A 5ª turma do STJ decidiu, por unanimidade, manter a validade dos RIFs - Relatórios de Inteligência Financeira requisitados pelo MP ao Coaf, mesmo sem ordem judicial. O colegiado atuou em juízo de retratação determinado pelo STF, na Rcl 70.191.
No voto condutor, o ministro Ribeiro Dantas ressaltou que a 1ª turma do STF, ao julgar a reclamação, considerou válida a requisição de relatórios pelo parquet mediante procedimentos formais de comunicação, afastando a tese de “pescaria probatória”.
Os ministros Messod Azulay, Joel Ilan Paciornik e Marluce Caldas também acompanharam o relator. Eles reconheceram as divergências entre o entendimento do STJ e decisões do STF, além da insegurança jurídica gerada, mas reforçaram a necessidade de respeito institucional às decisões da Suprema Corte.
O caso
O TJ/PR havia denegado habeas corpus impetrado pela defesa ao considerar legítima a requisição de RIFs pelo MP no curso de apuração sobre suposto estelionato. Segundo o acórdão, não houve irregularidade no compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira solicitados ao Coaf.
A defesa interpôs recurso ao STJ, sustentando a ilegalidade dos relatórios obtidos sem autorização judicial e sem investigação formal, com base apenas em denúncia anônima.
Argumentou que o pedido do MP foi genérico e indiscriminado, abrangendo mais de 200 pessoas, muitas sem relação com os fatos apurados, além de conter dados anteriores à criação da empresa investigada. Tal dinâmica configuraria “fishing expedition” e violação aos direitos à privacidade e à proteção de dados.
A 5ª turma havia declarado ilícitos os RIFs obtidos antes de investigação formal. No entanto, essa decisão foi cassada pelo STF na Rcl 70.191, que determinou o rejulgamento do caso conforme o entendimento firmado.
Contexto
Em 2019, o STF, no Tema 990, reconheceu a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo (de ofício) de dados por órgãos de controle, como o Coaf, ao MP sem ordem judicial, desde que documentado e sigiloso, no âmbito de procedimento formal identificado e por comunicação oficial.
Contudo, o Tema 990 não tratou expressamente da requisição ativa de dados pelo MP ou pela polícia. Com base nessa lacuna, a 3ª Seção do STJ adotou uma interpretação mais restritiva, segundo a qual apenas o inquérito policial configura procedimento formal apto a embasar a requisição direta de RIFs. A tese fixada foi:
"A solicitação direta de relatório de inteligência financeira pelo Ministério Público, ao Coaf, sem autorização judicial é inviável. O Tema 990 do STF não autoriza requisição direta de dados financeiros por órgão de persecução penal sem autorização judicial."
Divergiram do entendimento majoritário os ministros Ribeiro Dantas, Og Fernandes e Rogerio Schietti Cruz.
437074
Obediência ao STF
No caso atual, Ribeiro Dantas, ressaltou a peculiaridade do retorno do caso à 5ª turma, em razão da procedência da Rcl 70.191 na qual o Supremo reconheceu a legalidade da atuação do MP ao requisitar os RIFs mediante comunicação formal e após diligências iniciais, afastando a tese de busca indiscriminada de dados.
“O Supremo considerou que a minha posição, que havia sido vencida na 3ª seção, estava correta. A tese de ilegalidade e requisição do RIF diretamente pelo MP, sem autorização judicial e sem investigação formal previamente instaurada, encontra óbice no julgamento dessa reclamação, que cassou o acordão da 5ª turma ao considerar que a requisição, no caso dos autos pelo menos, foi formulada de maneira válida pelo MP, e que não existem evidências de busca indiscriminada de dados tratando-se de requisição formulada após diligências prévias."
O relator também comentou a divergência entre entendimentos do STJ e do STF:
“Nós, no STJ, nos encontramos numa situação difícil, porque tem uma turma do Supremo pensando uma coisa e outra pensando outra. Quando a gente decide de um jeito, vem uma decisão dando reclamação para a gente. Quando decide do outro, vem da outra turma.”
Acompanharam o relator os ministros Messod Azulay, Joel Ilan Paciornik e a ministra Marluce Caldas.
Messod ressalvou seu entendimento pessoal, mas sublinhou a obediência institucional às decisões do Supremo: “essa obediência não é uma obediência cega, é uma obediência de respeito ao Poder Judiciário Brasileiro, de respeito àqueles que comandam o STF, que merecem todo o nosso respeito e que diz o que a Constituição é".
Já o ministro Joel Ilan Paciornik apontou a insegurança gerada por recentes decisões monocráticas, em sentidos opostos, proferidas no próprio STF pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Assim, por unanimidade, a 5ª turma, em juízo de retratação, negou provimento ao agravo regimental, em cumprimento à decisão do STF na Rcl 70.191, reconhecendo a validade da requisição de relatórios financeiros pelo MP.
O colegiado propôs, ainda, que o presidente da 3ª seção, ministro Antônio Saldanha Palheiro, registre a divergência em relação aos precedentes da própria Seção, para fins de futura uniformização.
- Processo: RHC 187.335.