COLUNAS

CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Rogerio Mollica A estabilização da tutela por ser um instituto novo em nosso ordenamento vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do direito. Nesse mês foi realizada a II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal e no Grupo de Tutela Provisória e Procedimentos Especiais quase só se discutiram propostas de enunciados sobre a estabilização. O que se viu é que as incertezas e hesitações sobre o assunto são muitas. Uma dúvida que surge é se a estabilização só poderia ocorrer quando a tutela é concedida em primeira instância e não é objeto de recurso ou se a tutela concedida pelo Tribunal e não recorrida também seria hábil a produzir a estabilização. Pense-se no exemplo em que se requer uma tutela provisória antecedente e ela é indeferida pelo juiz de primeiro grau. O autor interpõe agravo de instrumento e a tutela provisória é concedida pelo Tribunal antes do aditamento da petição inicial. Se o réu não interpuser agravo em face dessa decisão, poderia a mesma estabilizar e ocorrer a extinção do processo de primeiro grau (art. 304, § 1º)? A leitura do artigo 304 do CPC parece nos dizer que sim, pois não há na lei qualquer limitação de que a tutela provisória deva ser concedida somente em primeira instância para que ocorra a estabilização. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Heitor Vitor Mendonça Sica: "Restaria saber se a tutela provisória fosse deferida em segundo grau de jurisdição após o manejo de agravo de instrumento contra a decisão de primeiro grau que indeferiu a providência (art. 1.015, I) e antes que tenha havido o aditamento da peça inicial (art. 303 § 1º, I). Fiel à premissa aqui acolhida, entendo que se ao tempo da decisão do tribunal o autor não houver ainda promovido a emenda à peça inicial, com a formulação do pedido de tutela final (art. 303, § 1º, I), pode-se cogitar da estabilização a decisão (monocrática ou colegiada) que houver deferido a medida em grau recursal (hipótese em que o réu será intimado da decisão para que se lhe dê oportunidade de recorrer)." ("Doze problemas e onze soluções quanto à chamada "estabilização da tutela antecipada" in Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015 - coordenação Cássio Scarpinella Bueno...[et al.] - São Paulo: Saraiva, 2016, p. 407)1 O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir nesse mesmo sentido: "Ação de jurisdição voluntária de cancelamento de cláusulas testamentárias de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por testamento lavrado na vigência do Código Civil anterior, tendo o testador falecido antes do advento do atual. Cabimento, nas circunstâncias do caso concreto. Imóveis onerados por dívidas tributárias, sem que o proprietário, que o testador buscou proteger, possa pagá-las. Cláusulas que esvaziam o conteúdo econômico da propriedade, retirando bens do comércio. Sua inconveniência. Disposições, sobre antieconômicas, contrárias à propriedade privada, alicerce da Ordem Econômica e Financeira pátria (Lei Maior, art. 170, II), bem assim afrontadoras das garantias individuais asseguradas no art. 5º, XXII (direito de propriedade), XXIII (sua função social) e XXX (direito à herança) da Constituição. Ofensa tanto ao aspecto estrutural da propriedade, ao aniquilar o direito de dispor, como ao funcional, pois os gravames transformam-se, com frequência, em estorvo para aquele que se buscava proteger, impedindo que os bens sejam explorados adequadamente. Decisão de primeiro grau, que condicionou a própria apreciação do pedido à apresentação, pelo autor, de bens em que se possam sub-rogar os vínculos. Agravo de instrumento do autor, em busca, desde logo de provisão acerca do mérito da ação. Deferimento tão só de tutela antecipatória, na forma do art. 303 do NCPC. Determinação, todavia, diante aquiescência dos possíveis interessados na sucessão dos agravantes, que, intimados, compareceram aos autos, de que se dê o fenômeno da estabilização da antecipação, na forma do art. 304 seguinte, caso não se venham a interpor recursos contra o acórdão. Lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER. O art. 304 em tela desmistificou os dogmas da universalidade do procedimento ordinário de cognição, da sentença e da coisa julgada, que não são mais a única técnica processual para a solução jurisdicional das controvérsias. Interesse da administração da Justiça em que assim seja (economia processual). Princípio da razoável duração do processo. Doutrina de LUIZ GULHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART. A novel técnica de otimização da prestação jurisdicional bem pode (e deve) ser usada em situações gerais que revelem a evidência do direito. Possibilidade de que isto se dê em se tratando de provimento, (des)constitutivo. Pressuposição de que, se da antecipação satisfativa não se recorreu, é porque não se tem interesse na discussão da questão, ou preocupação com os efeitos concretos da tutela antecipada. Agravo de instrumento apenas em parte provido, posto que não julgada de pronto a ação de jurisdição voluntária, como pedido no recurso, mas tão só deferida antecipação de tutela, com possibilidade de estabilização, na forma do art. 304 citado. Determinação de que, não interposto recurso, voltem os autos conclusos ao relator, para extinção do processo da ação de cancelamento de cláusulas (art. 932, I, combinado com o § 1o do art. 304, ambos do NCPC)."(g.n.) (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2252486-22.2015.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/07/2017; Data de Registro: 20/07/2017) Cumpre também ressaltar que a estabilização poderá ocorrer em face de tutelas concedidas por Tribunais em processos cuja competência originária seja dessas próprias Cortes2 e não somente em recursos, como no acórdão supra referido. Portanto, desde que alertadas as partes quanto a possibilidade da estabilização da tutela concedida em segundo grau, conforme inclusive constou do julgado supra referido, parece não haver óbice à incidência do disposto no artigo 304 do CPC nestes casos. ______________ 1 No mesmo sentido é o entendimento de Robson Renault Godinho ao comentar o artigo 304 nos Comentários ao novo Código de Processo Civil, coordenação Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 482. 2 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno em seu Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 232.
Daniel Penteado de Castro Em recente edição desta coluna registramos a preocupação quanto a não aplicação, em determinados julgados, do art. 85, § 2º, do CPC/15, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Em contrapartida, as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado1. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Respeitados os entendimentos postos em tais precedentes, registrou-se a preocupação de tais decisões que, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, deixaram de considerar que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão;2 (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/15), também desestimula a recorribilidade irresponsável (ou para se ganhar tempo), porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/15). Sob tal prisma, (iv) atinge-se um dos desideratos do novel código, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação em detrimento da equidade prevista no art. 85, § 8º. Até porque, (v) o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não. No mais, (vi) tais interpretações subjetivas daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição, porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Por fim, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/15. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no dispositivo retro citado. Bem por isso, quando da seção de julgamento do AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 262.900, em que se decidiria pela relativização ou não do art. 85, § 2º, do CPC/15 a determinado caso concreto, a Quarta Turma do Tribunal de Justiça, valendo-se do art. 14, II, do Regimento Interno de referida Corte Superior3, por maioria decidiu afetar a matéria para ser dirimida pela 2ª Seção, com vistas a prevenir-se a divergência de entendimentos entre turmas integrantes do mesmo órgão colegiado4. Após referido adiamento do julgamento sobreveio pleitos de intervenção, na qualidade de amicus curiae, formulados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP e pelo IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo. Reservadas as razões da aplicação ou relativização causídica do art. 85, § 2º, do CPC/15, espera-se que preceda referido julgamento da oitiva e amplo debate em colaboração para formação do precedente, levando-se em consideração não só as razões acima alinhavadas, mas também examinada a matéria sob todas as óticas e pontos de vista, a enriquecer o debate democrático frente a tema que poderá gerar incerteza e insegurança jurídica acaso decidida a questão limitada a um ou poucos fundamentos, abrindo-se uma porteira de que, "excepcionalmente", a dado caso concreto observar-se-á o dispositivo, em outro não. _____________ 1 Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei? 2 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre. 3 "Art. 14. As Turmas remeterão os feitos de sua competência à Seção de que são integrantes:I - quando algum dos Ministros propuser revisão da jurisprudência assentada em Súmula pela Seção;II - quando convier pronunciamento da Seção, em razão da relevância da questão, e para prevenir divergência entre as Turmas da mesma Seção;III - nos incidentes de assunção de competência." 4 O julgamento anterior já havia sido noticiado neste veículo: clique aqui.
André Pagani de Souza No último dia 5/9/2018 foi realizada audiência pública na sede do Tribunal Regional Federal da terceira região com o objetivo de "dirimir questão controvertida de Direito Processual consistente em dúvida se o redirecionamento da execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica". Trata-se de louvável iniciativa tomada no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) admitido pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região autuado sob o n. 0017610-97.2016.4.03.0000/SP cujo relator é o desembargador Federal Baptista Pereira. O IRDR em questão foi suscitado em agravo de instrumento autuado sob o n. 0012118-27.2016.4.03.0000/SP, da relatoria do Desembargador Federal André Nabarrete, interposto pela União contra decisão que, em sede de execução fiscal promovida em face de pessoa jurídica, instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica, suspendeu o curso da execução fiscal e determinou a citação dos seus sócios, nos termos dos artigos 134, § 3º e 135, caput, ambos da lei 13.105/2015 (CPC). Segundo o entendimento manifestado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), "pedido de redirecionamento" da execução fiscal deveria ser apreciado imediatamente, independente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica". Isso porque, na sua visão, a suspensão automática do processo (CPC, art. 134, § 3º) seria incompatível com a execução fiscal, pois dificultaria muito a busca e o alcance de bens do devedor. Além disso, tal suspensão do processo principal favoreceria a dilapidação patrimonial porque impossibilitaria a prática de qualquer ato tendente à constrição de bens do devedor principal. Assim, caso fosse adotado o entendimento pelo cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no entender da PGFN, seria necessário o manejo de medidas cautelares pela Fazenda Pública para evitar prejuízos, o que se revelaria inviável do ponto de vista prático, em razão da frequência em que é requerido o redirecionamento das execuções fiscais. Logo, para a PGFN, a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em vez de se utilizar o puro e simples "redirecionamento da execução fiscal" colocaria em risco a própria satisfação do crédito fiscal. Entretanto, o julgamento do recurso em questão foi suspenso para a instauração do IRDR por meio de decisão cuja ementa é a seguinte: "PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos. 2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido. 3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido." Com efeito, dentro do âmbito do próprio TRF-3, existe controvérsia acerca da necessidade de instauração (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica disciplinado pelos artigos 133 a 137 do CPC nas hipóteses em que se pretende o redirecionamento da execução do crédito tributário. Confira-se, a propósito, a título meramente ilustrativo, uma ementa de julgado da Terceira Turma do TRF-3 no sentido de descabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. SÓCIO-ADMINISTRADOR. ARTIGO 135, III, CTN. SÚMULA 435/STJ. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGO 133, CPC/2015. 1. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, em razão da Súmula 435/STJ e artigo 135, III, CTN, não se sujeita ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o artigo 133 e seguintes do CPC/2015 e artigo 50 do CC/2002. 2. A regra geral do Código Civil, sujeita ao rito do Novo Código de Processo Civil, disciplina a responsabilidade patrimonial de bens particulares de administradores e sócios da pessoa jurídica, diante de certas e determinadas relações de obrigações, diferentemente do que se verifica na aplicação do artigo 135, III, CTN, que gera a situação legal e processual de redirecionamento, assim, portanto, a própria sujeição passiva tributária, a teor do artigo 121, II, CTN, do responsável, de acordo com as causas de responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN. 3. Configurando norma especial, sujeita a procedimento próprio no âmbito da legislação tributária, não se sujeita o exame de eventual responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que tratam os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015. 4. Agravo de instrumento provido". (TRF-3, 3ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0012070-68.2016.4.03.0000/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, D.E. 05.09.2016, grifos nossos) Por outro lado, cumpre destacar, também a título meramente ilustrativo, ementa de julgado no sentido de admissão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Primeira Turma do TRF-3: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. ART. 13 DA LEI Nº 8.620/93. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL RECONHECIDA PELO STF. REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. INAPLICABILIDADE. SISTEMÁTICA DO ART. 135, INCISO III DO CTN. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO REDIRECIONAMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 135, CTN IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. PRECEDENTES. - Trata-se na origem de execução fiscal ajuizada pela União com o fim de cobrança de débitos previdenciários referentes ao período de 02/2000 a 03/2001, em face da empresa executada e dos sócios-agravantes. - O Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 562.276/PR, reconheceu a inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o qual estabelecia a responsabilidade solidária do titular da firma individual e dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por débitos relativos a contribuições previdenciárias. Posteriormente, o mencionado dispositivo foi revogado pela lei 11.941/2009. - Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o Colendo Superior Tribunal de Justiça adequou seu entendimento a respeito da matéria, por intermédio do regime dos recursos repetitivos, para o fim de afastar a aplicação do citado preceptivo e, com isso, impedir a inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa. (REsp 1153119/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 02/12/2010) - Traçado o contexto normativo e jurisprudencial atinente à questão subjacente aos autos, conclui-se que a inclusão de sócios no polo passivo de execuções fiscais propostas com o objetivo de cobrar contribuições previdenciárias deve obedecer apenas à sistemática do artigo 135, inciso III, do CTN, é dizer, o feito poderá ser redirecionado aos sócios diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos. - Por outras palavras, a mera inclusão dos nomes dos sócios na CDA não tem o condão de efetivamente redirecionar o feito a eles, tampouco de inverter o ônus da prova, por esbarrar em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso. O fator determinante para incluir os corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal é, em realidade, o atendimento ao disposto no artigo 135, III, do CTN. Precedentes. - Ressalto que no caso específico dos autos em nenhum momento ficou demonstrada a ocorrência de uma das hipóteses do artigo 135 do CTN, pelo que não há se falar em redirecionamento do feito aos sócios diretores e representantes, ao menos em cognição sumária e não exauriente deste recurso. - Todavia, observo que, em se constatando posteriormente atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, será possível que se proceda à inclusão dos corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal, observados o lapso prescricional e o procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, arts. 133 e ss). - Agravo de instrumento provido". (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 578788 - 0005458-17.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 11/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2016, grifos nossos). Percebe-se, portanto, a necessidade de se uniformizar o entendimento - dentro do próprio TRF-3 - acerca da compatibilidade (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a lei que rege o processo de execução dos créditos tributários (lei 6.830/1980 ou "Lei de Execuções Fiscais"). Por tais razões, merece aplausos a iniciativa de se instaurar o IRDR para debater e uniformizar o entendimento acerca desta importante questão controvertida, trazendo maior segurança jurídica para todos.
