Entenda os fundamentos de Moraes para impor cautelares a Bolsonaro
Ministro do STF apontou uso coordenado das plataformas digitais por pai e filho para coagir o Judiciário, influenciar julgamento e instigar sanções estrangeiras contra o Brasil.
Da Redação
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Atualizado às 13:58
A atuação de Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro nas redes sociais foi um dos elementos centrais que levaram o ministro Alexandre de Moraes a determinar medidas cautelares contra o ex-presidente.
O ministro apontou a existência de tentativa de coação institucional, obstrução da Justiça e atentado à soberania nacional. Com base nas alegações finais da PGR, Moraes descreveu com riqueza de detalhes como as postagens de pai e filho evidenciam uma conduta coordenada, voltada a interferir no julgamento da Ação Penal 2.668, na qual o ex-presidente figura como réu por tentativa de golpe de Estado.
Segundo Moraes, Eduardo Bolsonaro utilizou ativamente perfis nas redes sociais, inclusive em inglês, para difundir a narrativa de perseguição política e pressionar o governo norte-americano a adotar sanções contra autoridades brasileiras - especialmente do STF, da PGR e da Polícia Federal.
As publicações teriam se intensificado à medida que o processo avançava para a fase de alegações finais, revelando estratégia deliberada para criar obstáculos ao seu desfecho.
Migalhas analisou a argumentação do ministro. Confira.
Do começo
Em fevereiro de 2025, Eduardo Bolsonaro publicou em sua conta na rede X que Alexandre de Moraes estaria extrapolando sua jurisdição ao impor censura e bloqueio a empresas e pessoas residentes no exterior. No mesmo post, o deputado licenciado afirmou que esse seria o motivo pelo qual Donald Trump e a plataforma Rumble estariam processando o ministro.
Em março, Eduardo concedeu entrevistas ao programa 4 por 4 e à CNN nas quais voltou a abordar o mesmo tema, discutindo riscos ao visto norte-americano de Moraes e defendendo a aplicação de sanções contra o ministro.
Em abril, o deputado afirmou, também na rede X, que Moraes não teria limites ao suspender contas em redes sociais, sustentando que apenas "sanções vindas dos EUA" seriam a única esperança de resgatar a liberdade no Brasil.
Em outra entrevista, declarou que a esquerda estaria em "desespero" ao perceber "a magnitude das sanções americanas".
Apoio do pai
Na decisão, Moraes afirma que Jair Bolsonaro incitou a tentativa de submeter o STF "ao crivo de outro Estado, com clara afronta à soberania nacional" e auxiliou, inclusive com recursos financeiros, o filho Eduardo na articulação junto ao governo dos EUA para a prática de "atos hostis contra o Brasil".
Em publicação no X, Eduardo compartilhou imagens da manifestação convocada por Jair Bolsonaro em junho de 2025 e, novamente, afirmou que "a única maneira de o Brasil estar alinhado com o Ocidente é via @jairbolsonaro e da sanção contra Moraes".
Em depoimento prestado no âmbito do Inquérito 4.995, Jair Bolsonaro confirmou expressamente ter transferido, no dia 13 de maio de 2025, a quantia de R$ 2 milhões a Eduardo Bolsonaro via pix, diretamente de sua conta bancária para a do filho, que já se encontrava no exterior.
A PGR destacou esse repasse como mais um indício da atuação conjunta entre pai e filho na tentativa de obstruir o andamento da Ação Penal 2.668.
Segundo a Procuradoria, o envio de recursos no contexto das ações ilícitas de Eduardo reforça a convergência de propósitos entre os dois - não apenas para interferir no curso do processo penal, mas também para enfraquecer a atividade jurisdicional do STF e provocar abalos econômicos no país por meio de sanções internacionais.
Para Moraes, as postagens públicas e o vultoso apoio financeiro evidenciam atuação coordenada voltada a desestabilizar o funcionamento regular do Judiciário, especialmente do STF, com o objetivo final de garantir a impunidade penal de Jair Bolsonaro.
Ápice
De acordo com Moraes, o ápice das condutas ocorreu após declarações feitas por Donald Trump, em julho, na rede X, consideradas atentatórias à soberania do Brasil e à independência do Judiciário:
"O Brasil está fazendo uma coisa terrível no seu tratamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu observei, assim como o Mundo, como eles não fizeram nada além de persegui-lo, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele não é culpado de nada, exceto de ter lutado pelo POVO. Conheci Jair Bolsonaro, e ele era um líder forte, que realmente amava seu país - além disso, um negociador muito duro no COMÉRCIO. Sua eleição foi muito acirrada e, agora, ele está liderando as pesquisas. Isso não é nada mais, nada menos, do que um ataque a um oponente político - Algo que conheço muito bem! Isso aconteceu comigo, vezes 10, e agora nosso país é o "MAIS ESPETACULAR" do mundo! O grande povo brasileiro não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Estarei acompanhando de perto a CAÇA ÀS BRUXAS de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores. O único julgamento que deveria estar acontecendo é um julgamento pelos Eleitores do Brasil - isso se chama Eleição. DEIXEM BOLSONARO EM PAZ!"
Após essa manifestação, Jair Bolsonaro aderiu ao discurso de Trump, elogiando a mensagem em rede social, atacando o Judiciário e afirmando que respondia a uma "aberração jurídica" e a uma "clara perseguição política". Ele também compartilhou o tweet de Trump e agradeceu o apoio.
