 citando o professor Caio Mário da Silva Pereira, demonstrou que com a venda: "A fração do terreno está comprometida, a construção contratada e as benfeitorias compromissadas. Não tem mais cabida o exercício de um direito de liberar-se" Ainda nesse interim, o §4º do art. 35 da lei 4.591/64, foi dividido em quatro partes de extrema importância que são: Descumprimento da obrigação de outorga: Quando o incorporador (a pessoa jurídica responsável pela incorporação) e o mandante (quem contratou o incorporador para realizar a incorporação) não cumprem o dever de formalizar (outorgar) os contratos nos prazos estabelecidos. Averbação no Registro de Imóveis: Em caso de descumprimento, a carta-proposta ou documento de ajuste preliminar podem ser registrados no Registro de Imóveis. A averbação é um ato formal que torna pública a informação e confere um direito real sobre o imóvel. Direito real oponível a terceiros: A averbação cria um direito real que pode ser invocado por terceiros interessados no imóvel. Isso significa que os adquirentes potenciais podem usar esse direito registrado contra quaisquer outros interessados no mesmo imóvel. Direito à obtenção compulsória do contrato correspondente: Esse direito decorre da averbação e permite que os terceiros interessados busquem judicialmente a obtenção do contrato prometido (carta-proposta ou documento de ajuste preliminar). Mesmo que o incorporador ou mandante não queiram cumprir, o direito registrado no Registro de Imóveis possibilita a exigência desse cumprimento. 3. A substituição do incorporador e/ou transferência do terreno (direitos, deveres e a boa-fé) Pois bem, a lei 4.591/64, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias, não especifica um artigo único que autorize expressamente a cessão de direitos da incorporação. No entanto, a cessão de direitos é entendida como um ato jurídico possível dentro do contexto das incorporações imobiliárias, e isso é reconhecido tanto pela doutrina quanto pela prática registraria. Para melhor entendimento, o instituto da cessão de direitos está inserido no conjunto de normas que regulam as incorporações imobiliárias como um todo. Em geral, a lei prevê que o incorporador pode transferir seus direitos e obrigações para terceiros mediante a formalização de um instrumento adequado, que pode ser uma cessão de direitos ou um contrato de transferência de incorporação. Portanto, embora a lei não mencione diretamente "cessão de direitos", a transferência de direitos do incorporador pode ser efetuada com base nos princípios gerais da lei, desde que respeitados os direitos dos compradores originais e as disposições contratuais estabelecidas no momento da venda das unidades. A doutrina jurídica brasileira do professor Rizzardo2 ensina que: Na incorporação imobiliária, a cessão de direitos é um instituto importante, que permite ao incorporador transferir seus direitos e obrigações a terceiros, desde que observadas as disposições contratuais e legais. Essa transferência pode ocorrer em diversas fases do empreendimento, inclusive após a venda das unidades, sempre resguardando os direitos dos adquirentes originais das unidades imobiliárias. Nesse sentido, a transferência dos direitos e deveres da incorporação deve ser irrevogável, para que isso ocorra, o cessionário deve demonstrar que assume a posição de incorporador, cumprindo todos os requisitos estipulados nos arts. 31, e 32 da lei 4.591/64, nas alíneas b, f e m que trata certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do art. 31, assim como no art. 35, §4º. Tais condições devem estar explicitamente transcritas na procuração, permitindo ao cessionário realizar todos os negócios relacionados à alienação das frações ideais de terreno. É essencial ressaltar que o cessionário assumirá pessoalmente a responsabilidade pelos atos praticados na qualidade de incorporador. Noutro giro, o professor Tucci3, em seu brilhante artigo, "Contrato de Incorporação Imobiliária" publicado na revista de Direito Imobiliário, enfatiza que: "no título de cessão dos direitos de mandato deve estar claramente especificado que a cedente aliena, cede e transfere todos os direitos e obrigações da incorporação registrada sob determinado número na matrícula, e que a cessionária aceita e recebe todos os direitos e obrigações relacionados à incorporação". Além disso, a cessão completa dos direitos e deveres do incorporador original em contratos de incorporação imobiliária é um processo que demanda a anuência dos adquirentes das unidades, que são os credores desses direitos. Por isso, sem a aprovação prévia dos credores, o incorporador original pode continuar a ser responsabilizado pelos encargos do empreendimento, mesmo após a cessão. Isso ocorre porque ele inicialmente assumiu essas responsabilidades e compromissos perante os adquirentes das unidades. Isso significa dizer, que ao transferir os direitos do incorporador antigo para um novo, não apenas os créditos são passados adiante, mas também todas as obrigações associadas ao projeto, como cumprimento de prazos, responsabilidades financeiras e garantias oferecidas aos compradores, essa transferência não ocorre automaticamente e depende do consentimento explícito dos compradores das unidades, que precisam concordar com a mudança de incorporador para garantir que suas expectativas e direitos sejam protegidos ao longo do desenvolvimento do empreendimento. O Ilustre registrador Mario Pazzutti Mezzari4, entende que: Todos que tenham direitos e contratos relativos às frações ideais do empreendimento deverão concordar com a mudança, mas, para o registrador de imóveis a verificação de unanimidade será feira apenas a partir dos atos que estiverem registrados na matrícula do imóvel. Do promitente comprador que registrar seu contrato deverá obrigatoriamente, ser juntada sua concordância com a mudança. Aqueles promitentes que não buscaram o resguardo do registro não serão por eles protegidos. O registrador nada exigirá dos que não estiverem no registro pertinentes ao empreendimento, mas, por evidente, não considerará irregular o documento que contenha a assinatura não só dos que registraram, mas também daqueles que não registraram seus contratos. Quod abundam non nocit!5 Aqui o professor Mario Pazzutti Mezzari6 ainda ensina que: A substituição poderá ocorrer sem que haja mudança na situação dominial do terreno, ou seja, muda o incorporador, mas não muda o proprietário do terreno. Neste caso havendo a concordância a que no referimos acima, será averbada no registro da incorporação a mudança da pessoa do incorporador, que apresentará o instrumento do contrato de substituição, bem como todas as certidões e declarações no exigidas no art. 32 da lei de condomínio e incorporações exigidas relativas ao novo incorporador, por certo não serão exigidas mudanças no projeto, no memorial ou nos quadros de cálculos, pois estes não serão atingidos pela substituição. Desse modo, a substituição do incorporador pode ocorrer sem alterar a propriedade do terreno, com a concordância necessária dos promitentes registrados, o novo incorporador deve averbar a mudança, acompanhado do instrumento de mandato de substituição e de todas as certidões exigidas por lei, não será necessário modificar o projeto, memorial descritivo, quadros de cálculos, desde que seja declarado expressamente que não haverá alterações nesses documentos. Por outro lado, para efetuar a venda do terreno e do empreendimento, é necessário seguir um processo bem definido e preparar a documentação adequada, os interessados devem formalizar a transferência do terreno e a transferência dos direitos e obrigações relacionados à incorporação registrada por meio de uma escritura pública. Inicialmente, deve existir uma escritura pública do terreno incorporado, juntamente com a transferência dos direitos e obrigações da incorporação, este documento especificará todos os detalhes da transação, incluindo a descrição precisa do terreno e os termos da transferência da incorporação. Após a assinatura da escritura pública, o próximo passo é registrar a transferência do terreno no Cartório de Registro de Imóveis competente, este registro é essencial para formalizar legalmente a mudança de propriedade. Ao mesmo tempo, é necessário averbar a transferência dos direitos e obrigações da incorporação no Cartório de Registro de Imóveis, esta averbação atualizará os registros existentes sobre a incorporação, garantindo que todas as partes interessadas estejam informadas sobre a mudança na titularidade e nas responsabilidades associadas. É importante notar que, se o condomínio estiver instituído, com a especificação das unidades e a convenção registrada, a incorporadora atual não poderá vender o terreno e transferir os direitos e obrigações da incorporação sem o consentimento prévio dos compradores das unidades autônomas. Caso algumas unidades já tenham sido vendidas a terceiros, é viável realizar uma transferência parcial dos direitos e obrigações da incorporação, desde que haja consentimento explícito desses compradores ou dos futuros compradores das unidades autônomas. Portanto, a transparência e a formalidade na transferência de direitos e deveres são cruciais para evitar disputas legais e para garantir a continuidade e a segurança do projeto imobiliário. É fundamental que o novo contrato de cessão seja elaborado de maneira detalhada e clara, especificando todos os aspectos da transação inclusive os documentos dispostos no art. 32 da lei de condomínios, incluindo responsabilidades financeiras, prazos de entrega e garantias oferecidas aos compradores, para que todas as partes envolvidas estejam plenamente informadas e concordem com as alterações propostas. Em última síntese, na escritura pública, os direitos resultantes da incorporação deve-se realizada com alguns cuidados, como para que seja devidamente esclarecida a circunstância registraria, nas lições do professor Tucci7, aplicando os ensinamento do 14º Oficial de Registro de São Paulo, ensina que: "pelo outorgante me foi dito mais que ainda por esta escritura e melhor forma de direito, sub-roga-se na pessoa da outorgada, todos os direitos e obrigações advindos do alvará n. tal, bem como da incorporação referente ao futuro condomínio edilício presidente Juscelino, o qual está devidamente registrado sob o n. tal...da matrícula n. tal, da serventia tal" 4. Incorporador com poderes para instituição e convenção de condomínio/carta de habite-se Desse modo, vimos também que a incorporadora investida de mandato pode requerer o registro do memorial, instituição e convenção do condomínio edilício nos termos do art. 44, §1 e §2 da lei 4.591/64, "Após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação". "Se o incorporador não requerer a averbação o construtor requerê-la-á sob pena de ficar solidariamente responsável com o incorporador perante os adquirentes". "Na omissão do incorporador e do construtor, a averbação poderá ser requerida por qualquer dos adquirentes de unidade". 5. Irrevogabilidade do mandato de incorporador O mandato concedido para a incorporação imobiliária é irrevogável, conforme estabelecido pelo CC. Ainda que a lei 4.591/64 não mencione explicitamente essa irrevogabilidade, ela se fundamenta nas disposições gerais do CC, especialmente no parágrafo único do art. 686. Esse dispositivo legal determina que mandatos que incluem poderes para cumprir ou confirmar negócios já iniciados são considerados irrevogáveis. Nesse ínterim, estabelece-se uma relação bilateral entre o proprietário do terreno e o incorporador por meio de um contrato que delimita obrigações, direitos inclusive os de natureza pecuniária de ambos os intervenientes. Com base no mandato conferido pelo proprietário, o incorporador tem a incumbência de negociar com as autoridades públicas, contratar profissionais especializados e, de maneira crucial, proceder à alienação das futuras unidades autônomas e sua fração ideal de terreno. Para o professor Mario Pazzutti Mezzari8: Em se tratando de mandato irrevogável, não se extingue nem mesmo com a morte do mandante. Seus sucessores sub-rogar-se-ão em seus direitos e obrigações, mas o mandato permanecerá gerando os efeitos necessários à efetivação da incorporação e de todos os negócios, atos e contratos a ela inerentes. O registro da incorporação imobiliária, com arquivamento de documentos, projetos, memoriais etc., foi criado para proteger os futuros adquirentes de unidades autônomas, e estes não podem ser prejudicados pela morte do mandante proprietário do terreno. O incorporador e os compradores não ficarão à mercê dos herdeiros ou sucessores do mandante, nem participará de suas eventuais brigas ou discordâncias quanto à partilha dos bens. O registrador de imóveis em sua obra ainda ensina que9:  (...) O legislador poderia ter incluído no citado §1º do art. 31 da lei 4.591, de 1964, que o incorporador será investido de mandato 'irrevogável', chamando a atenção para esse fato e obrigando que o mesmo constasse, como cláusula expressa, no instrumento a ser lavrado pelo Notário. Dessa maneira, deixaria inequívoca a natureza do mandato outorgado, espancaria dúvidas e eliminaria o risco de que alguém, desavisadamente, venha a tentar revogar tal tipo de procuração. Mas, mesmo não constando na lei especial, obedece à regra geral do parágrafo único do art. 606 do Código Civil e é, portanto, um mandato irrevogável. Dessa forma, embora a lei de incorporação imobiliária não mencione explicitamente a irrevogabilidade do mandato concedido ao incorporador, essa característica é inferida a partir das disposições gerais do CC brasileiro. O mandato irrevogável permite ao incorporador conduzir a incorporação imobiliária de maneira contínua e ininterrupta, mesmo em caso de morte do mandante, assegurando a proteção dos interesses dos compradores das unidades autônomas. O registro da incorporação imobiliária desempenha um papel crucial nesse processo, garantindo a transparência e a segurança jurídica necessária. 6. Conclusão A análise minuciosa dos poderes e limitações no instrumento de mandato na incorporação imobiliária, revela sua essencialidade na estruturação de empreendimentos desse tipo, regido pela lei 4.591/64 e pelo CC, o mandato confere ao incorporador a responsabilidade integral desde o início até a conclusão do projeto, garantindo direitos aos compradores e estabelecendo obrigações cristalina ao incorporador. A irrevogabilidade do mandato emerge como um princípio fundamental para a estabilidade jurídica do processo, assegurando que a continuidade da incorporação não seja comprometida por mudanças na relação entre o incorporador e o mandante. Além disso, a obrigação de registrar/averbar todos os documentos pertinentes no Cartório de Registro de Imóveis visa proteger os adquirentes, conferindo-lhes direitos legalmente oponíveis a terceiros em caso de descumprimento das obrigações pelo incorporador. Embora a legislação não preveja explicitamente a cessão de direitos de direitos do incorporador, essa prática é reconhecida pela doutrina e pela prática registral, desde que seja respeitada a integridade dos direitos dos compradores originais e formalizados os instrumentos de transferência de forma transparente e extremamente meticulosa. Por fim, a definição clara da meticulosidade dos limites da substituição, cessão, poderes e irrevogabilidade expressos no mandato do incorporador para o registro/averbação desses atos, não apenas estabelece de maneira precisa as responsabilidades direitos e deveres do incorporador, mas também destaca a importância da estrita conformidade com as normas legais e a boa-fé, isso ampara a segurança jurídica de todos os interessados nas frações ideais durante o registro do memorial de incorporação conduzido pelo incorporador imobiliário. ________ 1 TUCCI, Rogerio Lauria. RDI n. 3 - Contrato de Incorporação Imobiliária:  São Paulo, n. 3, Janeiro-Junho de 1979, páginas 58 a 61, disponível aqui. Acesso em: 18 de julho 2023. 2 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. p. 456. 3 TUCCI, Rogerio Lauria. RDI n. 3 - Contrato de Incorporação Imobiliária:  São Paulo, n. 3, Janeiro-Junho de 1979, páginas 58 a 61, disponível aqui. Acesso em: 18 de julho 2023. 4 MEZZARI, Mario Pazutti. "Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis", 3ª ed., Norton Editor, Porto Alegre, 2010, p. 90. 5 Ter em abundância, em excesso, não faz mal; quanto mais melhor. Origem etimológica: locução latina que significa "o que é de mais não prejudica". "quod abundat non nocet", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 2008-2024, disponível aqui. Acesso em: 19 de setembro de 2024. 6 MEZZARI, Mario Pazutti. "Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis", 3ª ed., Norton Editor, Porto Alegre, 2010, p. 90. 7 TUCCI, Rogerio Lauria. RDI n. 3 - Contrato de Incorporação Imobiliária:  Brasília, n. 3, Jan-Junho de 1979, Pgs, páginas 58 a 61, disponível aqui. Acesso em: 18 de julho 2023. 8 MEZZARI, Mario Pazutti. "Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis", 3ª ed., Norton Editor, Porto Alegre, 2010, p. 133 e 134). 9 MEZZARI, Mario Pazutti. "Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis", 3ª ed., Norton Editor, Porto Alegre, 2010, p. 133 e 134).
Resumo Tendo em vista a extensão deste texto, convém começar o presente texto resumindo, em frases diretas, as ideias principais. Segue resumo das ideias do texto: 1. Já tratamos do cenário dos juros remuneratórios e dos juros moratórios após a Lei dos Juros Legais (lei 14.905/2024) em artigo anterior publicado na coluna Migalhas Notariais Registrais, ao qual remetemos o leitor. 2. O teto dos juros moratórios convencionais é o dobro dos juros moratórios legais (art. 1º da Lei de Usura). É irrelevante a previsão do art. 5º da Lei de Usura, seja por ter sido revogado tacitamente pelo novo art. 406 do CC (na redação da Lei dos Juros Legais), seja por força de interpretação sistemática. 3. No caso de cédulas ou notas rurais, industriais ou comerciais, o limite máximo dos juros moratórios legais é o resultado do acréscimo de 1% ao teto dos juros remuneratórios permitidos para esses tipos de obrigações, em razão de lei especial (art. 5º, parágrafo único, decreto-lei 167/1967; art. 5º, parágrafo único, do decreto-lei 413/1969; art. 5º da lei 6.840/1980). 4. O entendimento acima é coerente com a orientação jurisprudencial do STJ anteriormente à Lei dos Juros Legais, a qual deve ser mantida com as adaptações cabíveis.  Limite dos juros moratórios convencionais Após a Lei dos Juros Legais (lei 14.905/2024), indaga-se: qual é o índice aplicável para os juros moratórios legais? E qual é o teto para os juros moratórios convencionais? E como fica o art. 5º da Lei de Usura (decreto 22.626/1933), que estabelece que "pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais"? A pergunta aqui volta-se a obrigações civis comuns. Não alcança as dívidas perante instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (Bacen) à vista do seu regime jurídico especial. Em anterior artigo, de 34 páginas, já respondemos a essa pergunta, detalhando todo cenário desenhado pela Lei dos Juros Legais (lei 14.905/2024), que entrará em vigor no final de agosto. Indicamos que os juros moratórios legais é o resultado positivo da seguinte equação: Taxa Selic - IPCA. É o §§ 1º e 3º do art. 406 do CC: Art. 406.  Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. (Redação dada pela lei 14.905, de 2024)   Produção de efeitos § 1º  A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. (Incluído pela lei 14.905, de 2024)   Produção de efeitos § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. (Incluído pela lei 14.905, de 2024) § 3º  Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência. (Incluído pela lei 14.905, de 2024)   Produção de efeitos E apontamos que as partes podem pactuar juros moratórios convencionais até o dobro dos supracitados juros moratórios legais, conforme art. 1º da Lei de Usura (decreto 22.626/1933), que - no nosso entendimento - estabelece teto para todas as espécies de juros (remuneratórios e moratórios): Art. 1º É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Cod. Civil, art. 1.062). A tese - por nós defendida - no sentido de que os juros moratórios convencionais é o dobro dos legais na forma do art. 1º da Lei de Usura já havia sido anunciada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nestes julgados abaixo, que fixavam, como teto, o dobro dos juros legais da época (que era de 0,5% ao mês à luz do art. 1.062 do CC/19161, que era a norma aplicável aos casos concretos apreciados): DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO DE TRIPLICATAS. JUROS. DISCIPLINA LEGAL. JUROS LEGAIS. JUROS MORATÓRIOS. LIMITE. DOBRO DA TAXA LEGAL. CC, ARTS. 1.062 E 1.262. LEI DE USURA. FLUÊNCIA DOS JUROS A PARTIR DO VENCIMENTO. RECURSO PROVIDO. - O limite legal previsto no art. 1º do decreto 22.626/33, c/c 1.062 do Código Civil, permite a pactuação de juros moratórios em 12% ao ano, ou 1% ao mês [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época, que eram de 0,5% ao mês], em títulos cambiariformes, sendo a sua cobrança devida desde o vencimento até o efetivo pagamento. (STJ, REsp n. 172.790/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 16/8/1999) RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. TAXAÇÃO. É vedada a estipulação de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal de 6% ao ano (CC, art. 1062; Decreto 22.626/33, art. 1.). Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp n. 1.497/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Gueiros Leite, Terceira Turma, DJ de 9/4/1990) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. JUROS DE MORA. 1% AO MÊS. VIGÊNCIA DO CC/16. LEGALIDADE. FORMA PACTUADA 1. A jurisprudência da Corte considera legal a cobrança dos juros moratórios no percentual de 1% ao mês [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época, que eram de 0,5% ao mês], na vigência do Código Civil de 1916, desde que pactuado. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no Ag n. 523.073/RJ, relator Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 5/11/2009) CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COBRANÇA. JUROS MORATÓRIOS. TAXA CONVENCIONADA. ART. 1.062 CÓDIGO CIVIL. LIMITAÇÃO. LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. I. A taxa de juros moratórios contratada deve ser observada, desde que não ultrapassado o limite legal de 12% ao ano previsto na Lei de Usura [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época, que eram de 0,5% ao mês]. II. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n. 380.453/RS, relator Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 1/4/2003, DJ de 30/6/2003, p. 254.) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CRÉDITO EDUCATIVO. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. LIMITAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. REEXAME DE PROVAS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. (...) II - Admite-se a cobrança de juros moratórios à taxa de 12% ao ano quando pactuado no contrato [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época do caso concreto - regido pelo CC/1916 -, ou seja, o dobro de 0,5% ao mês]. (...) Recurso improvido. (AgRg no Ag n. 706.093/RS, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 23/9/2008, DJe de 13/10/2008.) Agravo regimental. Recurso especial. Alienação fiduciária. Comissão de permanência. Limitação ao pacto. Juros de mora. Súmula nº 294 da Corte. (...) 2. Quanto aos juros moratórios, a jurisprudência da Corte considera legal a cobrança no percentual de 1% ao mês, desde que pactuado [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época, que eram de 0,5% ao mês]. O acórdão, porém, não evidencia a existência do referido pacto, não podendo, portanto, ser deferida a pretensão recursal nesse aspecto. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 602.437/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 3/8/2004, DJ de 16/11/2004, p. 277.) Ação de revisão de contrato. Trânsito em julgado da sentença que julgou procedente ação de busca e apreensão. Decisão de ofício. Juros remuneratórios. Capitalização. Juros moratórios. Comissão de permanência. Precedentes da Corte. (...) 4. Os juros moratórios podem alcançar até 12% ao ano, quando assim pactuados, como ocorre neste caso [ou seja, o dobro dos juros moratórios legais à época do caso concreto - regido pelo CC/1916 -, ou seja, o dobro de 0,5% ao mês]. (...) 6. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (REsp n. 537.355/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 6/4/2004, DJ de 17/5/2004, p. 217.) Todavia, essa tese merece ser confrontada com o art. 5º da Lei de Usura, que veicula o seguinte comando: Art. 5º Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais. Entendemos que o dispositivo acima não afasta a tese supracitada (a de que o teto dos juros moratórios convencionais é o dobro dos juros moratórios legais à luz do art. 1º da Lei de Usura). E há dois motivos para tanto. O primeiro motivo é que consideramos que o art. 5º da Lei de Usura foi tacitamente revogado por incompatibilidade com a Lei dos Juros Legais, especificamente com o novo texto do art. 406 do CC. Isso, porque o art. 5º da Lei de Usura, ao fazer menção a um percentual fixo de 1%, partia da premissa de que os juros moratórios legais eram também baseados em um percentual fixo. De fato, à época do CC/1916, o percentual dos juros moratórios legais era de 0,6% ao mês. Acontece que, com o novo texto do art. 406 do CC, os juros moratórios legais passam a estar sujeitos a um índice flutuante, entregue à oscilação dos índices Selic e IPCA. É incompatível com essa base fluída estabelecer um percentual fixo máximo a título de juros moratórios convencionais, o que faz com que a revogação do art. 5º da Lei de Usura seja de reconhecida. Basta imaginar se o Brasil imergisse em uma fase de heterodoxia financeira, com a Selic escalando para a casa dos 1.000% ao mês. Um percentual fixo de 1% para servir de teto aos juros moratórios legais seria absolutamente risível diante de sua insignificância e, por isso, além de não indenizar adequadamente o credor, não teria qualquer efeito inibidor contra o devedor em mora. Portanto, consideramos que o art. 5º da Lei de Usura está tacitamente revogado pelo novo art. 406 do CC (na redação da Lei dos Juros Legais). Ainda que assim não fosse, há um segundo motivo subsidiário. É que, mesmo se considerarmos o art. 5º da Lei de Usura em vigor, temos que ele precisaria ser lido em conjunto com o art. 1º da Lei de Usura, que estabelece, como teto para os juros (remuneratórios e moratórios), o dobro dos juros moratórios legais. Isso, porque o espírito da Lei de Usura, com o referido art. 1º, é impedir que censurar qualquer multiplicação exagerada da dívida por força de juros. Logo, quando o art. 5º da Lei de Usura autoriza que os juros moratórios convencionais resultem da elevação, em 1%, dos juros remuneratórios pactuados, esse dispositivo deveria ser lido no sentido de que essa elevação deve corresponder a, no máximo, o dobro da taxa legal. Na prática, essa interpretação infertiliza o art. 5º da Lei de Usura, mas nos parece mais adequada com o espírito da própria Lei de Usura, que é a de impedir cobranças exorbitantes de juros (ainda que moratórios). Além disso, para indenizar e punir no caso de inadimplemento, o ordenamento disponibiliza a multa moratória. Acerca da multa moratório, lembramos que que o art. 9º da Lei de Usura fixa um teto de 10% do valor da dívida para esse tipo de multa2 em dívidas pecuniárias, teto esse que deve ser tido como reduzido para 2% quando se tratar de dívida consumerista (art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor - CDC3) e de dívida condominial (art. 1.336, § 1º, do CC4). Ilustrando o que expusemos, suponha que uma dívida de parcelamento da venda de um veículo em uma relação civil (sem envolver consumidor). Nessa hipótese, poderiam as partes pactuar que as parcelas do preço seriam submetidas: a) até o vencimento, a juros remuneratórios correspondente ao dobro do resultado positivo desta equação: Taxa Selic - IPCA; e b) após o vencimento, por atraso, a juros moratórios no mesmo importe acima (ou seja, ao dobro do resultado positivo da equação Taxa Selic - IPCA), além de pactuar eventual multa moratória de até o teto de 10% do art. 9º da Lei de Usura. No exemplo acima, havendo inadimplemento, haverá uma continuidade da cobrança do máximo de juros admitidos no Brasil, com o acréscimo de multa moratória. Apesar desse entendimento acima - que ora defendemos -, é preciso reconhecer a existência de uma corrente paralela. A corrente paralela é no sentido de que, à luz do art. 5º da Lei de Usura, o teto dos juros moratórios convencionais é de 1% mais o dobro dos juros moratórios legais. Sobre o tema, é preciso tomar muito cuidado na leitura dos julgados do STJ que, aparentemente, chancelariam essa orientação. Isso, porque, na verdade, apesar de haver alguns julgados que tenham feito referência ao art. 5º da Lei de Usura, eles tratam, na verdade, apenas de casos envolvendo cédulas ou notas rurais, comerciais ou industriais. E, ao garimpar a origem desses julgados, verifica-se que o entendimento está edificado no parágrafo único do art. 5º da Lei da Cédula Rural (decreto-lei 167/1967), similar ao parágrafo único do art. 5º da Lei da Cédula de Crédito Industrial (decreto-lei 413/1969) - que é aplicável também às cédulas de crédito comercial por força do art. 5º da Lei nº 6.840/1980. Referidos dispositivos assim dispõem: Decreto-lei 167/1967 Art 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determinada por aquêle Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada a operação. Parágrafo único. Em caso de mora, a taxa de juros constante da cédula será elevável de 1% (um por cento) ao ano. Decreto-lei 413/1967 Art 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros e poderão sofrer correção monetária às taxas e aos índices que o Conselho Monetário Nacional fixar, calculados sôbre os saldos devedores da conta vinculada à operação, e serão exigíveis em 30 de junho, 31 de dezembro, no vencimento, na liquidação da cédula ou, também, em outras datas convencionadas no título, ou admitidas pelo referido Conselho. Parágrafo único. Em caso de mora, a taxa de juros constante da cédula será elevável de 1% (um por cento) ao ano. Lei 6.840/1980 Art. 5º Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as normas do decreto-lei 413, de 9 de janeiro 1969, inclusive quanto aos modelos anexos àquele diploma, respeitadas, em cada caso, a respectiva denominação e as disposições desta Lei. Um dos julgados fundantes desse entendimento para financiamentos rurais é este: MÚTUO RURAL. JUROS. (...) ILEGALIDADE DA TAXA PACTUADA PARA O CASO DE INADIMPLEMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (...) Os juros moratórios, limitados, em se tratando de crédito rural, a 1% ao ano, distinguem-se dos juros remuneratórios. Aqueles são forma de sanção pelo não pagamento no termo devido. Estes, por seu turno, como fator de mera remuneração do capital mutuado, mostram-se invariáveis em função de eventual inadimplência ou impontualidade. Clausula que disponha em sentido contrário, prevendo referida variação, e cláusula que visa a burlar a disciplina legal, fazendo incidir, sob as vestes de juros remuneratórios, autênticos juros moratórios em níveis superiores aos permitidos. (STJ, REsp n. 28.907/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 8/3/1993) No supracitado julgado, observa-se que as discussões giraram em torno do art. 5º do decreto-lei 167/1967, que foi apontado como violado no recurso especial. Nada se referiu ao art. 5º da Lei de Usura. Idêntico raciocínio foi aplicado às Cédulas ou Notas de Crédito Comercial, por força da respectiva lei especial. Veja este julgado: NOTA DE CRÉDITO COMERCIAL. JUROS DE MORA. INALTERAÇÃO EM CASO DE INADIMPLEMENTO DO DEVEDOR. JULGAMENTO EXTRA PETITA. (...) - Na hipótese de mora do devedor, os juros não podem elevar-se à taxa superior a 1% ao ano (art. 5º, parágrafo único, do Decreto-lei nº 413, de 09.01.695, c.c. o art. 5º da Lei nº 6.840, de 03.11.80). Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp n. 73.637/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 19/3/2001) A Segunda Seção do STJ sacramentou essa linha de raciocínio: CRÉDITO RURAL (DECRETO-LEI N. 167/67). (...)  2. Taxa de juros pelo inadimplemento do devedor. Não é lícita a cláusula que, no pormenor, prevê a substituição por taxa superior, diferenciando taxas para pagamento no prazo e após o vencimento da divida. Em caso de mora, admite-se seja a taxa inicialmente pactuada elevada de apenas 1% (um por cento) ao ano. Precedentes atuais das turmas da 2ª Seção do STJ. 3. Embargos de Divergencia conhecidos, mas rejeitados. (STJ, EREsp n. 64.428/RS, 2ª Seção, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 3/6/1996) O que se observa é que, com base nesses julgados, edificados em lei especial, vários outros precedentes seguiram a mesma linha, sempre analisando hipóteses de cédulas ou notas de crédito rural, comercial ou industrial (STJ, AgRg no AREsp n. 14.950/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 24/10/2013; REsp n. 307.165/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 10/3/2003; REsp n. 102.118/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 18/2/2002; REsp n. 135.075/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 19/11/2001; REsp n. 95.970/RS, 4º Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 11/11/1996; REsp n. 97.770/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 29/10/1996; REsp n. 95.540/RS, 4º Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 14/10/1996; REsp n. 63.029/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 29/4/1996; REsp n. 59.691/RS4º Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 27/11/1995; AgRg no REsp n. 1.411.837/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 19/6/2015). Como se vê, mesmo antes da Lei dos Juros Legais (lei 14.905/2024), a jurisprudência do STJ acenava no sentido de que o teto dos juros moratórios convencionais é o dobro dos juros moratórios legais, com base no art. 1º da Lei de Usura. Ressalva, porém, por força de leis especiais, quando se tratasse de cédulas ou notas de crédito rurais, industriais ou comerciais, o teto dos juros moratórios legais era o resultado do acréscimo de 1% ao teto dos juros remuneratórios permitidos para esses tipos de créditos específicos. Lembramos que, nesses tipos de créditos específicos, há apelo social e econômico maior, por envolver empreendedores em atividades extremamente sensíveis ao País. Isso justifica a existência de leis especiais para essas espécies de crédito. Enfim, em conclusão, entendemos que esse cenário subsiste após a Lei dos Juros Legais, com o detalhe de que, ao nosso sentir, o art. 5º da Lei de Usura - que já era infertilizado hermeneuticamente - foi definitivamente sepultado: está revogado tacitamente por força do novo art. 406 do CC, na redação da Lei dos Juros Legais. __________ 1 Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano. 2 Art. 9º Não é valida a clausula penal superior á importância de 10% do valor da divida. 3 CDC: Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: (...) § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. (...). 4 CC: Art. 1.336. (...) § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código, bem como à multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. 5 Art 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros e poderão sofrer correção monetária às taxas e aos índices que o Conselho Monetário Nacional fixar, calculados sôbre os saldos devedores da conta vinculada à operação, e serão exigíveis em 30 de junho, 31 de dezembro, no vencimento, na liquidação da cédula ou, também, em outras datas convencionadas no título, ou admitidas pelo referido Conselho. (...) Parágrafo único. Em caso de mora, a taxa de juros constante da cédula será elevável de 1% (um por cento) ao ano.