Elias Marques de Medeiros Neto As hipóteses de cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário estão previstas na Constituição Federal, nos artigos 102 (recurso extraordinário) e 105 (recurso especial). O recurso extraordinário tem como objeto questões de direito constitucional, enquanto que o recurso especial se volta para análise de questões de direito infraconstitucional Federal. Caso venha a ser admitido, o recurso especial é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça; enquanto que o julgamento do recurso extraordinário, após ser admitido, compete ao Supremo Tribunal Federal. O artigo 1.029 do CPC/15 deixa claro que os referidos recursos devem ser interpostos em petições distintas perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, demonstrando-se: (i) a exposição dos fatos e das razões de direito; (ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto; (iii) as razões de reforma ou de anulação da decisão recorrida. Caso o recurso esteja fundamentado em divergência jurisprudencial, o recorrente deve observar os termos do parágrafo primeiro do artigo 1029 do CPC/15. Em homenagem aos princípios da instrumentalidade e da economia processual, e em consonância com as normas fundamentais previstas nos artigos 4º, 6º e 8º do CPC/15, o parágrafo terceiro do artigo 1029 do CPC/15 estipula que o Supremo Tribunal Federal e/ou o Superior Tribunal de Justiça podem desconsiderar vicio formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que o vicio seja sanável e não seja considerado grave. Teresa Arruda Alvim1 doutrina que: "Essa é uma grande novidade do NCPC que tem em vista desestimular a jurisprudência defensiva e está em perfeita consonância com uma das linhas mestras do novo código, que é a de que haja relevação ou sanação de vícios, para que o mérito seja julgado". Em regra, o recurso especial e o recurso extraordinário não são dotados de efeito suspensivo. Para que o efeito suspensivo seja concedido, o parágrafo quinto do artigo 1029 do CPC/15 prevê que o recorrente dever formular pedido perante: (i) o tribunal superior respectivo, caso o recurso especial e/ou o recurso extraordinário tenha(m) sido admitido(s), mas ainda não distribuído(s); (ii) o relator, caso o recurso já tenha sido distribuído no tribunal superior; e (iii) o presidente ou vice presidente do tribunal a quo, enquanto o recurso ainda pender de exame de admissibilidade. Cassio Scarpinella Bueno2 lembra que "o parágrafo quinto do art. 1029 trata da competência para concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e/ou recurso especial, consoante o estágio em que o recurso se encontre. Após a redação que lhe deu a Lei 13.256/2016 - e com o flito de harmonizar a previsão aqui anotada com o duplo juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais reintroduzido por aquele diploma legislativo -, a competência para o efeito suspensivo será (...). A regra, e já era assim mesmo na sua redação primitiva, é pertinente para colocar fim a problemas práticos que chegaram perto de se mostrarem insolúveis durante a vigência do CPC de 1973. A previsão que entra em vigor com o CPC de 2015, mercê da precipitada Lei 13.256/2016, contudo - e aqui ela se distancia do texto original do CPC de 2015 - inclina-se para a mesma direção das súmulas 634 e 635 do STF, que foram robustecidas". O artigo 1030 do CPC/15 estabelece que, uma vez interposto o recurso especial e/ou extraordinário, o recorrido deve ser intimado para responder no prazo de 15 dias. Após o decurso do prazo de resposta, o presidente e/ou vice presidente pode: (i) negar seguimento a recurso extraordinário que discuta questão constitucional que já foi considerada sem repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, bem como negar seguimento a recurso extraordinário que recorra de acórdão que está em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal fixado em regime de repercussão geral; (ii) negar seguimento a recurso extraordinário ou recurso especial interpostos contra acórdão que está em conformidade com entendimentos do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça fixados em regime de julgamento de recursos repetitivos; (iii) encaminhar o processo para o órgão julgador recorrido para eventual juízo de retratação, caso o recurso especial e/ou o recurso extraordinário estejam em linha com a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal em regime de julgamento de recursos repetitivos; (iv) sobrestar o trâmite do recurso que versar sobre matéria que aguarda julgamento em regime de recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal; (v) aplicar o disposto no parágrafo sexto do artigo 1036 do CPC/15, e selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional; e (vi) realizar o exame de admissibilidade do recurso especial e/ou do recurso extraordinário, nos termos no inciso V do artigo 1.030 do CPC/15. Caso o recurso venha ser inadmitido, será cabível o agravo ao tribunal superior, nos termos do artigo 1042 do CPC/15. Caso, todavia, o recurso venha a ter seu seguimento negado nos termos do inciso I do artigo 1030 do CPC/15, bem como caso o recurso venha a ter o seu trâmite sobrestado nos termos do inciso III do artigo 1030 do CPC/15, o recurso cabível será o agravo interno, nos termos do artigo 1021 do CPC/15. Teresa Arruda Alvim3 ensina que: "deve-se interpretar, portanto, esta nova lei de redação tormentosa, no sentido de que todas as demais causas de inadmissibilidade, quando detectadas pelo presidente ou pelo vice-presidente, geram decisão passível de ser impugnada pelo recurso do 1.042, além daquelas do art. 1.030, V - as outras, especificamente tratadas pelo legislador, geram decisões impugnáveis pelo agravo interno (arts. 1030, I, III e 1035, parágrafo 7º.)". O artigo 1031 do CPC/15 prevê que na hipótese de interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial, os autos devem ser remetidos primeiro para o Superior Tribunal de Justiça. Após o julgamento do recurso especial, os autos devem ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso extraordinário. Caso o relator do recurso especial considere necessário que o recurso extraordinário seja julgado antes do recurso especial, poderá, em decisão irrecorrível, sobrestar o julgamento do recurso especial e remeter os autos ao Supremo Tribunal Federal. Todavia, o relator do recurso extraordinário, em decisão também irrecorrível, poderá rejeitar a prejudicialidade invocada pelo relator do recurso especial, de modo que determinará a devolução dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para fins de julgamento do recurso especial4. O interessante artigo 1032 do CPC/15 prevê que o relator do recurso especial pode vir a entender que o recurso, na verdade, questiona pontos constitucionais, situação em que concederá ao recorrente prazo de 15 dias para que este elabore a preliminar de repercussão geral e aprofunde a abordagem quanto à questão constitucional. Após cumprida esta determinação, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, e após considerar que o recurso, na verdade, não tem relação direta com questões constitucionais, poderá devolver os autos ao Superior Tribunal de Justiça. Igualmente interessante é o disposto no artigo 1.033 do CPC/15, que prevê que o Supremo Tribunal Federal, ao considerar como reflexa a ofensa à constituição federal abordada no recurso extraordinário, providenciará a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial. Cassio Scarpinella Bueno5 ensina que: "os arts. 1.032 e 1.033 são novidades trazidas pelo CPC de 2015. Diferentemente do que ocorre na hipótese do art. 1031, eles não tratam de dois recursos, extraordinário e especial, interpostos concomitantemente. Há, aqui, apenas, um recurso, especial ou extraordinário, e a discussão sobre quem é competente para julgá-lo consoante o enfoque que seja dada à matéria nele versada. (...). Ambas as regras representam importante novidade trazida pelo CPC de 2015 para combater as dificuldades decorrentes da inconstitucionalidade reflexa, que, em termos práticos, acaba gerando verdadeiro vácuo de competência. Ademais, cabe acentuar que ambos os dispositivos, os arts. 1.032 e 1.033, são reflexo inquestionável do modelo de processo cooperativo desejado pelo CPC de 2015 desde seu art. 6º". O artigo 1034 do CPC/15 evidencia a natureza especial/extraordinária dos recursos, os quais versam eminentemente sobre a aplicação do direito, e não sobre a revisão de fatos ou provas. Nos termos do parágrafo único do artigo 1034 do CPC/15, caso o recurso venha a ser admitido por um dos seus fundamentos, o efeito devolutivo abarcará inclusive os demais fundamentos para a solução da matéria recorrida. Teresa Arruda Alvim6 ensina que: "Trata-se de atribuir ao efeito devolutivo dos recursos excepcionais dimensão vertical: ou seja, possibilidade que o tribunal conheça, uma vez reconhecida a ilegalidade ou a inconstitucionalidade com repercussão geral, das demais causas de pedir ou dos demais fundamentos da defesa". A importância da repercussão geral para o recurso extraordinário vem prestigiada no artigo 1.035 do CPC/15. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá de recurso extraordinário que não tenha matéria reconhecida como repercussão geral, a qual se configura com a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, as quais ultrapassam os interesses das partes do processo. A repercussão geral deve ser demonstrada em capítulo do recurso extraordinário, competindo ao Supremo Tribunal Federal, em caráter exclusivo, verificar se a mesma está presente no caso concreto. A repercussão geral é presumida quando o recurso extraordinário impugna acórdão que contraria súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, bem como que tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal. Cassio Scarpinella Bueno7 ensina que: "O art. 1035 disciplina como deve ser feita a demonstração da repercussão geral do recurso extraordinário, verdadeiro requisito de admissibilidade específico daquela espécie recursal. Requisito este que só pode ser examinado privativamente pelo STF, o qual só poderá negar seguimento ao recurso, por esse fundamento, por decisão de dois terços de seus membros, isto é, pelo entendimento de oito ministros (art. 102, parágrafo terceiro, da CF). (...). Para o parágrafo primeiro do art. 1035, a repercussão geral consiste na existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo". O relator do recurso extraordinário, quando da análise da repercussão geral, pode autorizar a participação de terceiros (artigo 138 do CPC/15), nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Teresa Arruda Alvim8 ensina que: "Este dispositivo, à luz do NCPC, seria até desnecessário, já que a nova lei abriu, expressamente, e de maneira ilimitada, o leque de hipóteses em que pode haver intervenção do amicus curiae. Para que haja intervenção deste terceiro, cuja razão de ser é levar ao juiz/desembargador/ministro dados a respeito da questão constitucional e/ou uma visão diferente da questão a ser decidida, ou própria de certa categoria econômica, basta que o julgador entenda necessária ou útil esta participação...". Uma vez reconhecida a repercussão geral no recurso extraordinário, o relator determinará a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes no território nacional, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão. O recurso que teve a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Caso o interessado tenha o objetivo de evitar o sobrestamento do trâmite de recurso extraordinário intempestivo, é possível que o mesmo apresente requerimento de inadmissão do recurso extraordinário perante o tribunal a quo, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se. Caso este requerimento seja indeferido, com a manutenção do sobrestamento do recurso extraordinário, o interessado poderá interpor agravo interno. O agravo interno também deve ser utilizado para recorrer-se da decisão que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Uma vez negada a existência de repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários que tiveram o seu trâmite suspenso e que versam sobre matéria idêntica9. O CPC/15 também de dedica a regular o regime de julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. O artigo 1036 do CPC/15 estipula que sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para fins de julgamento no regime de recursos repetitivos, observado o disposto no regimento interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. O presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem deve selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando-se a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região. O relator no tribunal superior poderá, ainda, selecionar outros recursos representativos da controvérsia. Caso o interessado tenha o objetivo de evitar o sobrestamento do trâmite de recurso extraordinário ou especial intempestivo, é possível que o mesmo apresente requerimento de inadmissão do recurso extraordinário ou especial perante o tribunal a quo, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se. Caso este requerimento seja indeferido, com a manutenção do sobrestamento do recurso extraordinário ou especial, o interessado poderá interpor agravo interno. Caso o tribunal de origem não tenha a iniciativa de selecionar recursos representativos da controvérsia, o relator no tribunal superior também poderá fazer a seleção, indicando 2 ou mais recursos representativos da matéria repetitiva. O CPC/15 tem o cuidado de indicar aos tribunais que selecionem, para fins de afetação, recursos admissíveis e que contenham abrangente argumentação acerca da matéria repetitiva a ser julgada10. Nos termos do artigo 1.037 do CPC/15, o relator, no tribunal superior proferirá decisão de afetação, na qual determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Uma vez intimadas da decisão de suspensão de seu processo, as partes poderão demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado; requerendo-se o prosseguimento do seu processo, devendo a outra parte ser intimada para se manifestar no prazo de 5 dias. Este pedido será dirigido: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; e (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário, cujo processamento houver sido sobrestado11. A decisão que resolver o requerimento acima referido será recorrível por agravo de instrumento, caso tenha sido proferida por magistrado em primeira instância. Por outro lado, caberá agravo interno, caso a decisão tenha sido proferida no tribunal de origem ou superior. O artigo 1.038 do CPC/15 confere ao relator a possibilidade de solicitar ou admitir manifestação de terceiros em conformidade com o artigo 138 do CPC/15, bem como fixar data para audiência pública. O relator também pode requisitar informações aos tribunais de origem, os quais terão 15 dias para cumprir a determinação. O Ministério Público será intimado para se manifestar em 15 dias após o recebimento das informações. Cassio Scarpinella Bueno12 lembra que "o inciso I do art. 1038 permite ampla participação de terceiros intervenientes na qualidade de amici curiae. São aqueles intervenientes que farão as vezes das 'pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria', observando, desde que não haja restrição à sua ampla participação, fundamentada genericamente no art. 138, o que dispuser o RISTF e do RISTJ". Após essas providências instrutórias, o caso será julgado, sendo que o conteúdo do acórdão deverá abranger os fundamentos relevantes da tese jurídica debatida. Em homenagem à uniformização de jurisprudência, o artigo 1.039 do CPC/15 prescreve que, uma vez decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados considerarão prejudicados os recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os julgarão em conformidade com a tese firmada pelo tribunal superior. No caso de se considerar inexistente repercussão geral no recurso extraordinário afetado, os tribunais considerarão automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários que tiveram seu trâmite suspenso. Também em linha com a necessidade de uniformização de jurisprudência, o artigo 1.040 do CPC/15 é cristalino ao dispor que, uma vez publicado o acórdão paradigma: (i) o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; (ii) o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; (iii) os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; (iv) se os recursos versarem sobre questão relativa à prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada13. Antes de ser proferida sentença, uma vez fixada a tese vinculante firmada no regime de julgamento repetitivo, a parte autora, independentemente do consentimento do réu, poderá desistir da ação em curso na primeira instância, caso a questão seja rigorosamente idêntica à matéria que foi objeto do julgamento. Caso a desistência ocorra antes de apresentada a contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. Se, nos termos do artigo 1.041 do CPC/15, o tribunal de origem mantenha o acórdão divergente, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior para fins de julgamento14. O agravo do artigo 1.042 do CPC/15 é cabível contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial. Todavia, caso a decisão do tribunal de origem seja fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos, caberá agravo interno, e não o agravo de que trata o artigo 1042 do CPC/15. A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal a quo, devendo o agravado ser intimado para resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Após o prazo de resposta, não havendo retratação do tribunal a quo, o agravo será remetido ao tribunal superior competente. Conforme dispõe o parágrafo quinto do artigo 1.042 do CPC/15, o agravo poderá ser julgado conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, sendo assegurado, neste caso, o direito à sustentação oral. Caberá um agravo para cada respectiva decisão de inadmissão de recurso especial e extraordinário. Ou seja, a parte deverá interpor agravo contra a respectiva decisão que inadmitiu o recurso especial e outro agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso extraordinário. No caso de interposição conjunta de ambos os agravos, os autos serão remetidos primeiramente ao Superior Tribunal de Justiça. Após concluído o julgamento do agravo pelo Superior Tribunal de Justiça, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do agravo a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado em razão do julgamento do primeiro agravo dirigido ao Superior Tribunal de Justiça15. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1658. 2 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 713. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1661. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1662. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 719. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1668. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 713. 8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1672. 9 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 715. 10 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1679. 11 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1683. 12 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 727. 13 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 728. 14 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 732. 15 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 733.