Moraes ressaltou que Bolsonaro confirmou, ainda, ter se reunido em 6 de maio de 2025 com Ricardo Pita, conselheiro sênior do Departamento de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, sendo que o teor da conversa foi reservado.
Taxação
Em 9 de julho, Trump publicou nova mensagem criticando o julgamento de Bolsonaro, classificando-o como "caça às bruxas" e "vergonha internacional". Alegou que o Brasil estaria atacando a liberdade de expressão e as eleições livres, e citou decisões do STF que teriam imposto censura a plataformas americanas.
Como retaliação, anunciou que os EUA imporiam, a partir de 1º de agosto de 2025, uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados, além de outras medidas para coibir tentativas de burlar a nova taxação. Trump também afirmou que os EUA se afastariam comercialmente do Brasil, acusando o país de manter políticas injustas e não recíprocas.
Além disso, anunciou a abertura de uma investigação formal contra o Brasil, com base na Seção 301 da legislação comercial norte-americana, devido a práticas desleais e restrições ao comércio digital. Indicou, no entanto, que tais medidas poderiam ser revistas se o Brasil promovesse abertura de mercado e remoção de barreiras.
Em resposta, Eduardo Bolsonaro agradeceu ao presidente dos EUA pelas redes sociais, pleiteando a aplicação da Lei Magnitsky, legislação norte-americana que autoriza sanções contra autoridades estrangeiras.
Pai e filho também manifestaram apoio político a Trump. Eduardo afirmou esperar que, diante das tarifas, "desta vez as autoridades brasileiras tratem do assunto com a devida seriedade".
Jair Bolsonaro aprovou a carta de Trump, afirmando que a taxação era resultado do afastamento do país de valores como liberdade e Estado de Direito, algo que, segundo ele, não teria ocorrido sob sua gestão.
Chamou o processo que enfrenta de "caça às bruxas" contra milhões de brasileiros e elogiou a coragem de Trump. Afirmou, ainda, que o Brasil caminharia para o isolamento internacional caso não fossem tomadas providências.
Concluiu pedindo que os Poderes brasileiros ajam com urgência para "resgatar a normalidade institucional", afirmando que ainda seria possível "salvar o Brasil".
Moraes apontou que Eduardo Bolsonaro declarou publicamente, em redes sociais, que a articulação com o governo norte-americano teria resultado diretamente no anúncio da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros. Na ocasião, divulgou carta assinada em conjunto com Paulo Figueiredo, réu e foragido da Justiça brasileira.
Segundo o ministro, a imposição da tarifa buscaria provocar grave crise econômica, pressionar o Judiciário, interferir nas relações diplomáticas Brasil-EUA e impactar diretamente o julgamento da Ação Penal 2.668.
Para o relator, as condutas de Jair e Eduardo Bolsonaro configuram atos executórios claros e deliberados, verdadeiras confissões públicas de crimes como coação no curso do processo (art. 344 do CP), obstrução de investigação envolvendo organização criminosa (art. 2º, §1º, da lei 12.850/13) e atentado à soberania nacional (art. 359-I do CP).
De acordo com a decisão, os dois teriam atuado para induzir, instigar e auxiliar um governo estrangeiro na adoção de medidas hostis contra o Brasil, com o objetivo de submeter o STF a pressões externas e provocar o arquivamento da AP 2.668.
A "ousadia criminosa", afirma Moraes, foi intensificada com postagens e declarações públicas que atacam frontalmente a soberania nacional e a independência do Judiciário.
Como exemplo, citou publicação feita por Jair Bolsonaro em 11 de julho de 2025, na qual compartilhou vídeo com entrevista de Trump reiterando apoio às medidas adotadas.
Extorsão institucional
Na avaliação de Moraes, a conduta de Jair Bolsonaro se enquadra, em tese, nos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação penal e atentado à soberania nacional. Trata-se, segundo S. Exa., de uma atuação "grave e despudorada".
Como evidência da atuação dolosa, Moraes citou declaração pública feita pelo ex-presidente em entrevista coletiva de 17 de julho de 2025, quando Bolsonaro teria condicionado o fim das sanções tarifárias ao seu perdão judicial, sugerindo que a retirada das medidas econômicas estaria vinculada à concessão de anistia.
Segundo Moraes, trata-se de confissão expressa e consciente de tentativa de extorsão institucional contra o Judiciário.
Na ocasião, Bolsonaro afirmou:
"Vamos supor que Trump queira anistia. É muito? É muito, se ele pedir isso aí? A anistia é algo privativo do parlamento. Não tem que ninguém ficar ameaçando tornar inconstitucional."
Confira:
Moraes conclui que a intenção criminosa de Jair e Eduardo Bolsonaro tornou-se ainda mais evidente após a apresentação das alegações finais pela PGR.
A partir daí, segundo o relator, houve uma escalada nas ameaças contra o procurador-geral da República, com apelos públicos para que o governo dos EUA interferisse diretamente contra autoridades brasileiras.
Segundo o ministro, a tentativa de encerrar a ação penal buscava dois caminhos igualmente ilegítimos: ou pelo arquivamento sumário e infundado, ou pela aprovação de anistia considerada inconstitucional. Em troca, Bolsonaro pleitearia o fim das sanções econômicas e a proteção de autoridades nacionais contra medidas do governo norte-americano.
- Processo: Pet 14.129
Veja a decisão.