A adjudicação compulsória é o meio legal para se obter o domínio de um imóvel que tenha tido a sua venda prometida a alguém que, tendo pagado a integralidade de seu preço, ainda assim não consegue obter do proprietário o título necessário para registrar o bem em seu nome. A questão que se discute neste artigo é saber se pode a adjudicação compulsória recair sobre bens imóveis considerados públicos, lembrando que estes são de três categorias: os dominiais, os de uso comum do povo e os de uso especial. Os bens de uso especial são os que estão destinados a alguma função pública específica, como é o caso de um hospital, uma escola ou uma delegacia de polícia. Os bens de uso comum do povo são aqueles que podem ser utilizados livremente pela população, como as praias, as ruas e as praças. Os bens dominiais não têm nenhuma dessas finalidades e apenas fazem parte do patrimônio público. São bens que não estão afetados a um fim público. Os bens dominiais podem ser alienados, exatamente por não terem uma utilização pública, normalmente com autorização legal, avaliação e alguma forma de licitação. Há bens públicos que existem exatamente para ser alienados, especialmente quando o Estado desempenha uma atividade econômica, por vezes até mesmo em concorrência com a iniciativa privada. Vejamos o caso das moradias. Existem várias empresas públicas e sociedades de economia mista, que constroem imóveis para servir de moradia, como é o caso das Companhias de Habitação. Há outros imóveis que são construídos por particulares, mas são financiados por órgãos com alguma feição estatal, como era o Banco Nacional da Habitação (BNH) e é a Caixa Econômica Federal. Até mesmo o INSS já desempenhou a função de fomentar o mercado de imóveis para moradia. Recentemente foi noticiado que o Governo Federal1 quer destinar imóveis sem uso para a habitação popular, como se pode ver aqui. A notícia é oficial e diz que o presidente Lula assinou um decreto de criação de um grupo de trabalho interministerial dos imóveis não operacionais do INSS, que tem o objetivo de aprimorar a gestão desse patrimônio. Dos 3.213 imóveis do órgão, 483 já foram identificados domo elegíveis para o programa, sendo 12 prédios para projetos habitacionais e 471 glebas ocupadas e conjuntos habitacionais a serem regularizados. Outros 2.730 imóveis estão em análise. Nem todos sabem, mas o INSS já fez e financiou várias unidades habitacionais, que em muitos casos foram adquiridas por entidades ligadas ao setor previdenciário. Isso ocorreu há várias décadas e muitos desses imóveis ainda pendem de regularização porque estão ocupados por pessoas que adquiriam a posse e os direitos aquisitivos de outras pessoas, algumas delas hoje já falecidas, as quais sim originalmente contrataram com o INSS. Esses imóveis devem ser considerados públicos? E em caso positivo, há algum impedimento que eles sejam adjudicados compulsoriamente ou até mesmo sejam usucapidos? Sustentamos que não há impedimento para essas formas de aquisição, o que vamos demonstrar a seguir. Ainda que sejam considerados públicos os imóveis do INSS, é preciso considerar que as construções habitacionais não se destinam à sua atividade fim, mas à venda a pessoas para isso qualificadas. E os imóveis que foram prometidos à venda, depois de devido pagamento do financiamento, devem ser transmitidos aos adquirentes ou seus sucessores. De fato, é princípio de direito a proibição do enriquecimento ilícito. Se o INSS recebeu pelo imóvel que foi construído e vendido, é natural que deve ser deferida a adjudicação, se por qualquer motivo não foi feita a tempo o título transmissivo do domínio. O caso não é de indeferimento liminar de um requerimento assim, mas de notificação do INSS que poderá inclusive concordar com o pedido, tornando os fatos incontroversos e o direito líquido e certo. Em situação semelhante, mas versando sobre imóvel da Caixa Econômica Federal, a Ministra Hellen Grace, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 536.297, em 16/11/2010, entendeu que é privada a natureza dos bens das estatais quando estes são ligados a uma atividade econômica. Por isso, foi deferido o pedido de usucapião. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, admitiu a possibilidade de usucapião de imóvel da Caixa Econômica Federal que nem sequer estava ligado ao Sistema Financeiro da Habitação, no julgamento da apelação 5001313-25.2016.4.04.7105, Relatora Vânia Hack de Almeida. Nem se diga que a natureza jurídica da CEF é diferente da natureza jurídica do INSS, pois o mesmo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul admitiu o processamento de uma ação de adjudicação compulsória contra o INSS, no julgamento da apelação 5986423-31.2021.4.04.7100, Relator Murilo Brião da Silva. O julgado acima não é isolado, pois o mesmo Tribunal, na apelação 5017330-54.2001.4.04.7108, Relator Roger Raupp Rios, entendeu que, na promessa de compra e venda, havendo recusa à outorga e quitação integral do preço, sobressai o direito à adjudicação compulsória em favor da parte autora para a satisfação de sua pretensão, sendo descabida a exigência de abertura de inventário. No mesmo sentido, na apelação 5003313-53.2020.4.04.7106, relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle ficou decidido que a adjudicação compulsória de imóvel pertencente ao INSS, adquirido por particular hoje falecido, se mostra possível, desde que munido do contrato de promessa de compra e venda e que não logrou obter a escritura definitiva do imóvel, ante a recusa do promitente vendedor em concedê-la. Os julgados acima estão em harmonia com o de número 5019578-51.2020.4.04.7100, Relator Rogério Favreto. Também na apelação 5006434-24.2013.4.04.7110, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha afirmou em adjudicação compulsória contra o INSS que deveria ser reconhecido o direito à transferência da propriedade do imóvel em que a autora reside desde 1963, pois provado o pagamento e apresentada efetiva oposição do Instituto de Previdência. Enfim, os julgados acima são evidentes exemplos de que os imóveis do INSS vendidos para serem utilizados como moradia das pessoas que dele os adquiriram, devem receber um tratamento idêntico aos bens privados, pois está o INSS agindo como empreendedor imobiliário, seja construindo ou financiando, não havendo porque não ser feita a transmissão compulsória do domínio, lembrando que a moradia é também um direito social constitucional que deve ser assegurado nessas circunstâncias. O ingresso da propriedade plena na esfera dos direitos dos particulares adquirentes faz com que estes tenham segurança jurídica para dela cuidar e tirar proveito e realizar o sonho da casa própria, que depois é transmitida aos herdeiros, vendida ou serve de garantia para obter empréstimos com juros mais baixos, o que para o Estado gera a arrecadação de tributos como IPTU, ITBI e ITCMD, fazendo que esses valores custeiem serviços e políticas públicas causadores de mais bem estar a todas as pessoas alcançadas. O presente artigo além de comprovar a possibilidade de adjudicação desses imóveis públicos - desafetados -, apresenta caso prático um procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial iniciada pelo 1º Tabelião de Notas de Santo André, qualificada autuada pelo 1º Registro de Imóveis de Santo André/SP. A irregularidade remonta à década de 70, ou seja, são mais de 50 anos de ausência de formalidade registral, sem a matrícula, escritura, documentação necessária para alienação formal, financiamento e todas as características inerentes ao exercício pleno de um direito fundamental. Essa situação imobiliária resulta em uma marginalidade legal, subtraindo o imóvel das possibilidades de financeirização, o que aliás, diminui até o valor do imóvel para venda, obrigando inúmeras famílias a formalização dos "contratos de gaveta", uma informalidade sem segurança jurídica e prejudicial a todo sistema econômico e tributário do país. O caso que apresentamos a toda comunidade jurídica foi viável, além de atender todos os requisitos legais, foi adicionada manifestação da própria Superintendência do INSS, que participou ativamente com nosso coautor no cumprimento das exigências elabora pelo Registrador Imobiliário, alcançando assim o direito fundamental de propriedade. Em conclusão, seja em âmbito judicial ou notadamente extrajudicial, não deve o pedido de adjudicação ou de usucapião ser proibido desde o início só porque há um ente estatal envolvido. Ele deve tramitar, sendo perfeitamente possível que haja até mesmo uma concordância com a pretensão formulada. É intuitivo que quem vendeu e recebeu por isso deve entregar o que foi vendido e que a posse exercida deve se transformar em domínio quando preenchidos os requisitos legais. __________ 1 Governo vai destinar imóveis da União sem uso para habitação popular | Agência Brasil (ebc.com.br)
Plenamente assegurado pela Constituição Federal Brasileira, o direito à moradia é uma competência comum da União, dos estados e dos municípios. A todos estes entes, conforme aponta o texto constitucional, compete "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico". O direito à moradia foi positivado no art. 6º da Carta Magna com a Emenda Constitucional 26/00, que incluiu a moradia no rol dos direitos sociais dos cidadãos, representando assim um grande marco para o efetivo cumprimento por parte dos governos.  A moradia e o direito a ela são desafios presentes na grande maioria das grandes cidades ao redor do mundo, especialmente nas metrópoles mais populosas. Ulteriormente, as questões que rodeiam o instituto da habitação social têm ganhado destaque, impulsionado por iniciativas governamentais de regulação da atividade construtiva. Especialmente em São Paulo, capital, o Plano Diretor Estratégico prevê um papel fundamental da iniciativa privada afim de contribuir com a política de HIS - Habitação de Interesse Social e HMP -Habitação de Mercado Popular. Ao leitor, necessário, portanto, diferenciar os modelos dos programas de habitação social, a saber: A HIS - Habitação de Interesse Social tem o escopo a implementação de medidas que visem a redução do déficit habitacional. Com isso, a HIS se desenvolve para o atendimento habitacional das famílias de baixa renda e pode ser implementada pelo setor público e pelo setor privado. As unidades habitacionais HIS são construídas e planejadas para atender o padrão mínimo de dignidade social, contando com sanitário e vaga de garagem. Dentro da modalidade de Habitação de Interesse Social, existem duas outras classificações, a depender da renda dos beneficiários, quais sejam: A HIS-1, destinada a famílias com renda familiar mensal média de até 3 salários mínimos; e a HIS-2, destinada a famílias com renda familiar mensal média de até 6 salários mínimos. A HMP - Habitação de Mercado Popular HMP se reserva a famílias com renda mensal entre 6 e 10 salários mínimos, e da mesma forma, pode ser promovida tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. No caso de HMP, as unidades são mais elaboradas. Afim de incentivar esse interesse do setor privado à construção de moradias sociais, as municipalidades concedem benefícios fiscais e urbanísticos, que variam de acordo com a legislação de cada ente concedente. Em São Paulo, capital, os incentivos concedidos às construtoras permeiam a isenção do pagamento de outorga onerosa do direito de construir, além da permissão de majoração do potencial construtivo, podendo alcançar o sêxtuplo da área a ser incorporada. Os inventivos e benefícios concedidos condicionam a construção a um custo de empreitada bastante inferior, trazendo maior rentabilidade ao incorporador, nem sempre alcançando o objetivo da norma que é a de aumentar a oferta de moradias a preços condizentes aos destinatários deste programa social. Ocorre que a falta de fiscalização da municipalidade, levou o setor privado a alienar essas unidades a qualquer pessoa ou empresa se a devida verificação do enquadramento das famílias elegíveis à destinação das unidades imobiliárias de HIS 1, HIS 2 e HMP, desvirtuando completamente o propósito legal que é o de atingir a camada social dos compreendidos nas faixas salariais familiares já citadas neste artigo. Muitas unidades acabaram nas mãos de investidores, alimentado o mercado sem o atendimento às regras de destinação que se prestava a construção. No estado de São Paulo, os incentivos, além dos mencionados, acabam por ter reflexos nos custos do registro da incorporação e especificação de condomínio, os quais sofrem abastada redução prevista no item 14 e subitens da tabela de emolumentos instituída pela lei estadual 11.331/02. Também estão sujeitas às reduções as escrituras imobiliárias lavradas nos moldes dos itens 1.3 e 1.4 da tabela destinada às despesas notariais. A municipalidade paulistana, na revisão do Plano Diretor Estratégico, em 2023, com a edição do decreto municipal 63.130 de 19/1/24, bem como com a publicação da Portaria da Secretaria de Habitação 61 de 22/5/24, intentou regular a participação da iniciativa privada na promoção da HIS - Habitação de Interesse Social, permitindo a aquisição dessas unidades habitacionais por parte de investidores e fundos, com a possibilidade de locação das mesmas à pessoas que se enquadrem nas faixas de renda informadas. Além disso, o prazo de afetação dessas unidades ao programa social é de apenas 10 anos contados da expedição do certificado de conclusão da obra. Como anteriormente mencionado, há nítida falta de fiscalização pelo Poder Público municipal o que acarreta na destinação desvirtuada das unidades e em um imbróglio jurídico junto ao registro imobiliário. Os notários e registradores imobiliários são agentes públicos, são lotados à segurança preventiva dos negócios jurídicos e também fiscais da correta aplicação da lei. Um dos livros obrigatórios do registro de imóveis é o livro 5 de indicador pessoal, destina-se ao repositório dos nomes de todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou indiretamente, figurarem nos demais livros, em cuja folha deve ser anotada a referência aos números de ordem daqueles. Permite a busca dos registros pelo nome da pessoa. Com isso, o registrador, através do sistema do SAEC - Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado, mantido pelo ONR - Operador Nacional do Registro, consegue verificar se determinado adquirente é aparente usufruidor dos benefícios estabelecidos pelo sistema de HIS e de HMP. Quando o título ingressa à qualificação registral, o registrador verifica os elementos intrínsecos do negócio, ficando, por independência técnica, passível da formulação de exigências para que se consiga o efetivo ingresso da propriedade no fólio real.  Segundo Amadei, (1993 p.22/55, apud Zanetta, 2024, Proc. 1061807):       "Considerar o aspecto instrumental do registro imobiliário, importa reconhecer, nele, (a) o poder que atribui a quem o tem (instrumento/poder) e investigar (b.i) a função que exerce na ordem jurídica da sociedade e (b.2) o fim a que se destina (instrumento/meio). Assim, no primeiro enfoque (registro como instrumento/poder), forçoso verificar, em cada sistema jurídico, quais os efeitos decorrentes do registro imobiliário, pois é na proporção da classificação e extensão desses efeitos que a inscrição representará o grau de poder conferido ao titular do direito real.(...) Qualificação registrária, inscrição e publicidade são decorrências diretas e específicas da atuação da instituição registral imobiliária, de sua dinâmica procedimental, ao passo que a segurança jurídica (estática e dinâmica) é a razão dessa instituição, que se obtém pelos efeitos da qualificação, da inscrição e da publicidade. (...) Fixadas as considerações gerais da instrumentalidade do registro imobiliário, importa então, no momento, especificar no que consiste o aspecto instrumental do registro imobiliário no controle urbanístico da propriedade. Neste ponto, preliminarmente, cumpre relembrar que o eixo do registro predial é a propriedade imobiliária. É, pois, em torno da propriedade imobiliária que gravitam todos os atos registrários praticados pelo Oficial Registrador no fólio real. Assim, entende-se a razão pela qual a funcionalidade registrária da publicidade imobiliária era associada à "preservação dos interesses privados" e, hoje, sustenta-se que está associada, "formalmente", à preservação de "determinados interesses da comunidade". (grifei) No que tange aos empreendimentos HIS e HMP, temos percebido que após o advento do decreto municipal de 19/1/24, passou-se a exigir que o título de aquisição seja acompanhado de certidão expedida por entidade supervisionada pelo BACEN, atestando o enquadramento da renda familiar do adquirente nos parâmetros estabelecidos no art. 46 da lei 16.050/14, conforme preceitua o art. 5º, §1º do decreto municipal 63.130/24, certidão essa que deverá ser expedida de acordo com as disposições contidas no anexo II da portaria 61 - SEHAB de 22/5/24. O fato é que a Portaria da Secretaria de Habitação, regra: Art. 4º A certidão exigida nos termos do art. 5º, caput do decreto 63.130 de 19/1/24 será emitida por entidade supervisionada pelo BACEN, sendo que, quando for expedida por correspondente bancário ou instituição que atue com crédito imobiliário, deverá ser expedida por profissional detentor da certificação CA-600 ou outra certificação que ateste conhecimento operacional necessário para atendimento a política pública, acompanhada da respectiva comprovação da certificação. Estariam aptos à emissão da certidão de enquadramento, profissionais bancários com a certificação CA-600. Quando a aquisição do bem ocorre através de financiamento bancário, a emissão da certidão se torna justificável, vez que o processo de financiamento imobiliário revela toda a condição financeira dos proponentes adquirentes. O problema se dá quando a aquisição é feita sem a intervenção de um agente bancário, através de escritura pública entre a construtora e o comprador. Como emitir dita certidão de enquadramento - não se tem notícia. Veja-se que conforme relatado, muitas vezes o adquirente não se enquadra nos preceitos do programa social, entretanto, a venda foi firmada. O imóvel permanece sob titularidade da construtora, e o adquirente, sem título de propriedade. Instala-se o litígio em que muitas vezes somente se resolverá no judiciário, com a devolução dos valores recebidos pela vendedora, acrescidos de acessórios como perdas e danos, nem sempre verificáveis se demonstrada a ciência do comprador da afetação do bem ao programa social. Uma solução não muito clara aos adquirentes (des)avisados seria a da destinação da unidade adquirida à locação social. Obscura situação vez que o eventual adquirente permanece não sendo enquadrado no rol dos requisitos do benefício, entretanto, haveria uma lacuna legal estatuída no decreto 63.130 de 19/1/24: Art. 7º Os benefícios pertinentes ao regime jurídico previsto neste decreto poderão ser também utilizados por empreendimentos destinados, total ou parcialmente, para locação das unidades habitacionais de HIS 1, HIS 2 e HMP, observadas as seguintes regras: I - as unidades destinadas para esta finalidade deverão indicar tal condição mediante averbação na matrícula, em adição à averbação prevista no art. 4º deste decreto; II - a celebração do contrato de locação também é condicionada à apresentação da certidão que ateste o enquadramento das famílias destinatárias finais na respectiva faixa de renda estabelecida, nos termos do artigo 5º deste decreto; III - a alienação das unidades destinadas à locação social será permitida, observando-se o regramento previsto neste decreto. (grifei) O regramento municipal não esclarece, ou ao menos é omisso - acintosamente, talvez, - se essas unidades HIS-1, HIS-2 ou HMP podem ser alienadas à pessoas não beneficiárias do Programa Social, desde que se habilitem a afetá-las à locação social, por 10 anos, mediante averbação concomitante ao registro da aquisição.    Como dito, a legislação se faz, mais uma vez, inerte a essas dúvidas, mas ainda assim, prostrada à ausência de fiscalização quando da alienação das unidades habitacionais. A princípio, nos parece possível, com fundamento no que regrava a MP 1.162/23, que tinha como objetivo retomar o Programa Minha Casa Minha Vida, buscando facilitar o acesso à moradia para famílias de baixa renda. A MP foi convertida na lei federal 14.620/23 que em seu art. 4º prevê: Art. 4º Os objetivos do Programa serão alcançados por meio de linhas de atendimento que considerem as necessidades habitacionais, tais como: (...) IV - fomento à criação de mercados de locação social de imóveis em áreas urbanas; (...) (grifei) A legislação exige a declaração de enquadramento do locatário, entretanto, não do locador. Logo, essa afetação deve ser feita pelo registrador imobiliário, por averbação na matrícula, e tal circunstância de aquisição para destinação à locação social, constar do título aquisitivo.   O próprio decreto municipal prevê sanções aos (des)avisados, entretanto, ainda sem regramento: Art. 8º A inobservância ao exposto neste decreto acarretará: I - ao promotor do empreendimento, o dever de pagamento integral do potencial construtivo adicional utilizado, tributos, custas e demais encargos referentes à sua implantação, além de multa equivalente ao dobro deste valor financeiro apurado, devidamente corrigido, sem prejuízo das sanções previstas na lei 16.642, de 9/5/17 - Código de Obras e Edificações; II - a terceiros adquirentes a partir da segunda alienação dos imóveis de HIS 1, HIS 2 e HMP, cobrança dos valores indicados no item anterior, calculados de forma proporcional à fração ideal do imóvel adquirido, estando autorizado o Poder Público a adotar as medidas processuais análogas às previstas nos incisos I e II do art. 107 da lei 16.050/14 - PDE. A 1ª Vara de Registros Públicos da Capital-SP manifestou-se no Processo de Dúvida nº 1061807-58.2024.8.26.0100 que tratava de caso análogo: Conforme se extrai dos dispositivos acima transcritos, a produção privada de unidades de HIS 1, HIS 2 e HMP utilizando benefícios urbanísticos e fiscais previstos no Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo caracteriza adesão a regime jurídico próprio, qualificado, simultaneamente, pela fruição dos benefícios fiscais e urbanísticos pertinentes e pela destinação, de forma permanente e cogente durante dez anos, das unidades habitacionais a famílias que atendam aos limites de renda nela estabelecidos. É importante observar que a averbação na matrícula de cada unidade habitacional confere publicidade da situação jurídica que recai sobre o imóvel afetado ao regime jurídico próprio que restringe sua destinação a famílias com o perfil de renda declarado no licenciamento do empreendimento. Assim, uma vez efetivada a averbação na matrícula, na forma do art. 47, § 1º, I, da lei 16.050/14, promove-se integração entre o instrumento de provisão habitacional de interesse social para a população de baixa renda com o registro imobiliário, para ampla publicidade da situação jurídica do imóvel urbano vinculado, em prol da segurança jurídica no tráfico imobiliário. (grifei) Sinteticamente, no sistema registral brasileiro vigora o princípio da legalidade estrita admitindo o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Nos parece que embora controvertida, o instituto de fomento à locação social, cumpre a legalidade de regramento faltoso, admitindo o ingresso dos títulos no fólio real. Assim como o decreto municipal prevê sanções ao incorporador que por alienação a não beneficiário do Programa que desafeta indiretamente a unidade habitacional, ressalva-se, também, ao registrador imobiliário, o direito de cobrar da instituidora condominial, a diferença emolumentar decorrente da desafetação da unidade em desrespeito aos preceitos legais do Programa Social.  Thomas Hobbes em "O Leviatã", há muito lecionava que o mundo jamais seria capaz de satisfazer as necessidades do homem, tendo em vista o egoísmo e a competição entre si - guerra de todos contra todos -  cada homem somente procura aquilo que lhe é de interesse particular, sem olhar para o todo.
Introdução O sistema brasileiro notarial e de registros públicos, de base constitucional, previsto desde 1988, no art. 236 da Constituição Federal, vem se modernizando velozmente, principalmente após o advento da lei 14.382/22, que criou o SERP - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, centralizando, em um único portal, o acesso a seus serviços, como pedidos de registro, certidões, consultas e informações, o que é de fundamental importância para a segurança jurídica e eficiência de nosso país. Mas a modernização dos ofícios de registros públicos não parou por aí. Isso porque, convocados pelo poder público, quando promulgou alei 14.382/22 que criou o SERP, notários e registradores atenderam ao chamado e estão realizado esforços e grandes investimentos para a adoção do que há de mais moderno a fim de disponibilizar um sistema de segurança jurídica em sintonia com a realidade tecnológica do século XXI. E tudo isso estará disponível para a sociedade brasileira, abrangendo todos os atores da economia, sejam entidades públicas dos três poderes, instituições financeiras, empresas e outras entidades privadas, por meio de plataforma interoperável. A tecnologia blockchain se tem destacado como uma solução inovadora para diversos setores, incluindo o sistema de registros públicos de bens no qual pode transformar a publicidade registral e a digitalização dos registros de bens e de pessoas, garantindo segurança, transparência e eficiência nos processos de registro. Mas se faz necessário aprofundar a compreensão sobre o tema, apontando vantagens e problemas inerentes à adoção dessa tecnologia no campo da segurança jurídica, em que atuam os ofícios de registros públicos brasileiros e, também, no aspecto tecnológico. Inicialmente, cabe considerar que, por mais moderna seja uma tecnologia, ela não se aplica por si mesma, impondo-se a atuação de agentes preparados para sua adequada utilização no campo de conhecimento em que se deseje adotá-la. E, no que concerne ao campo da segurança jurídica, sem dúvida notários e registradores são os agentes competentes e capazes para aplicar, da melhor forma, as mais modernas tecnologias disponíveis com o fito de garantir direitos, entes isentos e independentes que são, distantes tanto de interesses privados, quanto públicos, do estado brasileiro, o que não impede que sejam submetidos a normas e fiscalização pelo Poder Judiciário, assegurando ao sistema as necessárias higidez jurídica e fiscalização de condutas pelo estado. Em suma, o advento de modernas tecnologias não justifica que a sociedade dispense a isenta e independente atuação de notários e registradores, que é imprescindível à criação e manutenção de um ambiente social e de negócios seguro, e até mesmo à manutenção do estado democrático de direito. Fundamentos do Blockchain O que é Blockchain? O blockchain é uma tecnologia que permite a criação de um registro digital descentralizado e imutável. Cada bloco contém um conjunto de transações e está ligado ao bloco anterior, formando uma cadeia contínua e segura (Nakamoto, 2008). Descentralização Ao contrário dos sistemas tradicionais, onde um único servidor central controla os dados, o blockchain é mantida por uma rede de computadores (nós). Cada nó possui uma cópia completa do registro, o que significa que não há um ponto único de falha. Isso torna a blockchain extremamente resistente a ataques e manipulações (Tapscott & Tapscott, 2016). Imutabilidade Em tese, uma vez que uma transação é registrada e confirmada no blockchain ela não pode ser alterada ou excluída. Isso garante a integridade dos dados, pois qualquer tentativa de alteração seria imediatamente detectada pela rede (Swan, 2015). E dissemos "em tese" porque, como se verá mais adiante, tudo deve ser considerado relativamente. No caso, a imutabilidade das redes blockchain só existe em face da tecnologia de computação atualmente existente. Mecanismos de Consenso Para garantir que todas as transações sejam válidas, o blockchain utiliza mecanismos de consenso, como PoW - Proof of Work ou PoS - Proof of Stake. Esses métodos permitem que os participantes da rede concordem sobre o estado atual do registro, assegurando que todas as cópias do blockchain sejam idênticas (Buterin, 2014). Publicidade Registral de Bens e Direitos Sistema Tradicional Os sistemas tradicionais de publicidade registral de bens envolvem processos burocráticos, onde os registros de propriedade e direitos são mantidos nos arquivos e computadores dos cartórios. Esses sistemas, em tese, são suscetíveis a fraudes, erros humanos e manipulações, além de serem frequentemente ineficientes e caros (Linares, 2020). No Brasil isso tem sido superado pela adoção de modernas tecnologias de registro em meio eletrônico, bem como pelo compartilhamento de informações com portais centralizadores, como eram as centrais de cada especialidade registral (Central do Registro Imobiliário, Central RTDPJBrasil, Central do Registro Civil), as quais atualmente foram substituídas pelo SERP, para onde são enviados dados dos registros feitos, o que, criando redundância, se não elimina os males acima apontados, quase anula a possibilidade de que aconteçam. Portanto, é bom dizer: Na atualidade os registros públicos brasileiros são muito seguros, embora ainda não utilizem a tecnologia blockchain. Limitações A técnica registral tradicional, até o momento adotada em quase todo o mundo, sem dúvida é menos eficiente que aquela que empregue a nova tecnologia blockchain, por ser mais demorada e envolver custos de execução maiores, visto que seus processos sempre foram mais lentos. E a centralização dos dados torna o sistema mais vulnerável a ataques e até mesmo à corrupção (De Filippi & Wright, 2018), aspectos esses que, conforme já referido, no tocante ao Brasil, estão sendo, senão eliminados, muito mitigados após a implementação dos registros eletrônicos, com backups locais em meio físico e em "nuvem". Além do que, com o advento do SERP, a ele também são enviados dados dos registros, de modo que tudo isso conjugado cria uma descentralização do armazenamento de dados, provendo uma saudável redundância, como elemento de segurança e profilaxia de fraudes. A Adoção da Tecnologia Blockchain como Aperfeiçoamento do Sistema O blockchain pode criar um registro de propriedade, garantia e outros mais transparente e acessível a todos. Na rede blockchain dos ofícios de registros públicos, cada transação de propriedade ou de direitos outros será registrada de forma imutável, reduzindo, ainda mais, o risco de fraudes e aumentando a confiança no sistema. Com o blockchain qualquer pessoa pode verificar a autenticidade de um título constitutivo de direitos, tornando o processo mais transparente e seguro (Linares, 2020), pelo menos em face da atual tecnologia, que ainda não emprega computação quântica. Documento Público Digital Documentos públicos digitais são documentos oficiais que são criados, assinados e armazenados digitalmente. Exemplos incluem contratos, certidões e escrituras. A digitalização desses documentos facilita o acesso e a verificação, além de reduzir a necessidade de armazenamento físico (Linares, 2020). No Brasil, na atualidade grande parte, senão a maior parte, dos documentos e contratos já são apresentados em meio digital e os que o são em meio físico logo são convertidos ao meio digital para fins de armazenamento em mídias eletrônicas locais, físicas e em servidores externos, em "nuvem", e, em breve, na rede blockchain dos ofícios de registros públicos. Autenticidade e Integridade O blockchain garante que os documentos digitais não sejam falsificados ou alterados. Cada documento é registrado com uma assinatura digital que verifica sua autenticidade. Isso significa que qualquer tentativa de alteração seria imediatamente detectada, garantindo a integridade dos documentos (Swan, 2015), o que se afirma em face da tecnologia computacional ainda empregada, porque a computação quântica, que já é quase uma realidade, poderá alterar documentos digitais e redes blockchain. Confiança Documentos digitais no blockchain são quase tão confiáveis quanto os físicos, pois são protegidos contra adulterações, considerada a realidade tecnológica atualmente vigente. Isso facilita a verificação e a validação de documentos em transações legais e comerciais, aumentando a confiança no sistema (Tapscott & Tapscott, 2016). Digitalização dos Registros de Bens e direitos Registros de Bens e direitos Os registros de bens e direitos incluem imóveis, veículos, obras de arte e outros ativos valiosos, bem como direitos reais de garantia e outros. A digitalização desses registros envolve a conversão de documentos físicos em formatos digitais, facilitando o acesso e a gestão das informações (Linares, 2020), o que já há alguns anos vem sendo praticado pelos cartórios de registros públicos no Brasil. Casos de Uso Um exemplo de uso do blockchain é o registro de propriedades imobiliárias ou de constituição de garantias sobre bens e direitos diversos. Cada transação de compra e venda é registrada no blockchain, criando um histórico claro e imutável de propriedade. Isso facilita a verificação de títulos e reduz o risco de disputas de propriedade (De Filippi & Wright, 2018). Benefícios A digitalização e o uso do blockchain aumentam a eficiência e reduzem custos, embora, em muitos casos, não elimine a necessidade de intermediários, como advogados e notários, porque o direito e suas nuances sempre serão o pano de fundo das transações. A transparência do sistema também pode facilitar a resolução de disputas de propriedade, tornando o processo mais rápido e confiável (Buterin, 2014). Digitalização dos Registros de Pessoas Registros de Pessoas Os registros de pessoas incluem identidades de pessoas físicas e jurídicas, como certidões de nascimento, identidades, passaportes e registros de empresas. A digitalização desses registros facilita o acesso e a verificação das informações (Linares, 2020). Segurança e Confiabilidade O blockchain pode registrar identidades de forma segura, protegendo contra roubo de identidade e fraudes. Cada identidade digital é única e verificável, garantindo a autenticidade das informações (Swan, 2015), cabendo aqui, mais uma vez, lembrar que tudo isso que estamos dizendo deve ser entendido considerando a atual tecnologia cibernética, em que computadores quânticos ainda são experimentais, ao que se sabe. Privacidade e Proteção de Dados O blockchain permite que os dados pessoais sejam armazenados de forma segura e acessível apenas a partes autorizadas. Isso é crucial para proteger a privacidade dos indivíduos e cumprir com regulamentações de proteção de dados, como a GDPR na Europa (De Filippi & Wright, 2018) e a LGPD, no Brasil, lei 13.709/18. Perspectivas e Riscos Futuros Desafios A implementação do blockchain nos registros públicos enfrenta desafios legais, técnicos e de governança, sendo um dos maiores problemas o fascínio que muitos atores sociais têm por novas tecnologias, como se fossem soluções infalíveis, inexpugnáveis, que permitiriam abandonar as atuais práticas que até aqui garantiram a segurança jurídica da sociedade. Na verdade, é necessária muita cautela para que a adoção da tecnologia blockchain não se dê de forma temerária, sem a manutenção, redundante, do atual sistema de armazenamento eletrônico dos ofícios de registros públicos, que se adaptaria para esse fim. E, é forçoso dizer, há quem faça a pregação de adoção abrupta e imprudente da tecnologia blockchain, com o simples descarte do vigente sistema de registros públicos, por um maldisfarçado interesse em assumir as funções públicas dos agentes delegados pelo estado para esse ofício, que são os oficiais de registros públicos, profissionais do direito selecionados mediante rigoroso concurso público, com sua atividade prevista constitucionalmente, regulada por lei, normatizada e fiscalizada pelo Poder Judiciário. A referida redundância pela manutenção de uma adaptação do atual sistema de armazenamento de dados consistiria, tão somente, na manutenção, fora da rede blockchain, das informações nela contidas, o que seria feito em computadores do SERP e de cada ofício de registro competente para cada ato armazenado, de forma distribuída e redundante. Assim se criaria algo como um "blockchain físico", porque, tal qual aquela, seria um sistema redundante, e por isso seguro, mas desconectado da web, utilizando computadores e mídias físicas para arquivamento eletrônico, o que proveria ao sistema de registros públicos uma segurança extra, um backup, em face dos riscos que o advento da computação quântica, e até de outras futuras tecnologias, pode oferecer. A transferência de dados entre as redes blockchain e "física", constituída por computadores e mídias do SERP e dos ofícios de registro, ocorreria por etapas e seguindo rígidos protocolos de segurança, de modo a evitar que um eventual ataque cibernético ao blockchain a contaminasse no momento da transferência dos dados. Os computadores da "rede física" jamais estariam em contato com o blockchain, nem conectados à web, direta ou indiretamente. A comunicação com o blockchain ficaria a encargo de servidores intermediários, desconectados daqueles da "rede física" no momento da interação com o blockchain e providos de sistemas de segurança adequados. Assim, as mesmas informações contidas no blockchain dos ofícios de registros públicos estariam contidas em tal "rede". Nos servidores do SERP estariam contidas todas as informações e em cada ofício de registro as informações dos registro da sua competência legal, o que asseguraria redundância e impossibilidade de adulterações. Computação Quântica e Blockchain A computação quântica está atualmente em acelerado desenvolvimento, já existindo alguns servidores experimentais em operação, o que representa um risco potencial para a segurança das redes blockchain. Computadores quânticos têm a capacidade de realizar cálculos extremamente complexos em uma fração do tempo que os computadores clássicos levariam. Isso inclui a possibilidade de quebrar os algoritmos criptográficos que garantem a segurança das transações no blockchain (Shor, 1994). A computação quântica tem o potencial de quebrar os algoritmos criptográficos que atualmente protegem as redes blockchain. Algoritmos como o SHA-256, utilizado no bitcoin, e o ECDSA, que protege as chaves privadas, são vulneráveis a ataques quânticos. Um computador quântico suficientemente poderoso poderia resolver esses problemas matemáticos em um tempo viável, comprometendo a segurança das transações.E cabe lembrar que a evolução tecnológica é exponencial, sendo de se esperar que nos próximos dez anos sua evolução seja muito maior que a ocorrida em todo o último século, o que nos faz compreender o quão vulnerável e com potencial para gerar catástrofes pode ser a adoção destemperada de novas tecnologias como o blockchain, sem as necessárias precaução e redundância. Riscos de Violação Os algoritmos de criptografia atualmente utilizados no blockchain, como o SHA-256 e o ECDSA, são considerados seguros contra ataques de computadores clássicos. No entanto, a computação quântica pode quebrar esses algoritmos, comprometendo a integridade e a segurança das transações registradas no blockchain (Bernstein et al., 2009). Considerando que já há computadores quânticos funcionando nos grandes centros tecnológicos dos países mais avançados do mundo, o risco para a segurança de redes blockchain não é algo hipotético, que pode ocorrer em um futuro distante, mas sim um risco real e atual. As consequências da possibilidade de violação das redes blockchain seriam catastróficas. A violação das redes blockchain poderia comprometer a integridade de registros de propriedade, transações financeiras e dados pessoais. Isso provocaria um colapso econômico irreversível e até mesmo um forte abalo da segurança nacional. Governos e instituições financeiras dependem da integridade desses registros para funcionar corretamente. Então, para dizer pouco, a possibilidade de violação de redes blockchain é extremamente preocupante, porque um ataque cibernético com o emprego de computação quântica poderá alterar ou destruir todas as informações nelas contidas, o que não apenas é um grave risco para o direito de propriedade em geral, como também para a soberania nacional. Um ataque dessa natureza provocaria um colapso irreversível no funcionamento da economia, o que faz ressaltar a relevância da manutenção da estrutura dos ofícios de registros públicos e do sistema tradicional de armazenamento das informações registrais, como redundância das informações contidas em seu blockchain. E essa redundância seria facilmente empreendida, porque toda a estrutura cartorária já existe e a replicação das informações também seria realizada de forma rápida e eficiente, sem custos para os usuários do sistema. E tal medida de segurança evitará abalos de consequências inestimáveis e irreversíveis, que certamente provocariam gravíssima convulsão social. Medidas de Mitigação Para mitigar esses riscos, a comunidade de desenvolvedores de blockchain está tentando desenvolver algoritmos de criptografia resistentes à computação quântica, como a criptografia baseada em reticulados (lattice-based cryptography) e a criptografia de curvas hiperbólicas (hyperelliptic curve cryptography) (Chen et al., 2016). A transição para esses novos algoritmos será crucial para garantir a segurança das redes blockchain no futuro. E isso apenas considerado o horizonte da tecnologia inicial dos computadores quânticos, porque sequer podemos imaginar o salto tecnológico que advirá com o emprego maciço de computadores quânticos, se lembrarmos o início da computação clássica em que os primeiros computadores (mainframes) ocupavam salas inteiras e tinham uma capacidade de processamento inferior à das atuais calculadoras de bolso. Portanto, ressalta ser imprescindível muita cautela e adoção de medidas protetivas para a utilização de redes blockchain, de modo a se evitar catástrofe de dimensões e consequências incalculáveis. Perspectivas Futuras do Sistema Brasileiro de Registros Públicos A adoção do blockchain pode revolucionar a publicidade registral e a gestão dos registros públicos, trazendo mais eficiência e segurança, desde que se não descure da necessária cautela com a adoção de redundância pela manutenção das mesmas informações na rede de ofícios de registros públicos, com a utilização dos atuais sistemas de armazenamento de dados, conforme acima já abordado, o que poderá ser realizado não apenas sem custos adicionais, mas com sua redução. Isso poderá ser crucial para a sobrevivência de nosso país em face de um ataque cibernético com emprego de computação quântica. Portanto, a adoção do blockchain significará importante modernização do sistema de registros públicos de nosso país, que se tornará ainda mais transparente, seguro, módico e eficiente. No entanto, sobressai ser essencial, em face da iminência da computação quântica e de novas tecnologias que poderão vulnerar redes blockchain, que, em paralelo, a rede de ofícios de registros públicos, sob a coordenação do SERP, mantenha o sistema tradicional de armazenamento de dados em servidores desconectados da web, mantidos no SERP e distribuídos pelos diversos ofícios, onde seriam armazenadas as mesmas informações registrais inseridas em seu blockchain. Dessa forma, será possível preservar os relevantes dados sobre a titularidade de bens, direitos e identidades, o que poderá evitar catástrofe irreversível, de custo inestimável, que destruiria a economia de nosso país e levaria muitos à miséria, devido à perda de quase todos os seus bens. Finalmente, cabe ainda lembrar que a rede cartorária do Sistema Brasileiro de Registros Públicos também presta outros relevantes serviços presenciais à população, a qual, em sua maioria, é pouco versada nas novas tecnologias, nem tem acesso a computadores. E será insustentável a manutenção dessa rede de serviços públicos, se os ofícios de registros públicos não mais realizarem o registro de bens e direitos, que são o seu sustentáculo financeiro. __________ Bernstein, D. J., Buchmann, J., & Dahmen, E. (2009). Post-Quantum Cryptography. Springer. Buterin, V. (2014). A Next-Generation Smart Contract and Decentralized Application Platform. [White Paper]. Ethereum Foundation. Chen, L., Jordan, S., Liu, Y.-K., Moody, D., Peralta, R., Perlner, R., & Smith-Tone, D. (2016). Report on Post-Quantum Cryptography. National Institute of Standards and Technology. De Filippi, P., & Wright, A. (2018). Blockchain and the Law: The Rule of Code. Harvard University Press. Linares, M. D. (2020). Blockchain y publicidad registral inmobiliaria. El documento público digital y digitalización de los registros de bienes y de personas humanas y jurídicas. 34JNA. Nakamoto, S. (2008). Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. [White Paper]. Shor, P. W. (1994). Algorithms for Quantum Computation: Discrete Logarithms and Factoring. Proceedings 35th Annual Symposium on Foundations of Computer Science. Swan, M. (2015). Blockchain: Blueprint for a New Economy. O'Reilly Media. Tapscott, D., & Tapscott, A. (2016). Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, and the World. Penguin.
