STF valida federações partidárias e ajusta regra de prazo de registro
Federações devem ser registradas no mesmo prazo exigido para partidos.
Da Redação
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 18:05
O plenário do STF concluiu, nesta quarta-feira, 6, o julgamento da ação que questionava a criação das federações partidárias, instituídas pela lei 14.208/21.
Por maioria, vencido o ministro Dias Toffoli, a Corte validou a norma, mas conferiu interpretação conforme para uniformizar o prazo de registro das federações ao mesmo exigido para os partidos políticos: até seis meses antes das eleições.
Assim, julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade:
- do inciso III do §3º do art. 11-A da lei 9.096/95; e
- do parágrafo único do art. 6º-A da mesma norma.
Além disso, conferiu interpretação conforme ao art. 11-A da referida lei para exigir que, para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e com registro do estatuto perante o TSE até a mesma data-limite dos partidos políticos.
A decisão ainda determinou que o registro das federações deve ser formalmente comunicado pelo TSE às casas legislativas Federais, estaduais, distrital e municipais, a fim de assegurar o cumprimento do dever de atuação conjunta nas casas legislativas.
A tese de julgamento foi a seguinte:
"I. É constitucional a lei 14.208/21, que institui as federações partidárias, salvo quanto ao prazo para seu registro, que deverá ser o mesmo aplicável aos partidos políticos, sendo vedada a integração dos partidos federados em blocos parlamentares distintos. Excepcionalmente, nas eleições de 2022, o prazo para constituição das federações foi estendido até 31 de maio daquele ano.
II. No caso das federações constituídas em 2022, admite-se que nas eleições de 2026 os partidos que a integraram possam alterar sua composição, ou formar nova federação, antes do decurso do prazo de quatro anos, sem a incidência das sanções previstas no art. 11-A, §4º da lei 9.096/95, de modo a viabilizar o cumprimento do requisito de constituição da federação até seis meses antes do pleito."
O que o PTB pedia?
A ação contestava os arts. 1º, 2º e 3º da lei, sob o argumento de que a federação reproduz a lógica das coligações partidárias nas eleições proporcionais - mecanismo proibido pela EC 97/17.
O PTB sustentou que a norma é inconstitucional por violar os princípios da representatividade proporcional e da autonomia partidária, além de contrariar o texto constitucional então vigente à época de sua tramitação no Congresso.
Segundo a legenda, a federação compromete a autonomia dos partidos ao exigir atuação conjunta por ao menos quatro anos e promoveria a transferência artificial de votos entre partidos com pouca afinidade real, ferindo a vontade do eleitor.
Argumentou ainda que o projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados já sob a nova redação constitucional que veda coligações proporcionais, o que exigiria novo exame pelo Senado.
Liminar
Em 2022, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, já havia deferido parcialmente a liminar para fixar o prazo de constituição das federações partidárias em seis meses antes do pleito, em simetria com o prazo legal para o registro de estatutos dos partidos políticos.
A medida visava evitar insegurança jurídica nas eleições daquele ano e foi referendada pelo plenário.
Voto do relator
Ministro Luís Roberto Barroso votou pela constitucionalidade da lei 14.208/21, ressalvando, contudo, a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado quanto ao prazo de registro das federações perante a Justiça Eleitoral.
Na análise da tramitação legislativa, Barroso afastou a alegação de inconstitucionalidade formal.
O projeto de lei, segundo o presidente da Corte, foi regularmente aprovado pelas duas Casas sob diferentes redações do art. 17, § 1º, da CF, antes e depois da EC 97/17, que vedou coligações proporcionais. Para o relator, a superveniência da emenda não exigiria o retorno do projeto ao Senado, pois o conteúdo não foi alterado pela Câmara.
Quanto ao mérito, Barroso diferenciou expressamente federações de coligações.
Segundo o ministro, as coligações configuravam alianças temporárias e sem coerência programática, "implicando em evidente fraude à vontade do eleitor".
Já as federações, sustentou, pressupõem afinidade ideológica, atuação parlamentar conjunta por pelo menos quatro anos, estatuto e programa próprios, com fiscalização do TSE.
"As federações não implicam transferência ilegítima de votos, como ocorria com as coligações proporcionais", destacou.
O relator reconheceu que o modelo pode, eventualmente, retardar a redução do número de partidos, mas ponderou que a avaliação sobre sua conveniência e oportunidade cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário.
"Em exame abstrato da matéria, não se vislumbra inconstitucionalidade", afirmou, deixando aberta a possibilidade de reavaliação futura, caso distorções surjam na prática.
Barroso identificou, no entanto, quebra de isonomia no tratamento dado às federações quanto ao prazo de registro.
Enquanto partidos precisam obter registro seis meses antes do pleito, a lei permitia que federações fossem formalizadas até o final das convenções partidárias, o que, segundo Barroso, configurava vantagem competitiva indevida.
Com isso, votou para declarar a inconstitucionalidade do inciso III do §3º do art. 11-A da lei 9.096/95 e do parágrafo único do art. 6º-A da lei 9.504/97, na redação da lei 14.208/21. Também propôs interpretação conforme à Constituição para exigir que as federações sejam registradas até o mesmo prazo aplicável aos partidos políticos.
Além disso, determinou que o TSE comunique formalmente o registro das federações às casas legislativas, nos níveis Federal, estadual, distrital e municipal, de forma a assegurar a obrigatoriedade de atuação parlamentar unificada, sob pena de burla à vedação de coligações.