Rogerio Mollica A tutela de evidência prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil é uma das muitas "inovações" do novo CPC. O previsto no inciso I, quanto a possibilidade de concessão de tutela provisória independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte já fazia parte do CPC/73. Já a previsão do inciso II, quanto a concessão no caso das alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante se alinha com a tônica do CPC/2015, que é o respeito aos precedentes. Como se sabe, muitas vezes os procuradores dos Entes Públicos se vêm compelidos a contestar e continuar discussões já pacificadas de forma contrárias ao Poder Público, logo, de muita valia pode ser a tutela de evidência quando se litiga em face do Poder Público. O instituto ainda gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública e se as limitações impostas pelo artigo 1.059 seriam aplicáveis também à tutela de evidência e não somente à tutela de urgência. O cabimento da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública parece não trazer qualquer dúvida. Entretanto, como se sabe, o CPC/2015 compilou várias limitações existentes na legislação esparsa quanto ao cabimento de tutelas provisórias em face dos entes públicos. De fato, prevê o artigo 1059: "À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1o a 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7o, § 2o, da Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009". Essas são as clássicas limitações à concessão de tutelas de urgência para a liberação de mercadorias provenientes do exterior, compensação de tributos e pagamento de rendas e proventos a funcionários públicos. Pela análise fria da lei, as limitações abrangeriam também as tutelas de evidência, eis que o artigo 294 prevê que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou, recentemente, tutela de evidência em face do Fazenda Pública, eis que contrária ao artigo 1.059 do CPC/2015, conforme se depreende do seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Indeferimento do pedido de concessão do benefício da justiça gratuita - Juntada de declaração de insuficiência de recursos que vem ao encontro da presunção legal, inexistindo fatos que possam desaboná-la - Pedido de concessão de tutela de evidência, compreensivo do pagamento de valores vencidos desde a data da nomeação, na base da declaração de inconstitucionalidade da regra do artigo 3º-A da LC 432/85 - Impossibilidade de "pagamento de qualquer natureza", à vista da regra do artigo 1.059 do CPC, que se reporta à norma do art. 7º, § 2º, da LF 12.016/09 - Recurso parcialmente provido.(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2215559-86.2017.8.26.0000; Relator (a): Luiz Sergio Fernandes de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Publicação: 20/3/2018) O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 35 prevendo que: "As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência"1. Leonardo Carneiro da Cunha entende que "cabe a tutela provisória de evidência contra a Fazenda Pública, ressalvados os casos de vedação legal quanto à hipótese do inciso IV do art. 311"2. Portanto, o artigo 1.059 não deve ser aplicado para os casos de concessão de tutela de evidência baseada em casos repetitivos ou em súmula vinculante, eis que nesses casos temos praticamente uma certeza quanto a existência do direito e a tutela definitiva só não é entregue de imediato, pois ainda há um trâmite processual a transcorrer. Tal posição é a que melhor se coaduna com a segurança jurídica e com a interpretação sistemática do CPC/2015 e com o seu principal alicerce, o respeito aos precedentes. __________ 1 Nesse sentido também é o entendimento de Fredie Didier Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 04, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 660. 2 A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 321.
Daniel Penteado de Castro Uma das inovações presentes no CPC/2015 quanto ao tema honorários advocatícios diz respeito a base de cálculo de incidência da verba honorária advocatícia fixada na sentença. Enquanto o art. 20, § 3º, do CPC/73 previa que os honorários seriam fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, sobre o valor da condenação, o dispositivo correspondente, desta feita o art. 85, § 2º, do CPC/2015, manteve o percentual de 10% a 20%, porém, "(...) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (...)." (grifou-se) A inteligência do novel dispositivo buscou compensar situações de disparidade, principalmente em ações passivas em que, no regime do CPC/73, ao demandado, vencedor, lhe caberia a sorte de sujeitar-se ao arbitramento de honorários fixados por equidade, cujas regras estão alheias ao subjetivismo do julgador (art. 20, § 4º, do CPC/73). O arbitramento de honorários por equidade, no regime do CPC/2015, ficou reservado ao art. 85, § 8º, para hipóteses pontuais, quais sejam: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º."1 (grifou-se). A literal redação do art. 85, § 2º sedimentou qualquer dúvida quanto a base de cálculo para fixação de honorários advocatícios, restringindo as poucas hipóteses que autorizam a fixação de honorários por equidade. Nesse sentido a doutrina e enunciados interpretativos são maciços: "Seguramente haverá o debate se este § 8.º pode ser utilizado para minorar os honorários, caso o resultado da fixação, conforme os critérios previstos nos diversos parágrafos, leve a uma quantia muito elevada. A resposta deve ser negativa. A opção do legislador foi clara, o presente parágrafo foi inserido com a finalidade de afastar as condenações em valores irrisórios. Assim, é diametralmente oposto ao previsto na legislação aplicar este dispositivo para diminuir os honorários fixados conforme critérios legais."2 "O novo CPC mudou esse cenário. O § 2º do seu art. 85 dispõe que, em qualquer caso, a fixação dos honorários de sucumbência de 10% a 20% sobre o valor da condenação; ou, se este não houver, sobre o valor do proveito econômico; ou, se este não for possível mensurar, sobre o valor dado à causa. (...) O § 8º acrescenta que, se o valor do proveito econômico for irrisório ou inestimável, ou se o valor da causa for muito baixo, na hipótese de incidência dessa base de cálculo, o juiz deverá determinar um valor fixo, conforme os critérios dos incisos do § 2º. Esse valor fixo, por óbvio, jamais poderá ser menor do que a quantia que seria arbitrada a partir do valor do proveito econômico ou do valor da causa."3 "A base de cálculo sempre será 'o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, o valor atualizado da causa', pouco importando se a demanda foi julgada procedente, improcedente ou extinta sem o julgamento de mérito."4 "Enunciado n. 6º, do Conselho da Justiça Federal. A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC." De sorte que o Superior Tribunal de Justiça corroborou a aplicação do art. 85º, § 2º, limitado arbitramento de honorários por equidade somente as hipóteses previstas no § 8º, do aludido dispositivo. Nesse sentido são os entendimentos da 2ª, 3ª e 4ª turmas: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, § 2º, DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Não há falar em aplicação do art. 20, § 4º, do CPC/1973 quando a sentença foi prolatada já na vigência do novo diploma processual civil, sendo imperativa a observância das regras previstas no art. 85, § 2º, do CPC/2015. 3. Deve ser afastada a fixação por equidade, haja vista que a hipótese não se enquadra no § 8º do art. 85 do CPC/2015. 4. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AREsp 1197199/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 19/06/2018, DJe 25/06/2018, grifou-se) "ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. SERVIDORAS DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADMITIDAS A PARTIR DE 2003. DIFERENÇAS DE 24% DE REAJUSTE SALARIAL DECORRENTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL N.º 1.206/87, NO PONTO EM QUE EXCLUIU OS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DE AUMENTO CONCEDIDO AOS DEMAIS SERVIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANIFESTAÇÃO DESTA CORTE APENAS QUANDO FOR IRRISÓRIO OU EXCESSIVO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. I - O Superior Tribunal de Justiça só intervém no arbitramento da verba honorária em situações excepcionais, quando estabelecidos em afronta a texto legal ou ainda em montante manifestamente irrisório ou excessivo, sem que para isso se faça necessário o reexame de provas ou qualquer avaliação quanto ao mérito da causa. II - Na espécie, o acórdão recorrido expressamente fixou os honorários advocatícios de sucumbência à luz dos critérios estabelecidos no art. 85, § 8º, do CPC/15, observadas as diretrizes dos incisos do § 2º. Nada obstante, assiste razão ao recorrente, haja vista ter havido negativa de vigência aos parágrafos 3º e 4º, inciso II, do artigo 85, uma vez que, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, primeiramente devem ser aplicados os parágrafos 3º e 4º com seus respectivos incisos e, subsidiariamente o §8º, apenas quando o proveito econômico for irrisório, ou o valor da causa muito baixo. III - Assim é, porque o inciso II, do §4º traz a solução, quando a Fazenda Pública for parte e não haja condenação principal ou não seja possível mensurar (estimar) o proveito econômico, determinando expressamente a utilização do valor atualizado da causa como base para aplicação dos percentuais previstos no § 3º, veja-se: "§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais: (...)§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º: (...) III - não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa". IV - Neste caso, de rigor a reforma do acórdão, para adequar a fixação dos honorários ao que previsto expressamente no texto legal, não havendo necessidade de incursão na matéria fático-probatória. Neste sentido: REsp 1179333/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 17/05/2010; REsp 531.136/SC, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 06/05/2004, DJ 02/08/2004, p. 503. V - Correta, portanto, a decisão recorrida que deu provimento ao recurso especial, fixando os honorários de sucumbência, distribuídos pro rata entre os sucumbentes (art. 87 do CPC/2015), em dez por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §4°, II c/c §3,1 do CPC/2015. VI - Agravo interno improvido." (STJ, AgInt no AREsp 1232624/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, J. 08/05/2018, DJe 14/05/2018, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES LEGAIS. NÃO OBSERVÂNCIA. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Tribunal Superior de Justiça tem afastado o óbice da Súmula nº 7/STJ, para rever a verba honorária arbitrada nas instâncias ordinárias, quando verifica que o julgador se distanciou dos critérios legais e dos limites da razoabilidade para fixá-la em valor irrisório. 3. O § 8º do art. 85 do CPC/2015 se aplica somente quando o valor da causa é muito baixo e, além disso, seja irrisório ou inestimável o proveito econômico experimentado. Caso contrário, os honorários advocatícios devem ser arbitrados a partir do valor da causa ou do proveito econômico experimentado, com obediência aos limites impostos pelo § 2º do art. 85 do CPC/2015, os quais se aplicam, inclusive, nas decisões de improcedência e quando houver julgamento sem resolução do mérito. 4. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AREsp 1187650/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 24/04/2018, DJe 30/04/2018, grifou-se) "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES PERCENTUAIS. OBSERVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. 2. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85] aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito". 3. No caso concreto, ante o julgamento de improcedência dos pedidos deduzidos em reconvenção, não se tratando de demanda de valor inestimável ou irrisório, faz-se impositiva a majoração da verba honorária, estipulada em quantia inferior a 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp 1731617/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 17/04/2018, DJe 15/05/2018, grifou-se) De igual modo, algumas câmaras do TJSP tem se curvado ao entendimento do STJ que, em verdade, tão somente vem aplicando a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Reconhecimento jurídico do pedido inicial pela ré-apelante - Extinção do processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 487, III, "a", do CPC/2015 - Pretendida dispensa da condenação da ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios - Inadmissibilidade - Inteligência do art. 90 do CPC - Fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa ou 10% de R$ 135.684,19 - Base de cálculo correta, não se aplicando a "apreciação equitativa" prevista no § 8º do art. 85 - Incidência da regra do § 2º do art. 85: fixação entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor atualizado da causa - Limites e critérios previstos nos §§ 2o e 3o aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão (...) Não se aplica a norma do § 8º do art. 85 do CPC/2015 ("apreciação equitativa do juiz"), que trata das hipóteses de "valor inestimável" da causa, de "irrisório proveito econômico" da demanda, ou "quando o valor da causa for muito baixo". No caso, o valor da causa não era inestimável, sendo, ao contrário, definido em valor certo, que não era baixo (R$ 135.684,19 em 02-12-2016). E o reconhecimento jurídico do pedido não afasta o proveito econômico da demanda, que continuou subsistindo independentemente da atitude tomada pela ré-apelante depois de citada para os termos da ação. Assim, não se encartando a hipótese dos autos numa daquelas que a lei autoriza a aplicação da "apreciação equitativa", incide a regra do § 2º do art. 85 do CPC: "Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa". (...)" (TJSP, Apelação 1131155-47.2016.8.26.0100, Rel. Álvaro Torres Júnior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 13/08/2018, grifou-se) "Embargos de declaração. Contradição reconhecida quanto ao critério utilizado para o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Inaplicabilidade da regra prevista no art. 85, § 8º, do CPC. Valor fixado em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do mesmo diploma legal. Embargos acolhidos, com efeitos modificativos. (...) De fato, não era o caso de arbitramento dos honorários por equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, uma vez que não era inestimável ou