Introdução Neste artigo propõe-se examinar a responsabilidade civil dos notários e registradores brasileiros à luz do tratamento dispensado pela Constituição Federal, lei dos registros públicos, Estatuto dos Notários e Registradores e jurisprudência, fazendo-se uma análise de seus possíveis avanços e retrocessos até a fixação do entendimento majoritário atual. Quanto à metodologia, empregou-se o método indutivo na coleta e exame material bibliográfico e na análise, o método dedutivo. Da responsabilidade civil dos titulares das serventias A responsabilidade civil de notários e registradores no Brasil é uma questão que de longa data tem causado discussões perante os órgãos judiciais e mesmo atualmente, com a pacificação no âmbito jurisdicional, conforme Tema 777 da Suprema Corte de Justiça do País, continua sendo objeto de polêmica. A fim de bem situar o leitor, antes que se adentre na análise da responsabilidade civil desses profissionais, necessário se faz recordar o tratamento dado à matéria nos últimos anos. Para tanto, tomar-se-á como parâmetro de corte o texto da lei 6.015/73, com vigência a partir de 1ª/1/76. Pois bem, esse diploma legal também conhecido como lei dos registros públicos, adotou a teoria da responsabilidade subjetiva, exigindo, em caso de reparação, que o oficial, seus substitutos e demais prepostos tenham agido com dolo ou culpa, em prejuízo do interessado no registro. Aqui cabe abrir um parêntese, pois em que pese a lei falar em oficial e registro, o texto deve ser lido como direcionado ao titular da serventia, ou seja, abrange tanto os registros públicos quanto as notas. Esclarecido isso, entende-se que ao entrar em vigor a Constituição de 1988 a questão ganhou novos contornos, vacilando a jurisprudência ora para o lado da teoria da responsabilidade subjetiva, ora encampando a teoria da responsabilidade objetiva (direta ou indireta), tese esta que passou ser a preferida quando entrou em vigor a conhecida lei dos notários e registradores, diferente do período compreendido entre 5/12/88 e 18/11/84, no qual prevaleceu o entendimento da responsabilidade sem culpa, isto é, necessitava-se fazer prova do fato e do nexo de causalidade para daí surgir a obrigação de indenizar. Noutro giro, a tese da responsabilidade objetiva foi combatida duramente anos pelos notários e registradores, até que a lei 13.286, de 10/5/16, ao dar nova redação ao art. 22 da lei 8.935/94, restabeleceu a teoria subjetiva, confirmada pelo STF quando do RE 842.846 - Santa Catarina, dando repercussão geral para fixar o entendimento no sentido de que o Estado responde de forma objetiva pelos ações ou omissões dos notários e registradores que causarem prejuízos a terceiros, assegurando-se o direito de regresso. Vale lembrar, que a lei 6.015/94 na maioria de seus aspectos foi recepcionada pela Constituição Federal e que a lei 8.935/94 em momento algum chegou a afirmar que notário e registradores estariam sujeitos a uma responsabilidade objetiva, portanto, não teria derrogado, neste particular aspecto, a lei dos registros públicos, e, com a redação dada pela lei 13.286/16 ao parágrafo único de seu art. 28, não restam dúvidas de que em um primeiro momento, eventual ação deverá ser dirigida contra o Estado. Todavia, MEIRELLES1 atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, leciona que tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas prestadoras de serviço público devem responder conforme o princípio da responsabilidade sem culpa, pois entende não se justificar que "(...) a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originalmente público, ao particular, descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o delegatário das responsabilidades próprias do Poder Público(...)", muito embora em relação aos notários e registradores, julgue que o Estado ainda continua com responsabilidade subsidiária, isto é, o Estado somente  assumiria a responsabilidade por atos do delegatário na impossibilidade desse agente não contar com recursos para ele próprio fazer o ressarcimento dos danos causados a terceiros em razão de seu ofício, tese esta já superada. No plano doutrinário, entretanto, razão assiste a BENÍCIO2 que, no estudo sobre a responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro ao indagar se as pessoas físicas prestadoras de serviço público estão alcançadas pelo disposto no art. 37, § 6º da Constituição, responde que  notários e registradores, em decorrência de atos próprios do serviço, não devem ser responsabilizados com fundamento na teoria do risco administrativo, pois no seu entendimento a responsabilidade objetiva é do Estado, cabendo-lhe unicamente ajuizar ação regressiva contra os titulares das serventias para buscar eventual ressarcimento, mas nesse caso deverá provar que esses profissionais ou seus prepostos agiram com dolo ou culpa em face do tomador dos serviços. De fato, lendo o artigo acima seria bizarro entender que o Constituinte atribuiu aos notários e registradores uma responsabilidade objetiva pela prática de atos próprios de suas atribuições legais, pois a teoria do risco administrativo, aqui discutida dirige-se às pessoas jurídicas, considerando que referido dispositivo constitucional nenhuma referência faz às pessoas físicas prestadoras de serviço público, como é o caso dos notários e registradores, em que pese essa tese ter sido majoritária na doutrina e jurisprudência brasileiras, antes das mudanças trazidas pela lei 13.286/16. Entretanto, o STF tem mantido ao longo de sua história uma jurisprudência firme no sentido de que notários e registradores na posição de ocupantes de cargos públicos, embora latu senso, somente devem ser responsabilizados por atos próprios da atividade notarial e registral, diante da demonstração de uma conduta dolosa ou culposa.   Da responsabilidade civil de interinos e interventores À luz da Constituição, o Estado não deveria prestar os serviços notariais e de registro diretamente, mas em algumas hipóteses assim tem sido feito diante da ausência de delegatários. Com efeito, na vacância eventual de uma serventia decorrente da extinção da delegação ou mesmo sem a extinção, como acontece quando o titular é afastado durante a instauração de um processo administrativo, o serviço notarial ou de registro passa a ser exercido, provisoriamente, por um agente estranho a essas instituições, ou seja, por interino ou interventor, respectivamente. Nessas hipóteses, a lei, embora desviando-se do modelo constitucional, tem admitido que a atividade notarial e de registro seja temporariamente exercida por essas pessoas não concursadas, criando-se uma situação anômala que já deveria ter sido reparada pelo legislador por meio de mecanismos que superassem esses entraves, como por exemplo, estabelecendo-se a obrigatoriedade de um prazo de dois anos prorrogável por igual período na validade dos concursos públicos, pois assim procedendo não se eliminariam os candidatos aprovados nos diversos certames que não foram chamados a assumir as serventias vagas. Por óbvio que nessas circunstâncias, na ausência do delegatário e tendo o Estado designando alguém para responder pelo serviço de forma provisória, deverá, também, ser responsabilizado pelos atos desses agentes administrativos. Na hipótese ora tratada, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, pois os seus designados não respondem objetivamente pelos atos próprios da serventia, somente sendo responsabilizados pelos atos que praticarem durante a intervenção ou interinidade, em eventual ação regressiva requerida pela pessoa jurídica de direito público responsável pela designação a título precário. Com efeito, a precariedade do exercício da função notarial e de registro também não retira do Poder Público a responsabilidade pelos atos desses colaboradores esporádicos do Estado, antes reforça. RIBEIRO3 aduz que: Os designados atuam com o objetivo único de assegurar a continuidade do serviço até que a unidade vaga seja levada a concurso, razão pela qual é incompatível a sua manutenção no exercício dessa atribuição, por natureza precária e transitória, caso defendam interesse pessoal contrário à realização do concurso ou qualquer medida que importe no provimento da referida unidade. Agem em nome do Estado, que pode e deve definir seus parâmetros de atuação, pois, em caso de dano decorrente da prestação dos serviços, responde diretamente perante terceiros, com direito de regresso em face daqueles que precariamente designou para responderem pelo expediente vago. Na citada obra4, o autor reafirma que o Estado tem responsabilidade direta e solidária quanto aos danos causados pelo interino no exercício da função notarial e de registro nas referidas unidades vagas, reservando-lhe apenas o direito de regresso em face daqueles que precariamente designou. No mesmo sentido, CENEVIVA5 ao comentar a lei 8.935/94, na obra de igual prestígio, intitulada "Lei dos Notários e Registradores Comentada", consigna que: "(...). No período de vacância do delegado notarial ou de registro, o cumprimento das correspondentes atividades é da responsabilidade do Poder Público até que, após concurso público de ingresso ou de remoção, a vaga seja ocupada(...)". Conclusão Na atual quadra do desenvolvimento do país, a responsabilidade de notários e registradores, por atos lesivos a terceiros no exercício de suas atividades profissionais, não restam dúvidas de que seja subjetiva, a exigir que o delegatário tenha agido com dolo ou culpa, o mesmo ocorrendo com maior razão em relação aos interinos e interventores, eis que não se tratam de pessoas especialmente selecionadas por meio de concursos públicos, aumentando assim a responsabilidade do ente estatal. ___________ BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Notariais e de Registros. Co. edição. rev. dos Tribunais. São Paulo: 2005, p. 205. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 34. edição. São Paulo: 2008. STJ - Recurso Especial n.º 476532/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 20/05/2003 - (DJ 04.08.2003). CARMO, Jairo Rodrigues Vasconcelos, Direito Notarial e Registral. Coordenadora Vania Mara Nascimento Gonçalves 1. edição. 2008 - 2 - Tiragem  - Editora Forense - . Rio de Janeiro: 2008. RE 209354 - AgR-PR. RIBEIRO. Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 110 e 111. RIBEIRO. Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 133. Ceneviva, Walter.  Lei dos Registros Públicos Comentada. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010. ___________ 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 34. edição. São Paulo: 2008. 2 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Notariais e de Registros. Co. edição. rev. dos Tribunais. São Paulo: 2005, p. 205. 3 RIBEIRO. Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 110 e 111. 4 RIBEIRO. Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 133. 5 Ceneviva, Walter.  Lei dos Registros Públicos Comentada. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
Este trabalho tem como proposta por luzes sobre o aparente paradoxo existente entre a publicidade obrigatória de que trata a Lei dos Registros Públicos e as restrições previstas na Lei Geral de Proteção de Dados. Diante da globalização e do crescente uso da internet é possível, em questão de segundos com um mero toque na tela de um dispositivo tátil ou um clique no teclado de um computador, fazer que uma informação percorra o mundo. Os motores de busca na Internet permitem a todos seus usuários, incluindo a meros curiosos ou a mal-intencionados, encontrar essas informações de maneira quase imediata, o que pode expor dados pessoais que, por um motivo ou outro, circulam em matrículas, registros e certidões dos Registros de Imóveis, em prejuízo da privacidade e intimidade das pessoas referidas nesses documentos. Dessa forma, torna-se necessário a rediscussão dos limites da publicidade oferecida pelo sistema de registro de imóveis brasileiro, tendo em consideração não apenas a lei 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos - LRP), mas também a lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD) e o Provimento n.149/2023-CNJ que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), que regulamenta os serviços notariais e de registro. Com efeito, a lei 6.015/73, denominada Lei dos Registros Públicos, no capítulo IV do título I, ao tratar da publicidade dos atos concernentes aos registros públicos, prescreve no seu art. 17 que "(...) qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido (...)". Essa norma, que entrou em vigor há mais de 45 anos, portanto, anterior à vigente Constituição da República, praticamente é transcrição do art. 20 do decreto  4.857/39, o qual estabelecia que toda pessoa poderia requerer certidão do registro, sem importar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse da solicitação, refletindo, ainda, o pensamento de uma época na qual predominava no Brasil uma sociedade ruralista, onde os deslocamentos aos centros urbanos em busca da instrumentalização de negócios jurídicos eram muito precários, justificando o regramento então vigente. Entretanto, os tempos mudaram, os centros urbanos se desenvolveram, estradas deixaram de ser "caminhos" e foram pavimentadas, o País industrializou-se, tornando-se uma das maiores economias do mundo e, com isso, as pessoas passaram a se locomover com rapidez incomparável. Some-se a isso, as mudanças sociais também ocorridas com o advento da Quarta Revolução Industrial englobando um amplo sistema de avançadas tecnologias (como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, computação em nuvem etc.) que mudaram as formas de produção e os modelos dos negócios no mundo inteiro. Para que se tenha uma ideia da magnitude dessas mudanças, segundo pesquisa divulgada no site convergenciadigital.com.br, entre 2018 e 2019, o percentual de pessoas maiores de 10 anos possuidoras de telefone móvel cresceu de 79,3% para 81,0%; entre aquelas que tinham aparelho celular com acesso à internet, o percentual cresceu de 88% para 91% nesse mesmo período. Confirma-se, assim, a existência, e a necessidade, de amplo acesso aos meios de informações. Porém, no particular aspecto da publicidade, a Lei dos Registros Públicos manteve-se inalterada, como se a informação continuasse a ser obtida nos moldes do século XIX. Ora, não se nega que a publicidade seja uma coluna do sistema de registro de imóveis brasileiro, sendo essencial à segurança das transações imobiliárias ao proteger a pessoa diligente que busca no registro informações antes de adquirir um imóvel. E essa busca, tem se ancorado no princípio da confiança, comentado por João Pedro Leite Barros1 ao citar Menezes Cordeiro2, este para quem: "exige-se que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a crer na mantença de um certo estado de coisas. Ou seja, a pessoa que legitimamente tenha confiado em um certo estado de coisas não pode receber o tratamento igual se não o tivesse; seria tratar o diferente de modo igual". Todavia, diante das mudanças ocorridas, não há como o Registro de Imóveis fechar os olhos para as transformações da sociedade e continuar a emitir certidões e dar informações a qualquer pessoa, como em épocas pretéritas, devendo fazer no mínimo um filtro para que se saiba qual a pessoa está interessada na obtenção das informações. De fato, retomando a ideia de quando, no Brasil rural, a informação dos registros públicos demorava dias para ser prestada e quando mal utilizada, e não representava um perigo imediato àqueles a quem se referia, agora, com a rapidez trazida pelas novas tecnologias, o risco de causar danos no campo dos direitos à privacidade e à intimidade é muito grande.           Pois bem, se em épocas passadas a obtenção e divulgação de informações sobre a propriedade imobiliária não se propagava de forma tão rápida, isto é, ainda havia um tempo razoável para que o lesado desencadeasse uma contrarreação. Todavia, atualmente, essa conduta proativa do lesado torna-se praticamente impossível, razão pela qual os Registros de Imóveis devem acercar-se de meios que inibam ou restrinjam o fornecimento de informações a pessoas mal intencionadas, criando, no mínimo, um banco de dados com a identificação dessas pessoas, aliás, já exigido para fins de informações ao COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Logo, tendo-se em consideração a defasagem entre a legislação atual em relação às mudanças sociais ocorridas na era digital, é de se entender que o acesso às informações do Registro Imobiliário proporcionado pelo art. 17 da lei 6.015/73 deve ser lido com as modulações dadas pela Lei Geral de Proteção de Dados c/c o Provimento 149/2023-CNJ, sem adentrar na questão envolvendo a legitimidade da pessoa requerente, mas tomando-se o cuidado de documentar cuidadosamente o pedido, a fim de se fazer frente a eventual demanda. Não se nega que parece um paradoxo impor critérios de identificação para a obtenção de certidões. Entretanto, não se deve esquecer que a LRP não proíbe esse tipo de prática, e o que se observa é a necessidade de identificação, em face do princípio da segurança jurídica. Na verdade, a Lei de Registros Públicos e a Lei Geral de Proteção de Dados são normas distintas com impactos diferentes no campo da publicidade, daí a ideia de aparente paradoxo entre elas, mas que estabelecem, na essência, complementariedade em busca da informação e da proteção desta. Nesse ponto, vale lembrar que a LRP estabelece as regras para o acesso e a publicidade dos documentos públicos, com o propósito de garantir a transparência e o acesso à informação por parte da sociedade como um todo. E essa norma determina, por exemplo, que certos documentos devem ser disponibilizados de forma pública. Por outro lado, a LGPD tem como objetivo proteger os dados pessoais dos indivíduos, estabelecendo regras para a coleta, uso, armazenamento e compartilhamento dessas informações por parte de empresas e instituições.  A LGPD foca em garantir a privacidade e a segurança das informações pessoais, dando aos indivíduos o controle sobre seus próprios dados. No contexto da publicidade, a LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais deve ser feito de forma transparente e com o consentimento do titular dos dados. Isso significa que as empresas que utilizam dados pessoais para fins publicitários devem informar claramente aos usuários como esses dados serão utilizados e obter o consentimento explícito para essa finalidade. Dessa forma, o que se tem é que a publicidade da Lei de Registros Públicos e da LGPD se relacionam, pois, ambas têm como objetivo garantir a transparência e o acesso à informação, porém a LGPD traz uma preocupação adicional com a proteção dos dados pessoais dos indivíduos, e em consonância com as novas perspectivas da sociedade, o que não se observava, nesse ponto, na LRP, esta que, como já mencionado inicialmente, entrou em vigor há mais de 45 anos. Portanto, ao realizar a publicidade no registro de imóveis, é necessário considerar tanto as regras estabelecidas pela LRP quanto as restrições contidas pela LGPD, garantindo a conformidade com ambas as legislações, visando assegurar a transparência e a legalidade no processo de divulgação de informações sobre os imóveis e, também, proteger os dados pessoais dos titulares. Tanto é verdade, que o já mencionado Provimento n.149/2023 - CNJ consagra essa ideia ao criar um título específico sobre proteção de dados pessoais, com referência expressa à LGPD, cuja interpretação, a toda evidência, é no sentido de alinhamento entre as normas.   Sendo assim, e diante desse relacionamento harmônico entre LRP e LGPD, como visto, pode-se concluir, com as vênias devidas, que o paradoxo entre elas não passa mesmo de aparente, e talvez se criou por uma ideia pouco ortodoxa de quem em algum momento duvidou daquilo que realmente buscou o legislador ordinário, bem como do que os novos tempos programam para o melhor convívio em sociedade. Referências bibliográficas BARROS, João Pedro Leite. Direito à informação repercussões no direito do consumidor. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2022, p. 59. CORDEIRO, António Menezes. Da Natureza civil do direito de consumo. Estudos em memória do Professor Doutor Antônio Marques dos Santos. Coimbra: Almedina, 2005. Confira também: CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2015, p. 1234-1251. __________ 1 BARROS, João Pedro Leite. Direito à informação repercussões no direito do consumidor. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2022, p. 59. 2 Vide CORDEIRO, António Menezes. Da Natureza civil do direito de consumo. Estudos em memória do Professor Doutor Antônio Marques dos Santos. Coimbra: Almedina, 2005. Confira também: CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2015, p. 1234-1251.
RESUMO Tendo em vista a extensão deste texto - justificada pela necessidade de digerir ao leitor um assunto recheado de conceitos da economia não tão familiares -, convém começar o presente texto resumindo, em frases diretas, as ideias principais. Segue resumo das ideias do texto: A lei dos juros legais (lei 14.905/24) promoveu alterações relevantes na sistemática dos juros remuneratórios, dos juros moratórios e da correção monetária. Buscou uniformizar essas regras para todas as dívidas civis, inclusive para as de contribuição condominial. Sua entrada em vigor dar-se-á em 30/8/2024 (capítulos 1 e 6). Convém que a calculadora interativa a ser criada pelo BACEN - Banco Central do Brasil seja mais completa do que a atual Calculadora do Cidadão e ofereça cálculos mais completos com diferentes marcos temporais e diferentes eventos, com funcionalidades até mais avançadas das tradicionais calculadoras disponibilizadas pelos sites de Tribunais. A ideia é permitir que o cidadão, com facilidade, obtenha um resultado rápido (capítulo 1). Juros remuneratórios são preço e são devidos no período da normalidade contratual. Já os juros moratórios são devidos no período da anormalidade. A permissão, em contratos bancários, de cobrança de juros remuneratórios no período da anormalidade é fruto de atecnia taxonômica e representa, na verdade, uma espécie de indenização por lucros cessantes (capítulo 2). O índice supletivo de correção monetária para as dívidas em geral é o IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, índice que mede, de oficial, a inflação no país (capítulo 3). Convém que o CNJ esclareça que os débitos judiciais deverão passar a ser corrigidos pelo IPCA, e não mais pelo INPC. Similar medida de esclarecimento pelo Poder Executivo mediante decreto seria bem-vinda (capítulo 3.2.). Os juros moratórios convencionais não podem exceder o dobro dos juros moratórios legais (capítulo 4.1.). Os juros moratórios legais é o resultado positivo da seguinte equação: Taxa Selic - IPCA (capítulo 4.2.). Em regra, os juros remuneratórios não podem exceder o dobro dos juros moratórios legais e não podem sujeitar-se a capitalização em periodicidade inferior à anual (capítulo 5.2.). Não se aplica o teto dos juros remuneratórios nem outras restrições da lei de usura (como a vedação de capitalização de juros em periodicidade inferior à anual) para obrigações entre pessoas jurídicas ou para obrigações no âmbito do mercado financeiro (capítulo 5.2.2.). No caso de alguma pessoa natural vier a ser considerada coobrigada ou corresponsável de uma dívida de pessoa jurídica com juros remuneratórios acima do teto dos juros remuneratórios (como nos casos de fiança ou de desconsideração da personalidade jurídica), há necessidade de recálculo da dívida. É que a pessoa natural só pode ser obrigada a juros remuneratórios acima do teto da lei de usura em obrigações no âmbito do mercado financeiro. A integralidade da dívida originária, sem a restrição do teto, só pode ser cobrada da pessoa jurídica (capítulo 5.2.3.). Mesmo nos casos de não incidência do teto da lei de usura, o índice pactuado de juros remuneratórios pode ser considerado nulo por abuso de direito se excederem colossalmente a média de mercado, sem qualquer justificativa da particularidade do caso concreto (capítulo 5.2.3.). É descabido invocar o teto da lei de usura em operações de factoring ou nas de antecipação de recebíveis de cartão de crédito, pois inexiste aí o fato gerador dos juros remuneratórios (capítulo 5.2.4.1.). As novas regras de juros remuneratórios não se aplicam a contratos anteriores, nem mesmo sobre prestações pendentes ou vincendas. É diferente do que se dá em relação às novas regras de juros moratórios, que atingirão as prestações pendentes ou vincendas de contratos anteriores (capítulo 6). 1. Introdução e a necessidade de a calculadora do BACEN ser mais funcional Qual é o índice dos juros moratórios legais? Há teto para os juros remuneratórios? Qual é o índice devido a título de correção monetária?1 Este artigo volta-se a discutir essas questões diante do cenário desenhado pelo que chamamos de lei dos juros legais (lei 14.905/24), que entrará em vigor em 30/8/24.2 Averbamos que a nova lei preferiu adotar índice oscilante para lidar com o tema, o que inevitavelmente torna os cálculos mais complexos. Prova disso é que o art. 4º da lei dos juros legais (lei 14.905/24)3 determina que o BACEN disponibilize ao público uma espécie de calculadora interativa. A nova lei não seguiu uma alternativa muito vantajosa em termos de simplificação e de sistematicidade (a adoção um percentual fixo de juros moratórios legais) sugerida no recente anteprojeto de reforma do Código Civil4 e tão magistralmente defendida pelo ministro Luis Felipe Salomão em recente voto perante o STJ por ocasião do julgamento do REsp 1.759.982/SP.5 Seja como for, o ideal é que, no mínimo, a calculadora interativa seja mais completa do que a atual Calculadora do Cidadão disponibilizada no site do BACEN6 e vá além para oferecer cálculos mais completos com diferentes marcos temporais e diferentes eventos, com funcionalidades até mais avançadas das tradicionais calculadoras disponibilizadas pelos sites de Tribunais. A ideia é permitir que o cidadão, com facilidade, obtenha um resultado rápido. Desde logo, fazemos uma ressalva de nomenclatura: Apesar de o texto legal referir-se a taxa de juros (art. 406 e 591, CC), trata-se de atecnia jurídica, pois taxa é um tipo de tributo. Preferiremos o verbete índice em nome da adequada taxonomia jurídica. A propósito, agradecemos ao amigo professor Rafael de Castro Alves, consultor legislativo do Senado Federal, advogado e ex-procurador do BACEN, um dos juristas mais especializados no tema, pelas reflexões que travamos sobre o assunto e que nos ajudaram no amadurecimento de vários pontos. Também registramos agradecimentos ao amigo professor Marlon Tomazette, um dos maiores empresarialistas brasileiros, com quem também pudemos amadurecer reflexões mediante conversas informais. Confira aqui a íntegra da coluna. _____________ 1 Este artigo foi desenvolvido com aportes colhidos ao longo das pesquisas desenvolvidas pelo autor no seu estágio pós-doutoral no Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a supervisão do Professor Eduardo Tomasevicius Filho. 2 60 dias da publicação no Diário Oficial, a qual ocorreu em 1º/07/2024. 3 Art. 4º  O Banco Central do Brasil disponibilizará aplicação interativa, de acesso público, que permita simular o uso da taxa de juros legal estabelecida no art. 406 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), em situações do cotidiano financeiro. 4 Esse Anteprojeto foi elaborado pela Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, nomeada pelo Presidente do Senado, presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão e sob a vice-presidência do Ministro Marco Aurélio Bellizze. O Anteprojeto elegia o percentual de 1% ao mês como índice de juros moratórios legais no art. 406 do Código Civil. Disponível aqui. 5 A sessão de julgamento ocorrida em 06/03/2024 está disponível aqui. (a partir de 2:22:00). 6 Disponível aqui.
