Réus não irão a Júri por vítima baleada por engano, decide STJ
Réus atiraram contra três policiais, mas atingiram por engano uma quarta pessoa. Como os alvos não foram feridos, o STJ afastou nova tentativa de homicídio e manteve o júri apenas pelas três tentativas contra os policiais.
Da Redação
segunda-feira, 8 de setembro de 2025
Atualizado às 15:03
A 6ª turma do STJ decidiu, por unanimidade, manter o afastamento da pronúncia em relação a uma quarta tentativa de homicídio imputada a réus que dispararam contra três policiais civis. Para o colegiado, como os policiais não foram feridos e apenas uma pessoa que não era alvo foi atingida por engano, trata-se de erro na execução (aberratio ictus) com unidade simples.
Nesse caso, o agente responde por tentativa de homicídio contra as vítimas que pretendia atingir, e não se aplica o concurso formal de crimes previsto no art. 70 do CP. Incluir uma quarta tentativa seria bis in idem.
Entenda o caso
O MP/RS denunciou os réus por quatro tentativas de homicídio qualificado. A denúncia narra que eles efetuaram diversos disparos de arma de fogo contra três policiais civis. Os agentes reagiram e não foram atingidos, mas um dos projéteis acabou acertando uma pessoa que não era alvo da ação, que sobreviveu após receber atendimento médico.
Para o parquet, os acusados agiram com dolo eventual, assumindo o risco de atingir qualquer pessoa presente no local. Por isso, pediu a inclusão de uma quarta tentativa de homicídio na pronúncia.
O juízo de 1º grau afastou a pronúncia em relação à tentativa de homicídio contra a pessoa atingida por engano, reconhecendo que se tratava de erro na execução. Essa decisão foi mantida pelo TJ/RS
O Ministério Público, então, interpôs recurso especial ao STJ. Alegou que os réus assumiram o risco de atingir qualquer pessoa ao efetuarem disparos em via pública movimentada, o que caracterizaria dolo eventual. Defendeu, ainda, que a intenção dos acusados deveria ser analisada pelo Tribunal do Júri, e não afastada previamente, com base nos artigos 74, §1º, 413 e 414 do CPP.
Teoria da equivalência
Ao analisar o caso, o relator, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da equivalência, prevista no art. 73 do CP. Segundo essa teoria, o agente responde como se tivesse atingido a vítima originalmente pretendida, de modo que o erro na execução (aberratio ictus) não configura crime autônomo em relação a um terceiro atingido por engano.
No caso concreto, os disparos foram direcionados exclusivamente a três policiais civis, que não chegaram a ser feridos. Apenas uma pessoa alheia à intenção dos acusados foi atingida. Como não houve lesão simultânea à vítima visada e ao terceiro, o relator afastou a aplicação do concurso formal de crimes, previsto no art. 70 do CP.
Imputar uma quarta tentativa de homicídio, portanto, violaria o princípio do non bis in idem, já que os réus já respondem pelas três tentativas contra os policiais.
O relator explicou que, apenas quando há lesão simultânea ao alvo pretendido e a um terceiro, aplica-se o concurso formal. Como os policiais saíram ilesos e apenas um terceiro foi ferido, não há base legal para imputar uma nova tentativa de homicídio por dolo eventual.
Dessa forma, ressaltou que a análise deve se restringir à moldura fática descrita na denúncia, que aponta apenas os policiais como vítimas visadas. Incluir nova imputação com base em dolo eventual extrapolaria os limites dessa moldura e contrariaria o artigo 413 do CPP, que exige apenas juízo de admissibilidade da acusação na fase de pronúncia, e não certeza quanto à intenção subjetiva dos acusados.
"Não havendo duplo resultado, não pode prosperar a imputação de uma quarta tentativa de homicídio por dolo eventual aos recorridos, sob pena de bis in idem, uma vez que, pelo mesmo contexto fático, já respondem por três homicídios tentados contra as vítimas efetivamente visadas. O atingimento de um terceiro decorreu de erro na execução, hipótese em que a norma penal estabelece que o agente deve responder como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, não se configurando crime autônomo em relação ao terceiro atingido."
Com base nesse entendimento, a 6ª turma acompanhou o voto do relator, reiterando o entendimento de que, quando há erro na execução com apenas uma vítima atingida, o réu responde apenas pelas tentativas contra quem ele realmente pretendia atingir. O agravo regimental foi, portanto, não provido.
- Processo: REsp 2.167.600
Leia o acórdão.