Confira trecho do voto:
Divergência
Ministro Dias Toffoli ficou vencido ao reiterar posição já manifestada em 2022, quando se opôs à concessão da medida cautelar que fixava o prazo de registro das federações partidárias em seis meses antes do pleito.
Para Toffoli, deve prevalecer o entendimento do Congresso Nacional quanto aos prazos e à lógica do processo eleitoral.
Em seu voto, o ministro defendeu a necessidade de autocontenção judicial em matérias político-eleitorais e destacou que o prazo previsto originalmente, até o fim do período de convenções partidárias, em 5 de agosto do ano eleitoral, encontra respaldo na legislação vigente.
"O prazo para o registro dos partidos políticos, seis meses antes do pleito, antecede, de maneira lógica, as convenções partidárias. Nestas, sim, são realizadas as escolhas dos candidatos e a formação das federações", afirmou o ministro.
Toffoli fez ampla reconstrução histórica das transformações no sistema político-partidário brasileiro, citando episódios como a verticalização das coligações, instituída por resolução do TSE em 2002 e posteriormente revogada pela EC 52/06, e o debate em torno da cláusula de barreira, inicialmente invalidada pelo STF e depois restaurada gradualmente pela EC 97/17.
Para S. Exa., essas experiências demonstram a capacidade de reação do Parlamento e indicam que o Judiciário deve atuar com prudência nesses temas.
"Nos últimos 20 anos, após o Poder Judiciário interferir em decisões do Congresso sobre o processo político-eleitoral, houve posterior reação legislativa, inclusive por meio de emendas constitucionais", observou.
O ministro ressaltou ainda que a criação das federações foi uma resposta legítima às distorções geradas pelas antigas coligações proporcionais e às dificuldades enfrentadas por partidos menores após a implementação da cláusula de barreira.
Nesse sentido, considerou legítimo o prazo estabelecido pela lei impugnada para a constituição das federações, até o encerramento do período de convenções, por refletir um compromisso político duradouro e alinhado com a escolha de candidaturas.
Ao concluir o voto, Toffoli julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, reafirmando que a norma atacada foi produto de um "longo e dialógico processo legislativo" e que não haveria vício formal ou material que justificasse sua invalidação.
Confira trecho do voto:
Sustentação oral
Em nome do PRD - Partido Renovação Democrática (fusão dos partidos PTB e Patriota), a advogada Ezikelly Silva Barros sustentou a inconstitucionalidade formal da lei 14.208/21, por entender que a criação das federações partidárias exigiria emenda constitucional, e não simples lei ordinária.
Caso prevaleça o entendimento de que apenas o prazo de registro é inconstitucional, ela pediu que o STF fixe os marcos temporais de início e término da federação, com prazo contado a partir do registro no TSE, e não do início da legislatura, para evitar insegurança jurídica.
A advogada também propôs o aprimoramento da resolução TSE 23.670/21, com a comunicação obrigatória do registro às casas legislativas, e solicitou que o STF densifique a modulação para permitir uma "janela federativa" em 2026, que viabilize o desligamento de partidos sem sanções.
Amici curiae
Pelo PCdoB, o advogado Paulo Machado Guimarães defendeu a constitucionalidade da norma, destacando que a matéria se insere na autonomia partidária e não exige alteração constitucional.
Representando a Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), relatou que os partidos atuam de forma unificada no Parlamento, com funcionamento regular e programa comum.
Segundo ele, as federações não são meramente eleitorais, mas instituições políticas legítimas que preservam a identidade partidária, permitindo maior coesão em um sistema fragmentado. Citou experiências internacionais, como a do Uruguai, e apontou que o próprio PRD cogita hoje aderir ao modelo, o que revelaria, segundo ele, uma reavaliação positiva do instituto.
Em nome do Instituto Mais Cidadania, o advogado Roosevelt Arraes também defendeu a constitucionalidade da lei, afirmando que os argumentos contrários se baseiam em hipóteses abstratas, sem violação concreta à CF.
Destacou que o autor da ação, enquanto PTB, votou majoritariamente a favor da norma no Congresso, e que as federações já demonstraram bom funcionamento nas duas últimas eleições.
Rebateu críticas à suposta perda de identidade ideológica, argumentando que o estatuto comum e a fiscalização do TSE asseguram a coesão interna.
Ao final, propôs modulação específica para permitir que federações formadas em 2022 possam se recompor em 2026, sem as penalidades previstas na lei dos partidos políticos, diante da alteração de prazos promovida pela liminar do STF.
Coligações x federações
As coligações partidárias eram alianças temporárias entre partidos, formadas apenas para o período eleitoral.
Na prática, permitiam que partidos se unissem exclusivamente para disputar uma eleição, dividindo tempo de TV, unificando chapas e somando votos para atingir o quociente eleitoral.
Após o pleito, os partidos coligados voltavam a atuar separadamente no Congresso.
Essa prática foi criticada por favorecer legendas sem afinidade ideológica e por distorcer a vontade do eleitor. Por isso, foi vedada para eleições proporcionais (vereadores, deputados) pela EC 97/17.
Já as federações partidárias, criadas em 2021, são alianças mais duradouras e estruturadas: dois ou mais partidos podem se unir e atuar como uma só agremiação por, no mínimo, quatro anos, inclusive no funcionamento parlamentar.
A federação deve ter abrangência nacional, programa e estatuto comuns e obedece às regras de fidelidade partidária. Ela visa garantir estabilidade e coerência ideológica, especialmente para partidos menores que compartilham valores e propostas.
- Processo: ADIn 7.018