Este artigo discute se a doação a descendente ou ao cônjuge pode ou não ser feita além da parte disponível. Trata-se de tema importantíssimo em discussões de planejamento sucessório e na formalização dos contratos de doação. Parte disponível corresponde à metade do patrimônio de uma pessoa que possui herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuge1). A outra metade corresponde à legítima, porção que não pode ser objeto de liberalidades pelo seu titular diante de sua destinação preferencial em favor dos herdeiros necessários. Um dos fundamentos da legítima é apontado por Flávio Tartuce, com apoio nas lições do jurista italiano Angelo Spatuzzi: a necessidade de "equilibrar a autonomia do proprietário com o princípio da solidariedade familiar" (TARTUCE, Flávio. Fundamentos do Direito das Sucessões em outros sistemas e no Brasil. In: Revista Brasileira de Direito Civil - RDCivil, Belo Horizonte, v. 25, jul./set. 2020, p. 127). De fato, não se pode ignorar que o Direito Sucessório, além de outros fundamentos, envolve uma espécie de compensação patrimonial aos familiares, que investiram seu tempo, recursos e esforços em favor da relação familiar. Essa solidariedade familiar, se não tiver sido voluntária, poderá ter sido forçada com base nas regras de Direito de Família. Sobre o tema, trazemos a lume esta explicação (OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Princípio da vontade presumível no Direito Civil. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, janeiro 2023, p. 26): Assim, de um lado, é certo que a proximidade afetiva é um vetor para avaliar a vontade presumível do homo medius na escolha dos sucessores mortis causa. Por exemplo, pais costumam querer deixar o máximo de bens para seus filhos, especialmente se forem menores. De outro lado, porém, o legislador leva em conta também aspectos financeiros, numa ideia de o direito sucessório ser uma compensação patrimonial pelos dispêndios feitos gratuita ou forçosamente ao longo da vida entre os familiares. A própria irrepetibilidade dos alimentos entra nesse cenário. A solidariedade voluntária e a solidariedade compulsória do Direito de Família encontram, no Direito Sucessório, uma potencial compensação financeira. Frise-se o adjetivo potencial: a compensação financeira com a atribuição patrimonial sucessória não necessariamente existirá e, se existir, não necessariamente será na mesma medida. De fato, quando o legislador obriga, por exemplo, os pais a terem de pagar alimentos aos filhos menores, ele move-se essencialmente por razões existenciais de direito de família. O filho não terá de devolver o dinheiro que recebeu do pai a título de alimentos, dada a irrepetibilidade dos alimentos. Todavia, numa verdadeira espécie de compensação pecuniária, inspirado por razões de justiça, o legislador estabelece regras sucessórias em favor dos pais no caso de morte do filho. Esses ascendentes terão uma posição privilegiada na ordem de vocação hereditária. O legislador vai além quando se trata dos familiares privilegiados (ascendentes, descendentes e cônjuge). Ele estabelece a legítima como um limite a liberdade de testar. Quem tem um familiar privilegiado é proibido de dispor de mais de 50% do seu patrimônio por meio de testamento. A razão dessa regra é não apenas de ordem existencial, mas, sobretudo, de ordem patrimonial: o legislador quer garantir uma espécie de compensação financeira pelos dispêndios financeiros (ainda que potenciais) dos familiares privilegiados entre si. É preciso ser direto. Direito sucessório não é um ramo do direito civil baseado apenas em reflexões existenciais ou afetivas. É ramo substancialmente patrimonial. Objetiva partilhar bens. Sem bens, não há transmissão hereditária. É romântico sublinhar aspectos afetivos ou existenciais ao se tratar do direito sucessório, pois, se o falecido não tiver deixado bens, nada haverá a partilhar. Aliás, é por conta desse ambiente mais patrimonializado que o direito sucessório acomoda o princípio da vontade soberana do testador2. Enfim, no direito sucessório, reflexões extrapatrimoniais são importantes, mas em menor escala do que as de índole patrimonial. Logo, é evidente que o legislador precisa fazer reflexões de índole pecuniária para identificar a vontade presumível do falecido, tudo como forma de compensar pecuniariamente os familiares mais próximos. Por exemplo, os genitores investem valores elevadíssimos na criação dos seus filhos menores. O consorte (cônjuge ou companheiro) renuncia a projetos profissionais ou pessoais e investe seu tempo dedicando-se ao bem-estar do outro. O filho, ao adquirir autonomia profissional, tende a ajudar os pais que estejam em situação de necessidade. Além disso, o próprio legislador torna obrigatório esse auxílio financeiro por meio dos alimentos no caso de necessidade de um desses familiares próximos. Em contrapartida, esses familiares privilegiados são prestigiados pelas regras de direito sucessório. Entender o tema sob a ótica do princípio da vontade presumível é ferramenta poderosa não apenas para o juiz enfrentar os casos concretos, mas também para o legislador reavaliar constantemente a atualidade das regras de direito sucessório.  A proteção da legítima é pensada inicialmente como uma restrição à liberdade de testar. O Código Civil "adotou o 'sistema da liberdade de testar limitada', de modo que, se o testador possui herdeiros necessa'rios, ser-lhe-a' vedado dispor, em testamento, de mais da metade de seu patrimo^nio" (OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; COSTA-NETO, João. Direito Civil. Rio de Janeiro: Método, 2024, p. 1.497). Daí se segue o princípio da intangibilidade da legítima. Acontece que essa proteção à legítima seria facilmente burlada se se esquecesse que, em vida, a pessoa poderia dispor gratuitamente dos seus bens além da parte disponível, em verdadeira burla à proteção da legítima. Por isso, para evitar esses dribles à legítima, o ordenamento fecha o cerco para liberalidades por atos inter vivos mediante regras protetivas da legítima. Uma dessas regras é a nulidade do excesso no caso de doação inoficiosa, conforme no art. 549 do Código Civil3. Diz-se inoficiosa a doação de bem que exceda à metade do patrimônio do doador, quando este tiver herdeiro necessário. Para tal efeito, leva-se em conta o cômputo do patrimônio no momento da liberalidade. Assim, se uma pessoa doa 80% do seu patrimônio a um terceiro, haverá nulidade de 30% dessa liberalidade por configurar doação inoficiosa (art. 549 do Código Civil). A pergunta central deste artigo é a seguinte: essa nulidade do excesso no caso de doação inoficiosa aplica-se mesmo na hipótese de o donatário ser um dos descendentes do doador ou ser o cônjuge? A resposta, ao nosso sentir, é negativa. Isso, porque, na hipótese de liberalidade a um descendente ou ao cônjuge, o ordenamento lança mão de outra ferramenta protetiva da legítima: o instituto da colação. A colação é o dever de, com a abertura da sucessão mortis causa, os descendentes ou o cônjuge levarem em conta as liberalidades recebidas do falecido como antecipação do respectivo quinhão hereditário procedente da legítima (arts. 2.002 e seguintes do Código Civil). É dever de eles trazerem para comparação com os outros descendentes as liberalidades recebidas do falecido. O objetivo é que, ao cabo da partilha mortis causa, todos os descendentes fiquem com um quinhão hereditário igual a partir da legítima. Aliás, isso explica o porquê de o art. 544 do Código Civil4 estabelecer que a doação feita a descendente ou ao outro cônjuge é um adiantamento do que lhe cabe por herança. Assim, se um pai doar 80% do seu patrimônio a um filho favorito, não haverá prejuízo algum para os demais filhos. Com a futura abertura da sucessão mortis causa do pai, o filho favorito terá de colacionar a liberalidade recebida. Se, por exemplo, há outros três irmãos e se o pai não deixou nenhum bem a partilhar, caberá ao filho favorito reter para si 20% da liberalidade e, a título de excesso, repassar 60% da liberalidade recebida para divisão pro rata com seus irmãos. Desse modo, ao cabo da partilha mortis causa, cada filho ficará com 20% de herança. O raciocínio é parecido quando estamos diante de doação feita a cônjuge. Com a morte de um dos cônjuges, o viúvo terá de colacionar as liberalidades recebidas. Nesse ponto, há um ponto omisso na lei: como ficaria a situação do cônjuge que recebeu liberalidades do outro e que se divorciou antes da abertura da sucessão mortis causa? Esse ex-cônjuge teria ou não dever de colacionar? Tivemos a oportunidade de, em artigo publicado em coautoria com o professor Flávio Tartuce, defender a existência de o ex-cônjuge colacionar as liberalidades recebidas, mesmo não sendo herdeiro. Mas essa colação, no máximo, acarretar-lhe-ia o dever de devolver eventual excesso em relação ao que receberia se não tivesse se divorciado. Sobre o tema, transcrevemos este excerto do artigo5: Começamos este texto com um caso concreto, a fim de analisar a polêmica do seu tema central. Suponha-se que um marido tenha doado um apartamento, de um milhão de reais, para a sua esposa. Na época, esse marido tinha um outro imóvel, uma casa também de um milhão de reais. Tempos depois, o marido vende a casa e gasta o dinheiro com viagens de luxo pelo mundo afora. Após acabar o dinheiro, gasto por ele, o casal entra em uma grave crise, se divorcia e a ex-esposa permanece com o apartamento doado como um bem particular. Alguns anos depois, o ex-marido falece, sem deixar qualquer bem aos seus herdeiros. Supondo-se que o falecido tenha deixado dois filhos unilaterais (descendentes apenas dele, e não da esposa), indaga-se: esses filhos podem exigir da ex-madrasta a colação daquele apartamento? O caso acima chama a atenção para uma questão que não está bem explicitada no texto do Código Civil, qual seja a dúvida se o viúvo ou o ex-cônjuge têm ou não o dever de colacionar. (...) O problema (...) reside na hipótese em que, antes do falecimento, tenha ocorrido o fim do relacionamento do casal. A questão, nesse caso, é saber se o ex-cônjuge tem ou não o dever de colacionar as liberalidades recebidas. O exemplo que indicamos no início do artigo realça exatamente essa questão. Pois bem, sobre essa problemática, existem duas correntes bem definidas. A primeira delas afirma que o ex-cônjuge não tem qualquer dever de colação, pois trata-se de instituto reservado apenas a herdeiros necessários, especificamente aos descendentes e ao cônjuge que ainda mantinha vínculo conjugal com o falecido ao tempo da morte. Em síntese, como o ex-cônjuge não é herdeiro por ter rompido o vínculo conjugal antes da abertura da sucessão mortis causa, nada lhe caberia colacionar. O fato de ele ter se divorciado antes da morte seria uma espécie de blindagem às liberalidades recebidas. Só restaria aos filhos unilaterais, no exemplo indicado no início deste texto, o lamento. Nem mesmo lhes sobraria eventual tentativa de invalidação de doação inoficiosa, uma vez que, à época da liberalidade, o falecido havia respeitado os limites da sua parte disponível, em consonância com o art. 549 do Código Civil, que veda as doações inoficiosas, com a seguinte dicção: "nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento". A segunda corrente, por sua vez, é pela obrigatoriedade de o ex-cônjuge colacionar a liberalidade recebida, mesmo não sendo herdeiro. Essa colação, porém, seria feita apenas para o ex-cônjuge devolver o eventual excesso do que foi recebido, supondo-se que ele não tivesse se divorciado e ainda fosse herdeiro. A colação não transformará o ex-cônjuge em herdeiro e, portanto, jamais poderá beneficiá-lo com mais bens. A ideia, para essa vertente, é a de que o dever de colação do ex-cônjuge não é para beneficiá-lo com a condição de herdeiro, mas sim para evitar que os descendentes sejam prejudicados pelo simples fato de, antes da morte, o falecido ter se divorciado. Objetiva-se proteger os descendentes do falecido na hipótese de o patrimônio líquido deixado por ele não ser suficiente para aquinhoá-los com uma porção, no mínimo, igual à liberalidade recebida pelo ex-cônjuge. No exemplo citado no início deste texto, como o falecido nada deixou de patrimônio, pois tudo gastou, a ex-esposa teria de colacionar o apartamento de um milhão de reais para igualação de legítimas com os dois filhos unilaterais do falecido. E, considerando-se a atual concorrência sucessória entre os descendentes e o viúvo quanto a bens particulares - nos termos do que está no art. 1.829, inc. I, do Código Civil -, cada um deles deveria ficar com um terço do citado apartamento. Logo, a ex-esposa teria de transferir dois terços do apartamento para repartição entre os dois filhos unilaterais, descendentes somente do autor da herança. Caso, porém, o falecido tivesse partido desta vida em prosperidade financeira, deixando, a título de ilustração, um patrimônio de dez milhões de reais, não haveria qualquer necessidade de a ex-esposa transferir frações ideais do apartamento aos dois filhos unilaterais do falecido. Isso porque os filhos já haverão de receber, a título de herança, cinco milhões de reais, valor muito superior à liberalidade recebida em vida pelo ex-cônjuge. Evidentemente, o ex-cônjuge nada poderá reivindicar a título de herança, pois não é herdeiro. Portanto, a colação será imposta apenas para beneficiar os descendentes do falecido, e não para prejudicá-los. Entre as duas correntes, adotamos, com unanimidade, a segunda e última, fruto de uma interpretação extensiva e sistemática dos arts. 544 e 2.002 do Código Civil e que efetiva, com justiça, equidade e correição, a aplicação do bom Direito.  Em suma, entendemos que não se aplica a regra de nulidade de doação inoficiosa prevista no art. 549 do Código Civil para as hipóteses de doações feitas a descendentes ou a cônjuge, visto que, nesses casos, prevalece a regra especial relativa ao dever de colação (art. 544 e 2.002 e seguintes do Código Civil). A título de curiosidade, o Anteprojeto de Reforma do Código Civil, elaborada pela Comissão de Juristas nomeada pelo Presidente do Senado Federal (2023/2024), sugeriu deixar esse entendimento textual no art. 549 do Código Civil mediante ressalva expressa à hipótese do art. 544 do Código Civil. Este é o texto do Anteprojeto: "Art. 549. Salvo na hipótese do art. 544, é ineficaz a doação quanto à parte que exceder à de que o doador poderia dispor em testamento, no momento da liberalidade. (...)". Para saber mais dos trabalhos da comissão e do seu relatório final, ver: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630. _____________ 1 É o art. 1.845 do Código Civil: "Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge". 2 OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Princípio da vontade soberana do testador e o censurável "testamento magistral". Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-21/direito-civil-atual-principio-vontade-soberana-testador-censuravel-testamento-magistral. Publicado em 21 de setembro de 2020 (publicado na coluna "Direito Civil Atual", mantida pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo). 3 Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. 4 Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. 5 TARTUCE, Flávio; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Viúvo ou ex-cônjuge têm o dever de colacionar as liberalidades recebidas? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/397733/viuvo-tem-o-dever-de-colacionar-as-liberalidades-recebidas. Publicado em: 29 de novembro de 2023.
1. Introdução Com a lei 13.986/20, conhecida como "nova lei do agro", foram introduzidas significativas inovações nas operações de crédito rural no Brasil. Dentre as alterações mais destacadas, destacam-se a criação de dois novos tipos de garantias: O FGS - Fundo Garantidor Solidário e o PRA - Patrimônio Rural em Afetação. Adicionalmente, a legislação estabeleceu um título de crédito específico para o setor agropecuário, a CIR - Cédula Imobiliária Rural. Estas cédulas desempenham um papel essencial no financiamento dos setores agropecuário e industrial no país. Com a nova normativa, houve alterações substanciais na emissão e no registro desses títulos, possibilitando a emissão eletrônica das cédulas de crédito rural por meio de sistemas autorizados pelo Banco Central do Brasil. Este artigo explora as consequências dessas mudanças, especialmente no que tange ao registro das cédulas de crédito no Livro 3 - Registro Auxiliar, sob a jurisdição do registro de imóveis. A competência para o registro das cédulas de crédito rural e de produto rural foi transferida para entidades autorizadas, ainda que as garantias reais associadas permaneçam sujeitas ao registro no cartório de registro de imóveis. Além disso, serão discutidas a dispensa e a obrigatoriedade do registro no Livro 3, bem como a manutenção do registro de penhor e outras garantias vinculadas. Compreender estas nuances é crucial para profissionais do Direito Imobiliário, do agronegócio, das instituições financeiras e demais interessados na emissão, no registro e na garantia das cédulas de crédito. Abordaremos também, o registro no (Livro 2 - Registro Geral) referente a garantia de hipoteca e/ou alienação dos títulos oriundos das cédulas de crédito industrial, exportação e comercial e a obrigatoriedade do registro no (Livro 3 - Registro Auxiliar) destas cédulas. Também será abordada a necessidade de registro no Livro 2 - Registro Geral para garantias como hipoteca e/ou alienação dos títulos provenientes das cédulas de crédito industrial, exportação e comercial. Estes registros são fundamentais para assegurar a efetividade das operações financeiras e a proteção dos direitos envolvidos, e a obrigatoriedade do registro no (Livro 3 - Registro Auxiliar) destas cédulas. 2. O registro da cédula de crédito rural em sistema escritural eletrônico pelo Banco Central do Brasil O art. 45 da lei 13.986/20 alterou o art. 10º e seguintes do decreto lei 167/67, determinando que a cédula de crédito rural poderá ser emitida sob a forma escritural em sistema eletrônico de escrituração, devendo tal ser apenas autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de escrituração. "Art. 10-A. A cédula de crédito rural poderá ser emitida sob a forma escritural em sistema eletrônico de escrituração. § 1º O sistema eletrônico de escrituração de que trata o caput deste artigo será mantido em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de escrituração." O FGS, referente a lei 13.986, de 7/4/20, dispõe sobre o patrimônio rural em afetação, a CIR, a escrituração de títulos de crédito e a concessão de subvenção econômica para empresas cerealistas; alterando diversas leis.                     Em virtude da inovação legislativa a escrituração de títulos de crédito, o registro das Cédulas de Produto Rural e Cédulas Crédito Rural não é mais competência do registro de imóveis, todas as cédulas oriundas de que trata a lei 8.929/94 e o decreto-lei 167, de 14/2/67, respectivamente, não dependem de registro imobiliário em livro especial mas tão somente o registro das garantias reais e elas vinculadas. Vejamos como se trata o art. 42 da lei 13.986/20 in verbis: O art. 42, §1º da lei 13.986/20 dispõe que: "Art. 12. A CPR emitida a partir de 1º de janeiro de 2021, bem como seus aditamentos, para ter validade e eficácia, deverá ser registrada ou depositada, em até 10 dias úteis da data de emissão ou aditamento, em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros ou de valores mobiliários."                                                          3. Manutenção do registro de penhor rural (Livro 3 - Registro Auxiliar). O art. 42, §1º da lei 13.986/20 dispõe que: § 1º Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, a hipoteca, o penhor rural e a alienação fiduciária sobre bem imóvel garantidores da CPR serão levados a registro no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia. A lei de registros públicos prevê as condições para o registro de penhor de máquinas e contratos de penhor rural nos Livros 2 (Registro Geral) e 3 (Registro Auxiliar). Art. 168 da lei 6.015/73 - No registro de imóveis serão feitas: I - A inscrição: d) do penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com ou sem os respectivos pertences; Art. 178 lei 6.015/73 - Registrar-se-ão no Livro 3 - Registro Auxiliar:      VI - dos contratos de penhor rural;              Dessa forma, é possível efetuar o registro em livro auxiliar do penhor rural originado pelas cédulas de Crédito de Produto Rural, Cédulas de Crédito Rural, Cédulas de Crédito Industrial, à Exportação e Comercial, Cédula de Crédito Bancário e nova Cédula Imobiliária Rural, na circunscrição onde os bens móveis estão localizados. 4. Obrigatoriedade do registro no (Livro 2 - Registro Geral) da cédula de crédito industrial, exportação e comercial E DO (Livro 3 - Registro Auxiliar - cédula) com garantia de hipoteca e/ou alienação FIDUCIÁRIA. Nesse giro, procuramos entender quais as cédulas de crédito têm a necessidade de ser registradas nos Livros 2 (Registro Geral) e Livro 3 (Registro Auxiliar) e, que não houve dispensa pela lei do agro e manteve o registro da cédula no Livro 3 (Registro Auxiliar). A saber: 4.1 Da Cédulas de Crédito Industrial As cédulas de crédito industrial, à exportação e comercial são regidas pelas seguintes leis: Crédito Industrial (decreto-lei 413/69), crédito à exportação (lei 6.313/75) e crédito comercial (lei 6.840/80). Elas devem ser registradas no cartório de registro de imóveis (Livro 3 - Registro Auxiliar) e, nos casos de garantia oriunda de hipoteca ou alienação fiduciária, no Livro 2 - Registro Geral. De acordo com o Art. 178 da LRP: "Registrar-se-ão no Livro 3 - Registro Auxiliar: II - As cédulas de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular." 4.2 Da Cédulas de Crédito Exportação No mesmo sentido, aplica-se a regra também à cédula de crédito à exportação, obediência ao decreto-lei 413, de 9/1/69, referente à cédula de crédito industrial e à nota de crédito industrial. O registro da cédula de crédito à exportação será praticado no Livro 3 - Registro Auxiliar, à cédula de crédito à exportação e a nota de crédito à exportação obedecerão às regras do decreto-lei 413, respeitada a respectiva denominação, conforme os arts. 3º, 4º e 5º da lei 6.313, de 16/12/75, que dispõe sobre títulos de crédito à exportação. Novamente, aplica-se a regra do art. 178 da LRP, in verbis: "Registrar-se-ão no Livro 3 - Registro Auxiliar: II - As cédulas de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular." 4.3 Da Cédulas de Crédito Comercial Conforme a lei 6.840, de 3/11/80, que dispõe sobre títulos de crédito comercial, em seu art. 5º: "Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as normas do decreto-lei 413, de 9/1/69, inclusive quanto aos modelos anexos àquele diploma, respeitadas, em cada caso, a respectiva denominação e as disposições desta lei." Dessa forma, estamos diante de um permissivo legal que aplica à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as regras do decreto-lei 413, que dispõe sobre as Cédulas de Crédito Industrial. Portanto, registra-se no Livro 3 - Registro Auxiliar as cédulas de crédito industrial, sem prejuízo da garantia. Logo, aplica-se a obrigatoriedade do registro no Livro 3 da Cédula de Crédito Comercial em obediência a interpretação do art. 5º da lei 6.840, combinados com o art. 178 da LRP, in verbis: "Registrar-se-ão no Livro 3 - Registro Auxiliar: II - As cédulas de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular." Portanto, as Cédulas de Crédito Industrial, à Exportação e Comercial devem ser registradas no registro de imóveis no Livro 3 - Registro Auxiliar (cédula) e, apenas se houver garantia real de imóvel, também no Livro 2 - Registro Geral (hipoteca ou alienação fiduciária). Em síntese, a legislação vigente estabelece que as Cédulas de Crédito Industrial, à Exportação e Comercial devem ser registradas no Livro 3 - Registro Auxiliar do cartório de registro de imóveis, sem prejuízo das garantias adicionais como hipoteca ou alienação fiduciária, que são registradas no Livro 2 - Registro Geral. Essa regulamentação visa assegurar a clareza e a eficácia no processo de registro dessas cédulas, garantindo a segurança jurídica necessária para as operações financeiras que envolvem tais títulos de crédito. 5. Dispensa do registro das cédulas DE CRÉDITO no Livro 3 - (Registro Auxiliar) de que trata as cédulas do decreto-lei 167/67. Primeiramente, em face da revogação do art. 178, II da LRP e da lei 8.929/94, e dos arts. 30 ao 40 do decreto lei 167/67 e do art. 167, I. 13 e do art. 178, inciso II, ambos da LRP, não é mais obrigatório o registro das cédulas de crédito rural nem das cédulas de produtor rural, tendo sido dispensado o registro no livro auxiliar, conforme dispositivos a seguir: Art. 12 da lei 8.929/94, "§2º A validade e eficácia da CPR não dependem de registro em cartório, que fica dispensado, mas as garantias reais a ela vinculadas ficam sujeitas, para valer contra terceiros, à averbação no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia, devendo ser efetuada no prazo de 3 dias úteis, contado da apresentação do título ou certidão de inteiro teor, sob pena de responsabilidade funcional do oficial encarregado de promover os atos necessários. de que trata o decreto-lei 167, de 14/2/67." O art. 178, inciso II, da lei 6.015/73, que permitia o registro das cédulas de crédito disciplinadas pelo decreto-lei 167 no Livro 3 - Registro Auxiliar, foi revogado pela lei do agro. Destaco que, a partir dessa revogação, é necessário que as garantias reais constituídas, tais como penhor, hipoteca e alienação fiduciária, sejam registradas para fins de publicidade registral. Assim, torna-se imprescindível e obrigatório o registro dessas garantias no competente registro de imóveis, no Livro 2 - Registro Geral. Art. 12, §1º lei 8.929/94, sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, a hipoteca, o penhor rural e a alienação fiduciária sobre bem imóvel garantidores da CPR serão levados a registro no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia.  Assim, as Cédulas de Crédito Rural, a Cédula de Produto Rural, a Cédula Rural Pignoratícia, a Cédula Rural Hipotecária, a Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária, a nova CIR - Cédula Imobiliária Rural criada pela lei do agro, bem como a Cédula de Crédito Bancário, não serão registradas no Livro 3 - Registro Auxiliar. Isso ocorre porque tal registro não é mais obrigatório de acordo com a lei do agro e a lei de registros públicos. Contudo, as garantias constituídas por essas cédulas continuam sujeitas ao registro, assegurando a formalização e a publicidade necessárias para a proteção dos direitos envolvidos. Os dispositivos da lei do agro mencionados foram inseridos em todas as legislações, conforme demonstrado a seguir. Este quadro mostra a obrigatoriedade e a dispensa nos seguintes livros: LIVRO 3 - REGISTRO GERAL (CÉDULA) LIVRO 2 - REGISTRO GERAL (GARANTIA) LIVRO 3 - REGISTRO ESPECIAL (CÉDULA) Penhor. 6. Tabela de dispensa e obrigatoriedade de registro no livro 2 E 3. __________ Art. 45 da Lei nº 13.986/2020 (lei do agro) alterou o artigo 10º e seguintes do Decreto Lei nº 167/67. Cédula Crédito de Crédito Rural (D. Lei nº 167/67) Cédula Produto Rural (Lei nº 8.929/94) Cédula Crédito Comercial (Lei nº 6.840/80) Cédula Crédito Industrial (D. Lei nº 413/69) Cédula Crédito à exportação (Lei nº 6.313/75) Cédula Crédito Bancário (Lei nº 10.931/04)
quarta-feira, 3 de julho de 2024

O acertado provimento 172 do CNJ

Conforme já propunha a doutrina1, o provimento 172 do CNJ, publicado em 5/6/24, resolveu que "a permissão de que trata o art. 38 da 9.514/97 para a formalização, por instrumento particular, com efeitos de escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário (art. 2º da lei 9.514/97), incluindo as cooperativas de crédito." 2 Em recente artigo publicado neste portal, defendeu-se que um dos consideranda do provimento 172 teria reproduzido leitura equivocada da decisão do CNJ no PCA 0000145-56.2018.2.00.0000. Alegou-se, quanto a isso, que seria "equívoca a interpretação do corregedor de que o acórdão do CNJ teria ratificado provimento que limita o uso de instrumento particular para alienação fiduciária somente para entidades que operam no SFI, conforme definição do art. 2º da lei 9.514/97." Não houve, no entanto, nenhum equívoco: De acordo com a ementa da decisão, em trecho imediatamente anterior a afirmações sobre a competência normativa do órgão, "[o] entendimento sufragado pelo Tribunal mineiro é razoável e encontra ressonância na legislação de regência". É o que se pode ler também do acórdão: "A hermenêutica jurídica e legislativa levada a efeito pelo TJ/MG é razoável e guarda sintonia com os entendimentos de outros tribunais, a exemplo do TJ/PA, TJ/MA, TJ/PB e TJ/BA, que também inadmitem o uso de instrumento particular para entidades não integrantes do SFI." Noutros termos, a decisão do CNJ ratificou a interpretação que limita o uso de instrumento para alienação fiduciária somente para entidades que operam no SFI. Argumenta-se, além disso, que a decisão do CNJ não teria respeitado a sistemática da lei 9.514/97. O argumento revolve o entendimento de que o art. 22, § 1º (que esclarece que a alienação fiduciária de coisa imóvel pode ser contratada por entidade que não participa do SFI) deve ser empregado na interpretação do art. 38 (que autoriza o emprego de "instrumento particular com efeitos de escritura pública"). Uma vez mais3, o argumento é inapropriado. O art. 22, § 1º, trata tão somente do âmbito subjetivo do contrato de alienação fiduciária em garantia. Essa regra nada diz sobre o efetivo objeto do art. 38. Não é possível, do ponto de vista sistemático, extrair do art. 22, § 1º, que autoriza a contratação da alienação fiduciária, qualquer prescrição de forma. Dito de outra forma: Se um texto normativo permite que as entidades A e B celebrem o contrato de alienação fiduciária, dessa permissão, por si só, do ponto de vista jurídico, não decorre nenhuma consequência para a interpretação de normas, na mesma lei, quanto à forma prescrita para tal contrato. São regras distintas. Nada disso é novo. Restringir o uso do "instrumento particular com efeitos de escritura pública" a entidades integrantes do SFI é reconhecer e reafirmar o sentido histórico da figura.4 A atribuição dos "efeitos de escritura pública", afinal, serve - insista-se - para justificar "tratamento registral diferenciado" dos contratos celebrados pelas entidades participantes do SFI.5 Não há sentido algum em estendê-la a entidades que não participem do SFI. Também se levantam, contra o provimento 172 do CNJ, argumentos teleológico-consequencialistas. Fala-se, nesse caso, de "uma clara afronta ao objetivo proposto pelo legislador" nos Marcos Legais da Securitização e das Garantias na medida em que ele aumentaria "sensivelmente os custos de transação das operações de crédito nos mercados de capitais, financeiro e de securitização." Além de ser meramente retórica, não se baseando em nenhum estudo, a afirmação não parece levar em conta, para cálculos de eficiência, variáveis como a qualidade e a confiabilidade dos serviços notariais, que, por meio do controle feito sobre contratos, evitam diferentes tipos de vícios e os custos a eles atrelados.6 É por meio da colaboração notarial que se assegura a formação de consenso juridicamente relevante.7 Nos termos do art. 1º da lei 8.935/94, a lei dos serviços notariais e de registros, a notarização serve a "garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos." Muito longe de gerar "insegurança jurídica", como a retórica vazia tenta fazer crer, a notarização contribui, ao invés, para a elevação de segurança jurídica. Além disso, abrir mão de atributos típicos e historicamente consolidados do notariado latino - como a autenticidade, a segurança e a fé pública - simplesmente em benefício de uma suposta redução de custos de transação pode trazer sérias consequências indesejadas8: A experiência comparada mostra que "exigências de forma aplicáveis a equivalentes funcionais" dos "refinanciamentos hipotecários ofertados a devedores pré-insolventes" nos Estados Unidos "teriam obstado sua disseminação - e, com ela, a eclosão de bolhas imobiliárias - na Europa e na América Latina."9 A atuação de notários enquanto terceiros imparciais altamente qualificados, capazes de promover, na redação da escritura, o interesse de ambas as partes, não pode ser negligenciada. __________ 1 Referências em Alexandre Gonçalves Kassama. Alienação fiduciária e forma pública. Densidade dogmática e adequação funcional. Portal Migalhas, São Paulo, 30 ago. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 29 set. 2023. Também em Osny da Silva Filho, A qualificação do consensualismo: escritura pública e colaboração notarial, Revista do Advogado, São Paulo, n. 160, p. 7-13, dez. 2023, p. 9. 2 O Provimento acrescenta o Capítulo VII ("Da alienação fiduciária em garantia sobre imóveis") ao Título Único do Livro III da Parte Especial do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). 3 Osny da Silva Filho, A qualificação do consensualismo: escritura pública e colaboração notarial, Revista do Advogado, São Paulo, n. 160, p. 7-13, dez. 2023, p. 10-11. 4 Reinhard Zimmermann, Roman Law, Contemporary Law, European Law - The Civilian Tradition Today, Oxford: Oxford University, 2001, p. 115: "a better picture usually emerges on the basis of an investigation into the historical development of the modern rules".   5 Osny da Silva Filho, A qualificação do consensualismo: escritura pública e colaboração notarial, Revista do Advogado, São Paulo, n. 160, p. 7-13, dez. 2023, p. 9, nt. 4. 6 Nesse sentido, Claus Ott, Das Notariat im Spannungsfeld von uberliefertem Rechtsstatus und wirtschaftlicher Entwicklung. Eine rechtsökonomische Untersuchung, German Working Papers in Law and Economics - Paper 7, 2001, p. 14. Disponível aqui. Observando que, nas comparações feitas entre diferentes sistemas notariais, não se costuma analisar a qualidade e a confiabilidade dos serviços notariais, que é típica do notariado latino, tampouco os custos do controle de qualidade e os custos derivados dos vícios de qualidade. 7 Osny da Silva Filho, A qualificação do consensualismo: escritura pública e colaboração notarial, Revista do Advogado, São Paulo, n. 160, p. 7-13, dez. 2023, p. 11. 8 Na tradição luso-brasileira, as escrituras são uma herança, inclusive terminológica, da experiência jurídica visigótica, como lembra João Mendes Almeida Junior, Orgams da fé publica. Tabelliães ou  notários. Escrivães e officiaes do juizo. Registradores. Archivistas, Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo, v. 5, p. 7-114, 1897, p. 63. Nesse sentido, a Lex Visigothorum, legislação germânica aprovada em 654 d.C. e aplicável em todo o território da Península Ibérica até o século XIII, exigia, para "todo negocio jurídico de alguna importancia", como a compra e venda (LV 5, 4, 3), a scriptura. Cf., a esse respeito, Olga Marlasca Martínez, Algunos requisitos para la validez de los documentos en la lex Visigothorum, RIDA, Bruxelles, v. 45, p. 563-584, 1998, p. 583. 9 Osny da Silva Filho, A qualificação do consensualismo: escritura pública e colaboração notarial, Revista do Advogado, São Paulo, n. 160, p. 7-13, dez. 2023, p. 12.