irrisório o proveito econômico da causa, tampouco era muito baixo o valor atribuído à causa. Conforme lição de Ronaldo Cramer sobre os parâmetros de fixação dos honorários de sucumbência, o §2º do artigo 85 dispõe que a definição da sucumbência deve ser entre 10% a 20% sobre o valor da causa, quando não houver valor da condenação ou não for possível mensurar o valor do proveito econômico. Ainda, sobre o paragrafo 8º do mesmo artigo, deve servir de critério quando os requisitos do § 2º tiverem valores irrisórios ou inestimáveis (Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, Coord. Cassio Scarpinella Bueno, Saraiva, 2017, p. 445). (...)" (TJSP, Embargos de Declaração n. 2147665-93.2017.8.26.0000, Rel. Hamid Bdine, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13/08/2018, grifou-se) "(...) Honorários sucumbenciais. Autor que pede a majoração, mediante a fixação da verba honorária advocatícia com base no § 2º do art. 85 do CPC e ré que, por sua vez, pugna pela redução do valor arbitrado por equidade em R$ 6.000,00. Regra § 8º do art. 85 do CPC que está restrita as situações expressamente previstas. Impossibilidade da fixação da verba honorária por equidade no caso concreto. Inteligência do § 2º do art. 85 do CPC. Honorários fixados em 11% do valor da causa, quantia apta a remunerar condignamente o advogado pelo trabalho realizado nos autos. Sentença parcialmente reformada. Recurso da ré desprovido, provido o recurso do autor, para fixar os honorários advocatícios em 11% do valor atualizado da causa, já considerado o trabalho realizado na fase recursal, nos termos do § 2º e 11 do art. 85 do CPC. (...)Assim, em regra a norma ostenta caráter objetivo, em relação aos patamares mínimo e máximo da verba, reservando ao julgador a ponderação acerca dos critérios estabelecidos no dispositivo em questão. A fixação por equidade dos honorários advocatícios está restrita às hipóteses do § 8º do art. 85 CPC, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo" (...)" (TJSP, Apelação n. 0900626-14.2012.8.26.0506, Rel. Rodolfo Pellizari, 6ª Câmara de Direito Privado, j.10/08/2018, grifou-se) "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. MAGISTRADO QUE, EM VIRTUDE DA SUCUMBÊNCIA DO AUTOR, FIXOU OS HONORÁRIOS, POR EQUIDADE, NO VALOR DE R$ 3.000,00. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. VALOR DA CAUSA ATRIBUÍDO EM R$ 84.044,80. MONTANTE LÍQUIDO QUE NÃO PODE, ADEMAIS, SER TIDO POR IRRISÓRIO. FIXAÇÃO POR EQUIDADE QUE APENAS SE JUSTIFICA QUANDO O VALOR DA CAUSA FOR INESTIMÁVEL, IRRISÓRIO OU MUITO BAIXO. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 8º DO NCPC. CASO EM QUE INCIDE O ART. 85, § 2º DO ESTATUTO PROCESSUAL. HONORÁRIOS MAJORADOS PARA 10% DO VALOR DA CAUSA. SENTENÇA REFORMADA NO TOCANTE. RECURSO PROVIDO." (TJSP, Apelação n. 1042885-47.2016.8.26.0100, Rel. Vito Guglielmi, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 06/10/2017, grifou-se) Em contrapartida, no mesmo tribunal é possível encontrar recentes entendimentos em sentido contrário, para se relativizar o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015, senão lhe conferir interpretação extensiva e na contramão de referido dispositivo: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Execução por título extrajudicial - Fixação - Hipótese em que a sistemática do § 2º, do art. 85, do NCPC, implicaria violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, acarretando enriquecimento sem causa e gravame excessivo - Aplicação por extensão dos critérios previstos no § 8º, do art. 85, do NCPC - Decisão mantida - Recurso improvido. (...) Assim, necessária se faz a interpretação sistemática da referida norma. E, com efeito, dispõe o art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil que a verba honorária deve ser fixada levando-se em consideração: i) o grau de zelo do profissional; ii) o lugar de prestação do serviço; iii) a natureza e a importância da causa; iv) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Ora, sem desmerecer o trabalho dos patronos do agravante, mas é inegável que a verba honorária pretendida por estes é excessiva. Não se questiona a dedicação dos profissionais contratados pelo agravante, mas a fixação da verba naquele patamar ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ressalte-se que o art. 85, § 8º do Código de Processo Civil assevera que: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o." Pois bem, se a fixação da verba honorária por equidade é permitida quando sua fixação se mostrar irrisória, de rigor utilizar-se uma interpretação extensiva do referido dispositivo para permitir sua aplicação quando a verba honorária se mostrar excessiva. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2089443-98.2018.8.26.0000, Rel. J. B. Franco de Godoi, 23ª Câmara de Direito Privado, j. 17/08/2018, grifou-se) "APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) Honorários. Redução da verba honorária. Valor fixado em montante exorbitante, diante da diminuta complexidade da causa. Impossibilidade, nesta hipótese, de utilização de percentual do valor da causa, admitindo-se, excepcionalmente, o arbitramento por equidade. Inteligência dos arts. 85, §2º, IV e §8º do CPC. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido." (TJSP, Apelação / Remessa Necessária 0211179-51.2013.8.26.0014, Rel. Djalma Lofrano Filho, 13ª Câmara de Direito Público, j. 15/08/2018, grifou-se) "(...) HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - Valor que se mostrou excessivo - Possiblidade de adoção da equidade como parâmetro - Aplicação do art. 85, § 8º do Código de Processo Civil - Considerados os parâmetros estabelecidos pelas alíneas do §2º, artigo 85, do Código de Processo Civil - Valor reduzido - Recurso oficial que se considera interposto - Ação, na origem, julgada procedente - Sentença reformada apenas para reduzir os honorários advocatícios - Recurso oficial desprovido, dando-se provimento ao recurso voluntário. (...) Entendo ser hipótese de exceção à regra do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil, em que a verba honorária deve ser arbitrada por equidade, nos termos do § 8º mencionado artigo legal. (...)" (TJSP, Apelação n. 1001372-70.2016.8.26.0142, Rel. Ana Liarte, 4ª Câmara de Direito Público, j. 13/08/2018, grifou-se) "(...) Sucumbência - Verba honorária - Advogado apelante que objetiva o arbitramento da verba honorária em 20% sobre o valor da causa, isto é, sobre R$ 59.638,20, atualizado desde o ajuizamento da ação, com apoio no art. 85, § 2º, do atual CPC - Descabimento - Fixação por equidade, com fundamento no art. 85, § 8º, do atual CPC - Aplicação do princípio da razoabilidade, consagrado no art. 8º do atual CPC, à verba honorária advocatícia - Precedentes do TJSP. Sucumbência - Verba honorária - Atual CPC que veda não apenas o aviltamento da verba honorária decorrente de sua fixação em patamar irrisório, mas também o seu arbitramento em valor que ocasione o enriquecimento sem causa - Justa remuneração devida ao advogado pelos serviços prestados que há de ser valorizada em cada caso - Verba honorária, de modo mais justo, estipulada em R$ 2.000,00 - Sentença reformada nesse ponto - Apelo do advogado da corré provido em parte. (...) O valor dos honorários advocatícios deve ser arbitrado por apreciação equitativa, prevista no art. 85, § 8º, do atual CPC. Ora, não é plausível que a legislação processual objetive impedir, de um lado, a fixação de honorários advocatícios irrisórios (art. 85, § 8º, do atual CPC), autorizando, de outro, a fixação de valor que importe em enriquecimento sem causa do advogado. Em cada caso, há de ser valorizada e preservada a justa remuneração devida ao advogado pelos serviços prestados. Por consequência, considerando-se o princípio do razoabilidade, consagrado no art. 8º do atual CPC, observados os critérios tipificados nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do atual CPC, ou seja, o grau e zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, afigura-se mais justo o arbitramento dos honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais). (...)"(TJSP, Apelação n. 1009814-17.2016.8.26.0565, Rel. José Marcos Marrone, 23ª Câmara de Direito Privado, j.16/08/2018, grifou-se) "Revisão de contrato bancário - Procedência - Apelação do autor visando à majoração do valor dos honorários advocatícios - Fixação por equidade - Art. 85, § 8º, do CPC - Razoabilidade - Aplicação do disposto no CPC, art. 85, § 2º, que importaria em enriquecimento sem causa do advogado, observadas as diretrizes dos seus incisos I, II, III e IV - Apelação não provida. (...) A possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa foi mantida em sua essência pelo Código de Processo Civil vigente, embora o dispositivo faça referência expressa às hipóteses em que o valor da causa for muito baixo ou o proveito econômico seja inestimável ou irrisório. Ao interpretar esta norma, a jurisprudência tem entendido que o objetivo não é apenas evitar a fixação de verba honorária em valor irrisório, mas também conter o arbitramento em montante exorbitante, que não se justifique. É razoável que a verba honorária seja arbitrada equitativamente nas ações que resultem em honorários advocatícios vultosos e incompatíveis com o trabalho exercido pelo profissional, sob pena de implicar em enriquecimento sem causa do advogado, situação vedada pelo ordenamento jurídico. (...)" (TJSP, Apelação n. 1006004-33.2017.8.26.0554, Rel. Gil Coelho, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 09/08/2018, grifou-se) "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cumprimento de sentença. Processamento do incidente rejeitado. Pretensão à majoração. Aplicação do §2º, do art. 85, do CPC, que redundaria em valor excessivo. Valor da causa elevado, que pode resultar em honorários incompatíveis com o trabalho desenvolvido no processo. Apreciação equitativa. Aplicação, por analogia, do §8º, do art. 85, CPC. Precedentes. Honorários bem fixados. Manutenção. Recurso não provido." (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2083066-14.2018.8.26.0000, Rel. Fernanda Gomes Camacho, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 10/08/2018, grifou-se) Consoante se verifica nos precedentes supra citados, a relativização do art. 85, § 2º é aplicada à luz de interpretação extensiva, do princípio da proporcionalidade e até rotulado como enriquecimento sem causa do patrono do vencedor na demanda. Respeitados os entendimentos acima, que revelam divergência jurisprudencial no seio do mesmo tribunal, não se pode perder de vista que o valor causa, da condenação ou do proveito econômico (adotados como base de cálculo para fixação da verba honorária advocatícia) também atuam como balizadores do ônus financeiro do processo. Em outras palavras, na medida em que os honorários advocatícios são fixados em percentual a incidir sobre os critérios estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC, a aplicação de referido dispositivo evita a formulação de pedidos munidos de valores exorbitantes e até mesmo irresponsáveis, porquanto o demandante, ciente de que em possível perda da demanda será aplicada verba honorária a incidir em percentual sobre o valor da causa, seguramente pleiteará em juízo proveito econômico ligado àquilo que efetivamente acredita ter razão. Também não se pode perder de vista que, sendo o custo do processo mais alto (porquanto a verba honorária advocatícias é fixada em percentual de 10% a 20% sobre o valor da causa, proveito econômico ou valor da condenação), por vezes tal regra também fomenta a cultura da conciliação, senão a colaboração das partes para, por meio de negociações extrajudiciais, evitarem, a todo custo, a judicialização da controvérsia, porquanto sabedoras de que sobre eventual sucumbência considerada em valores elevados também pesará a verba honorária incidente sobre uma condenação de grande vulto. Ainda, em eventual sucumbência e fixada a verba honorária nos moldes do art. 85, § 2º, do CPC, não se pode olvidar que o sucumbente/recorrente certamente pensará duas vezes quanto as efetivas chances de reforma ou anulação do julgado em recurso de apelação, porquanto ciente que daqueles honorários já fixados (ainda que considerados "exorbitantes"), uma vez mantida a decisão impugnada, haverá majoração da verba honorária advocatícia (art. 85, § 11º, do CPC/2015). Sob este prisma, tal medida também atinge um dos desideratos do CPC/2015, ligados a se mitigar a cultura da recorribilidade e desafogar a lotada pauta de julgamentos dos tribunais. Do contrário, salvo melhor juízo, o subjetivismo do aplicador da lei naquilo que enxerga como honorários "excessivos", "exorbitantes" que "agride o princípio da proporcionalidade" ou "que viabiliza o enriquecimento sem causa do patrono da parte", cujo grau interpretativo varia de julgador para julgador, não obstante trazer um juízo de incerteza e violador de novel dispositivo de um código que sequer completou três anos de vigência, vai na contramão do quanto apontado nos parágrafos acima, a viabilizar o ajuizamento de demandas pleiteando irresponsavelmente valores elevados para, em eventual sucumbência, a verba honorária advocatícia deixar de conter congruência alguma com o volume financeiro excessivamente pleiteado. A despeito da controvérsia instalada sobre ponto do CPC/2015 que parecia incontroverso, espera-se que as decisões emanadas do STJ sejam respeitadas, senão tenham a devida influência persuasiva na forma que impõe os arts. 926 e 489, § 6º, do CPC/2015, até porque, diga-se de passagem, cabe recurso especial na hipótese prevista no art. 105, III, "c", da Constituição Federal e, certamente, a expectativa das cortes superiores é diminuir o número de interposição de tal espécie recursal. __________ 1 E os critérios para aplicação da equidade permaneceram os mesmos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa e; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 2 DELLORE, Luiz. In. GAJARDONI, Fernando da Fonseca, DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte (coord.). Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 297, grifou-se. 3 CRAMER, Ronaldo. In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil - volume 1 (arts. 1 a 317). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 445, grifou-se. 4 LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. In. GOUVÊA, José Roberto F., BONDIOLI, Luis Guilherme A. e FONSECA, João Francisco N. (coords). Comentários ao código de processo civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 143.
