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Tema 1.258

STJ: Reconhecimento pessoal sem observar o art. 226 do CPP é inválido

Redação final da tese será elaborada pelos ministros Reynaldo Fonseca e Rogerio Schietti, que destacaram os riscos de contaminação da memória e a obrigatoriedade das formalidades legais.

Da Redação

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Atualizado às 19:27

Por unanimidade, a 3ª seção do STJ  firmou o entendimento de que o reconhecimento de suspeitos realizado sem a observância dos critérios previstos no art. 226 do CPP é inválido e não pode embasar condenação, denúncia ou prisão preventiva.

O julgamento foi realizado sob o rito dos recursos repetitivos e fixou a tese do Tema 1.258. A redação final do enunciado será elaborada em conjunto pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Rogerio Schietti Cruz.

Confira os critérios estabelecidos pelo art. 226:

Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

 (Imagem: Criado por IA)

Reconhecimento de suspeitos sem formalidades do art. 226 CPP é Inválido, decide STJ no Tema 1.258.(Imagem: Criado por IA)

Reconhecimento inválido não serve como prova

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do caso, propôs a fixação de tese reafirmando que o reconhecimento de pessoas deve seguir, obrigatoriamente, os procedimentos legais, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, sob pena de invalidade da prova destinada a demonstrar a autoria do delito.

Segundo o relator, o reconhecimento feito em desacordo com os critérios legais previstos no art. 226 do CPP não pode ser considerado válido, mesmo que posteriormente confirmado em juízo, por se tratar de prova "irrepetível", cuja origem viciada compromete todos os atos subsequentes.

Reynaldo rejeitou os termos "nulidade absoluta" e "contaminação da prova", optando pela terminologia "invalidade", considerada mais adequada à jurisprudência do STJ.

O relator também destacou a contribuição do ministro Rogerio Schietti Cruz para a mudança de entendimento da Corte, citando a reinterpretação do art. 226 do CPP proposta no HC 598.886, em 2020, baseada em estudos sobre a falibilidade da memória humana e os riscos de reconhecimentos contaminados por fatores externos, como estereótipos culturais e traços emocionais.

Ajustes para envitar ambiguidades

O ministro Rogerio Schietti Cruz propôs ajustes à redação da tese para evitar interpretações ambíguas.

Schietti também sugeriu a inclusão de dois novos pontos na tese: a distinção entre reconhecimento formal e mera identificação nominal de pessoas conhecidas da vítima, e a exigência de congruência entre o reconhecimento e o conjunto probatório, reforçando que, mesmo válido, o reconhecimento não tem força probatória absoluta.

O ministro defendeu ainda a incorporação das diretrizes da resolução CNJ 484/22 na tese, com destaque para:

  • Gravação integral do procedimento;
  • Declaração do grau de confiança pela vítima;
  • Alerta prévio sobre a possibilidade de a pessoa reconhecida não estar entre as apresentadas;
  • Proibição de apresentações sugestivas, como álbuns compostos apenas por investigados.

Por fim, propôs distinguir o reconhecimento formal do art. 226 dos casos em que a vítima apenas nomeia alguém previamente conhecido, sem caracterizar reconhecimento em sentido técnico.

Revejam suas condutas

Segundo o ministro, o julgamento representa uma verdadeira guinada jurisprudencial do STJ, e alertou para a resistência ainda existente por parte de operadores do sistema de justiça.

"Infelizmente, ainda verificamos [...]a não aderência, por parte de diversos setores das corporações que integram o sistema de justiça criminal, às orientações da Corte que tem a competência constitucional de interpretar as leis federais."

Nesse sentido, criticou situações em que o MP manteve acusações baseadas apenas em reconhecimentos evidentemente falhos. Mencionou estudo de David Metzger, publicado no Migalhas, que identificou 641 reconhecimentos anulados pelo STJ entre 2023 e abril de 2025. Em 205 dos 255 casos com parecer do MPF, o órgão opinou pela manutenção do ato. "É um dado que precisa ser investigado", alertou.

Estereótipos culturais 

Os ministros também alertaram para o risco de contaminação do reconhecimento por estereótipos sociais, raciais e culturais. O relator observou:

"A nova proposta partiu da premissa de que o reconhecimento efetuado pela vítima em sede inquisitorial não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana (...), além da influência decorrente de outros fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteja exposta ao delito e ao agressor, (...), estereótipos culturais, isso é muito importante, como o humor, classe social, sexo, etnia, etc."

Na mesma linha, o ministro Schietti criticou alinhamentos  enviesados de suspeitos:

"Se colocamos um rapaz negro ao lado de quatro outros brancos, isso vai comprometer a fidedignidade e a curácia epistêmica do ato.(...) Naturalmente, se a pessoa descrita pela vítima ou testemunha tinha a pele de determinada cor e as demais pessoas exibidas tinham a pele de outra cor, o contraste entre suspeito e dubles induzirá o reconhecedor a apontar quem se destacou no alinhamento."

Os ministros reforçaram que as formalidades do art. 226 do CPP existem justamente para evitar viéses e proteger o sistema penal de condenações fundadas em memórias falhas e preconceitos estruturais.

Instituições apontam falhas e riscos do reconhecimento

Pela ANACRIM, o advogado Márcio Guedes Berti ressaltou que o art. 226 do CPP é norma garantidora e não pode ser tratado como mera recomendação. Citou pesquisa publicada no Migalhas por David Metzger, que identificou 641 reconhecimentos anulados pelo STJ entre 2023 e abril de 2025.

O IDDD, por meio de Guilherme Carnelós, alertou para a contaminação da memória e a impossibilidade de se corrigir esse vício. Propôs tese que afirma a nulidade do reconhecimento irregular e a insuficiência do reconhecimento isolado para embasar condenações.

Pelo Innocence Project Brasil, a advogada Dora Cavalcanti defendeu que o reconhecimento irregular é prova imprestável e deve ser tratado como tal. Ressaltou a contribuição da resolução CNJ 484/22 e propôs vincular o debate à teoria da perda de uma chance probatória.

O MP/MG, representado por André Estevam Baldino Pereira, reconheceu a baixa confiabilidade da prova de reconhecimento, mas defendeu que sua invalidade não deve automaticamente gerar nulidade processual, salvo quando se tratar da única prova existente.

A DPU, nos casos paradigmáticos, apresentou situações concretas em que o reconhecimento foi feito sem descrição prévia, com imagens de baixa qualidade ou com alinhamentos visivelmente irregulares, apontando a necessidade de absolvição por ausência de provas válidas.

Casos paradigmas

A tese foi aplicada aos quatro recursos representativos da controvérsia, com decisões distintas, conforme o conjunto probatório:

  • REsp 1.953.602 - Absolvido. Reconhecimento inválido por ausência de alinhamento adequado, falta de descrição prévia e não juntada das imagens aos autos.
  • REsp 1.986.619 - Recurso negado. Reconhecimento ratificado por provas autônomas.
  • REsp 1.987.628 - Recurso negado. Prisão em flagrante logo após o crime e provas independentes justificaram a condenação.
  • REsp 1.987.651 - Absolvido. Reconhecimento contaminado por influência externa entre vítimas e contato prévio com o suspeito.
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