Este artigo volta-se a discutir se é ou não viável (ou até recomendável) flexibilizar a obrigatoriedade de escritura pública prevista no art. 108 do Código Civil, que estabelece o seguinte: Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país. Sobre o tema, recentemente, saiu mais um didático provimento da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ (CN-CNJ), sob a gestão proativa e incansável do ministro Luis Felipe Salomão, que liderou inúmeras iniciativas de alto impacto na organização das atividades notariais e registrais, como a elaboração de um Código Nacional de Normas - CNN-CNJ. Trata-se do provimento 172, que introduziu o seguinte art. 440-AO ao CNN-CNJ: Art. 440-AN. A permissão de que trata o art. 38 da 9.514/97 para a formalização, por instrumento particular, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos conexos é restrita a entidades que autorizadas a operar no âmbito do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário (art. 2º da lei 9.514/97), com inclusão das cooperativas de crédito. Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui outras exceções legais à exigência de escritura pública prevista no art. 108 do Código Civil, como os atos envolvendo: I. Administradoras de Consórcio de Imóveis (art. 45 da lei 11.795, de 8/10/08); II. Entidades integrantes do Sistema Financeira de Habitação (art. 61, § 5º, da lei 4.380, de 21/8/64. Esse dispositivo consolida a interpretação sistemática e teleológica dada pelo Plenário do CNJ1 ao art. 38 da lei 9.514/97. Reconhece que, à luz desse preceito, somente as entidades integrantes do SFI estão autorizadas a formalizar, por instrumento particular, a alienação fiduciária em garantia de imóveis e os eventuais negócios jurídicos conexos. Trata-se de uma das exceções legais à obrigatoriedade, prevista no art. 108 do Código Civil2, de escritura pública para negócios translativos ou de oneração de direitos reais sobre imóveis de valor superior à 30 salários mínimos. Com preocupações didáticas - próprias de atos infralegais -, o supracitado dispositivo do CNN-CNJ foi além para apontar outros dois exemplos de exceções à obrigatoriedade do art. 108 do Código Civil: A de negócios translativos ou de onerações de imóveis promovidos por administradores de Consórcio de Imóveis e por entidades do SFH - Sistema Financeiro de Habitação (art. 45 da lei 11.795/08; art. 61, § 5º, da lei 4.380/64). Diante desse cenário, indaga-se: Dever-se-ia ou não alargar as exceções legais ao art. 108 do Código Civil, permitindo que particulares ou empresas possam formalizar negócios imobiliários por instrumento particular? A resposta, a nosso sentir, é negativa. Consideramos que essa ampliação seria extremamente danosa à segurança jurídica do nosso ordenamento e frustraria diversas finalidades de interesse público que pairam sobre o tráfego imobiliário. Isso, porque há interesse público na exigência de escritura pública para negócios translativos ou de oneração de imóveis valiosos. Sobre o tema, tivemos a oportunidade de escrever em nosso manual de Direito Civil em coautoria com João Costa-Neto, in verbis: Segundo o art. 108 do CC, devem ser formalizados por escritura pública (documento no qual o tabelião de notas redige o negócio jurídico) negócios jurídicos envolvendo direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 salários-mínimos, considerado o maior salário-mínimo do país. Duas finalidades principais inspiram a norma: (1) monitoramento estatal em relação aos tributos, como o ITBI e o imposto de renda decorrente da valorização do imóvel, conhecido como IR sobre o ganho de capital; e (2) dificultar "grilagens", pois é mais dificil falsificar um contrato de compra e venda de imóvel se este tiver de ser lavrado por um tabelião. Outro exemplo de finalidade que inspira a regra do art. 108 do CC é viabilizar a utilização dos serviços notariais na prevenção de crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento de terrorismo e de proliferação de armas de destruição em massa, conforme arts. 137 e seguintes do CNN-CNJ. É que os tabeliães têm dever de reportar eventual indício desses crimes a partir de fatos insólitos nos negócios que vier a formalizar. Na experiência brasileira, as exceções à obrigatoriedade de escritura pública têm ocorrido em favor de instituições financeiras e de administradoras de consórcios de imóveis3, que são submetidas a um regime rigoroso de fiscalização pelo Banco Central. Entendeu o legislador que, por conta desse ambiente regulatório e fiscalizatório capitaneado por uma autarquia (o Banco Central), seria viável flexibilizar a obrigatoriedade de escrituras públicas para a formalização de negócios imobiliários "financiados" por essas entidades. Não é, porém, adequado ultrapassar essa linha vermelha, abrindo espaço para que qualquer empresa ou particular possam lavrar instrumentos particulares com força de escritura pública em negócios imobiliários. Transpassar o Rubicão aí seria abalar a segurança jurídica do sistema imobiliário brasileiro. Todas as finalidades de interesse público supracitadas se frustrariam. Além disso, é segredo de Polichinelo que não necessariamente haveria barateamento para o consumidor, pois é consabido que os agentes privados costumam cobrar "taxas de escrituração" do consumidor ou majorar ocultamente o preço cobrado do consumidor, repassando a este os custos com profissionais contratados para a elaboração dos instrumentos. A visão ora exposta encontra eco na comunidade jurídica majoritária do Direito Civil, do que dá prova o recente anteprojeto de reforma do Código Civil. Esse anteprojeto foi elaborado pela comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, nomeada pelo presidente do Senado4, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão e sob a vice-presidência do ministro Marco Aurélio Bellizze. A comissão, integrada por 38 juristas (com inclusão de professores, ministros do STJ e outros juristas), sugeriu a ampliação da obrigatoriedade da escritura pública para negócios imobiliários, exigindo-a mesmo para imóveis abaixo de 30 salários mínimos (com um desconto de emolumentos para esses casos). Veja o texto do novo texto sugerido para o art. 108 do CC: Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis. § 1º Os emolumentos de escrituras públicas de negócios que tenham por objeto imóvel com valor venal inferior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no país, terão os seus custos reduzidos em cinquenta por cento. § 2º Em caso de dúvida e para as finalidades deste artigo, o valor do imóvel é aquele fixado pelo Poder Público, para os fins fiscais ou tributários. Como se vê, em nome da preservação da segurança jurídica no tráfego imobiliário e na preservação dos diversos interesses públicos que rondam os negócios imobiliários, é inadequado entregar a atores privados o poder de elaborar instrumentos particulares com força de escritura pública, notadamente quando esses agentes não estiverem sujeitos a um rigoroso regime estatal de fiscalização. Do ponto de vista operacional, temos testemunhado uma maximização constante na agilidade na confecção de escrituras públicas pelos cartórios de notas, especialmente depois da permissão dada para a elaboração de escrituras públicas eletrônicas com o provimento 100 do CNJ (o qual foi incorporado ao Código Nacional de Normas do CNJ - provimento 149). Sempre é possível pensar em novas soluções, como, por exemplo, a de o cartório de notas manter escrituras públicas pré-prontas de vendas de uma determinada incorporadora para rápida assinatura (de modo eletrônico) com a concretização de venda. Em suma, a formalização de negócios translativos ou de oneração de imóveis por meio de agentes sujeitos a um regime rigoroso de fiscalização pelo Estado é uma conditio sine qua non da preservação das diversas finalidades de interesse público que cerca o tráfego imobiliário. Não convém, pois, flexibilizar o art. 108 do Código Civil. Ao contrário, parece-nos mais adequada a alternativa de ampliação da obrigatoriedade de escritura pública na forma do apontado no anteprojeto de reforma do Código Civil. _________ 1 CNJ, Procedimento de Controle Administrativo 0000145-56.2018.2.00.0000, Rel. Conselheiro Mário Goulart Maia, julgado em 8 de agosto de 2023. 2 Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. 3 Art. 6º da lei 11.795/2008. 4 Sobre os trabalhos da Comissão e o relatório final com o anteprojeto. Disponível aqui.
A previsão legal autorizadora do processamento do inventário consensual pela via administrativa se encontrou inauguralmente expressa na lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007 que alterou a redação do art. 982 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil revogado)1. A disposição legal em destaque permitia o inventário e a partilha por escritura pública se todos os interessados fossem capazes e concordes, não houvesse testamento e todas as partes estivessem assistidas por advogado. Hodiernamente, a autorização legislativa para realização do inventário em tabelionato de notas, a qual possui os mesmos requisitos outrora previstos2, se encontra expressa no art. 610 do Código de Processo Civil3. De sua vez, a regulamentação normativa que disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário e partilha por via administrativa se encontra prevista na Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 35, de 24 de abril de 20074. Dentre as previsões contidas na referida norma, destaca-se a que diz respeito às sucessões causa mortis nas quais conviventes sejas sucessores, in verbis:   Art. 18. O(A) companheiro(a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável. Embora a matriz legal contida no Código de Processo Civil não tenha realizado diferenciação entre cônjuges e conviventes supérstites na escolha do procedimento extrajudicial para o ato, de acordo com a disposição acima em destaque, somente pode ser processado o inventário administrativo nos quais conviventes sejam sucessores se houver concorrência sucessória e os demais herdeiros reconhecerem a união estável. Outrossim, de acordo com a disposição normativa contida no art. 18 da Resolução CNJ nº 35, de 2007 será necessária ação judicial se o convivente for o único sucessor. Considerando que, diferentemente do casamento, a união estável pode ser constituída sem solenidade, a Resolução exige, com espeque em sua redação original, a corroboração fática por parte dos demais herdeiros ou a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor. Trata-se de discriminação pautada na matriz configuradora do casamento e da união estável, uma vez que a segunda, prima facie, é desprovida de solenidade para a sua constituição. Nada obstante, a evolução social e, por conseguinte, técnico-jurídico da união estável impôs a remodelação da forma ínsita à sua configuração, conferindo a necessidade de releitura das normas de processamento dos inventários nos quais conviventes sejam os únicos sucessores. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Art. 982.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo único.  O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial." (NR) 2 De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível o processamento do inventário no âmbito extrajudicial ainda que exista testamento se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou tenha a expressa autorização do juízo competente (REsp nº 1808767 / RJ). 3 "Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial." 4 As Resoluções do Conselho Nacional de Justiças são dotadas de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã (v. STF - ADC 12 MC / DF).
1. Introdução e delimitação do tema Apesar da profunda alteração jurídica operada nos serviços a cargo dos tabeliães e registradores pela Constituição de 1988, as leis atuais que disciplinam as delegações e os registros públicos continuam a ser influenciadas pelas normas anteriormente vigentes, a exemplo do que ocorre com a dúvida registral, objeto deste trabalho. A dúvida registral, como aqui defendida, é um procedimento administrativo adotado com supedâneo nas leis e normas administrativas brasileiras e se destina a resolver dissenso entre o registrador e o usuário interessado na prática de algum ato registral, sendo admitida em alguns estados da federação não apenas a dúvida propriamente dita, mas também a dúvida inversa. Nesse sentido, admitir que o ordenamento jurídico em vigor tenha recepcionado, em sua inteireza, a lei dos registros públicos, parece violar a engenharia  constitucional que passou a reger a temática a partir da Constituição de 1988, merecendo ser questionada ou, no mínimo debatida, a posição majoritária presente na doutrina e jurisprudência no sentido de que a dúvida registral deve ser decidida por um juiz, pois essa conformação implicaria na existência da revisão administrativa de atos dos delegatários por uma autoridade judiciária investida, também, de autoridade administrativa, o que seria inconstitucional em face do art. 236 da Constituição Federal, a qual ao transformar o regime jurídico dos titulares das serventias extrajudiciais não permite que o estado realize atos notariais e de registro por conta própria, exceção prevista somente na lei ordinária para os casos do exercício interino. Assim, o panorama parece sinalizar que a dúvida registral não se encontra bem resolvida quanto a sua juridicidade, especialmente no que tange à dúvida inversa. A lei 6.015/73, mesmo com os ajustes recentes, não fornece a necessária pacificação do tema, talvez porque deixa de enfrentar as questões fundamentais que aqui se discutirão brevemente. Com efeito, na seção 1, denominada conceitos básicos em relação à dúvida registral, apresentar-se-á diferentes conceitualizações do termo, para, na seção 2, intitulada dúvida registral e dúvida inversa: Implicações, dedicar-se à análise da natureza jurídica e as implicações da dúvida registral propriamente dita e da dúvida inversa, com especial atenção às escolas jurisprudenciais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Pará e Pernambuco, a título de exemplos. Por fim, na seção 3, denominada considerações finais, serão explicitados o posicionamento trazido neste trabalho em relação às duas espécies de dúvida direta/inversa, justificando-o não como mero preciosismo intelectual, mas sim como elemento fundamental para aqueles que defendem que o sistema registral brasileiro seja o reflexo do poder constituinte originário. Quanto à metodologia, empregou-se o método dedutivo, em que se partiu da revisão bibliográfica e pesquisa jurisprudencial da área em questão para a formulação da proposta apresentada. 2. Conceitos de dúvida registral A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu o direito de propriedade e lhe atribuiu uma função social no art. 5º, incisos XXII e XXIII. Além disso, municiou a sociedade do instrumento por intermédio do qual esse direito poderia ser onerado, transferido e publicizado, a fim de que seja oponível perante todos. Com efeito, o Constituinte estabeleceu um arcabouço de regras (art. 236/CRFB) que, regulamentado pela lei 8.935/94, transformou a natureza jurídica dos popularmente conhecidos cartórios extrajudiciais que passaram a ser denominados serviços notariais e de registro, muito embora a nova nomenclatura não tenha caído no gosto popular. Até então, esses serviços eram prestados por servidores públicos lato sensu, nomeados pelos entes subnacionais (Estados e Distrito Federal), como tabeliães e registradores, os quais, na grande maioria, remunerados exclusiva e diretamente pelos usuários dos serviços por meio de emolumentos e não eram delegatários do Poder Público. Assim sendo, a jurisprudência majoritária, inclusive, do STF, assentou o entendimento de que a remuneração paga diretamente pelos usuários não descaracterizaria a condição de servidor público, haja vista que os emolumentos recebidos por esses agentes públicos têm a natureza jurídica de tributo. Noutro giro, com a Constituição de 1988 os serviços notariais e de registro passaram a ser exercidos por delegação.  No que se refere à dúvida, esse fato ainda não despertou a merecida atenção, pois o entendimento que predomina não leva em consideração essa mudança, conforme se poderá verificar das definições abaixo, trazidas por grandes juristas da área. Confira-se: Walter Ceneviva1 define a dúvida como "o procedimento administrativo pelo qual o serventuário submete à decisão judicial, a pedido do interessado, a exigência apresentada por aquele e não satisfeita por este". Victor Kümpel2 leciona que: A dúvida consiste no procedimento administrativo pelo qual o oficial de registro, a pedido do interessado, submete a exigência apresentada, mas não satisfeita, à decisão judicial. Trata-se de procedimento de revisão hierárquica do juízo administrativo de objeção a uma pretensão de registro.  Lamana Paiva3 afirma que: O procedimento de dúvida é o mecanismo que serve para verificar a correção - ou não - das exigências formuladas pelo registrador, ou para que ele seja autorizado a proceder a um ato registral, quando a parte não apresente condição de atendê-las. Por sua vez, Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento4 menciona que "surge a dúvida da objeção fundamentada do delegatário à prática de ato que lhe é solicitada por interessados, na esfera de sua serventia". Sobre o conceito, note-se que a mencionada "revisão hierárquica" diz respeito à superposição dos órgãos de decisão (serventia/juízo), valendo mencionar que tecnicamente é incorreto se falar em hierarquia entre os agentes públicos (juiz/registrador), uma vez que o serviço notarial e de registro é vinculado ao Judiciário, na forma do art. 236, caput e §1º da Constituição Federal e dos arts. 37 e 38 da lei 8.935/94. Nesse sentido, à exceção de Sarmento que se utiliza do termo técnico delegatário, Ceneviva e Kümpel ao se valerem das expressões "serventuário" e "poder hierárquico", respeitosamente, são exemplos claros de que a doutrina majoritária da dúvida já toma por correta a qualificação registral por parte de um juiz no plano administrativo, quando o certo seria que essa "qualificação" fosse realizada por um colegiado de registradores, que por decisão do Constituinte, somente eles poderiam realizar uma qualificação registral imobiliária válida. Confira aqui e confira a íntegra da coluna. ___________ 1 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada, 9 ed. Ver. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2014. p. 251. 2 KÜMPEL, Vitor Frederico et. al. Tratado Notarial e Registral. vol. 5. 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2020. Pg. p. 587-588. 3 PAIVA, João Pedro Lamana. O procedimento de dúvida e a evolução dos sistemas registral e notarial no século XXI - 4. Ed. - São Paulo: Saraiva, 2014. p. 75. 4 SARMENTO, Eduardo Sócrates Castanheira. A dúvida registral: doutrina, prática, legislação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 63.
No dia 19 de junho de 1974 nascia no coração de São Paulo, em memorável cerimônia, o IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Decorria apenas um ano desde a sanção da Lei 6.015/1973 e os registradores de todo o país, até do exterior, acorriam à Capital de São Paulo para lançar a pedra fundamental do Instituto. Neste dia tão importante para os oficiais do Registro Imobiliário brasileiro, destaco uma nota marginal e, quiçá, tão importante quanto todas as iniciativas empreendidas pelo Instituto ao longo do seu quinquagésimo aniversário. Trata-se dos vínculos do instituto com a Academia. Voltando no tempo... A criação do IRIB concretizaria um sonho acalentado por alguns registradores desde a década de 50. Nosso primeiro presidente, Júlio de Oliveira Chagas Neto (15 RISP), foi um grande entusiasta da ideia. Lembrando-se dos velhos companheiros - Armando da Costa Magalhães (3 RISP), José Ataliba Leonel (10 RISP) e Francisco Gonçalves Pereira (5 RISP) - que tombaram antes da concretização daquele sonho, Júlio Chagas inscreveria nos atos fundacionais do Instituto que testemunhava à materialização do sonho que vinha acalentando há mais de vinte anos, "de poder, um dia, congregar nossos colegas de todos os Estados da Federação numa entidade representativa da classe". Os registradores imobiliários chegaram a efetuar várias reuniões preparatórias. Diz ele: "Infelizmente, tendo aqueles saudosos e inolvidáveis colegas sido arrebatados pela fatalidade da morte ao nosso convívio fraternal e amigo, a iniciativa aludida se manteve em suspenso durante longo período de tempo, até soar, agora, a hora exata e festiva de seu vitorioso coroamento, para gáudio de todos quantos, compreendendo que ela corresponde, também, a um patriótico esforço de integração nacional, lhe emprestaram seu decidido apoio, consoante é comprovado pelo número de colegas procedentes da maioria de nossos Estados, que aqui vieram, pessoalmente, prestigiar este primeiro encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, e aos quais agradeço, de todo o coração, o seu comparecimento, que tanto brilho deu às reuniões de que participaram"1. O movimento de especialização que se verificava no interior da grande árvore dos Serventuários bandeirantes - Associação de Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo (ASJESP) - dava seus brotos. O impulso primordial de especialização, que se consolidará mais tarde com a lei 8.935/1994, pode ser vista em gestação no interior da associação. O primeiro a arrojar-se à luz foi o Colégio Notarial do Brasil, por seu mais destacado representante e defensor institucional, Antonio Augusto Firmo da Silva, 4º Tabelião de Notas da Capital de São Paulo. Terá sido Firmo da Silva que animou o surgimento do CNB em 1950, quando lançou a ideia de um projeto de estatuto social do "almejado e necessário Colégio Notarial Brasileiro, que virá nos colocar em pé de igualdade com os demais países de notariado do tipo latino"2. Firmo dirá que a ASJESP "abrange em seu seio todas as naturezas de Ofícios de Justiça, sendo certo que cada um tem a sua peculiaridade e a sua especialidade de funções, estendendo-se uns mais e outros menos, no campo da ciência jurídica". E assim nasceria o CNB de São Paulo a 2 de janeiro de 19513. Em 1974, Firmo da Silva, já no exercício da presidência do CNB, compareceria à fundação do IRIB4. Emparelhavam-se os impulsos de especialização da representação de notários e registradores. Em 1974 seria a vez do IRIB. Os sonhos dos registradores ganhariam forte estímulo com a fundação do CINDER - Centro Internacional de Direito Registral, ocorrida no ano de 1972 na cidade de Buenos Aires, Argentina - fato, aliás, destacado por outro prócer da atividade, o registrador pernambucano Tabosa de Almeida, presente na cerimônia inaugural onde atuou como relator do Anteprojeto dos Estatutos do IRIB, afinal aprovado na sessão de fundação. O início da década de 70 foi muito importante para os registradores. Os fundadores do IRIB participaram do encontro do CINDER de 1972 e dos certames sucessivos daquela agremiação multilateral. O fato é que no ano de 1974 despontaria a bela flor de uma robusta árvore representada pelos serventuários que se achavam à frente das serventias judiciais e extrajudiciais desde suas origens. No artigo publicado por ocasião do cinquentenário da Lei 6.015/1973, apontei, fiado em boas fontes, que o Estado de São Paulo, pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado, desempenharia um papel relevante na sustação da entrada em vigor do Decreto-Lei 1.000/1969, além de ter participado da redação do diploma legal que viria, mais tarde, reformar a Lei 6.015/1973 ainda na vacatio (Lei 6.216, de 30/6/1975). Segundo Glaci Maria Costi, as mudanças decorreram de estudos, colaboração, sugestões trazidas principalmente de São Paulo.5 O Presidente do Tribunal de Justiça do estado, José Carlos Ferreira de Oliveira, nos daria um testemunho autêntico do longo processo de seu amadurecimento. Percebidas as falhas e imperfeições do Decreto-Lei 1.000/1969, a ASJESP seria, segundo ele, "uma das entidades que mais alertou a opinião pública a respeito do errôneo projeto governamental, levando o fato ao conhecimento da nossa Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, como também do Exmo. Sr. Ministro da Justiça, a quem solicitou adiamento do prazo de sua vigência, a fim de que a lei fosse revista e expurgada dos vícios que encerrava. Pouco depois de obtida a prorrogação da entrada em vigor de tal lei, elaborou modificações do seu texto e submeteu-as ao exame da Egrégia Corregedoria Geral. Remeteu o trabalho, a seguir, à apreciação do Ministério da Justiça"6. Entretanto, o papel dos nossos antecessores não se limitaria às críticas e contribuições endereçadas às autoridades encarregadas da reforma legal. Embalados pelo entusiasmo e pela percepção da importância capital que a mudança da LRP representaria, nas vésperas de sua entrada em vigor, por iniciativa da mesma ASJESP, por seu presidente Carlos Alberto Bueno Netto, e pelo recém-criado IRIB, por seu presidente em exercício Jether Sottano, foi proposta e consumada a ideia de um curso a ser ministrado nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O pleito foi dirigido à Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e apresentava as seguintes propostas: a) Que fosse baixado, pela E. Corregedoria Geral da Justiça, com a máxima urgência, Provimento disciplinando a nova escrituração registral; b) a convocação, em caráter obrigatório, dos Oficiais de Registro de Imóveis para, na Capital do Estado, na Faculdade de Direito da USP, durante o mês de novembro de 1975, receber orientação e esclarecimentos sobre sua sistemática; c) que a convocação fosse feita por regiões, conforme escala; d) a designação de Magistrados para, em conjunto com Membros designados pelas signatárias, pudessem ministrar curso aos Serventuários, durante um dia para cada grupo; e) que o afastamento das pessoas designadas na forma do item anterior fosse considerado de efetivo exercício, comprovado, perante os respectivos Juízes, por atestado a ser fornecido, oportunamente, pela E. Corregedoria Geral da Justiça; f) a publicação da respectiva convocação, repetidas vezes, no Diário Oficial da Justiça, para conhecimento dos MM. Juízes; g) a possibilidade de os srs. Escrivães de Notas do Estado e de, ao menos um escrevente de cada Cartório de Registro de Imóveis da Capital, participarem do curso7. José de Mello Junqueira, assessor do então corregedor geral - Des. Márcio Martins Ferreira - opinaria pelo acolhimento da proposta nos seguintes termos: "opino pelo acolhimento das medidas formuladas, com exceção do item 'a', que ensejaria estudos alongados" (2/11/1975). Os atos normativos não tardaria, como se verá abaixo. O parecer seria aprovado pelo Sr. Corregedor Geral que designaria o Dr. Gilberto Valente da Silva para ministrar o curso (despacho de 7/11/1975). Não nos devemos esquecer de que o mesmo Corregedor Geral - Márcio Martins Ferreira - esteve presente aos atos de fundação do IRIB, tendo colaborado com as críticas e propostas de reforma da lei e expressava, com rara sensibilidade, a percepção dos impactos das novas tecnologias na atividade registral: A Cibernética, disse ele, "filha da simbiose de necessidades científicas e militares, é apenas um belo nome, de estirpe grega, para a segunda revolução industrial. Dela podemos dizer que será a alavanca de alterações e de adaptações sociais e irá reformular o próprio Direito." Reformular o próprio Direito... O discurso soava como um vaticínio huxleyano. Os desafios desta quadra da história nos obrigam a enfrentar a aceleração dos processos cibernéticos com a chegada da inteligência artificial. Vale a pena reproduzir parte de suas inquietações: "A verdade é que a Cibernética está modificando o comportamento dos indivíduos, em função das recém-introduzidas relações de estrutura de poder, do processo produtivo, do mecanismo do trabalho e até dos controles de natureza burocrática e política, que afetam diretamente o destino de cada ser humano. Já se alarma mesmo que o emprego da eletrônica e da Cibernética ameaça, desde já, no seu nascedouro, os próprios direitos individuais, historicamente protegidos, e que dizem respeito à liberdade e à inviolabilidade do cidadão. É uma consideração, sem dúvida, que desperta temor, mas que, por certo, adianta muito a corrida dos efeitos de tal intervenção nos domínios do Direito".8  Seja como for, o pleito foi endereçado à diretoria da tradicional escola de Direito que, por seu diretor, Prof. Ruy Barbosa Nogueira, acolheu a iniciativa e reservou a Sala Pires da Mota para recepcionar os oficiais de registro de imóveis de todo o Estado de São Paulo. Portaria CG 72/1975 As associações de classe repercutiam a Circular do Ministro da Justiça, Armando Falcão, dirigida ao Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, "sugerindo a adoção de medidas necessárias para a adaptação à sistemática estabelecida na nova Lei de Registros Públicos, considerando, por outro lado, as recomendações aprovadas no II Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis", realizado em Salvador, Bahia, atendendo às insistentes solicitações de seus associados, Serventuários de Justiça do nosso Estado. Seria, então, baixada a Portaria CG 72/1975, vazada nos seguintes termos: O DESEMBARGADOR MARCIO MARTINS FERREIRA,  CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, usando de suas atribuições legais, CONSIDERANDO a solicitação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e da Associação dos Serventuários da Justiça do Estado; CONSIDERANDO a necessidade de orientar, de maneira uniforme, os Srs. Oficiais dos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado, para as novas formas de escrituração de livros e prática de atos, estabelecidas na Lei 6.015/73, de forma a capacitá-los para melhor e mais prontamente atender as partes; CONSIDERANDO a impossibilidade de essa orientação ser transmitida a todos em suas Comarcas através de Provimento que por ora não preencheria totalmente essa finalidade, I. Determinar a realização em São Paulo, Capital, de um Seminário, nos dias 17, 19, 20, 24, 26 e 27 de novembro p.f., a partir de 8:00 horas, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Largo de São Francisco, sala Pires da Mota, 1º andar ficando para ele convocados todos os Srs. Oficiais de Registro de Imóveis do Estado, conforme escala anexa, de comparecimento, que deverá ser rigorosamente obedecida; II. Designar o Dr. Gilberto Valente da Silva, Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos para presidi-lo, cabendo-lhe convocar os Serventuários e Escreventes de que necessitar para os trabalhos; III. Facultar o comparecimento dos Srs. Escrivães de Notas da Capital e dos Escreventes dos Cartórios de Registro de Imóveis da Capital às sessões. Publique-se, Registre-se e Cumpra-se. São Paulo, 7 de novembro de 1975. MÁRCIO MARTINS FERREIRA CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA."9 Ato contínuo, seria baixada a Portaria CG 73/1975, de 13 de novembro, convocando os registradores imobiliários e de títulos e documentos, nomeados no próprio ato, que deveriam ficar à disposição do Dr. Gilberto Valente da Silva, Juiz de Direito titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital. Foram eles: Jether Sottano (6 RISP), Fernando de Barros Silveira (13 RISP), Oswaldo de Oliveira Penna (16 RISP), Hélio Ferrari (3 RISP), Adroaldo José de Menezes (2RI-SBC), Elvino Silva Filho (1RI-Campinas), Maria Eloiza Rebouças (1RISP), Carlos Alberto Bueno Netto (3RTD), além dos funcionários do próprio tribunal. Dá-nos notícia do curso a registradora paulistana Maria Helena Leonel Gandolfo, filha de José Ataliba Leonel, nas páginas da Revista de Direito Imobiliário: "Nessa mesma ocasião, também por iniciativa do Dr. Gilberto, secundado por alguns serventuários da Capital e com o apoio dos Des. Márcio Martins Ferreira, Corregedor Geral da Justiça, e José Carlos Ferreira de Oliveira, Presidente do Tribunal de Justiça, foi realizado um Seminário na Faculdade de Direito da USP, com a finalidade de transmitir aos serventuários do Interior do Estado o resultado das reuniões efetuadas na Capital. É preciso também ressaltar o importante papel exercido pelo IRIB, com a promoção dos Encontros nacionais, possibilitando aos Oficiais de Registro de Imóveis de todo o País o intercâmbio de ideias e informações"10. No transcurso dos trabalhos, os Drs. Gilberto Valente da Silva e Egas Dirson Galbiatti, juízes da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo, antecipando-se à entrada em vigor da LRP, nos derradeiros dias de 1975, baixaram os Provimentos 2/197511, 5/197512 e, já na vigência da Lei, baixariam ainda os Provimento 1/197613 e 2/197614, atos normativos que foram afinal consolidados no Provimento 3/197615. Gilberto Valente visava a uniformidade na aplicação do mencionado diploma legal. A mesma Maria Helena nos dá o testemunho do valoroso trabalho desenvolvido por registradores e pelas Varas de Registros Públicos da Capital: "Na Capital do Estado de São Paulo, o então Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos, Dr. Gilberto Valente da Silva, nos meses que antecederam a entrada em vigor da Lei 6.015/73, promoveu reuniões semanais com os serventuários, nas quais procurávamos elucidar as inúmeras dúvidas que nos assaltavam, dada a total modificação que a nova lei impunha ao sistema de trabalho"16. Segundo ela, foram formadas comissões de serventuários e escreventes, que, supervisionados pelos Juízes das Varas de Registros Públicos, colaboraram na elaboração dos provimentos sucessivos que foram baixados na pequeno interregno entre o final de 1975 e início de 1976. Além dos registradores imobiliários e de seus escreventes, foram aproveitadas e valorizadas "as ponderações feitas pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo, e a colaboração dos senhores Oficiais de Registro de Imóveis da Capital, assim como os estudos feitos pelos senhores escrivães dos Cartórios de Registro Civil", como se acha cravado nas consideranda do Provimento 5/1975, já citado. Sementes que deram belos frutos Arrancando dos estudos primigênios dos serventuários e das Varas de Registros Públicos, a doutrina registral imobiliária vicejou, curiosamente, na sucessão de decisões administrativas da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo e do Conselho Superior da Magistratura - a ponto de um grande jurista brasileiro ter qualificado este impulso formativo de "Escola Paulista de Direito", para logo emendar: "Que, na verdade, de paulista só tinha o fato de que na Terra bandeirante buscava recrutar-se o que havia de melhor na doutrina brasileira dos registros".17 O fato é que o protagonismo do IRIB contribuiu com a consolidação da doutrina registral brasileira, congregando registradores de todos os estados e renovando-se a cada ciclo de transformações tecnológicas.  São Paulo doou ao Brasil a mais consistente orientação jurisprudencial que se manteve firme. __________ 1 Boletim da Associação de Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo n. 98, abr./dez. 1974, p. 25. 2 SILVA. Antônio Augusto Firmo da. Uniformidade dos Poderes de Procuração in Boletim da ASJESP n. 20, 1/10/1950. 3 O Colégio Notarial de São Paulo nasceria como departamento da ASJESP, tendo como primeiros diretor e subdiretores o Dr. Francisco Teixeira da Silva Júnior, Dr. Antônio A. Firmo da Silva, Dr. Octavio Uchôa da Veiga e como secretários o Dr. Menotti Del Picchia e Antonio Tupinambá Vampré. Colégio Notarial de São Paulo, in Boletim da ASJESP n. 24, 1/2/1951. A partir daí o CNB se autonomizaria progressivamente, tendo em 1951 sido realizada a I Jornada Notarial Brasileira. Boletim da ASJESP n. 27, 1/5/1951. 4 Dirá ele na fundação do IRIB: "Entidade co-irmã dos notários do Brasil, pois, tabeliões e Oficiais do Registro desempenham, lado a lado, funções das mais relevantes na vida jurídica do país". Idem. 5 JACOMINO, Sérgio. Lei 6.015/1973 - passado, presente e futuro. São Paulo: Observatório do Registro, 3.8.2023, disponível aqui. 6 Idem, ibidem, p. 7 Requerimento dirigido à CGJSP a 22.10.1975, firmado por Carlos Alberto Bueno Netto e Jether Sottano. 8 Discurso, op. cit. nota 1, p. 47. 9 Portaria CG 72/1975, de 7/11/1975, DOJ de 8/11/1975, Des. Márcio Martins Ferreira, disponível aqui. 10 GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Reflexões sobre a Matrícula 17 Anos depois. In  RDI 33, jan./jun. 1994, p. 105. Disponível aqui. 11 Provimento Conjunto 2/1975, de 6/11/1975, Drs. Gilberto Valente da Silva e Egas Dirson Galbiatti, juízes da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo. Disponível aqui. 12 Provimento Conjunto 5/1975, de 29/12/1975, Drs.  Gilberto Valente da Silva e Egas Dirson Galbiatti, juízes da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo. Disponível aqui. 13 Provimento Conjunto 1/1976, de 9/2/1976, Drs.  Gilberto Valente da Silva e Egas Dirson Galbiatti. Disponível aqui. 14 Provimento 1VRPSP 2/1976, de 13/2/1976, Dr. Gilberto Valente da Silva. Disponível aqui. 15 Provimento Conjunto 3/1976, de 17/2/1976, Drs. Gilberto Valente da Silva e Egas Dirson Galbiatti,. Disponível aqui. 16 RDI idem, ibidem. 17 DIP. Ricardo. Registro de Imóveis (Princípios). Tomo I, São Paulo: Primvs, 2017, p. 181, n. 204.