André Pagani de Souza O parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 estabelece que "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível". Tal dispositivo mereceu aplausos da doutrina, conforme se pode verificar da lição de Cassio Scarpinella Bueno: "Merece destaque o parágrafo único do art. 932, segundo o qual é generalizado (corretamente) o dever de o relator criar oportunidade de o recorrente sanar vício, aprimorando, com a iniciativa, a regra que, no CPC de 1973, estava no art. 515, § 4º. Entendimentos radicais (e que já eram equivocados, mesmo à luz do CPC de 1973) como a Súmula 115 do STJ, que não permite a emenda ou correção de atos processuais no âmbito dos Tribunais, não devem subsistir no CPC de 2015. A previsão harmoniza-se com o 'dever-poder-geral de saneamento' previsto no art. 139, IX, e que encontra eco em diversos outros dispositivos do CPC de 2015, inclusive no § 1º do art. 938, que trata da dinâmica do julgamento colegiado" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 845). Também empolgados com o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015, estudiosos do direito processual civil, reunidos no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), formularam o enunciado interpretativo n. 551, cujo teor é o seguinte: "Cabe ao relator, antes de não conhecer do recurso por intempestividade, conceder o prazo de cinco dias úteis para que o recorrente prove qualquer causa de prorrogação, suspensão ou interrupção do prazo recursal a justificar a tempestividade do recurso". Pois bem, não é assim que o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o CPC/2015, como se pode perceber da leitura da ementa de recente julgado abaixo transcrita: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. COMPROVAÇÃO DE FERIADO LOCAL (SEGUNDA-FEIRA DE CARNAVAL E QUARTA-FEIRA DE CINZAS) APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 1.003, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 932 DO NCPC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. Assim, inaplicável à hipótese o entendimento firmado por esta Corte, ainda sob a ótica do regramento processual previsto no Código de Processo Civil de 1973, no sentido de admitir a comprovação, em agravo interno, da ocorrência de feriado local ou suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, como pretende o agravante. 2. De fato, 'a intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis' (AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017). 3. Na contagem dos prazos dos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça cuja interposição deva ser realizada nos Tribunais estaduais, excluem-se os dias referentes à segunda-feira de carnaval e à quarta-feira de cinzas, que não são feriados nacionais, desde que o recorrente comprove, no ato de interposição, que em tais datas não houve expediente forense no Poder Judiciário estadual. 4. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1255609/AL, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)" Tal interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado acima referido está alinhada com o comando do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, que dispõe expressamente que "o recorrente comprovará a ocorrência e feriado local no ato de interposição do recurso". Trata-se, portanto, de regra específica (a do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015) que prevalece sobre a regra geral (a do parágrafo único do art. 992 do CPC/2015), no que diz respeito à inadmissibilidade de recursos. Por isso, é preciso tomar cautela no ato de interposição dos recursos especiais e dos recursos extraordinários a fim de se verificar se eventual feriado que aconteça no curso do prazo para sua interposição é previsto em lei federal. Se não o for, trata-se de feriado local e por isso deve ser comprovada a sua existência no ato de interposição, nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015. Ou seja, nesse último caso, deve-se apresentar cópia da lei ou ato normativo local que criou o respectivo feriado, sendo insuficiente a mera alegação de que se trata de feriado. Se o recurso for protocolado sem a comprovação de que houve feriado local ou ausência de expediente forense, ele não deve ser conhecido por intempestividade à luz do entendimento atualmente apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Em cumprimento de sentença, foi proferida decisão que resolveu a impugnação apresentada pelo executado declarando a inexistência de crédito em favor do exequente. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo exequente, pois ele entendeu que houve a extinção da fase de cumprimento de sentença e, consequentemente, do processo como um todo. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) entendeu que o recurso cabível era o de agravo de instrumento e julgou manifestamente inadmissível a apelação, negando seguimento ao apelo do exequente. O acórdão do TJMG foi proferido após o recorrente interpor embargos de declaração da decisão monocrática que havia negado seguimento ao recuso e, depois, agravo interno da decisão monocrática que manteve a negativa de seguimento da apelação. Eis a ementa do acórdão: "EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL - DECISÃO PROLATADA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CABÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART.1.015,§ ÚNICO, DO NOVO CPC. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão proferida em sede de cumprimento de sentença. (AGRAVO INTERNO CV Nº 1.0024.11.166819-0/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Ferenzini, negaram provimento ao recurso, v. u., j. 02.02.2017, DJe 10.10.2017)" O fundamento dado pelo acórdão acima referido para não admitir o recuso foi o seguinte: "(...) Assim, nos termos do art. 1.015, do novo CPC, o recurso contra decisões proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento (...)". Com efeito, o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". Ocorre que a decisão acima mencionada não levou em consideração o disposto no § 1º do art. 203 do CPC/2015 que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" (grifos nossos). A parte final do § 1º do art. 203 do CPC/2015 deixa claro que a decisão que extingue a execução é uma sentença. No caso sob análise, ao se reconhecer que não há crédito em favor do exequente na fase de cumprimento de sentença, não se pode negar foi extinta a execução fundada em título judicial. Ora, se a decisão é sentença, o caput do art. 1.009 do CPC/2015 prescreve que "da sentença cabe apelação". Cumpre mencionar que o exequente nesse caso concreto interpôs Recurso Especial do acórdão do TJMG e que tal recurso foi julgado em 22.05.2018 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão da 4ª Turma, cujo relator foi o ministro Luís Felipe Salomão, conforme foi noticiado no dia 12.06.2018 pelo referido Tribunal Superior (RESP n. 1.698.344/MG)1. Como era de se esperar, o Recuso Especial em questão foi conhecido e provido, por unanimidade, pela 4ª Turma do STJ. Tal acórdão ainda não foi publicado, mas a notícia dada pelo Tribunal Superior a respeito do julgamento é a seguinte: "(...) De acordo com o relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá o agravo de instrumento nos demais casos. Para as situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou a julguem improcedente, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões não extinguem totalmente o processo. 'No caso dos autos, a decisão que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, a meu ver, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)', disse Salomão (...)2. Em razão do exposto, é importante sintetizar a posição adotada pelo STJ, para todos os que precisam interpretar e aplicar o "CPC na Prática": - se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, caberá recurso de apelação; - se a decisão proferida no cumprimento de sentença acolher apenas parcialmente a impugnação caberá agravo de instrumento; - se a decisão proferida julgar improcedente a impugnação, caberá agravo de instrumento. Nos dois últimos casos, a solução acerca do recurso cabível não poderia ser outra, pois com a improcedência da impugnação ou com o seu acolhimento parcial, o que acontecerá será que a fase de cumprimento de sentença continuará seu curso adiante e não haverá extinção do processo ou fase recursal. ___________ 1 É cabível apelação da decisão que julga procedente impugnação em cumprimento de sentença. Acesso em 19/6/2018. 2 Idem.
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Luiz Guilherme Marinoni2 observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)." Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. Por isso, as manifestações jurisprudenciais autorizando a aplicação do artigo 190 do CPC/15 se mostram interessante norte para a consolidação dos contornos a serem observados pelas partes quando da celebração do negócio processual atípico. No julgamento do Agravo de Instrumento 2002087-65.2018.8.26.0000, conforme acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Gomes, a 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser plenamente cabível o negócio processual atípico para prever medidas constritivas contra o devedor, afastando-se a decisão de primeira instância que havia julgado pela inconstitucionalidade do artigo 190 do CPC/15: "Agravo de instrumento Execução de título extrajudicial - Instrumento particular de confissão de dívida - Cláusula contratual que prevê, em caso de novo inadimplemento, a possibilidade de penhora e arresto de bens antes mesmo da citação Indeferimento da pretensão na origem, sob fundamento de inconstitucionalidade do art. 190 do CPC. Descabimento. A partir do advento do novo CPC, é possível às partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses - Negócio jurídico celebrado entre partes plenamente capazes. Medidas constritivas autorizadas, fixando-se, todavia, a penhora de recebíveis de cartões de crédito e de ativos financeiros a 15% dos valores que vierem a ser encontrados, até quitação integral da dívida, para não inviabilizar a continuidade das atividades da empresa - Decisão reformada - Recurso parcialmente provido. (...). Na espécie, o que se tem da avença celebrada é que o credor anuiu em receber a dívida de forma parcelada e sem atualização, enquanto que os agravados acordaram com a efetivação, no caso de inadimplência, de atos processuais de constrição antecipados e facilitados em caso de eventual descumprimento. Referida convenção revela-se compatível com os princípios e garantias constitucionais. De outro lado, a assertiva dos devedores de que assinaram o instrumento sem orientação jurídica não pode ser aceita, ausente qualquer comprovação da ocorrência de vício de consentimento, dolo, erro, fraude ou coação que pudesse inquiná-lo de nulidade. Registre-se, por oportuno, que a execução é feita no interesse do credor (art. 797 do CPC), sendo inquestionável que já vem sofrendo prejuízos em razão do inequívoco inadimplemento dos devedores. Ademais, a providência pretendida contribuirá de maneira mais célere para a efetividade do processo executivo, cuja finalidade principal é justamente a expropriação de bens do devedor para a satisfação integral do crédito perseguido. (...).Nesse passo, ratifica-se o efeito ativo concedido, para que seja efetivado o arresto sobre os direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária que o fiador Naoto Carlos Saito possui sobre o imóvel constante da matrícula 38.936 1º CRI de Santos/SP - (fls. 54/56 autos principais). De outro lado, igualmente admissível a constrição sobre recebíveis de cartões de crédito no percentual de 15%, até a satisfação do crédito. Outrossim, defere-se, também, o arresto 'on line' sobre 15% do montante que eventualmente for encontrado nas contas correntes e aplicações financeiras de titularidade dos executadas, percentual esse também adotado para não inviabilizar as atividades dos devedores. Por fim, embora sustentem os executados que a constrição no percentual de 15% prejudicará a continuidade das atividades da empresa, nada restou comprovado nos autos, ficando, portanto, mantido esse montante, podendo sofrer eventual revisão, contudo, caso efetivamente demonstrada tal necessidade." Na mesma linha de admissão do artigo 190 do CPC/15, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento - Nº 1404094-69.2018.8.12.0000 - Dourados, em acórdão relatado pelo Desembargador Vilson Bertelli, entendeu pela possibilidade de as partes celebrarem negócio processual atípico para prever a denunciação da lide da empresa seguradora: "E M E N T A - AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL - MEDIDA JUDICIAL BENÉFICA ÀS PARTES - DEFERIMENTO. Nos termos do artigo 190 do Código de Processo Civil, o magistrado não pode interferir no negócio jurídico processual, consistente na denunciação da lide, mesmo quando regularizada após o início da instrução do processo, com o objetivo de incluir a seguradora na condição de denunciada, especialmente quando essa medida judicial beneficia as partes e contribui para solução definitiva da crise de direito material, fundamento da demanda, e estão preenchidos os requisitos legais. Recurso provido". Quanto ao artigo 190 do CPC/15, aponta que: "Essa regra veio a consagrar a possibilidade de as partes firmarem negócios processuais, antes severamente negado por parte da doutrina processual. Mesmo quando admitido, o negócio processual se limitava a hipóteses tipificadas, como a eleição do foro. A norma do Código de Processo Civil de 2015 criou, a exemplo do direito inglês e francês, uma cláusula geral de modo a permitir que as partes incluam como objeto de negociação processual a situação das partes e do procedimento. Dinamarco acentua que esses ajustes se configuram em verdadeiros atos de autorregulação dos próprios interesses, essência de todos os negócios processuais. Constituem-se em declarações de vontade destinadas a produzir efeitos. Premiam a autonomia da vontade e, por serem atos processuais dado que praticados no processo pelos sujeitos processuais, são negócios jurídicos processuais. O Artigo 190 do CPC, ao final, estabelece que tais negócios processuais podem ter por objeto o procedimento e as posições jurídicas processuais. Além disso, é de ser exigido o preenchimento dos requisitos de validade de qualquer negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Esses requisitos podem ser sindicados pelo juiz, como todo e qualquer requisito de validade. No caso concreto, esses requisitos estão evidenciados. As partes são capazes, o objeto é lícito (denunciação da lide) e a forma escrita foi observada, visto que as partes, ainda que em momentos diferentes, manifestaram-se no mesmo sentido, pela admissão da intervenção de terceiro. Tal negociação incidiu sobre o procedimento, qual admissão de ampliação subjetiva e objetiva da demanda, em fase posterior à inicial, consagrada para tal fim. Incidiu, de igual modo, sobre a posição jurídica das partes, de maneira a permitir que o poder de denunciação pudesse ser exercido após a regularização de mero aspecto formal, consistente na apresentação ulterior da apólice de seguro correta. A circunstância de prejudicar o término da fase instrutória também não justifica o indeferimento da denunciação da lide. A negociação processual é permitida em qualquer fase do processo, e independe de homologação judicial. Vale dizer, só se admite intervenção quando há nulidade, visto que o ordenamento jurídico em vigor não autoriza o magistrado a interferir na vontade das partes de mudarem o procedimento, o ônus, os poderes, faculdades e deveres processuais. Aliás, a inclusão da empresa Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros beneficia ambas as partes, especialmente se o pedido inicial for acolhido. A autora será beneficiada porque poderá apresentar cumprimento de sentença diretamente contra seguradora, conforme posicionamento jurisprudencial atual, e a empresa ré/denunciante não terá a necessidade de ajuizar demanda de regresso. Ademais, a presença da denunciada, como litisconsorte da ré, ampliará o contraditório e contribuirá para a instrução e solução justa da demanda. A solução prestigia fortemente os princípios da economia e da eficiência (CPC, art. 8º). Não bastassem esses argumentos, o contraditório foi respeitado e será observado, ao permitir que a litisdenunciada ingresse como sujeito do processo e participe de todo o procedimento, da fase instrutória, inclusive. Diante disso, deve ser deferida a denunciação da lide porque havia contrato de seguro na época do acidente, houve negócio jurídico processual sobre essa matéria e é medida judicial voltada à solução definitiva da crise de direito material. Não se ignora, outrossim, o fato da empresa ré ter requerido a denunciação no momento oportuno, na contestação, que só não foi deferida em razão do equívoco na juntada da apólice do seguro vigente no ano anterior ao acidente, mas o referido seguro foi renovado posteriormente. Não houve, portanto, preclusão temporal." Ambos os julgados prestigiaram a aplicação do artigo 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. Mas é certo que o Poder Judiciário ainda terá o desafio de consolidar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