O grande jurista Miguel Reale1 defendia que um dos méritos do Código Civil vigente era não se apegar ao rigor normativo, sem pretensão de prever tudo detalhada e obrigatoriamente; que o importante em uma codificação é o seu espírito: o conjunto de ideias fundamentais em torno das quais as normas se entrelaçam, se ordenam e se sistematizam. O código atual é um sistema harmônico de preceitos que exigem o recurso à analogia e aos princípios gerais, assumindo um sentido mais aberto e compreensivo, para que a evolução da atividade social naturalmente venha a alterar-lhe o conteúdo. Esse entendimento é perceptível nos dispositivos da Parte Geral relativos ao registro civil, em que a estruturação hermenêutica seguiu a lógica com que foram desenvolvidos os temas, sem que houvesse a intenção de exaurir todas as hipóteses registrais. A metodologia adotada à época não merece reparos, na medida em que pela leitura do art. 9o verifica-se que foram indicados atos submetidos a registro, que geram efeitos declaratórios ou constitutivos, como nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, entre outros. Na sequência, são exemplificadas hipóteses de averbação, definida como o ato que modifica o conteúdo do registro, como por exemplo a alteração de nome, do sobrenome ou do sexo;  a exclusão de maternidade ou da paternidade; o reconhecimento de paternidade ou da maternidade biológica ou socioafetiva no assento de nascimento. Desse modo, verifica-se que há impropriedade na proposta de reformulação dos arts. 9o e 10 do Código Civil, pois enumera situações como passíveis de registro ou averbação, sem observar a terminologia correta na medida em que se tratam de atos jurídicos distintos, com finalidades diferentes. Ainda que esse ponto deva ser revisto, é inegável a sintonia da comissão responsável pelo anteprojeto com o que foi idealizado por Reale ao dispor que no assento de nascimento será reservado espaço para averbações decorrentes de vontade expressa do interessado que permitam a identificação de fato peculiar de sua vida civil, sem que isto lhe altere o estado pessoal, familiar ou político. Essa previsão  institui o princípio da concentração na matrícula da pessoa natural2, privilegiando a veracidade, publicidade, eficácia e segurança jurídica. Com efeito, prevalece a vontade do interessado em publicizar essas informações, que uma vez constando do assento, permite que ele próprio ou terceiros não tenham o ônus de realizar buscas em inúmeros órgãos para obtê-los. Isto posto, além das hipóteses já previstas em lei e das novas possibilidades indicadas pela comissão, como o termo declaratório de família parental e a decisão apoiada, quais peculiaridades de sua existência o registrado teria interesse em averbar no registro civil? Pode-se exemplificar a dupla nacionalidade; a condição de doador de órgãos; autodeclaração étnico racial; tipo sanguíneo e fator RH; condições específicas de saúde como síndromes, limitações física, sensorial ou psíquica, alergias ou doenças hereditárias; apelido notório; indicação do domicílio tributário quando for permitido; autodeclaração como segurado especial para fins previdenciários; número do cartão nacional de saúde do recém-nascido; existência de testamento público ou particular, de diretivas antecipadas de vontade, de testamento digital ou indicação do gestor da herança digital; destinação de material criopreservado3 em caso de óbito; exercício profissional, títulos acadêmicos e prêmios recebidos; religião; filiação partidária; realização da prova de vida para fins previdenciários. Evidente que a lista não é exaustiva, pois o surgimento de novos direitos acarretarão novas possibilidades de averbação. A expectativa é que a centralização de dados reduzirá custos e trará praticidade quando houver necessidade de se obter alguma das informações voluntariamente incluídas no assento. Atualmente, muitas situações não ingressam no registro civil e o seu desconhecimento pode afetar interesse próprio ou de terceiros, bem como contrariar ideologia ou crenças pessoais do registrado em momento que não possa mais se manifestar, como por exemplo oposição ao uso futuro de material criopreservado em clínica de fertilização após o óbito; desconforto de que pessoas próximas tenham acesso ao conteúdo de seu e-mail ou mensagens, bem como manipulem sua imagem por inteligência artificial. Por outro lado, a concentração dos dados pode facilitar a prova da qualificação profissional ou dos títulos acadêmicos, noticiar a existência de disposições de última vontade ou que é portador de alguma necessidade especial, doença infecto contagiosa ou autoimune que interfira em tratamento de saúde ou doação de órgãos. Note-se que em algumas hipóteses bastará mera manifestação de vontade formalizada junto ao RCPN, para que ocorra a averbação, como a opção pela condição de doador de órgãos ou do domicílio tributário. Em outros casos, a informação deverá ser comprovada como dupla nacionalidade; autodeclaração como segurado especial pescador, rural ou seringueiro; existência de testamento ou condições específicas de saúde. E por fim, algumas averbações exigirão maior detalhamento, cabendo a elaboração de termo declaratório, como na hipótese das diretivas antecipadas de vontade, requerimento detalhando a opção pela decisão apoiada ou a indicação de gestor da herança digital e orientações quanto ao direito de imagem. Em futuro próximo, qualquer cidadão poderá acessar o Sistema de Autenticação Eletrônica do Registro Civil - IdRC, utilizando a base biográfica e biométrica do RCPN para validação da identidade eletrônica, sempre que quiser fazer a indexação de qualquer informação que tenha interesse no assento civil. Essa identificação eletrônica do registrado estará em constante atualização, de modo a manter a segurança e atributo das pessoas que voluntariamente optarem pela indexação à sua matrícula pessoal. Assim, seja pelo IdRC ou pelo requerimento protocolado no ofício da cidadania, a informação já poderá ser averbada no assento de nascimento para dar-lhe publicidade e surtir efeitos jurídicos de forma imediata. Portanto, a lógica da concentração dos dados da pessoa natural na matrícula registral é simplificar, proporcionando maior eficiência, praticidade e segurança jurídica para todos. __________ 1 Disponível aqui. 2 Proposta do novo código civil Art. 10 §1º. 3 Proposta do novo código civil Art. 1.798 § 2º.
Introdução Tão relevante ao estado democrático de direito quanto o controle de constitucionalidade das leis federais frente a constituição federal, o controle abstrato de constitucionalidade das leis municipais e estaduais em face da Constituição do Estado, tal como previsto pelo art. 125, §2º da CF, é tema pouco explorado pela doutrina, em especial no que tange aos efeitos da decisão do Tribunal local que declara a inconstitucionalidade de norma tributária frente à interposição de recurso extraordinário sem efeito suspensivo, até que proferido acórdão de reforma pelo STF. Este o tema que se pretende enfrentar neste trabalho. O acórdão recorrido do Órgão Especial do Tribunal de Justiça local, proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade de norma tributária, durante o período de sua vigência até a sua eventual reforma, produz quais efeitos, em especial, quais limitações ao poder de tributar? Como ficam as relações jurídicas durante o período em questão, em caso de reforma da decisão pelo STF? Pode a Administração Pública realizar o lançamento para prevenir a decadência? Como ficam os contribuintes que, atentos à inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal local, deixaram de recolher o imposto declarado inconstitucional pelo TJ e, posteriormente, constitucional pelo STF? É possível ao ente tributário realizar a cobrança retroativa do referido imposto, incluindo o período coberto pela decisão do TJ? A matéria em questão suscitou discussão também no meio notarial e registral, em especial nos casos envolvendo a cobrança de ISS. Isso porque, alguns municípios, apesar do acórdão proferido pelo Órgão Especial, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, realizaram lançamentos durante a tramitação de recurso extraordinário, até que sobreveio decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade. Nesses casos, haveria fundamento jurídico para o lançamento visando evitar a decadência, inobstante se tratar de ato administrativo vinculado a lei? Seria possível a cobrança retroativa, referente ao período objeto de tais lançamentos?  Clique aqui e confira a coluna na íntegra.
Na última coluna1,  foram apresentados estudos comparativos internacionais de Direito e economia, os quais apontam, em sentido contrário à crença comum, que a intervenção do notário nas transações imobiliárias é medida eficiente em relação a possíveis substitutos funcionais existentes em países de tradição diversa, em que ausente tal profissional. De fato, apesar da crítica padrão à "burocracia", "desnecessidade" e "alto custo" dos "cartórios" para a sociedade brasileira, o que se demonstra é que a ausência de "cartórios" não implica, em lugar nenhum do mundo, em ausência de custos, mas, antes, na atuação de outros entes, em sua maioria privados, os quais dominam o mercado de forma oligopolista, com uma redução na qualidade, velocidade e economicidade das transações. Nessa toada, detalhando um pouco mais a análise de custos, o presente texto visa demonstrar que, para além dos benefícios diretos decorrentes da própria externalidade positiva gerada pelo instrumento público na transmissão imobiliária - tangenciada na última coluna -, muito do que é cotidianamente divulgado como "arrecadação dos cartórios" se constitui, em verdade, na espinha dorsal do sistema de acesso à Justiça brasileiro, em especial para a população mais carente. De fato, em uma primeira aproximação sobre os "custos dos cartórios", é recorrente que os números divulgados por grandes veículos de comunicação, inclusive como forma de se criar "clickbaits", gerando engajamento nas notícias, sejam os maiores possíveis, o que se faz por meio da escolha do faturamento "bruto" publicado periodicamente no "Portal Justiça Aberta" do CNJ, sem qualquer balizamento, de modo que a comunicação passada é direcionada a ser entendida de forma equivocada pelo leitor. Como numa famosa e antiga chamada publicitária de um dos maiores jornais do país, poderíamos dizer que "é possível contar uma grande mentira, dizendo só a verdade". Vamos aos fatos. Em São Paulo, onde se encontram também os maiores faturamentos do país, de todo o valor lançado no "Portal Justiça Aberta" para as especialidades de notas, protesto, registro de imóveis e registro de títulos e pessoas jurídicas - o registro civil conta com repasse diferenciado -, desde logo, cerca de 40% do valor é repassado diretamente ao Estado "lato sensu". Nos termos dos incisos do art. 19 da lei de emolumentos do Estado de São Paulo (lei 11.331, de 26/12/02), 17,763160% são devidos ao Estado de São Paulo, 9,157894% à Secretaria da Fazenda, 3,289473% à compensação dos atos gratuitos do registro civil e complementação da receita mínima das serventias deficitárias, 4,289473% ao Tribunal de Justiça, 3% ao ministério Público de São Paulo.  Além disso, para as especialidades do tabelionato de notas e de protestos, incide ainda 1% sobre o valor "líquido", já descontados os repasses acima tratados, a ser repassado às Santas Casas de Misericórdia, nos termos da lei 11.021, de 28/12/01, regulamentada pelo decreto 46.700, de 19/04/02. Ora, presumindo-se, a título meramente exemplificativo, um faturamento mensal "bruto" de R$100.000,00, ter-se-ia, pelo menos, no caso dos tabelionatos de notas e protestos paulistas, R$38.125,00 repassados a diversas instituições. De onde viria esse valor, se não fosse recolhido pelos cartórios? Mais do que isso, a ideia de custeio da máquina pública por meio dos cartórios perpassa também questões de direito financeiro e constitucional que não são triviais na modelagem do Estado brasileiro. É que os valores recebidos pelas instituições em repasse dos cartórios acabam entrando na rubrica de valores "extraorçamentários", para além daquilo que elas recebem diretamente do tesouro estadual, gerando impactos em sua autonomia funcional e administrativa. Explica-se: Os valores aprovados em lei orçamentária anualmente pelo Poder Legislativo devem ser repassados aos demais Poderes e instituições autônomas pelo tesouro estadual - Poder Executivo - na forma de "duodécimos", conforme previsto no art. 168 da Constituição.2 É só por meio do controle dos seus próprios recursos que instituições como o Poder Judiciário, o ministério Público e a Defensoria Pública podem efetivamente programar o desenvolvimento autônomo de suas carreiras e projetos, com alguma distância do preponderante Poder Executivo, com o qual, muitas vezes, se encontram em lados opostos nos processos jurisdicionais. Para garantir essa autonomia, o Judiciário e o ministério Público contam ainda com a previsão da lei de responsabilidade fiscal de um percentual mínimo de repasses3, cuja extensão para a Defensoria Pública foi vetada pela presidente Dilma no PLC 114/11, após grande pressão das Fazendas Estaduais, demonstrando a clara sensibilidade do tema para o equilíbrio entre os Poderes. Lado outro, é expediente comum do Poder Executivo, em tempos de crise, a retenção dos repasses financeiros, como medida de contenção forçada de gastos e violação à autonomia das entidades e independência dos Poderes, como se pode verificar nas diversas decisões judiciais sobre o tema.4 Ora, os repasses dos cartórios, administrados diretamente pelas entidades autônomas, sem necessidade de trânsito pelo Poder Executivo, acabam gerando uma maior autonomia das instituições, que podem então contar com tais valores sem ingerência. E, nessa toada, vários estados possuem previsão em suas leis locais sobre o financiamento extraorçamentário de tais instituições por meio dos cartórios. Assim, a lei complementar 136, de 19/5/11, do Estado do Paraná, criando o Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública do Estado com uma taxa de 5% sobre os emolumentos arrecadados pelos cartórios (art. 230, inciso XII, da referida lei). No mesmo sentido a lei 15.490, de 27/12/13, do Ceará, instituindo 5% incidentes sobre o valor dos emolumentos dos serviços notariais e registrais como receita do Fundo de Apoio e Aparelhamento da Defensoria do Estado do Ceará. Igualmente a lei 4.664, de 14/12/05, do Rio de Janeiro, instituindo o Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e entre suas receitas, 5% dos emolumentos extrajudiciais. Nenhuma das Defensorias, contudo, depende tanto dos valores extraorçamentários quanto a Defensoria Pública de São Paulo.5 Conforme dados da própria instituição, em 2023, foram obtidos pouco mais de R$150 milhões de receitas diretas do tesouro estadual, ao passo que os recursos do "Fundo de Assistência Judiciária" somaram mais de R$1 bilhão, no mesmo período, num total de R$1.286.352.484,75 de receita no ano. É que, embora não constante expressamente dos valores repassados pelos cartórios, o FAJ - Fundo de Assistência Judiciária compõe parcela de 74,07407% do total de 17,763160% acima elencado arrecadados pelos cartórios para o Estado.5 É desse valor que decorre a grande maioria do financiamento público da Defensoria. Ainda mais: Nos locais onde a Defensoria Pública não se faz presente, sendo a assistência jurídica prestada transitoriamente por advogados e entidades conveniadas, a remuneração destes últimos profissionais também é concretizada por meio do FAJ. Em síntese, não haveria acesso à Justiça no Estado de São Paulo sem os repasses dos valores arrecadados diretamente pelos cartórios. Nos últimos 5 anos, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi a maior litigante no STJ em todo o país, com um total de 61,4 mil recursos e ações em trâmite no tribunal. Em segundo lugar, estaria o INSS, com 59,5 mil ações, seguido do Banco do Brasil, com 44 mil.7 Ora, considerando as receitas da Defensoria no ano de 20238, o FAJ foi responsável por 79,04% do total recebido pelo órgão. Nesse sentido, pode-se dizer que, grosso modo, 48,5 mil ações em trâmite no STJ teriam sido financiadas diretamente pelos cartórios - perfazendo, portanto, o segundo maior litigante de toda a Corte Superior, atrás apenas do INSS, sem que para tanto tenha sido alocado um único centavo do tesouro estadual. Fazendo a engenharia reversa financeira, considerando que o FAJ tivesse o total de suas receitas decorrentes dos cartórios, ter-se-ia cerca de R$2.946.312.799,54 de valores que foram transferidos pelos cartórios para as mais diversas entidades - Defensoria, Tribunal de Justiça, ministério Público, Santa Casa, e o próprio Poder Executivo -, sem qualquer ônus ao Tesouro Estadual e que, não fossem eles, teriam de ser repostos de alguma maneira pela população - possivelmente via aumento da carga tributária direta.9 Veja-se que em muitas hipóteses em que a escritura pública não é obrigatória, embora ainda seja muito procurada, é comum transitarem pelos tabelionatos de notas orçamentos fornecidos por outros profissionais em que há um arbitramento dos valores a serem cobrados do cliente final, no qual se atribui ao valor do instrumento particular algo entre o valor total cobrado para o tipo de escritura na tabela estadual e aquilo que fica efetivamente com o tabelião. Vale dizer, arbitra-se um valor que faz com que o profissional liberal receba mais que o tabelião, fazendo o mesmo tipo de ato, mas com menor gasto por parte do particular, ante a ausência de qualquer repasse a entidades públicas - um verdadeiro "free rider" em relação ao custeio extraorçamentário das instituições. Nos "custos" dos "cartórios" estão assim embutidos valores que são diretamente vinculados a instituições públicas de finalidades essenciais à democracia e ao bem comum. Qualquer debate honesto sobre esse tema deveria desde logo embutir em qualquer proposta alternativa de prestação de serviços um "penalty" que englobasse também os custos desse financiamento. No caso dos cartórios paulistas, esse "penalty" elevaria, de início, qualquer proposta apresentada em cerca de 66%10, o qual, não fosse cobrado, ensejaria o inevitável aumento de impostos diretos sobre os cidadãos para se manter a prestação de serviços essenciais à população, em especial, a de baixa renda, que deixaria de ser financiada pelo "custo dos cartórios". Em outra perspectiva, quisesse o legislador desde logo reduzir em quase 40% os gastos da população paulista com os cartórios, poderia simplesmente eliminar os repasses a tais entidades, com o que os serviços dos cartórios continuariam a ser prestados com o mesmo grau de eficiência. Mas, com isso, logo em seguida se veria forçado o Poder Público a subir os impostos diretos para fazer frente à receita que deixou de ser arrecadada, sem que a população sequer soubesse de tal financiamento. Enfim, da próxima vez que uma mensagem chamativa sobre os valores recebidos pelos cartórios for veiculada, é melhor analisar com mais atenção. A depender do estado e especialidade, os valores estarão bem longe do resultado final. Nesse sentido, é bom sempre estar atento a números para além de discursos pré-fabricados intencionalmente impactantes que acabam por divulgar uma "verdade", construindo uma grande mentira. _________                      1 Disponível aqui. 2 Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9. 3 Art. 20, inciso II e §º5º, da lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. 4 E. g.  STF. 2.T. MS 34.483/RJ. Rel. Min. Dias Toffoli. J. 22.11.2016, impetrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra o Governador do Estado. STF, 2. T. MS  35.648/PB. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. j. 24.04.2018, impetrado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba contra o Governador do Estado. STF. Pleno. ADPF 339. Rel. Min. Luiz Fux. J. 18.05.2016. Com impetrante Associação Nacional dos Defensores Públicos contra ato do Governador do Estado do Piauí. STF. Pleno. ADPF 504/MT. Rel. Min. Rosa Weber. J. 20.10.2020, impetrada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos contra ato do Governador do Estado do Mato Grosso. 5 Uma análise nacional disponível aqui. Acesso em 02/05/2024. 6 Art. 20, inciso I, da Lei de Emolumentos paulista. 7 Disponível aqui. Acesso em 02/05/2024 8 Disponível aqui. Acesso em 02/05/2024. 9 Em alguns estados, como o Paraná, a contribuição dos cartórios para a manutenção do desenho institucional através do financiamento extraorçamentário é ainda maior, pois a taxa referente ao repasse às instituições pública se encontra desvinculada do valor dos emolumentos, sendo cobrada com base em percentual do valor do negócio, donde muitas vezes o valor de tal financiamento seja mesmo superior ao total de emolumentos recebidos pelos cartórios. 10 Considerando que da composição global do preço dos cartórios, 40% é financiamento público, para se manter a mesma paridade, qualquer proposta de preço alternativo deveria ter um penalty de 66% para que, na soma de seu valor inteiro, mais dois terços dele, fosse mantida a mesma proporção 60/40 do preço global.
A reforma tributária aprovada por meio da Emenda Constitucional 132/23 teve por escopo reduzir a complexidade da tributação baseada, entre outros princípios, na simplicidade e na neutralidade, buscando, assim, uma maior justiça tributária. Zarpamos de mares turbulentos, um sistema complexo, com cinco tributos distintos, sem transparência, repletos de cumulatividade e regulados por 5.570 regramentos municipais, 26 regramentos estaduais, 1 regramento distrital e 1 federal, em busca de águas mais calmas, onde nosso país poderá desenvolver-se, gerando crescimento, emprego e renda. Vendo tal cenário, vem-me à mente as palavras de Camões, em sua epopeia clássica, que narra os feitos dos navegantes portugueses. Definitivamente houve diversos críticos que, apegados ao sistema tributário antigo, logo nas discussões iniciais dessa reforma, já previram o seu fracasso e os males que poderiam dela emergir, rememorando inapelavelmente à figura do "Velho do Restelo". Um pouco além na mesma viagem, o canto de Camões que bem denota a aprovação da EC 132/23, seja pelas grandes esperanças de melhoria, seja pela grandiosidade do feito, é aquele que trata da passagem pelo cabo das tormentas, onde os portugueses conseguem escapar das garras do Gigante Adamastor, e seguem seu caminho à grandiosidade. Essa grandiosidade, porém, corre risco de soçobrar, dando razão aos "Velhos do Restelo", se não for bem trabalhado o PLP 68/24, recém-apresentado, que regulamenta a instituição do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços. Será que ao fugir do terrível Gigante e seus mares turbulentos não estamos na verdade sendo atraídos pelo canto de uma sereia? As sereias, como se sabe, são seres mitólogos que seduzem os marinheiros com seu lindo canto, atraindo-os para rochedos e para perdição, sendo citadas em outra epopeia clássica, a Ilíada de Homero, onde Ulisses, por conselho de Circe, e graças ao trabalho de seus companheiros, que fecharam seus próprios ouvidos com cera e o amarraram no mastro, conseguiu resistir à tentação apresentada pelas sereias e seguir seu caminho rumo a Ítaca. E aqui, ao analisar o tratamento (ou falta de tratamento) dado aos serviços registrais e notarias pelo PLP 68/24, sinto-me no papel de Circe, ao apontar os perigos existentes por trás do discurso de simplificação e neutralidade trazido na proposta de regulamentação, que pode ser prejudicial para o setor de serviços como um todo, mas principalmente para os tabeliães, notários e registradores, seja na definição da alíquota, da base de cálculo, do local da operação, nos insumos que darão direito à crédito, seja na não cumulatividade do tributo. Quanto à alíquota, frisamos que o art. 9º, §1º, inciso XIII, da EC 123/23 traz o benefício de redução de 60% das alíquotas referentes aos serviços relacionados à "segurança da informação", que bem poderia abranger os referidos serviços notariais e registrais. Porém, o PLP 68/24 em momento algum trata dos serviços notariais e registrais, limitando este benefício, em seu livro I, capitulo II, seção XV, apenas a serviços prestados à Administração Pública, restrição essa não prevista no texto constitucional e que acaba por empurrar tais serviço à vala comum, com alíquota cheia. Essa primeira omissão já demonstra um descaso para com os serviços notariais e registrais, uma vez que estes consistem em verdadeiro serviço de interesse público vazado por norma de hierarquia constitucional (art. 236), cuja materialidade está intimamente relacionada à segurança, veracidade e validade das informações, como aliás reconhecido pela legislação específica.1 Ou seja, o PLP 68/24 deturpa a teleologia do comando constitucional ao não incluir tais serviços no rol daqueles com alíquota reduzida, bem como ao limitá-los apenas às prestações relacionadas à Administração Pública. No que tange à base de cálculo, o PLP 68/24 desconsidera totalmente o embate judicial entre as chamadas teses da "base limpa" e da "base cheia". A primeira defendendo que a incidência dos impostos sobre o consumo deveria recair somente sobre o valor efetivamente pago pela prestação do serviço notarial e registral, ou seja, aquele remetido aos delegatários deste serviço, excluindo as porcentagens destinadas a órgãos públicos, é a que, antes da reforma, foi aplicada e pacificada pelo Poder Judiciário. A segunda, a qual defendia a incidência sobre o valor total, desconsiderando qualquer exclusão, parece estar presente na proposta legislativa enviada ao Congresso. A questão não é trivial, e em Estados como São Paulo e Minas Gerais, o valor total repassado pelos delegatários de serviços notariais e registrais chega a quase 40%, havendo Estados, como Bahia, em que o repasse supera 50%. Ainda pior, existem Estados, como o Paraná, no qual além dos emolumentos previstos em tabela, existe também um percentual a ser recolhido ao Tribunal de Justiça, o qual se guia não pelos emolumentos recebidos pelos delegatários, mas pelo próprio valor do negócio instrumentalizado ou registrado. Nesse caso, muitas vezes o recolhimento ao Tribunal é muito maior do que os emolumentos. Como conciliar com a nova reforma? Assim, com essa segunda omissão teremos o reavivamento de uma batalha processual que trará insegurança jurídica e aumentará a litigiosidade no país, indo justamente de encontro àquilo que a reforma pretendeu reduzir e evitar. A terceira omissão se dá quanto ao local de operação, que definirá o sujeito ativo do tributo. A proposta legislativa desconsidera completamente a natureza e a evolução dos serviços notarias e registrais, uma vez que um mesmo serviço pode ter não um, nem dois, mas três locais de ocorrência distintos. Para os serviços relacionados a bem imóvel e prestados sobre bens imóveis, considera-se o local da ocorrência aquele onde o imóvel está localizado; já para o serviço fruído presencialmente por pessoa física, considera-se o local da ocorrência aquele onde o serviço foi prestado; e, por fim, para os demais serviços considera-se o local principal do domicílio do destinatário. Ao não tratar especificamente dos serviços notariais e registrais, poderão surgir interpretações diversas sobre qual o local de ocorrência do fato gerador, por exemplo, não estando claro se a lavratura de uma escritura pública seria um serviço relacionado a bem imóvel, e, portanto, ocorreria no local onde o imóvel está localizado, se ocorreria na sede do respectivo tabelionato, caso seja realizada presencialmente, ou mesmo no domicílio do tomador, caso seja prestada de forma remota. Essa situação se torna ainda mais dramática para os notários, os quais não têm sua competência vinculada a um âmbito territorial restrito, podendo, a rigor, praticar atos referentes a negócios de qualquer lugar do país, o que, somada à discussão sobre a incidência "em base cheia", pode levar a um verdadeiro caos quanto às diversas hipóteses de recolhimento. Essa imprecisão gerará uma forte insegurança jurídica, bem como demandará um trabalho administrativo e burocrático maior por parte do delegatário dos serviços notariais e registrais, pois o local de ocorrência definirá qual alíquota estadual e municipal do IBS incidirá sobre o serviço, o que em caso de erro poderá gerar recolhimento a maior ou a menor. Ainda, cabe ressaltar que a forma como proposta a legislação regulatória, acaba por ir de encontro à proposta de neutralidade, quando coloca serviços prestados por profissionais liberais dentro de cláusulas de redução, sem o mesmo tratamento aos notários. É que, diferente das especialidades registrais, que não encontram substituto à mercado, as atividades notariais muitas vezes concorrem com as advocatícias - como por exemplo, nos casos de forma pública facultativa - o que, somado ao tema dos repasses já tratado, faria com que o sistema tributário empurrasse o cidadão para o serviço do advogado, simplesmente pelo seu menor preço total - em decorrência do tratamento benévolo -, e não por sua qualidade ou eficiência. Trata-se justamente daquilo que supostamente a reforma visava evitar. Por último, quando trocamos um imposto cumulativo sobre o consumo (ISS) por um não cumulativo (IBS e CBS), temos um choque, uma vez que a alíquota máxima do primeiro era limitada a 5% enquanto a do segundo pode ultrapassar os 26,5%, Essa situação, porém, seria aliviada pela existência de possíveis créditos do imposto pago na aquisição de insumos e nas operações anteriores, o que em diversos casos, inclusive, reduziria a carga tributária, tornando-a não cumulativa. Porém, esse não é o caso dos serviços notariais e registrais, uma vez que o principal componente do custo deste é o salário de seus empregados, que por sua vez têm registro formal em carteira de trabalho, o que não gera nenhum crédito tributário para o delegatário, e pode inclusive ferir o princípio da neutralidade, consagrado no texto constitucional, pois irá beneficiar aquele que possui uma folha salarial mais enxuta, ou mesmo, empurrar os notários e registradores à terceirização de sua mão de obra e eventual pejotização de seus empregados. Dessa forma, o que começou como uma epopeia com grandes esperanças e expectativas pode transformar-se em um triste drama ou até num sangrento thriller, prejudicando um setor que gera empregos formais, possui preços tabelados, demonstra transparência ao publicar os valores destinados ao delegatário, ao Fisco e às demais entidades, e possui um papel essencial para a segurança jurídica, Estado de Direito e a realização de sonhos, como a aquisição da casa própria. Assim, termino esse artigo com um conselho diferente daquele dado por Circe a Ulisses: Não é tempo de tapar os ouvidos com cera, e ser amarrado ao mastro do navio, mas, sim, de agir para que a reforma preconizada pela Constituição, que prometeu um efetivo ganho para todo o país, não encontre, por vias de sua regulação infraconstitucional, o triste fim profetizado pelos "Velhos do Restelo". _________ 1 Art. 1º da lei 8.935/94: "Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos."