Rogerio Mollica As tutelas de urgência sofreram grandes transformações com o Código de Processo Civil de 2015. Dentre as inovações, se destaca o instituto da estabilização da tutela antecipada antecedente, que vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do Direito. Uma das grandes controvérsias reside em se saber se a estabilização só pode ser evitada pelo ajuizamento de agravo de instrumento pelo réu ou se outras formas de resistência seriam suficientes para que não tenhamos a referida estabilização. O "caput" do artigo 304 prevê que "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso". Portanto, na literalidade da lei, somente o ajuizamento do agravo de instrumento seria passível de evitar a estabilização. Entretanto, a doutrina tem amenizado tal exigência, permitindo que outras formas de resistência do Réu impossibilitem a estabilização. Nesse sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno ao prever que outras manifestações do réu são bastantes para evitar a estabilização, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização1. No mesmo sentido é o entendimento expresso por Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca: "(...) qualquer ato de resistência do réu diante da demanda (p. ex., contestação) ou qualquer ato de insurgência contra a decisão antecipatória (p. ex., reclamação), manifestado no período de recorribilidade desta, barra a estabilização"2. Já Fernando da Fonseca Gajardoni exclui a Contestação de tal rol ao prever que: "Em realidade, ao condicionar a inexistência de estabilização à interposição de recurso, o legislador usou atecnicamente a expressão recurso. Não haverá a estabilização se adotado pelo interessado qualquer expediente processual tendente a cassar a decisão que deferiu a tutela antecipada. Além do recurso de agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau (artigo 1.015, I, do CPC/2015), embargos de declaração com efeitos infringentes contra a decisão concessiva da tutela antecipada (art. 1.022 do CPC/2015), e agravo interno contra as decisões das relatorias nos tribunais nos pedidos de tutela antecipada antecedente de competência originária (artigos 932, II, e 1.021 CPC/2015), também afasta a estabilização o manejo de reclamação contra a decisão antecipatória de tutela (artigos 988 e 992 do CPC /2015), especialmente por conta da natureza de sucedâneo recursal do instrumento, quase um recurso per saltum. Pedido de reconsideração, por não ter o condão de reformar a decisão concessiva da antecipação de tutela, não impede a estabilização em uma primeira reflexão sobre o tema, à luz da disposição legal. A dúvida presente, e que ainda merece melhor reflexão, é a relacionada aos pedidos de suspensão da segurança (artigo 15 da Lei nº 12.016/2009) ou de liminar (art. 4º da Lei nº 8.437/1992): por não terem propriamente o condão de reformarem a decisão concessiva da antecipação de tutela, mas só de suspendê-las, impediriam a estabilização"3. A possibilidade da contestação evitar a estabilização ainda se mostra controversa em nossa jurisprudência, sendo que temos decisões favoráveis nesse sentido do Tribunal de Justiça de São Paulo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - O deferimento da liminar não acolheu o disposto nos artigos 303 e 304 do NCPC - Decisões que refutaram o pedido de estabilização da tutela sem interposição oportuna de recurso pela autora- Matéria Preclusa- Condomínio réu contestou tempestivamente e expressamente a ação- Inércia não configurada- RECURSO NÃOCONHECIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2131939-16.2016.8.26.0000; Relator (a): Ana Catarina Strauch; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2016; Data de Registro: 27/10/2016) Em seu voto a Desembargadora prevê expressamente: "Ademais, ainda que assim não fosse, o oferecimento da contestação, afasta por completo o pedido de estabilização da tutela". Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em recente julgado, decidiu que a apresentação de contestação não seria apta a afastar a estabilização da tutela: "PROCESSO CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA. CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INÉRCIA DO RÉU. NÃO APRESENTAÇÃO DE RECURSO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. - Em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas não há nulidade na decisão que declarou a estabilização da tutela quando o autor deixa claro no âmbito da inicial que pretende se valer do instituto e na medida em que o réu não demonstrou qualquer prejuízo em razão do aditamento ter sido mencionado na inicial. - Não é possível realizar uma interpretação ampliativa do art. 304 do CPC quando o legislador expressamente afirma que a decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela em caráter antecedente "torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso" - Configura-se a inércia do réu caso não interponha recurso próprio da decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela, ainda que tenha apresentado contestação." (g.n.) (TJMG - Apelação Cível 1.0372.16.002432-2/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/05/2018, publicação da súmula em 13/06/2018) Portanto, dada a insegurança jurídica causada pela dúvida quanto a estabilização ou não de tutelas que não foram agravadas, mas sofreram outras formas de resistência, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça defina, em definitivo, a referida questão. __________ 1 Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed.,São Paulo: Saraiva, 2016, p. 283. No mesmo sentido é o enunciado 43 do Fórum Nacional do Poder Público: "Qualquer medida impugnativa apresentada pela Fazenda Pública que controverta o direito sobre o qual se funda a antecipação de tutela concedida em caráter antecedente constitui meio idôneo para impedir a estabilização da demanda, prevista no art. 304 do CPC." 2 Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 49ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 374. 3 Teoria geral do Processo - Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 899/900.
Daniel Penteado de Castro A chamada tutela da evidência, a qual se ocupa o art. 311, do CPC, pressupõe, consoante faz eco o caput do dispositivo, técnica de concessão de tutela provisória "(...) independentemente da demonstração de risco ao resultado útil do processo". Dentre as hipóteses previstas nos incisos I a IV, do CPC, cuidaremos neste breve ensaio de examinar o tratamento dado pela jurisprudência quanto ao inciso IV, do art. 311, autorizador de referida tutela provisória quando: "IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável." A primeira constatação que emerge do comentado inciso pressupõe que a tutela provisória tipificada no art. 311, IV, do CPC, pressupõe prévia oportunidade de contraditório a ser franqueada ao réu. Tal constatação emerge não só (i) da leitura do inciso IV, porquanto somente após a apresentação de defesa que poderá o réu gerar dúvida razoável frente a documentação trazida na petição inicial, (ii) mas também da redação do parágrafo único do art. 311, forte em dizer que somente as hipóteses previstas nos incisos II e III autorizam a concessão liminar da tutela da evidência1. Por sua vez, são inúmeros os pleitos de tutela provisória fundada no art. 311, IV equivocadamente formulados sem que antes tenha se materializado o contraditório. Tais requerimentos açodados restaram afastados à exaustão2: "Direito de vizinhança. Antes de decidir sobre pedido de concessão de tutela de evidência fundado no art. 311, IV, do CPC/2015, o juiz deve dar oportunidade de manifestação à parte contrária. Exegese dos art. 9º, caput, da lei processual. Recurso improvido. (...) O MM. Juiz a quo não indeferiu o pedido de concessão de tutela de evidência formulado pela autora, mas apenas assinalou a necessidade de que, antes da decisão, seja dada oportunidade de manifestação à ré. (...) A pretensão da agravante, porém, conforme sua narrativa e fundamento jurídico expressamente invocado, se baseia na previsão do art. 311, IV, do CPC/2015, que trata da concessão da tutela de evidência quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável". Nesse contexto, de fato revela-se imprescindível a providência determinada na origem, de dar à parte contrária oportunidade de manifestação antes de decidir sobre o deferimento ou não da liminar. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2052376-02.2018.8.26.0000, Rel. Gomes Varjão, 34ª Câmara de Direito Privado, j. 28/3/2018, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de obrigação de fazer c.c. perdas e danos - Pedido de concessão de tutela de evidência - Indeferimento - Necessidade da formação do contraditório, nos termos do inciso IV do artigo 311 do Código de Processo Civil - Deferimento da referida tutela que poderá ser reanalisada após a contestação - Decisão mantida - Recurso não provido. (...) O agravante pleiteia o deferimento da tutela de evidência com base no inciso IV do artigo 311 do Código do Processo Civil (fls. 15). Pois bem. Ressalta-se que a tutela de evidência será concedida com fundamento no art. 311 do CPC, sendo que, nos termos do inciso IV, quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficientes dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável" (grifos nossos). Assim, o referido dispositivo exige expressamente a necessidade da formação do contraditório, de modo que se deve aguardar a resposta do Banco agravado para que seja apreciada a pretensão do agravante. (..)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2045221-45.2018.8.26.0000, Rel. Irineu Fava, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 9/5/2018, grifou-se) "Agravo de instrumento. Sociedade. Formalização da retirada do autor. Tutela de evidência. Previsão do artigo 311, IV, e parágrafo único, do CPC. Necessidade de se aguardar o contraditório. Razões atinentes a situação de urgência, agora deduzidas, se devem antes levar à origem, em pedido então de tutela provisória própria. Decisão mantida. Recurso desprovido. (...) Como se colhe dos termos expressos da inicial, ademais o que se repete no agravo, o autor formulou pedido de tutela de evidência, fundado na previsão do artigo 311, IV, do CPC. Porém, como soa claro de seus termos e ainda do disposto no parágrafo único do mesmo artigo, o deferimento, nesta situação, está condicionado à prévia citação. Apenas nas hipóteses dos incisos II e III é que a tutela se pode deferir liminarmente. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2109276-05.2018.8.26.0000, Rel. Claudio Godoy, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 18/6/2018, grifou-se) Em outra oportunidade, concluiu-se que, a despeito de carecerem os requisitos para a concessão da tutela da evidência tipificados no art. 311, IV (porquanto ainda não se encontrava presente a oportunidade de prévio contraditório) a tutela provisória há de ser concedida sob o fundamento da urgência, a se autorizar, sob este prisma, sua concessão liminarmente: "Societário. Tutela de urgência. Ação de dissolução parcial de sociedade c.c. apuração de haveres. Decisão que indeferiu a tutela de evidência e de urgência visando a imediata retirada da autora da sociedade. Hipótese de tutela de evidência que não admitiria a concessão de liminar (art. 311, IV e parágrafo único do CPC/2015). Possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado de cunho familiar. Precedentes do STJ. Requisitos para a concessão de tutela de urgência (art. 300 caput do CPC/2015) presentes no caso concreto. Rés que ao contestar a ação e ao responder ao recurso não se opõem ao pedido de retirada da autora do quadro de acionistas. Perda da affectio societatis evidenciada. Probabilidade do direito alegado pela autora. Sociedade que vem apresentando sucessivos e expressivos prejuízos, rateados entre os acionistas. Risco de dano grave ao patrimônio da autora, de impossível ou difícil reparação. Tutela de urgência concedida para que seja anotada na JUCESP a retirada da autora do quadro de acionistas da sociedade a partir do ajuizamento da ação. Agravo provido. (...) Antes, porém, afasta-se a possibilidade de concessão de tutela de evidência, pois das hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 311 do CPC, a única em que se poderia enquadrar a pretensão da agravante seria a do inciso IV, de acordo com a qual é possível a concessão da tutela de evidência, independentemente de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável". Ocorre que nos termos do parágrafo único do art. 311 do CPC, só é possível a concessão de liminar nas hipóteses dos incisos II e III. Por outro lado, não há dúvida quanto à possibilidade da dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado de natureza familiar, sendo farta a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça neste sentido (AgInt no REsp 1568664/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/08/2017, DJe 05/09/2017; REsp 1321263/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 06/12/2016, DJe 15/12/2016; REsp 917531/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/11/2011, DJe 1/12/2012, dentre outros). (...) Isso significa que enquanto permanecer na condição de acionista da empresa, o que não mais deseja e ao o que as agravadas não se opõem, estará a agravante exposta ao risco de diminuição de seu patrimônio por conta dos prejuízos rateados entre os acionistas. Assim sendo, o recurso é provido para que com fundamento no art. 300 caput do CPC seja concedida a tutela de urgência postulada pela agravante, com a sua imediata retirada do quadro de acionistas da agravada Gradual Holding Financeira S/A, expedindo-se ofício para a Junta Comercial do Estado de São Paulo JUCESP para que seja efetuado o registro na ficha cadastral da sociedade da retirada da agravante a partir da data da distribuição da ação. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2110151-09.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 29/9/2017, v.u., grifou-se) Por sua vez, o preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados (i) "petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor", (ii) "a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável" oscila consoante o livre convencimento do magistrado, mediante decisão que, à saciedade, deve ser amplamente fundamentada tal qual impõe o arts. 489, § 1º, II, e 11, ambos do CPC e 93, IX, da CF, sob pena de nulidade. Em especial a subsunção de "gerar dúvida razoável" não pressupõe que a tutela provisória prevista no art. 311, IV, do CPC, há de ser concedida sempre que a contestação deixar de juntar documentação que se contraponha à prova apresentada pelo autor. Por vezes, a despeito da ausência de juntada de documentos, os argumentos presentes na contestação, mercê a impugnação da própria prova documental carreada pelo autor, podem gerar dúvida razoável, a impedir a concessão da tutela da evidência ora comentada. Até porque, a formação do livre convencimento motivado prescinde da circunstância da contestação deixar de carrear prova em suas mais variadas espécies. Nesse sentido já se afastou a concessão da tutela da evidência ao fundamento da precariedade de prova do fato constitutivo do direito do autor: "Agravo de Instrumento Acidente do Trabalho Tutela da Evidência Imediata implantação do auxílio-acidente Requisitos do art. 311, IV, do Código de Processo Civil em vigor, não comprovados Matéria que demanda contraditório e eventual dilação probatória. (...) O agravante sustenta que, nos termos do artigo 311, IV, do CPC/2015, há prova documental suficiente dos fatos constitutivos de seu direito, uma vez que existe CAT documentando o infortúnio e laudo médico comprovando sequelas permanentes em mão esquerda. Nestes termos, busca a imediata implantação do auxílio-acidente (fls. 01/06). (...) Com efeito, limitou-se o obreiro a trazer relatório médico particular, portanto unilateral, atestando a existência de sequelas, bem como exame de raio X (fls. 12/13). O fato de ter sido submetido a intervenção cirúrgica, com colocação de hastes metálicas, não significa necessariamente a caracterização de efetivo déficit funcional, tampouco consolidação das lesões. Anoto, ainda, que a parte ré indeferiu a benesse administrativamente de maneira fundamentada, caracterizando-se dúvida razoável quanto aos requisitos legais (fls. 10). Frise-se que a prova nas ações acidentárias é predominantemente pericial, de modo que, no caso, a mesma se mostra necessária à averiguação dos imperativos legais. Assim sendo, acertada se mostrou a decisão de primeiro grau, merecendo ser mantida. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2060194-39.2017.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Felipe Nogueira, v.u., j. 25/4/2017, v.u., grifou-se) A novel hipótese prevista no art. 311, IV, do CPC, despida de correspondência com o CPC/73, guardará novos contornos e interpretações a serem moldadas pela jurisprudência e que certamente serão apontadas para conhecimento em cumprimento e utilidade da presente coluna, valendo nesta oportunidade informar os poucos posicionamentos que circundam o tema. __________ 1 A despeito da previsão legal presente no parágrafo único, questiona-se a finalidade de tanta pressa em se conceder liminarmente uma tutela provisória institucionalmente informada pela característica de ausência de demonstração da urgência, tal qual reza o caput do art. 311. 2 No mesmo sentido, confira-se: TJSP, Agravo de Instrumento n. 2224347-26.2016.8.26.0000, Rel. A. C. Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 23/11/2016; TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2201122-40.2017.8.26.0000, Rel. Azuma Nishi, 25ª Câmara de Direito Privado, j. 23/11/2017.