Na seção "Oficina Notarial e Registral" da Coluna Migalhas Notariais e Registrais de hoje, cuidaremos de um caso concreto que pode ser resumido assim: São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação do título tiver sido feita anteriormente (art. 215 da LRP). Nesta oportunidade vamos apreciar um caso de pedido de averbação de contrato de locação para exercício do direito de preferência. Foi-nos apresentado um instrumento particular (datado de 1º/4/08), contrato de locação, figurando como locador JS, viúvo e como locatária a empresa CUL e como fiadores JG e sua mulher AFG. A locação tinha por objeto o imóvel situado e matriculado nesta circunscrição, destinado a uso comercial, com prazo de locação de 36 meses contados a partir de 1º/4/08 e cessação a 31/3/11. Acompanhou o título o requerimento datado de 4/12/23, subscrito pelo apresentante, RCBF, que solicitava a averbação da locação para fins de exercício do direito de preferência (art. 167, II, 16 da LRP c.c. art. 33 da lei 8.245/91). O título foi prenotado e devolvido sucessivamente na vigência da prenotação. No transcurso do processo registral, o interessado apresentou documentos que foram devidamente apreciados pelo registro. Entretanto, não se conformando com a exigência remanescente, requereu que o caso fosse submetido à apreciação de Vossa Excelência, instaurando-se o pedido de providências. Cingindo-se o pleito a pretensão resistência a ato de averbação, nos termos do comunicado CG 164/22, procedemos ao processamento preliminar, segundo o rito ali previsto. Óbices à averbação A 1º/4/08, JS (locador) celebrou contrato de locação com CUL (locatária) tendo por objeto o imóvel da matrícula X. O prazo da locação expiraria a 31/3/11, passando a locação (presumivelmente) a viger por prazo indeterminado (§ 2º da cláusula 9ª do contrato). Pela redação da cláusula 22ª do contrato, à locatária consagrou-se o direito de preferência para aquisição do bem imóvel, razão pela qual o interessado busca agora a averbação do instrumento para dar plena eficácia ao direito de preferência, nos termos do n. 16, inc. II, do art. 167 da LRP c.c. art. 33 da lei 8.245/91. Ocorre que o contrato não foi apresentado a este registro de imóveis para a competente averbação no momento oportuno, consoante regra do art. 33 da lei do inquilinato, remanescendo fora da tábula registral por longos 15 anos, desde a sua celebração. Buscando agora o registro, o interessado deparou-se com dois fatos relevantes a impedir o acesso do título, a saber: O imóvel é de propriedade de JS e sua mulher COS, casados sob o regime da comunhão universal de bens anteriormente à vigência da lei 6.515/77. No contrato, comparece unicamente JS, no estado civil de viúvo. Em 14/12/16, averbou-se a arrecadação do bem imóvel na falência da pessoa jurídica FCIEL (massa falida), tendo sido decretada a desconsideração da personalidade jurídica, colhendo o patrimônio dos proprietários. a) Cônjuge pré-morto. Continuidade Em relação ao item (a), com o falecimento do cônjuge de JS, o imóvel se transmitiu ipso facto aos herdeiros em razão da saisine. Ocorre que o processo de inventário foi ao arquivo a 9/3/05, por inação dos interessados. Embora JS tenha sido nomeado inventariante, não foi requerido, nem apresentado, alvará para locar o bem em nome do espólio, nem, tampouco, formal de partilha mortis causa. Tal exigência se baseou no princípio da continuidade (arts. 195 e 237 da LRP). Entretanto, a apresentação da certidão de representação do espólio de COS esclareceu a situação, reconhecida a legitimidade de JS para postular a averbação. De fato, já decidiu o CSMSP que, com fundamento no parágrafo único do art. 167 da LRP, é possível a averbação da locação quando ocorra "a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador". Ora, embora viúvo, o fato do óbito do cônjuge pré-morto não alteraria a sua condição de proprietário, "pois a meação do imóvel lhe pertence, nos termos do seu regime de casamento registrado na matrícula, ou seja, comunhão universal de bens. Essa divergência de qualificação não fere o princípio da continuidade, posto não estar sendo postulado registro de transmissão de propriedade, mas ato registrário sobre locação para fim de ser assegurado o direito do locatário". 1 Por conseguinte, em sede de reconsideração, damos por superada a exigência com base nos esclarecimentos prestados pelo interessado e esteio no precedente indicado. b) Arrecadação - falência Entretanto, em relação ao item (b), a arrecadação decretada em ação de falência (devidamente noticiada na matrícula) torna o bem indisponível e os atos que se possam praticar são reputados nulos, nos precisos termos do art. 215 da LRP, in verbis: "São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente". Nota bene: Apresentação do título, i. e., a prenotação do título deve ser feita anteriormente à data da abertura ou do termo legal da falência, o que não ocorreu neste caso.2 O interessado sustenta que o contrato de locação fora firmado anteriormente à decretação da falência, fato comprovado pelo contrato e pelo reconhecimento de algumas das firmas. Todavia, a nulidade se perfaz, segundo a dicção da lei, se o título for apresentado após a abertura da falência ou termo legal. Trata-se, segundo Serpa Lopes, "de uma ineficácia decorrente exclusivamente de um critério objetivo. Sobrevém como um corolário puro e simples da decretação da falência, sem se levar em conta o ter ou não havido dolo ou fraude da parte do credor ou do adquirente". E segue pontificando o tratadista: "a ineficácia da transcrição ou inscrição decorre automaticamente, ante a prova de haver sido realizado posteriormente à sentença declaratória da falência, a menos que a apresentação haja sido feita anteriormente, restrição lógica, pois, como temos já explicado, a prenotação é a chave do registo imobiliário e o ato da transcrição ou inscrição, uma vez realizado, remonta, em seus efeitos, à data da prenotação". 3 No mesmo sentido Afrânio de Carvalho: "A declaração da falência ou da insolvência do alienante, conforme for ou não comerciante, não impede a inscrição, contanto que o título causal se ache não apenas assinado, mas prenotado no protocolo do registro. Nesse caso, a prenotação do título no registro passa a ser condição essencial para que, a despeito de sobrevinda a falência ou insolvência do alienante, se faça a inscrição do título por ele outorgado". 4 Diz o mesmo Afrânio de Carvalho que "a data da inscrição é, em regra, a data da apresentação do título, vale dizer, da sua prenotação no protocolo. A falência ou insolvência de alienante que acaso ocorra entre a prenotação e a inscrição é irrelevante para o lançamento desta". 5 Vigora no registro imobiliário brasileiro a parêmia tempus regit actum. Ou seja, para fins de registro (ou de averbação), não importa o momento da celebração do contrato, mas, sim, a data da apresentação do título a registro com sua protocolização. Este submete-se às regras vigentes ao tempo de sua apresentação.6 No caso da falência decretada, vale a data da prenotação do título contraditório em face dos efeitos decorrentes da arrecadação. O art. 169 da LRP reza que o registro e a averbação são atos obrigatórios, embora não se prescreva qualquer sanção objetiva pela inércia dos interessados. Todavia, os ônus, em sentido próprio, representam a "faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse", segundo Eros Grau.7 A inação da locatária acarreta a inoponibilidade de seu direito em face de terceiros (§ 1º do art. 54 da lei 13.097/15). Jurisprudência A jurisprudência não destoa, ad exemplum: "Ementa. Dúvida - Averbada na matrícula a falência do vendedor - O comando legal expresso no art. 215 da lei de registros públicos não deixa qualquer margem a interpretação diversa: 'Nulos os registros efetuados após a sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente'. Apelação Desprovida". 8 Anteriormente, na Ap. Civ. 66.368-0/1, o C. Conselho decidiu que, "não obstante tenha a quebra ocorrido em data muito posterior à formalização do título agora levado a registro (...), sua apresentação para registro se deu apenas em data posterior (...) incidindo, por tais razões, as regras do art. 215 da lei 6.015/73 (...)". 9   Mais recentemente, cite-se a Ap. Civ. 1002238-39.2018.8.26.0100, de cujo aresto se extrai que, ante o regime legal específico da falência, a admissibilidade de acesso de títulos ao registro se defere nas hipóteses em que estes tenham sido registrados (protocolados) em data anterior à quebra. Assim, tendo sido "a prenotação efetuada após a quebra, não é possível a realização do registro sem a anuência do juízo da falência ante a restrição legal à transmissão de bens". 10 No STJ, a regra da inoponibilidade, nestes casos, se mantém: RESP. FALÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NÃO REGISTRADO. ALVARÁ PARA OUTORGA DE ESCRITURA. A propriedade imobiliária transfere-se, entre vivos, mediante registro do título translativo no registro de imóveis. O direito real à aquisição do imóvel, no caso de promessa de compra e venda, sem cláusula de arrependimento, somente se adquire com o registro. Nessa perspectiva, malgrado a quitação de contrato de compra e venda de imóvel no ato de sua realização, não assiste direito à promissária compradora à expedição de alvará para outorga de escritura, após declaração de quebra da vendedora (art. 52, inc. VII, do decreto-lei 7.661/45). Recurso especial não conhecido. 11 Por fim, embora os acórdãos citados refiram-se à alienação dos bens imóveis - registros que, em regra, ostentam o caráter constitutivo - a averbação do contrato de locação ostenta uma peculiar característica de produção de eficácia real, vale dizer, somente pode legitimar-se para postular a preferência aquele que diligentemente apresentou o título a registro.12 Além disso, a dicção da lei - que alude a "registro" - deve ser interpretada sistematicamente, abrangendo tanto o registro stricto sensu, quanto a averbação.13  Conclusão Em conclusão, reconsiderando-se e superando-se a primeira exigência (apresentação de alvará), remanesce como óbice intransponível a notícia da arrecadação em processo falimentar objeto da averbação lavrada, o que impede o acesso da locação e a produção dos efeitos esperáveis para fundamentar o direito de preferência no caso de alienação do bem imóvel. Decisão No bojo do processo 1005183-86.2024.8.26.0100 terminar.14 __________ 1 Ap. Civ. 82.898-0/7, São Caetano do Sul, j. 27/9/2001, DJ 20/12/2001, Rel. Des. Luís de Macedo. Eis a ementa: "Registro de contrato de locação. Desnecessidade de averbação do formal de partilha. Aplicação do art. 169, III, da lei nº 6015/73 [hoje parágrafo único do art. 167]. Registro e averbação deferidos. Recurso a que se dá provimento. Acesso disponível aqui. 2 A magistrada, no julgamento do pedido, apontou outro fundamento: art. 99 da Lei n. 11.101/2005. 3 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado, 4ª ed., Vol. IV. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, pp. 362-363. 4 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 182-183. 5 Op. cit. p. 183. 6 Ap. Civ. 1057231-90.2022.8.26.0100, São Paulo, j. 16/2/2023, Dje 4/5/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Ap. Civ. 1008790-78.2022.8.26.0100, São Paulo, j. 12/12/2022, Dje 10/3/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Ap. Civ. 1006447-18.2021.8.26.0271, Itapevi, j. 2/3/2023, Dje 10/5/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Na CGJSP, por todas: Processo CG 65.262/2012, São Paulo, dec. de 9/10/2012, DJ 24/10/2012, Des. José Renato Nalini, acesso disponível aqui. 7 GRAU, Eros. Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e Ônus. São Paulo. Revista da FD-USP, v. 77 (1982). 8 Ap. Civ. 96.440-0/5, Avaré, j. 29/11/2002, DJ 16/12/2002, Rel. Des. Luiz Tâmbara, acesso disponível aqui. No mesmo sentido: Ap. Civ. 96.028-0/5, Itu, j. 25/10/2002, DJ 27/11/2002, Rel. Des. Luiz Tâmbara, acesso disponível aqui. 9 Ap. Civ. 66.368-0/1, São José do Rio Preto, j. 15/2/2001, DJ 28/3/2001, Rel. Des. Luís de Macedo, acesso disponível aqui. 10 Ap. Civ. 1002238-39.2018.8.26.0100, São Paulo , j. 26/2/2019, DJ 28/6/2019, rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, acesso disponível aqui. 11 REsp 431432/SP, j. 14/12/2004, DJ 27/6/2005, Ministro Fernando Gonçalves. 12 Brevitatis causa: STJ 1.554.437-SP, , j. 2/6/2016, DJ 7/6/2016, Min. João Otávio de Noronha, acesso disponível aqui. Extrai-se da ementa: "Além dos efeitos de natureza obrigacional correspondentes ao direito a perdas e danos, o desrespeito à preempção do locatário pode ter eficácia real consubstanciada no direito de adjudicação compulsória do bem, uma vez observados os ditames do art. 33 da Lei do Inquilinato". 13 Sobre a nomenclatura dos atos registrais, vide especialmente CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 434. 14 Processo 1005183-86.2024.8.26.0100, j. 11/3/2024, Dje 27/3/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta. Disponível aqui.
O presente texto trata de uma continuação (necessária) daquele publicado no Migalhas n° 5.844, Domicílio eletrônico judicial e o acesso às comunicações do judiciário - Migalhas1, datado em 6 de maio de 2024, exatamente 25 dias antes do prazo final previsto na Portaria nº 46/2024 do CNJ2, para cadastramento de pessoas jurídicas, e no momento que talvez tenha sido o auge de uma das maiores catástrofes naturais já experienciadas pelo Estado do Rio Grande do Sul. Diante disso, surge a necessidade de atualização daquele texto, para contemporizar uma questão lógica: é necessário TEMPO. Tempo para resistir, sobreviver, reinventar, reestruturar e até mesmo para reorganizar. Enfim, tempo de respirar. Direito! Desde o dia 01/05/2024, diversos municípios do Estado do Rio Grande do Sul vêm sendo duramente atingidos por volumes de chuva inimagináveis. No dia 02/05/2024, em questão de algumas horas, o Estado Gaúcho se tornava manchete do Jornal Estadunidense The New York Times, com título que denunciava a catástrofe: "Torrential Rains Leave at Least 29 Dead and More Missing in Brazil".3 Até a data de 07/05/2024, contam-se 95 mortos, 131 desaparecidos, cerca de 372 feridos e (estima-se!) mais de 1,4 milhão de pessoas afetadas pelos temporais que assolam o Estado.4 Enquanto algumas cidades experienciam inundações de residências, estabelecimentos comerciais e das indústrias, outras já lidam com o rastro de destruição deixado pela força da natureza - que chocam, e ao mesmo tempo revelam a imensa capacidade de solidariedade de nossos concidadãos, que mesmo diante de suas próprias perdas, partilham doações, mão de obra, roupas, energia elétrica, acesso à água e refeições, fazendo valer o princípio basilar da dignidade humana, presente em nossa Constituição Federal. Evidentemente, o impacto é também para as pessoas jurídicas.Sem condições de acesso, de insumos, de matéria prima e de instalações seguras, não existe produção. O que se vê hoje, de maneira pública e notória, é a total falta de previsão de retorno à normalidade. As águas demoram a baixar, a previsão para os próximos dias é de chuva, a limpeza das casas e dos estabelecimentos demandará muito trabalho e obras de infraestrutura não são rápidas. Esse é o quadro vivido no Rio Grande do Sul.   Simultaneamente à catástrofe climática, o prazo para cadastramento obrigatório de pessoas jurídicas no Domicílio Eletrônico Judicial segue correndo como o cavalo alado de como no mito de Platão, para encerrar dia 30/05/2024, conforme o cronograma oficial constante da Portaria 46 do CNJ - publicada em 16 de fevereiro de 2024, época em que sequer se poderia cogitar uma catástrofe dessa magnitude em algum Estado da Federação. Não há dúvida, ajustes são necessários, especialmente quando considerados os possíveis impactos negativos que o cadastramento compulsório poderá acarretar, abordados no primeiro texto5. O cadastramento compulsório, previsto pelo §4º, do art. 1º, da Portaria 46 do CNJ, será feito pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio do compartilhamento de bancos de dados cadastrais de órgãos governamentais, conforme disposto no art. 16, §1º, da Resolução CNJ 455/22. Os riscos dizem respeito às desatualizações ou incorreções existentes nas bases de dados utilizadas para esse cadastramento compulsório, que levarão ao direcionamento indevido ou equivocado das comunicações eletrônicas (como citações e intimações), sujeitas aos prazos e penalidades previstos. Na prática, isso significa que para efeitos legais as comunicações e citações serão enviadas, mas talvez seus destinatários não tomarão ciência e poderão sofrer as consequências por omissão. O problema se agrava no cenário Gaúcho, considerando que, somada à desinformação quanto à obrigatoriedade do cadastramento, várias pessoas jurídicas de direito privado - aqui incluídas empresas e até mesmo algumas serventias extrajudiciais - foram afetadas pelas enchentes. O levantamento da Defesa Civil aponta que mais de  ? dos municípios gaúchos foram atingidos. A dilação do prazo para o cadastramento obrigatório, livre das consequências potencialmente negativas que o cadastramento compulsório pode acarretar, é absolutamente imperiosa, considerando a necessidade premente de reestruturação das operações de pessoas jurídicas no Estado do Rio Grande do Sul, o que pode incluir desde a realocação da sede até contratação de pessoal - que afetará, inquestionavelmente, o cerne do Domicílio Eletrônico Judicial, que é justamente garantir segurança, celeridade e eficácia às comunicações processuais. Tal propósito não pode representar um "atropelamento" ou uma punição àqueles que sofreram e estão sofrendo com as consequências da crise climática que castiga o RS. O Supremo Tribunal Federal, em 04 de maio de 2024, determinou a suspensão da contagem dos prazos processuais dos feitos em que sejam parte o Estado do Rio Grande do Sul ou seus Municípios, nos termos da Resolução nº 829/2024.6 O Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região comunicou, por meio da Portaria Conjunta n°. 1.830, de 07 de maio de 2024, a suspensão dos prazos processuais, e, inclusive, a inatividade momentânea do sistema utilizado para acesso aos processos7. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região publicou a suspensão dos prazos, conforme o Portaria n°. 386/2024, de 06 de maio de 2024, e, também, o acesso ao sistema E-proc8. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nesse sentido, também determinou a suspensão dos prazos processuais9. Nesse contexto, a Receita Federal do Brasil publicou a Portaria RFB nº. 415, de 6 de Maio de 2024, prorrogando os prazos para pagamento de tributos federais, e cumprimento de obrigações acessórias, suspendendo os prazos para prática de atos processuais no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), para contribuintes domiciliados nos municípios localizados no Estado do Rio Grande do Sul, onde foi declarado estado de calamidade pública em razão da catástrofe climática. Com isso, o prazo para entrega da declaração de Imposto de Renda para moradores das mais de 300 cidades atingidas foi prorrogado para 31 de agosto.10 A sensibilidade das autoridades que presidem os órgãos que expediram as publicações referidas deve servir de inspiração ao Conselho Nacional de Justiça, para que determine a prorrogação do prazo obrigatório para cadastramento das pessoas jurídicas de direito privado sediadas no Estado do Rio Grande do Sul, notadamente nos municípios atingidos, evitando prejuízos que o cadastramento compulsório poderá acarretar. Neste momento, isto é o mínimo! __________ 1 ROSA, Karin Regina Rick; PETRY, Gabriel Cemin. Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário. Migalhas, Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024. 2 CNJ. Portaria Nº 46 de 16/02/2024, Estabelece cronograma nacional para cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 3 IONOVA, Ana. Torrential Rains Leave at Least 29 Dead and More Missing in Brazil. The New York Times. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 4 G1. Sobe para 95 o número de mortos após enchentes que atingem o RS. G1 RS,  Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024. 5 ROSA, Karin Regina Rick; PETRY, Gabriel Cemin. Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário. Migalhas, Disponível aqui. acesso: 08 mai. 2024. 6 STF. Resolução N°. 829, de 04 de maio de 2024.  Dispõe sobre a suspensão de prazos processuais. Disponível em: https://digital.stf.jus.br/publico/publicacao/426030. Acesso: 08 mai. 2024. 7 TRT-4. PORTARIA CONJUNTA GP.GCR.TRT4 No 1.830, DE 07 DE MAIO DE 2024. Prorroga os períodos de suspensão de prazos processuais, da prática de atos processuais e do atendimento presencial nas unidades judiciárias e administrativas, bem como prorroga o regime de trabalho remoto integral e compulsório em todas as unidades judiciárias e administrativas da Justiça do Trabalho da 4a Região. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 8 TRF-4. Portaria n°. 386, de 06 de maio de 2024. Dispõe sobre a suspensão dos prazos processuais, sessões e audiências no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Rgião e da Seção judiciária do Rio Grande do Sul. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 9 TJRS. ATO CONJUNTO Nº 03/2024-P E CGJ. Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 10 SERFB. PORTARIA RFB Nº 415, DE 6 DE MAIO DE 2024.  Prorroga prazos para pagamento de tributos federais, inclusive parcelamentos, e para cumprimento de obrigações acessórias, e suspende prazos para a prática de atos processuais no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, para contribuintes domiciliados nos municípios enumerados no Anexo Único desta Portaria, localizados no Estado do Rio Grande do Sul.Disponível aqui. Acesso: 08 mai. 2024. 
Dando seguimento ao tema, apresentamos, a seguir, a parte concernente à recente jurisprudência acerca do tema. NSCGJSP e jurisprudência Os itens 365 e 366 do cap. XX das Normas de Serviço rezam: 365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (livro 1 - Protocolo) ou exame e cálculo (livro de recepção de títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis. 366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de ICP-Brasil - Chaves Públicas Brasileira e à arquitetura e-PING - Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML - Extensible Markup Language, padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A - Portable Document Format/Archive, ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Aqui se reitera a necessidade de homologação da plataforma pelos órgãos correcionais nacional e estaduais. A própria 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo vem de decidir exatamente nesse sentido: O título particular, portanto, pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas. No caso concreto, porém, as assinaturas das partes e das testemunhas não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exigem o art. 5º, § 2º, IV, da lei 14.063/20, e o art. 324, § 1º, I, do provimento CNJ 149/23 (fls. 11/27 e 28/30). A exigência, portanto, subsiste.1 Mais recentemente, a Eg. Corregedoria Geral de Justiça do nosso estado julgou improcedente recurso de parte interessada confirmando a negativa de averbação de cancelamento de hipoteca registrada. Diz o magistrado parecerista: Como se vê, não basta que o título tenha sido encaminhado por intermédio do ONR - Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis e que o requerimento apresentado ao Oficial de Registro venha assinado digitalmente pelo apresentante. É preciso que o título seja nativamente digital (gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários), digitalizado com padrões técnicos ou, então, que tenha sido desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com certificado digital ICP-Brasil.2 O documento apresentado não se configura conforme as espécies indicadas na r. decisão. Venho insistindo que a lei 14.382/22 acabou sancionando o que pode vir a ser uma monstruosidade: A ereção do particular à figura de agente autenticador de documentos encaminhados a registro. V. § 2º do art. 130 e art. 6º da lei 14.382/22.3 O envio dos títulos a registro tende a sujeitar-se às seguintes hipóteses: mediante desmaterialização realizada por notário ou registrador (arts. 23 e 29 do provimento 100/20 do CNJ4 e art. 1º, § 4º, da lei 6.015/73); ou  mediante apresentação na serventia, em meio físico; ou, ainda,  quando assinado digitalmente pelos representantes do credor, atendendo aos requisitos da Infraestrutura de ICP-Brasil (art. 17, § 1º, da lei 6.015/73, itens 366 e 366.5 do capítulo XX das NSCGJSP). Além disso, o envio do documento deu-se pelas plataformas compartilhadas do ONR - Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico (protocolo eletrônico), infraestrutura igualmente dependente de regulamentação pela Corregedoria Nacional de Justiça. Por fim, nunca é excessivo relembrar o disposto no § 5º do art. 5º da lei 14.063, de 23/9/20, que reza que, no caso de "conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas". Está em causa a ausência de fé pública do apresentante de documentos "digitalizados com requisitos técnicos", conforme se verá de passagem logo a seguir. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo Depois do julgamento dos processos pela Corregedoria Geral de Justiça, o Eg. Conselho Superior da Magistratura do Estado visitaria o tema no julgamento da ap. civ. 1032116-25.2022.8.26.01145, tendo por objeto um instrumento particular de compra e venda e alienação fiduciária em garantia. A parte interessada sustentava (s. m. j., de modo tergiversante) que o instrumento fora "devidamente assinado por todas as partes mediante certificação digital, em conformidade com o inc. I do art. 5º do decreto 10.278/20, dentro do padrão da infraestrutura de ICP-Brasil - Chaves Públicas Brasileira". Todavia, o mesmo interessado declararia que a verificação e confirmação da validade das assinaturas apostas seriam feitas pelo acesso à plataforma privada, "via portal validador", o que indica que a modalidade de assinatura eletrônica seria outra, não a qualificada e que estaria "em conformidade com o inc. I do art. 5º do decreto 10.278/20" (ICP-Brasil). O Oficial corretamente identificara que o título não fora formado nos exatos termos do inc. I do art. 5º do decreto 10.278/20 (ICRP-Br), razão pela qual exigira a apresentação do título em formato "nato-digital e assinatura eletrônica de todos os subscritores ou no original". De fato, o art. 5º contém três incisos - o primeiro deles trata exatamente da assinatura eletrônica qualificada, firmada com o certificado vinculado à ICP-Brasil (inc. III do art. 4º da lei 14.063/20 e § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/01). Extrai-se do texto do v. acórdão: O oficial registrador informou que a plataforma utilizada para a assinatura do título só vale entre as partes que convencionam seu uso; que o título não foi assinado com certificação digital por todas as partes, nos termos do art. 5º do decreto 10.278/20, (omissis); que a assinatura eletrônica qualificada, isto é, com certificado digital ICP-Brasil de todas as partes, é obrigatória para a transmissão de imóveis, não bastando o relatório apensado ao fim do documento para esse fim. O E. Conselho aludiu, de passagem, ao item 366.5 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, que admite o acesso de instrumentos públicos e particulares, portados por intermédio de plataformas eletrônicas, desde que se revista das seguintes formas: "documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes", verbis: 366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes. Parece extreme de dúvida que a utilização de assinaturas eletrônicas avançadas será eventualmente admitida, desde que haja a regulamentação pela Eg. Corregedoria Nacional de Justiça, como já demonstrado acima e nos casos excepcionais, como se verá em seguida. Documentos digitalizados com requisitos técnicos As respeitáveis decisões da CGJSP e CSMSP aludem aos "documentos digitalizados com requisitos técnicos". A expressão foi decalcada do decreto federal 10.278, de 18/3/20, e daria apoio ao revogado provimento CNJ 94 de 28/3/20 (e ao sucedâneo CNN/CN/CNJ-Extra). Com base nesse quadro normativo, busca-se fundamentar o acesso de documentos digitalizados "com padrões técnicos", ou seja, "aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do decreto 10.278, de 18/3/20". Sempre é lembrado que a lei 12.682, de 9/7/12, autorizou a digitalização e o armazenamento em meio eletrônico e a reprodução de documentos públicos e privados (art.  2º-A), porém, desde que preenchidos os seguintes requisitos: Para a garantia de preservação da integridade, da autenticidade e da confidencialidade de documentos públicos será usada certificação digital no padrão da ICP-Brasil - § 8º do art. 2º-A.  O processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de assinatura eletrônica (art. 3º). Os registros públicos originais, ainda que digitalizados, deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente. Os documentos digitalizados deverão observar as legislações específicas e regulamento. A digitalização de documentos feita nos termos da lei 12.682/12 deve observar os requisitos e padrões estabelecidos pelos órgãos competentes - em primeiro lugar, os órgãos do próprio Poder Judiciário. Por outro lado, todos os órgãos públicos devem observar os padrões técnicos estabelecidos nas diretrizes baixadas pelo arquivo nacional (inc. IV do art. 2-A do decreto 4.073/02). Os documentos que os registros públicos recebem, alteram, arquivam, geram (especialmente os atos próprios), seja em que meio for, são reputados documentos de preservação permanente, assim definidos no § 3º do art. 7º da lei 8.159/91. Mesmo os documentos microfilmados não podem ser descartados, mas devem ser recolhidos ao arquivo público (art. 13 do decreto 1.799/99). Este é o sentido do conjunto normativo representado pelos arts. 22 a 27 da LRP e art. 46 da lei 8.935/94. A especificação dos tais padrões técnicos e metadados, exigidos pelo decreto, não foi até hoje estabelecida para o foro extrajudicial. No âmbito de incidência do decreto 10.278/20, coube ao CONARQ, por meio da resolução 48, de 10/11/21, a tarefa de especificar e estabelecer padrões e requisitos técnicos mínimos exigíveis para a garantia de validade (stricto sensu, i. e, em sua ordem) dos documentos digitalizados.6 O próprio Judiciário, no âmbito do CNJ, baixou a resolução 469, de 31/8/22, que estabeleceu critérios para a digitalização de documentos recepcionados e processados em sistemas de gestão documental (que não há para o extrajudicial). É necessário cumprir com os requisitos estabelecidos pela administração "de forma a garantir a integridade, a autenticidade, a confidencialidade, a disponibilidade e a preservação" de tais documentos. A pergunta que sempre calha é esta: Quais são os padrões e requisitos técnicos que os documentos digitalizados devem observar para produzir os efeitos jurídicos que os habilite a ingressar no registro de imóveis? A resposta que sempre ocorre é esta: deve-se observar o padrão de digitalização (anexo I) e a inserção de metadados mínimos (anexo II do decreto 10.278/20). Todavia, a realidade é que qualquer resposta que se dê a esta pergunta acaba sendo despicienda, já que nem os que digitalizam os títulos e os enviam ao registro de imóveis observam, em regra e rigorosamente, os critérios (que nem sequer estão pré-definidos para o extrajudicial), nem os cartórios, que os recepcionam, baseiam-se em regras e padrões uniformes (que igualmente não estão estabelecidos). Não há um programa de gestão documental em meios digitais para os cartórios brasileiros e isto deve ser curado com urgência. Por fim, é preciso reconhecer ser admissível que essa modalidade de assinatura eletrônica - dita"avançada" - possa ser excepcionalmente utilizada, como reconhece o v. acórdão do CSMSP citado. A adoção de um processo modal de admissibilidade de ingresso de títulos ao registro de imóveis, permitiria a assinatura avançada nos casos de mera atualização administrativa dos atos de registro - averbações de casamento, construção, demolição, e várias outras espécies de atos que são praticados com base em documentos públicos, fidedignos, conservados e perenizados na fonte e cujas certidões expedidas sejam reputadas autênticas. Já a assinatura qualificada estaria reservada para as hipóteses de mutação da situação jurídica dos bens matriculados, consoante a regra do inc. IV, § 2º, do art. 5º da lei das assinaturas eletrônicas. Segurança jurídica versus rapidez e agilidade É preciso conciliar segurança jurídica com agilidade, eficiência e rapidez nos processos registrais. Como alcançar um equilíbrio entre esses valores? A resposta acha-se na lei: instrumentos notarizados ou assinados com assinaturas eletrônicas qualificadas. Especialmente para garantia dos interesses do próprio credor hipotecário, todo o esforço para aparelhar os seus instrumentos com a garantia de segurança e fiabilidade é sobejamente compensado pela segurança jurídica das transações. O cancelamento de hipoteca é um ato especialmente importante e de consequências gravosas se não praticado com todo o cuidado e precaução - o chamado "prudente critério" dosd atos normativos do CNJ. Vale a pena conhecer a r. decisão que enfrentou a questão posta por este registrador. Ela pode ser consultada aqui. Pedido de Providências - Averbação de Cancelamento de Hipotecas - Assinatura Eletrônica Avançada. Pedido de providências contra a negativa de averbação de cancelamento de hipotecas de imóvel matriculado. Termo de liberação de garantia hipotecária com assinatura eletrônica avançada, desatendendo às formalidades legais. Discute-se a aplicabilidade da lei 14.063/20 e da MP n. 2.200-2/01, especialmente após a recente alteração pela lei 14.063/24, quanto ao uso de assinaturas eletrônicas em atos de registro imobiliário. Considerando a importância da segurança jurídica nos atos registrais e a necessidade de observância às formalidades previstas na legislação, incluindo a exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas para o cancelamento de hipoteca, julgou-se improcedente o pedido de providências, mantendo o óbice registral imposto pelo Oficial do Registro de Imóveis (ementa gerada pelo ChatDigestum). Decisão disponível aqui. __________ 1 Processo 1153196-61.2023.8.26.0100, São Paulo, j. 17/11/2023, Dje 22/11/2023, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Disponível aqui. 2 Processo CG 1054061-56.2022.8.26.0506, Ribeirão Preto, dec. de 8/3/2024, Dje 12/3/2024, Des. Francisco Eduardo Loureiro. Disponível aqui. 3 No RTD, JACAOMINO, Sérgio. Oficina notarial e registral: Instrumento particular. Título inscritível - Certidão de RTD. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 9 nov. 2022. Disponível aqui. No Registro de Imóveis, JACOMINO, Sérgio. SERP - havia uma pedra no caminho. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 9 nov. 2023. Disponível aqui.   4 O Provimento 100/2023 seria revogado pelo Provimento 149, de 30/08/2023 (Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). Definiu-se a digitalização (ou "desmaterialização") o "processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital" (inc. VIII do art. 285). Tal processo ocorre no âmbito do CENAD - Central Notarial de Autenticação Digital dos notários (artigos 305 e 306 do CNN/CN/CNJ-Extra). 5 Ap. Civ. 1032116-25.2022.8.26.0114, Campinas, j. 9/4/2024, Dje 16/4/2024, Des. Francisco Eduardo Loureiro. Disponível aqui. 6 Os aspectos relacionados com a admissibilidade do "título digitalizado com padrões técnicos" foram abordados em JACOMINO. Sérgio. Original e cópia - o inebriante efeito especular da digitalização. Velhas questões, novos desafios. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 11  mar. 2024. Disponível aqui.