André Pagani de Souza Em cumprimento de sentença, foi proferida decisão que resolveu a impugnação apresentada pelo executado declarando a inexistência de crédito em favor do exequente. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo exequente, pois ele entendeu que houve a extinção da fase de cumprimento de sentença e, consequentemente, do processo como um todo. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG) entendeu que o recurso cabível era o de agravo de instrumento e julgou manifestamente inadmissível a apelação, negando seguimento ao apelo do exequente. O acórdão do TJ/MG foi proferido após o recorrente interpor embargos de declaração da decisão monocrática que havia negado seguimento ao recuso e, depois, agravo interno da decisão monocrática que manteve a negativa de seguimento da apelação. Eis a ementa do acórdão: "EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL - DECISÃO PROLATADA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CABÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART.1.015,§ ÚNICO, DO NOVO CPC. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão proferida em sede de cumprimento de sentença. (AGRAVO INTERNO CV Nº 1.0024.11.166819-0/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Ferenzini, negaram provimento ao recurso, v. u., j. 02.02.2017, DJe 10/10/2017)" O fundamento dado pelo acórdão acima referido para não admitir o recuso foi o seguinte: "(...) Assim, nos termos do art. 1.015, do novo CPC, o recurso contra decisões proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento (...)". Com efeito, o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". Ocorre que a decisão acima mencionada não levou em consideração o disposto no § 1º do art. 203 do CPC/2015 que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" (grifos nossos). A parte final do § 1º do art. 203 do CPC/2015 deixa claro que a decisão que extingue a execução é uma sentença. No caso sob análise, ao se reconhecer que não há crédito em favor do exequente na fase de cumprimento de sentença, não se pode negar foi extinta a execução fundada em título judicial. Ora, se a decisão é sentença, o caput do art. 1.009 do CPC/2015 prescreve que "da sentença cabe apelação". Cumpre mencionar que o exequente nesse caso concreto interpôs Recurso Especial do acórdão do TJMG e que tal recurso foi julgado em 22.05.2018 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão da 4ª Turma, cujo relator foi o Min. Luís Felipe Salomão, conforme foi noticiado no dia 12/6/2018 pelo referido Tribunal Superior (RESP n. 1.698.344/MG)1. Como era de se esperar, o Recuso Especial em questão foi conhecido e provido, por unanimidade, pela 4ª Turma do STJ. Tal acórdão ainda não foi publicado, mas a notícia dada pelo Tribunal Superior a respeito do julgamento é a seguinte: "(...) De acordo com o relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá o agravo de instrumento nos demais casos. Para as situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou a julguem improcedente, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões não extinguem totalmente o processo. 'No caso dos autos, a decisão que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, a meu ver, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)', disse Salomão (...)2. Em razão do exposto, é importante sintetizar a posição adotada pelo STJ, para todos os que precisam interpretar e aplicar o "CPC na Prática": - se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, caberá recurso de apelação; - se a decisão proferida no cumprimento de sentença acolher apenas parcialmente a impugnação caberá agravo de instrumento; - se a decisão proferida julgar improcedente a impugnação, caberá agravo de instrumento. Nos dois últimos casos, a solução acerca do recurso cabível não poderia ser outra, pois com a improcedência da impugnação ou com o seu acolhimento parcial, o que acontecerá será que a fase de cumprimento de sentença continuará seu curso adiante e não haverá extinção do processo ou fase recursal. __________ 1 É cabível apelação da decisão que julga procedente impugnação em cumprimento de sentença. Acesso em 19/6/2018.   2 Idem.
Elias Marques de Medeiros Neto O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É inegável a preocupação do legislador com a efetividade do processo, competindo ao magistrado assegurar que o litigante tenha, na medida do possível, praticamente aquilo que ele naturalmente teria se não precisasse ir ao Poder Judiciário1. A preocupação com a efetividade do processo é uma tônica constante no universo processual moderno, sendo um verdadeiro desafio para a ciência processual auxiliar na eficaz arquitetura de ferramentas para que o Poder Judiciário possa conferir ao jurisdicionado uma tutela tempestiva, oportuna e adequada, de forma a lhe conceder o bem da vida devido em conformidade com o direito material vigente. E dentro desse espírito, voltado à plena efetividade da tutela jurisdicional executiva, defende-se a mitigação do princípio da tipicidade dos atos executivos; o qual consiste na necessidade de que as ferramentas executivas a serem utilizadas pelo credor e manejadas pelo Poder Judiciário estejam exaustivamente previstas em lei. Justamente visando-se a máxima eficiência da execução, buscando tutelar o direito constitucional à efetividade do processo, desde que observado o sistema processual como um todo e o devido processo legal, é certo que o magistrado pode e deve buscar os mais eficazes meios executivos para satisfazer o direito do exequente. A mitigação do princípio da tipicidade dos meios executivos consiste, portanto, no poder conferido ao magistrado para criar as melhores condições para que a tutela executiva realmente seja efetiva e possa garantir a realização do direito devido ao credor. Essa mitigação também se faz possível nas hipóteses em que os meios típicos existentes se mostrem insuficientes para cumprir o seu fim, merecendo aperfeiçoamentos no caso concreto; claro que tudo em observância aos princípios do sistema processual vigente e ao devido processo legal, em especial. Sem prejuízo da predominância da responsabilidade patrimonial, e na linha de obter-se um processo civil cada vez mais efetivo, os poderes atípicos do magistrado se relacionam com a tendência da jurisprudência, da doutrina e do legislador de adotarem posturas que incentivam o magistrado a manejar, cada vez mais, medidas executivas que tendem a persuadir o executado a adimplir a obrigação exigida; seja através de medidas de incentivo ao espontâneo adimplemento, seja através de técnicas de coerção que acabam atingindo a esfera de direitos do executado. Mas é inegável, nos termos do devido processo legal e do próprio artigo 805 do CPC/15, que o artigo 139, IV, do CPC/15 não pode ser manejado pelo magistrado de forma desproporcional; atropelando-se direitos e garantias fundamentais do devedor, com a adoção de medidas que não guardam relação direta, ou mesmo indireta, com o propósito de incentivar o devedor a cumprir suas obrigações no processo de execução e/ou auxiliar, de fato, o credor a obter o adimplemento da prestação que lhe é devida. A importância de um modelo cooperativo de processo civil, também pautado pelo respeito às garantias constitucionais, bem como pela observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, podem ajudar na construção das diretrizes necessárias para a aplicação do artigo 139, IV, do novo CPC. O tema desperta muitas polêmicas. Para Fernando da Fonseca Gajardoni2, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, e "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)". Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno3, no sentido de que o artigo 139 revela: "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiaridades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiaridades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional". Teresa Arruda Alvim4, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC ser interpretado: "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell5, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de dívida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Como visto, já há rica polêmica quanto à aplicação do inciso IV do artigo 139 do CPC/15. A doutrina e a jurisprudência terão importante papel na definição dos limites da aplicação dos meios atípicos de execução. Daí a extrema relevância do voto do ministro Luis Felipe Salomão, proferido no julgamento do RHC 97.876/SP, ocorrido em 5/6/2018 no Superior Tribunal de Justiça, pelo qual se entendeu, para aquele caso concreto, que o Poder Judiciário não poderia determinar, com base no artigo 139, IV, do CPC/15, a suspensão do passaporte do devedor. Para o ministro Luis Felipe Salomão, se faz necessária uma leitura constitucional do artigo 139, IV, do CPC/15: "Assim, é possível afirmar que, se o art. 139, IV, da lei processual, que estendeu a positivação da atipicidade dos atos executivos, teve como escopo a efetividade, é indubitável também que devem ser prestigiadas as interpretações constitucionalmente possíveis. Vale dizer, pois, que a adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurarse-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. É que objetivos pragmáticos, por mais legítimos que sejam, tal qual a busca pela efetividade, não podem atropelar o devido processo constitucional e, menos ainda, desconsiderados direitos e liberdades previstos na Carta Maior"; e "Com efeito, não bastasse a consonância com os preceitos de ordem constitucional, o que os doutrinadores têm reconhecido é que, diante da inumerável aplicação do art. 139, IV, a verificação da proporcionalidade da medida se impõe, segundo a "sub-máxima" da adequação e da necessidade. Não sendo a medida adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, serão contrárias à ordem jurídica". Conclui o ministro que a suspensão do passaporte do devedor restringiu o direito de ir e vir e não poderia ser medida licitamente justificada, no caso concreto, com base no artigo 139, IV, do CPC/15: "No caso dos autos, observada a máxima vênia, quanto à suspensão do passaporte do executado/paciente, tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Com efeito, não é difícil reconhecer que a apreensão do passaporte enseja embaraço à liberdade de locomoção do titular, que deve ser plena, e, enquanto medida executiva atípica, não prescinde, como afirmado, da demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir indevidamente direito fundamental de índole constitucional (art. 5º, incisos XV e LIV). Nessa senda, ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Não bastasse isso, como antes assinalado, o próprio diploma processual civil de 2015 cuidou de dizer que, na aplicação do direito, o juiz não terá em mira apenas a eficiência do processo, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade. Destarte, o fato de o legislador, quando da redação do art. 139, IV, dispor que o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias, não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade. Assim, entendo que a decisão judicial que, no âmbito de ação de cobrança de duplicata, determina a suspensão do passaporte do devedor e, diretamente, impede o deslocamento do atingido, viola os princípios constitucionais da liberdade de locomoção e da legalidade, independentemente da extensão desse impedimento. Na verdade, segundo penso, considerando-se que a medida executiva significa restrição de direito fundamental de caráter constitucional, sua viabilidade condiciona-se à previsão legal específica, tal qual se verifica em âmbito penal, firme, ademais, no que dispõe o inciso XV do artigo 5° da Constituição Federal, segundo o qual "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". A meu juízo, raciocínio diverso pode conduzir à aceitação de que medidas coercitivas, que por natureza voltam-se ao "convencimento" do coagido ao cumprimento da obrigação que lhe compete, sejam transformadas em medidas punitivas, sancionatórias, impostas ao executado pelos descumprimentos, embaraços e indignidades cometidas no curso do processo. Nesse passo, cumpre ressaltar que, no caso dos autos, não foi observado o contraditório no ponto, nem tampouco a decisão que implementou a medida executiva atípica apresentou qualquer fundamentação à grave restrição de direito do executado". Por outro lado, entendeu o Ministro que a medida de suspensão de CNH não poderia ser objeto de Habeas Corpus, por não restringir, no caso concreto, o direito de ir e vir do devedor: "Noutro ponto, no que respeita à determinação judicial de suspensão da carteira de habilitação nacional, anoto que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir do paciente, portanto, neste ponto o writ não poderia mesmo ser conhecido. Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo. De fato, entender essa questão de forma diferente significaria dizer que todos aqueles que não detém a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção. Com efeito, e ao contrário do passaporte, ninguém pode se considerar privado de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo ou mesmo por o ser, mas não poder se utilizar dessa habilidade. É fato que a retenção deste documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza". Relevantíssimo é o julgamento do RHC 97.876 - SP pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que o tema desperta muita polêmica. Porém, independentemente da polêmica existente, pode-se afirmar que o magistrado, na aplicação dos poderes atípicos previstos no inciso IV do artigo 139 do CPC/15, deve zelar pela efetividade do processo, observando as garantias e os princípios constitucionais, o princípio da proporcionalidade, o princípio da razoabilidade, e sempre tendo como norte um modelo cooperativo de processo civil. __________ 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 319. 2 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: VVAA. O novo Código de Processo Civil, questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 5 COELHO, Marcus Vinicius Furtado et al. O novo Código de Processo Civil: breves anotações para a advocacia. Brasília: OAB; Conselho Federal, 2016. p. 28.