A questão das modalidades de assinatura eletrônica admitidas no registro de imóveis é, ainda, um tema inseguro, assentado sobre um terreno doutrinário movediço, um microssistema em que se mesclam aspectos tecnológicos e jurídicos. Muito já se escreveu e falou sobre as mudanças advindas no bojo da onda reformista representada pela lei 14.382/22 e seus consectários legais e regulamentares. Muitos dispositivos, ainda pendentes de regulamentação, não oferecem um senso de direção, nem um ambiente seguro e livre de controvérsias, base para a atuação diuturna dos registradores. Tive ocasião de enfrentar um caso prático que nesta coluna oficinal trago à consideração dos leitores do Migalhas Notariais e Registrais. Foi-nos apresentado requerimento formulado por grande instituição financeira, firmado por seus representantes legais, em que se autorizava o cancelamento de "ônus"  averbados na Matrícula X (na realidade, averbação-notícia de hipotecas registradas e transpostas nos termos do art. 230 da LRP. A dita averbação se referia a três hipotecas (de 1º, 2º e 3º graus) que gravavam várias unidades de um condomínio edilício. Prenotado regularmente, o título fora posto em devolução com exigências, contra as quais os interessados se insurgiram solicitando a "suscitação de dúvida". Sobrestamos o protocolo e processamos o pleito como pedido de providências. Ao final deste estudo, o leitor poderá acessar a decisão proferida pela magistrada. Disclaimer Antes de prosseguirmos, deixe-me fazer um alerta. Apesar de o pleito ter sido indeferido, a lei faculta ao interessado recorrer à Eg. Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, podendo ocorrer (ou não) a reforma da sentença, razão deste aviso. Penso que, apesar disso, o tema merece ser explorado e discutido, motivo pelo qual o divulgo nestas páginas. Tenho perfeita consciência de que, consentaneamente com a viragem (de)formalista provocada pela reforma legal - igualmente no que diz respeito às assinaturas eletrônicas - , pode estar em curso um processo de substituição progressiva da segurança jurídica - representada pelo rigor formal no acesso dos títulos ao registro (lembrem-se: Autenticidade, autoria, integridade e notarização) - pela segurança econômica e/ou tecnológica. Estes são temas atuais, e, por isso mesmo, merecem profunda reflexão dos registradores e notários brasileiros. Objeções ao ingresso do título As exigências formuladas pelo Registro de Imóveis cingiram-se a um único ponto: O documento foi apresentado fisicamente, cópia simples, extraída de típico documento eletrônico. Por esse motivo, entendeu-se que ele não atenderia às exigências de cumprimento de formalidades legais. Como se sabe, exige-se, para o cancelamento de hipotecas, documento original, datado, assinado, firmas reconhecidas dos subscritores, representantes do credor hipotecário. Na réplica que ensejou o pedido de reconsideração, os interessados agitaram os seguintes argumentos: Haveria expressa referência normativa para acessar o Portal de Assinaturas da instituição financeira, nos termos dos itens 365 e 374 das NSCGJSP - Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça. O termo de quitação fora formado obedecendo-se aos requisitos da ICP-Brasil, sem que se promovesse a distinção entre assinatura avançada e qualificada. Verificação de autenticidade no site do ITI - Instituto de Tecnologia da Informação.  Apresentação de pen-drive com o "documento original" para fins de validação das assinaturas. Envio do título por e-mail. Enfrentamos, respeitosamente, os argumentos do advogado, com nossas objeções submetidas à apreciação do juízo competente. Assinatura ICP-Brasil (itens 365 e 374 das NSCGJSP) De todos os itens que compõem a série indicada pelos interessados, destaco do Capítulo XX das NSCGJSP o seguinte: 366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis. As alterações das ditas NSCGJSP foram consagradas por meio do Provimento CG 56/19, de 11/12/19, baixado pelo então Corregedor Geral de Justiça, des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Os estudos que embasaram a reedição das Normas de Serviço naquela ocasião foram compilados no bojo do Processo CG 81.973/18.1 Portanto, o ato normativo foi baixado em data anterior às sucessivas alterações legislativas que inovaram o panorama das chamadas assinaturas eletrônicas e para a autenticação e verificação de autoria e integridade dos documentos digitalizados que acedem o registro imobiliário. Citem-se, especialmente: a) Lei 14.063, de 23/9/20, que estabeleceu que, "nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, será necessária a assinatura eletrônica qualificada" (inc. IV, § 2º, art. 5º). b) Lei 14.382/22, de 27/6/22. Essa lei alterou as leis 6.015/73 e 11.977/09, entre outras, conforme segue: Lei 6.015/73. Reza o § 1º do art. 17: "O acesso ou o envio de informações aos registros públicos, quando realizados por meio da internet, deverão ser assinados com o uso de assinatura avançada ou qualificada", [...] nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ. Lei 11.977/09. Reza o art. 38: "Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada". Lei 14.620/23. As instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário foram autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada de que trata a lei. Como vimos, os itens das NSCGJSP foram editados anteriormente às leis supervenientes. A sua exegese deve ser iluminada pelo quadro legal atualmente em vigor. A utilização da assinatura eletrônica avançada, de cuja espécie é a utilizada no documento apresentado pelos interessados (§ 2º do art. 10 da MP 2.200-2/01), acha-se pendente de regulamentação pela E. Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos das leis citadas. Em suma: Para o cancelamento de hipotecas - inscrições constitutivas negativas - liberando o imóvel dos direitos reais de garantia, todo o rigor deve ser observado. Para tanto, os requerimentos firmados pelo credor devem ser autenticados pelo notário (inc. II do art. 221 da LRP c.c. inc. I do art. 251 da LRP) ou devem ser firmados pelo credor com assinaturas eletrônicas qualificadas (ICP-Br - § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/01). Distinção entre assinatura eletrônica avançada e qualificada O requerimento apresentado a registro foi firmado com típica assinatura eletrônica avançada, embora traga no seu frontispício o logo da ICP-Brasil. A espécie molda-se ao tipo estabelecido no inciso II do art. 4º da lei 14.063/20: Assinatura eletrônica avançada: A que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável. A modalidade da assinatura avançada vem delineada igualmente na própria MP 2.200-2/01, no § 2º do art. 10: O disposto nesta MP não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Admite-se o uso da assinatura avançada desde que as partes consintam que o documento firmado é "válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento" (Inc. II do art. 4º da lei das assinaturas eletrônicas). Ou seja, o seu uso decorre de um acordo prévio de vontades que envolve não só os firmantes, mas integra, no seu plexo eficacial, aqueles em face de quem o documento produzirá seus efeitos. O registro de imóveis produz efeitos erga omnes; somente a assinatura qualificada supre as exigências de garantia de autoria, autenticidade e integridade dos documentos apresentados a registro, repercutindo os seus efeitos em face de todos os terceiros (além das próprias partes firmantes do instrumento). Tais presunções de autenticidade, autoria, integridade decorrem diretamente da lei, não dependem de qualquer aceitação das contrapartes ou de terceiros. Diz o § 1º do art. 4º da lei 14.063/20: "a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos". Não será mero acaso que a recente reforma legislativa espanhola - lei 11/23, de 8/52 - que transpôs parte das diretivas da UE em matéria de digitalização de atos notariais e registrais, reformando a lei do notariado de 28/5/1862, o Código de Comércio (real decreto de 22/8/1885) e a lei hipotecária, aprovada pelo decreto de 8/2/19463, consagrasse o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas.4 A reforma da lei 14.620/23 e a eficácia contida da norma O interessado poderia agitar em seu favor a recente alteração da lei 14.063/20 que em seu art. 17-A dispôs: As instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada de que trata esta lei. De fato, a lei faculta às entidades financeiras do crédito imobiliário o uso da modalidade avançada ou qualificada de assinaturas eletrônicas - como equiparou seus instrumentos a alguns dos efeitos da escritura pública. Entretanto, é preciso verificar que a eficácia deste dispositivo - especificamente no que se refere aos efeitos que poderão produzir nos registros públicos - acha-se na dependência da regulamentação do SERP - Sistema de Eletrônico de Registros Públicos pela Corregedoria Nacional de Justiça, que haverá de estabelecer os requisitos e padrões de segurança e interoperabilidade de todo o sistema. Ou seja, será o Poder Judiciário, por seus órgãos, que definirá qual modalidade de assinatura eletrônica será utilizada em cada ato específico, seja de mera averbação ou de registro. Diz o art. 38 da lei 11.977/09: Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada, conforme definido no art. 4º da lei 14.063, de 23/9/20. As entidades poderão, de fato, utilizar as assinaturas eletrônicas "nas modalidades avançada e qualificada de que trata esta lei", vale dizer: Para todas as modalidades de operações que realizem, exceto aquelas que haverão de produzir efeitos jurídicos constitutivos ou declarativos no registro de imóveis e que se acham pendentes de regulamentação.5 Além disso, vale repisar: O uso da assinatura avançada somente se legitimará quando for expressamente admitida "pelas partes como válido ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento" (inc. II do art. 4º da lei das assinaturas eletrônicas). No caso dos termos de liberação de garantia hipotecária, trata-se de documento firmado unilateralmente pelo credor e os efeitos que se originarão de seu ingresso no fólio hão de projetar-se erga omnes - inclusive contra o próprio registrador, que poderá ser responsabilizado pela admissibilidade de documentos inidôneos ou fraudados.6 A regulamentação, pelo CNJ, solverá as contradições e desconformidades entre as várias disposições legais. ITI - Verificação de autenticidade O documento apresentado a registro não foi reconhecido pelo ITI do Governo Federal. Todavia, o sistema do próprio banco reconheceu a assinatura do subscritor. Nesse passo, é preciso observar que a autenticação da assinatura não se acha indissoluvelmente ligada à integridade do próprio documento, pois a autenticação se faz por meio de um simples QR-code e pelo código de verificação (hash) que revelam, unicamente, a autenticidade do firmante, não a integridade do documento sobre o qual a assinatura incide. Tampouco se verifica uma vinculação indissolúvel entre uma e outro. Basta pensar na possibilidade de se substituir o conteúdo do documento, mantendo-se a observação lateral e os códigos de verificação (hash e QR-code). O documento poderá servir muito facilmente a todo tipo de fraude. Apresentação de pen-drive com o "documento original" para fins de validação das assinaturas. Envio pelo e-mail O pen-drive não revelava outro arquivo que não o mesmo enviado pelas plataformas eletrônicas. Nada se pode acrescentar além do que foi dito acima. Ao documento portado pelo pen-drive se aplicam as considerações acima dispendidas. Ademais, não se admite o envio de títulos a registro por intermédio de e-mail do interessado, nos termos do item 368.4 das NSCGJSP: O título eletrônico poderá também ser apresentado direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pen-drive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site. Continuação... Vamos na parte II deste pequeno artigo de prática registral - puro suco de direito registral, como tenho dito - apresentar a mais recente jurisprudência acerca do tema. É provável que o cenário se modifique radicalmente com o advento de novas disposições legais, normativas e regulamentares. Estamos em pleno campo movediço.  __________ 1 Processo CG 81.973/2018, São Paulo, J. 11/12/2019, Dje 16/12/2019, Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Disponível aqui. 2 Boletim Oficial do Estado nº 110, de 9 maio 2023 - edição especial. 3 Transposição da Diretiva (UE) 2019/1151 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, que altera a Diretiva (UE) 2017/1.132. 4 No âmbito da União Europeia são utilizadas as assinaturas simples, avançadas e qualificadas, nos termos do Regulamento (UE) 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de julho de 2014. As assinaturas eletrônicas qualificadas produzem efeitos jurídicos e legais equivalentes ao de uma assinatura manuscrita (art. 25, n. 2), desde que sejam criadas observando-se os requisitos previstos no Regulamento. Para efeitos de simplificação, é possível estabelecer uma equivalência entre as assinaturas qualificadas (EQS)  previstas no regulamento europeu e na Lei nº 14.063/2020 e MP nº 2.200-2/2002. 5 Já tive ocasião de demonstrar que a reforma da reforma da reforma (que redundou na Lei nº 14.620, de 2023) é uma perfeita inutilidade. Basta pensarmos que os títulos constitutivos de direitos de garantia, oriundos do SFI e do SFH (instituições do crédito imobiliário), apresentados há décadas nos balcões do Registro de Imóveis, nunca foram autenticados pelos notários, sendo apresentados com a simples assinatura das partes, sem qualquer tipo de reconhecimento. Vide JACOMINO. Sérgio. MP 1.162/2023 - a reforma da reforma da reforma. In: NALINI. José Renato. Sistema eletrônico de registros públicos. Comentado por notários, registradores, magistrados e profissionais. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 380. JACOMINO, Sérgio. Instrumentos particulares, títulos digitalizados - requisitos técnicos. As reformas sucessivas da Lei 14.382/2022. São Paulo: Observatório do Registro, 23 set. 2023. Disponível aqui. 6 Não custa relembrar o cenário periclitante que surgiu no auge da pandemia pelos atos normativos então baixados pelo CNJ - especialmente  em termos de responsabilidade civil. O art. 208 da Código Nacional de Normas do CNJ (Provimento 149/2023), reza: "os oficiais de registro e os tabeliães, a seu prudente critério, e sob sua responsabilidade, poderão recepcionar diretamente títulos e documentos em forma eletrônica, por outros meios que comprovem a autoria e integridade do arquivo (consoante o disposto no art. 10, § 2º, da Medida Provisória 2.200-2/2001)". Parece-nos que o "prudente critério" recomenda exigir, sempre, documentos notarizados ou assinados com certificados emitidos pela ICP-Brasil, deixando as modalidades de assinaturas avançadas (ou mesmo as simples) para pleitos que não inovem a situação jurídica da matrícula. A preocupação não é cerebrina. Há notícia de indícios de crime de falsificação de documentos públicos envolvendo contratos particulares com força de escritura pública da Caixa Econômica Federal (Comunicação de Interesse Geral n. 0048674-67.2023.8.24.0710 do Núcleo IV - Extrajudicial do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina).
A questão da dissonância entre o senso comum e o discurso científico não é propriamente nova, tendo sido apontado já por Weber que o ser humano moderno domina muito menos a técnica presente em seu cotidiano do que seus antepassados, surgindo verdadeira crença na tecnologia, sem que se saiba exatamente como ela funciona1, donde crenças infundadas tenderiam a proliferar na sociedade atual. A tensão, contudo, chegou a um nível dramático mais recentemente, e, para o que aqui nos importa, trafega diuturnamente, inclusive nos meios de informação, quando o assunto é "cartórios". Especificamente, em qualquer debate a respeito do tema, um questionamento inevitavelmente acaba surgindo: Por que o serviço cartorial seria, supostamente, tão caro? Como um típico caso de dissonância entre o senso comum e a literatura científica, esse questionamento vem sendo superado pela pesquisa especializada já há algum tempo. Em estudo feito há mais de década, o professor da Universidade de Harvard, Peter Murray, e o professor da Universidade de Friburgo, Rolf Stürner, compararam os custos das transações imobiliárias em 5 países da Europa (Alemanha, França, Inglaterra, Suécia e Estônia) e em 2 estados norte-americanos (Maine e Nova York), concluindo que, em relação aos custos diretos, ou seja, aqueles derivados imediatamente da própria transação, "it appears that transaction costs are not directly linked to particular systems" 2, ou seja, um sistema poderia ser caro ou barato tanto com a intervenção notarial (relativamente caro para a França e barato para a Estônia), como sem ela (caro para a Inglaterra e relativamente barato para o Maine), apontando, contudo, que "the two jurisdictions with the lowest transaction costs were Estonia and Germany. Transaction cost levels in the less regulated common law jurisdiction of England and the United States, as well as imputated transaction costs in Sweden tended to be significantly heigher". 3 Com isso, cai por terra um primeiro pensamento bastante difundido no senso comum segundo o qual, se não houvesse notários - e a obrigatoriedade de escrituras públicas -, os custos seriam naturalmente menores, por supostamente poderem ser livremente negociados pelas partes de acordo com suas necessidades. O que se observa, na verdade, é que a função de dar segurança às transações de maior vulto acaba sendo absorvida por algum outro tipo de profissional com conhecimento especializado - como se verificou justamente nos países com os custos mais altos -, o qual, na falta de uma regulamentação estatal, tende a estabelecer um preço ainda maior do que aquele presente nos sistemas notariais. De fato, como concluído pelos autores citados, "the total absence of regulation over an activity such as real estate conveyancing, (...) would be likely to lead to oligopolistic practices and a serious exploitation of relatively defenseless customers." 4 Para além do preço menor, o que já seria suficiente para afastar críticas mais simplistas, a intervenção notarial, segundo o estudo citado, parece aportar benefícios que transbordam a relação individual, naquilo que a literatura econômica chamaria de "externalidade positiva", 5 agindo, sobretudo, sobre os mais vulneráveis. Nesse sentido, "the cost of the level of uncertainty and dispute that results in litigation is not only pure financial. A degree of legal certainty is a goal in almost every legal transaction. If either a party is uncertain about his rights or obligations after a transaction is concluded, that party has not received full benefit of the transaction. Uncertainty undermines the planning and execution of post transaction undertakings, such as building, development, or financing. Uncertainty is also a psychological burden, that can become acute if it matures into litigation. And the social cost of litigation on the settled expectations and psychological harmony of parties is well known." 6 Ora, justamente a tradição do sistema notarial latino seria promover a garantia da segurança, inclusive psicológica, dos menos favorecidos na transação. "This tradition bespeaks a solicitude for the psychology as well as the legal position of individuals who may seldom be involved with legal transactions. A party to a notarial transaction need not feel insecurity on account of the superior experience or economic power of the party on the other side, but is entitled to the same attention, advice and support from the notary as are all transaction participants, whether buyer, seller or bank." 7 Essa relação de proteção da parte menos favorecida com o sistema notarial foi também especialmente estudada após a crise do subprime americana de 2008, quando o relatório final sobre as causas da crise produzido pela Comissão Especial do governo americano para tratar sobre o tema conclui haver diversas irregularidades na produção da documentação e instrução aos consumidores por parte das empresas de financiamento, "for example, lenders have relied on 'robo-signers' who substituted speed for accuracy by signing, and sometimes backdating, hundreds of affidavits, claiming personal knowledge of facts about mortgages that they did not actually know to be true". 8 Não à toa, o prêmio Nobel de economia, Robert Shiller, em seu livro sobre a crise, chega a citar como uma das soluções para evitar sua repetição em solo americano o sistema do notariado latino, elencado "another possible default option would be a requirement that every mortgage borrower have the assistance of a professional akin to a civil law notary. Such notaries practice in many countries, although not in the United States. In Germany, for example, the civil law notary is a trained legal professional who reads aloud and interprets the contract and provides legal advice to both parties before witnessing their signatures. This approach particularly benefits those who fail to obtain competent and objective legal advice. The participation of such a government-appointed figure in the mortgage lending process would make it more difficult for unscrupulous mortgage lenders to steer their clients toward sympathetic lawyers, who would not adequately warn the clients of the dangers they could be facing." 9 Ademais, economicamente, a ligação do documento notarial com a segurança preventiva, evitando a litigância, foi objeto de estudo há quase 30 anos, pelo Catedrático de Economia, e diretor do Instituto de Direito e Economia da Universidade Carlos III de Madri, Santos Pastor Prieto, que concluiu que "el examen de la evidencia empírica ha permitido confirmar en un grado razonable - ajustado a la calidad de la información disponible - las proposiciones básicas del trabajo sobre la relación entre litigiosidad e instrumentos notariales. Tanto la actividad notarial como la litigiosidad han crecido, pero más el número de instrumentos que el de los pleitos. La tasa de litigiosidad, esto es, el porcentaje que representan los litigios en relación a los instrumentos totales (.) ha ido decreciendo paulatinamente, desde el 25% en 1960 al 12% en 1989. Más aún, dicha tasa de litigiosidad desciende a medida que aumenta la actividad notarial a lo largo del citado período. La litigiosidad civil ha crecido más en las materias no intervenidas por los notarios que en aquellas otras donde sí intervienen." 10 Ora, em virtude de todos os estudos citados, não deixa de ser curioso11 que o relatório "Doing Business" do Banco Mundial tenha chegado a conclusões exatamente opostas, colocando muitas vezes países que possuíam a intervenção notarial na transação imobiliária como supostamente ineficientes em tal seara e recomendando a utilização do notariado apenas de forma opcional. No Brasil, o referido relatório é apontado por Patrícia Ferraz como o grande impulsionador das reformas do sistema registral - e consequentemente notarial12 - que tomaram rumo durante o Governo anterior, citando Patrícia que "embora o relatório fosse metodologicamente deficiente, (...) é fato que ele servia de referência para alocação de investimentos em todo o mundo, de modo que era estrategicamente importante que o Brasil não desse as costas para esse trabalho e agisse para melhorar sua posição no questionável ranking. (...) Tão importante e tão estratégico que, em setembro de 2017, a Secretaria de Governo da Presidência da República realizou, em Brasília, workshops que tiveram como tema a 'Melhoria do Ambiente de Negócios 2017', dos quais um foi dedicado aos serviços registrais e notariais, tendo como foco o registro de propriedades, subtema do relatório no qual o Brasil figurava em péssima colocação". 13 Da mesma forma, comentando o contexto das reformas legislativas de então, Fábio Rocha Pinto e Silva informa que "Diversas medidas foram adotadas, na lei 14.382/22, com a finalidade de aumentar a eficiência do registro, em muitos casos sob influência direta de reformas fomentadas pelo Banco Mundial". 14 Pois bem, ao que tudo indica, os próprios números do relatório doing business seriam suficientes para a defesa do notariado. De fato, analisando os dados de todos os 190 países pesquisados pelo Banco Mundial, Antonio Cappiello percebeu que "the quality of the transfer is much higher and less expensive if on civil law notary control.". Ainda mais, "Another consideration can be made on the gap between the procedures and time indicators: the most evident gap is on the time. This surely means that the transfer is faster in the civil law notaries countries cluster. If we consider that the indicator on the procedures presents a less evident gap, this mean that in average each procedure is completed quickly. Moreover, considering the possible distortion coming for the implication of the methodology on the calculation of time and procedures (.), a more faithful representation of the reality by these indicators would probably enhance further the important legal control made by highly qualified legal experts (notaries) completing many checks (procedures) faster than systems which do not adopt civil law notaries." 15 Assim, separando os países analisados pelo doing business em dois grupos, segundo a existência ou não de intervenção notarial na transmissão imobiliária, Cappiello observou que os países que contam com a intervenção notarial receberam melhores notas, em todos os critérios analisados pelo relatório, quais sejam, velocidade, qualidade, número de procedimentos e custos, se analisados em conjunto, em comparação aos países sem intervenção notarial. Essas conclusões apenas destoariam no caso de países com renda per capta acima de 45 mil dólares e população abaixo de dez milhões de habitantes, o que, além de representar menos de 7% do todo analisado, ainda faz ressaltar a importância da intervenção notarial para países em desenvolvimento, o que o autor associa a um contexto social mais complexo: "This is to say that the role of notaries is surely helping in the majority of the economies to reach the World Bank above mentioned objectives, especially where the legal certainty is ensured in a preventive way, and avoids inconveniences for all the connected sectors of the country system (e.g. alleviating the burden of tribunals and reducing the costs and damages for the citizens and economic operators). Moreover, in the case of countries with more evident unbalances and information asymmetries among agents involved in the transactions, notaries represent an indispensable guidance and guarantee to overcome cultural barriers and support and guarantee the vulnerable parties." 16 Em suma, esse recente estudo demonstra, com os dados do próprio relatório doing business, justamente aquilo que os estudos anteriores já comprovavam: É uma grande ilusão achar que a eliminação do sistema notarial tout court possa levar ao desenvolvimento espontâneo de uma alternativa de mercado mais eficiente17. Ao contrário, o que se tem demonstrado por uma análise fria dos dados é justamente a eficiência do modelo notarial frente às alternativas existentes no mundo real - e não num idílico sonho de mercado sem custos de transação. Nesses termos, mesmo instituições sérias e reconhecidas acabaram por produzir recomendações com base no senso comum e contrárias à literatura científica. Mas ao menos no que a literatura econômica especializada tem produzido até o momento, tem-se cada vez mais reforçada a função notarial em todos os seus aspectos, inclusive, sob a ótica de sua eficiência econômica. E é um pouco sobre essa eficiência, e, em especial, sobre os "custos" que circulam a escritura pública que se pretende tratar. __________ 1 WEBER, M. Ciência e política: Duas vocações. Tradução de Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martin Claret, 2015. p. 27.  2 MURRAY, P.; STURNER, R. The Civil Law Notary: Neutral Lawyer for the situation. A comparative study on Preventative Justice in modern societies. Munique: C.H. Beck, 2010. p. 150 3 Idem, ibidem. 151. 4 Idem, ibidem, p. 150-151 5 O tema já havia sido tratado no Brasil sob o viés jurídico por Celso Fernandes Campilongo em CAMPILONGO, C. F. Função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade. São Paulo: Saraiva, 2014., Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem em  A raposa e o galinheiro: a MP 1.085/2021 e os riscos ao consumidor. 02.05.2022. Disponível em https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-raposa-e-o-galinheiro-a-mp-1-085-2021-e-os-riscos-ao-consumidor/ . Acesso em 22.08.2023. E Gustavo Tepedino em TEPEDINO, G. O papel do tabelião no ordenamento jurídico brasileiro e a interpretação do art. 38 da Lei 9.514/97. (parecer). Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 2, jul-dez/2012. Todos eles, contudo, sem adentrar nos aspectos econômicos. 6 MURRAY, P.; STÜRNER, R. op. cit. p. 153. 7 Idem, ibidem, p. 160. 8 V. Financial Crisis Inquiry Comission of the United States of America. The Financial Crisis Inquiry Final Report. Official Government edition. Jan. 2011. p. 407. 9 V. SCHILLER, R. P. The Subprime Solution: how today's global financial crisis happened, and what to do about it. Princeton: Princeton University Press. p. 134. A mesma possibilidade de intervenção notarial nas transações econômicas de empréstimo com garantia foi elogiada pelo já citado Peter Murray em French notaries and the american mortgage crisis. Fev. 2012. Disponível aqui. Acesso em 08.12.2023. 10 PRIETO, S; P. Intervención notarial y litigiosidade civil Madrid: Consejo General del Notariado, 1995. p. 76 11 Ou talvez nem tanto, tendo em vista os graves problemas de metodologia e orientação deliberada recentemente revelados sobre o estudo. V. "Chefe do FM é acusada de turbinar China em ranking de negócios do Banco Mundial". Folha de São Paulo, 16.09.2021. Disponível aqui, acesso em 04.12.2023. Ainda, "Revisão externa encontra problemas mais profundos em relatório 'Doing Business' do Banco Mundial". G1. 20.09.2021. Disponível aqui. Acesso em 04.12.2023. E a própria posição do órgão que decidiu descontinuar seu relatório aqui. Acesso em 04.12.2023. 12 Pense-se, por exemplo, no extrato para o envio de títulos ao registro de imóveis. Embora afeito ao tema do registro, por óbvio, influencia diretamente a função dos notários. Sobre o tema, seja consentido citar o nosso KASSAMA, A. Extratos notariais e 'privados' na Lei 14.382/2022: uma análise segundo os princípios do sistema registral imobiliário. In: NALINI, J. R. (Org.) Sistema Eletrônico de Registros Públicos: comentado por notários ,registradores, magistrados e profissionais. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 17-34. 13 In: ABELHA, A.; CHALHUB, M.; VITALE, O. (Orgs.) Sistema Eletrônico de Registros Públicos. Lei 14.382, de 27 de junho de 2022 comentada e comparada. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 15 14 In: ABELHA, A.; CHALHUB, M.; VITALE, O. op. Cit. p. 7. 15 CAPPIELLO, A. Doing Business Report and Real Estate Transfers: Far better with legal controls and notarial guarantee. In: European Xtramile Centre of African Studies. 2020. p. 6-7. 16 Idem, ibidem. 17 No Brasil, o tema pode ser bem captado pela celeuma em idos de 2016 sobre a famosa "taxa Sati", "Taxa do Serviço de Assessoria Técnico-imobiliária", cobrada então pelas incorporadas para a instrumentalização dos contratos particulares. Referida taxa tinha por padrão de mercado a sua fixação em 0,85% do valor da transação, de modo que, considerado o valor da unidade padrão imobiliária na cidade de São Paulo, ter-se-ia a cobrança de valores maiores do que aqueles relativos à remuneração do notário na tabela paulista (desconsiderados os repasses a instituições públicas várias, que, acaso não existissem nas tabelas, acabariam inevitavelmente invocando um problema de financiamento público para toda a população).