Rogerio Mollica Em 1/6/2017, o colega Daniel Penteado de Castro escreveu nessa coluna sobre o Agravo de instrumento contra decisões relativas à prova. Passado um ano, as controvérsias sobre a ampliação do rol e o cabimento do agravo em matéria probatória, só aumentaram. A limitação ao cabimento de agravos de instrumento vem desde muito recebendo críticas de nossa Doutrina, conforme se depreende do entendimento do professor Daniel Amorim Assumpção Neves: "Lamenta-se que o projeto procure acabar com um problema pontual de alguns tribunais com a limitação de um relevante recurso, expondo a parte a ilegalidades e injustiças praticadas pelo juízo de primeiro grau. A recorribilidade somente no final do processo será um convite aos tribunais de segundo grau a fazer vista grossa a eventuais irregularidades, nulidades e injustiças ocorridas durante o procedimento. Na realidade, os tribunais serão colocados diante de um dilema: se acolherem a preliminar de contestação ou contrarrazões, dão um tiro de morte no princípio da economia processual: se fizerem vista grossa e deixarem de acolher a preliminar pensando em preservar tal princípio, cometerão grave injustiça, porque tornarão, na prática, a decisão interlocutória irrecorrível. Há decisões interlocutórias de suma importância no procedimento que não serão recorríveis por agravo de instrumento: decisão que determina a emenda da petição inicial; decisão sobre a competência absoluta ou relativa; decisões sobre prova, salvo na hipótese de exibição de coisa ou documento (art. 1015, VI, do Novo CPC) e na redistribuição do ônus probatório (art. 1.015, XI, do Novo CPC); a decisão que indefere o negócio jurídico processual proposta pelas partes; a decisão que quebra o sigilo bancário das parte, etc." (Novo Código de Processo Civil, 3 ed., Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p. 626) Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Júnior defendem que "as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento são taxativas, o que não impede que a interpretação extensiva de algumas daquelas hipóteses. A decisão que rejeita a convenção de arbitragem é uma decisão sobre competência, não sendo razoável afastar qualquer decisão sobre competência do rol de decisões agraváveis, pois são hipóteses semelhantes, que se aproximam, devendo receber a devida graduação e submeter-se ao mesmo tratamento normativo"1. Tal entendimento relativo à competência foi inclusive respaldado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP nº 1.679.909/RS (relator ministro Luís Felipe Salomão), que já foi objeto inclusive de análise nessa coluna2. Por esse entendimento, seria possível a aplicação extensiva dos incisos VI (exibição ou posse de documento ou coisa) e XI (redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º) do artigo 1.015 para abranger outras decisões relativas à prova. Em matéria probatória, os Tribunais ainda estão reticentes em adotar essa maior extensão, entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recentíssimo acórdão, entendeu que seria possível a interposição de agravo de instrumento para a redução de honorários periciais fixados em primeira instância: "Agravo de instrumento - Interposição contra decisão de arbitramento de honorários de perito em ação de cobrança - Admissibilidade - Hipótese em que, apesar de a decisão recorrida não estar inserida dentre aquelas que admitem recorribilidade imediata por agravo de instrumento, a controvérsia será inútil se apenas for reclamada em sede de apelação ou em contrarrazões de apelação (recorribilidade mediata, CPC, art. 1.009, § 1º) - Observância dos princípios constitucionais da ampla defesa, da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ação de cobrança - Cooperativa de médicos - Unimed de Taubaté - Rateio de prejuízo entre médicos cooperados apurado no exercício de 2014 - Determinação de realização de perícia contábil - Hipótese em que na comarca de origem estão sendo ajuizadas diversas ações de cobrança com a mesma finalidade, nas quais têm sido determinadas perícias contábeis - Peritos que têm atuado em mais de um processo e, por isso, já possuem conhecimento prévio do objeto da pericia - Complexidade do trabalho relativizada - Observância, ademais, de ser a perícia um munus a ser desempenhado no auxílio e em cooperação com a prestação jurisdicional, de modo que o valor a remunerá-la não pode inviabilizar a realização da prova e nem tampouco onerar exageradamente as partes - Redução determinada, com a faculdade de o perito aceitar ou não a designação conforme remuneração ora arbitrada - Recurso conhecido e provido." (g.n.) (Agravo nº 2240960-87.2017.8.26.0000, relator Des. Maurício Pessoa, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 3/4/2018). Sem dúvida as decisões atinentes a honorários periciais possuem grande urgência e muitas vezes não se pode esperar o julgamento da apelação para que sejam decididas, eis que caso a parte não deposite imediatamente tais honorários, a prova que lhe incube não será efetuada, com os consequentes prejuízos da não realização. Desse modo, tal insegurança jurídica deve ser rapidamente dirimida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do RESP repetitivo 1.704.520 /MT, eis que com a possível extensão do rol do artigo 1.015, muitas partes estão sendo obrigadas a agravar de questões não expressamente previstas no referido dispositivo, sob pena de eventualmente ter a matéria preclusa quando do julgamento da apelação / contrarrazões. __________ 1 "Agravo de Instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento", in Revista de Processo, n. 242, São Paulo: RT, 2015, p. 280. 2 Coluna de 8/3/2018, de Elias Marques de Medeiros Neto.
Daniel Penteado de Castro A sustentação oral, quando articulada de forma clara, objetiva e em complementação a pretéritos memoriais entregues aos julgadores, constitui ferramenta importantíssima como desdobramento do contraditório e ampla defesa. Em especial diante da ausência da figura do revisor, quando do julgamento dos recursos em que o sistema assegura o proferimento de sustentação oral, consoante rol taxativo do art. 937 do CPC1, não é incomum, por vezes, após o proferimento das razões de defesa oral por parte do respectivo patrono da parte e voto a este contrário prolatado pelo digno relator, o segundo juiz pedir vistas ou, até mesmo, vistas sucessivas dos autos serem solicitadas pelo segundo e terceiro juiz, os quais, após ouvirem a sustentação oral apresentada no prazo regimental, decidirem por examinar melhor a causa. Ato contínuo, dada a suspensão do julgamento e melhor consulta dos autos a requerimento do segundo juiz e/ou terceiro juiz, não é incomum que referidos julgadores votem contrariamente ao relator ou até mesmo o relator ceder aos argumentos postos pelos demais pares e mudar seu voto em favor à tese veiculada em sustentação oral, a se coroar efetivamente o debate em prol do princípio da colegialidade no plano recursal. Não por outra razão que em determinadas causas sensíveis, por vezes, quando da remessa em pauta para julgamento, determinado causídico é constituído com a finalidade específica de proferir sustentação oral e, a depende da complexidade da causa, formula requerimento pleiteado o adiamento da sessão de julgamento designada com vistas a melhor estudo da causa ao recém constituído patrono, sessão essa cujo adiamento, em regra sobrestá o julgamento por mais uma semana até a data da sessão subsequente. O CPC/73 era claríssimo ao prever, na inteligência de seu art. 565, a faculdade do patrono requerer o adiamento de julgamento do recurso para a sessão subsequente quando desejasse proferir sustentação oral2, pleito este que não costumava haver muito óbice de deferimento, dada a expressa previsão no diploma anterior. Por sua vez, o CPC/2015 deixou de prever semelhante prerrogativa ou dispositivo correspondente, a deixar ao alvedrio dos tribunais o asseguramento do respectivo adiamento. Na Justiça Estadual Paulista, o art. 146 trata da ressalva do direito ao adiamento, porém não aponta, objetivamente, quais seriam as respectivas hipóteses ensejadoras de tal dilação3. Frente a referida omissão legislativa, o tratamento acerca do tema tem sido variado. Nesse prisma, o não atendimento de expresso requerimento da parte destinado o prolação de sustentação oral constituiu motivo hábil de anulação do julgamento proferido sem o exame de referido pleito: "Embargos de declaração. Omissão. Embargos acolhidos, para anulação do acórdão, uma vez que não observada a solicitação de adiamento para realização de sustentação oral. Embargos acolhidos. (.) De rigor o acolhimento dos embargos de declaração, uma vez que realmente verificado o erro em não retirar o processo da pauta de julgamento, diante da pretensão à realização da sustentação oral pretendida, do qual me penitencio. No dia em que pautado o julgamento do apelo, este Relator teve também a sessão da Turma Especial da Subsessão II de Direito Privado deste Tribunal de Justiça, de modo que houve a necessidade de dividir-se entre as duas sessões. Como não era possível estabelecer o momento exato em que poderia me fazer presente na sessão desta 37ª Câmara de Direito Privado, e de modo a não obrigar os patronos a aguardar por um momento incerto, ajustou-se que os pedidos de sustentação oral seriam retirados de pauta. No entanto, neste caso houve um desencontro de informações e o julgamento prosseguiu. Confirmada a então solicitação de sustentação oral, configura-se a irregularidade reclamada, diante do que se faz necessária a anulação do julgamento então realizado, de modo a possibilitar a realização da sustentação oral. (.)" (TJ/SP, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. João Pazine Neto, j. 16/5/2017, v.u., grifou-se.) Em outra oportunidade, sob a vigência do CPC/2015, o TJ/SP entendeu que o julgamento do recurso, sem que seja franqueada a parte a oportunidade de realizar sustentação oral (quando requerido de forma antecipada o respectivo adiamento, justificadamente), constitui nulidade absoluta do julgado: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO "MANDADO DE SEGURANÇA" Pleito de adiamento da sessão de julgamento para possibilitar a realização de sustentação oral Patrono intimado de audiência de instrução e julgamento a ocorrer no mesmo dia Requerimento não observado Julgamento realizado na data originalmente designada, sem sustentação oral do patrono Violação ao devido processo legal Nulidade do acórdão Remessa dos autos à mesa para novo julgamento, a ser proferido após sustentação oral do patrono EMBARGOS ACOLHIDOS. (.) Compulsando os autos, constata-se que, na petição de fl. 98, o impetrante efetivamente solicitou o adiamento da sessão de julgamento designada para 21/02/17, bem como a realização de sustentação oral. Com efeito, ficou devidamente comprovado à fl. 99 que o impetrante fora intimado de audiência de instrução e julgamento, referente a outro processo (processo n° 1007696-42.2014.8.26.0564), a se realizar exatamente no mesmo dia da sessão de julgamento. Conforme se constata de tira de julgamento de fl. 100, e do acórdão de fls. 101/105, o pleito do autor não foi levado em consideração, tendo a sessão de julgamento ocorrido na data originalmente designada (21/02/17), sem a sustentação oral do patrono do impetrante. Assim, é flagrante a nulidade absoluta do acórdão proferido às fls. 101/105, que não conheceu do recurso do impetrante. De fato, o julgamento do writ sem a possibilidade de o patrono realizar sustentação oral devidamente requerida configura flagrante violação ao devido processo legal, motivo pelo qual deverá ser realizado novo julgamento, em data a ser oportunamente designada. Portanto, de rigor seja reconhecida a nulidade do acórdão de fls. 101/105, com a consequente remessa dos autos à mesa para que seja proferida nova decisão colegiada, desta vez após sustentação oral do patrono do impetrante. Por esses fundamentos, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. (TJ/SP, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ana Catarina Strauch, j. 5/12/2017, v.u., grifou-se.) De igual sorte, a Corte paulista também entendeu que o pedido de adiamento formulado para proferimento de sustentação oral na sessão subsequente, uma vez não examinado e decidido, revela cerceamento de defesa e fundamento apto à anulação do julgado com vistas a se permitir a defesa oral oportunamente pleiteada: "Ementa: Embargos de Declaração Pleito de apresentação de sustentação oral que não foi analisado Cerceamento de defesa verificado Direito do defensor, no interesse de seu cliente, de apresentar sustentação oral quando do julgamento do recurso V. Acórdão anulado Recurso acolhido. (.) Há vícios no julgado. Com efeito, o Embargante às fls. 700, pleiteou o adiamento do julgamento a fim de que pudesse oferecer sustentação oral, pleito este que não foi analisado, tendo o recurso sido julgado sem resposta a tal pedido. Entendo que houve cerceamento de defesa, uma vez que é direito do defensor, no interesse de seu cliente, apresentar sustentação oral quando do julgamento do recurso, direito este que não foi assegurado ao defenso. Assim, anulo a decisão, com a determinação para que o recurso seja julgado novamente, abrindo-se prazo para que as partes se manifestem acerca do interesse em apresentar sustentação oral. Isto posto, pelo meu voto, acolho os embargos para sanar a omissão. (.)" (TJ/SP, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 20/3/2018, v.u., grifou-se) Por sua vez, também se entendeu que o requerimento de interesse na sustentação oral e adiamento do julgamento para a sessão subsequente não constituiu direito potestativo do advogado e, ainda, deve haver justa causa que legitime o respectivo adiamento: "Ementa: Agravo Regimental. Indeferimento de pedido de adiamento para sustentação oral. Parte que não comprova o impedimento alegado e possui outro advogado constituído. Ausência de direito potestativo do advogado ao adiamento da sessão de julgamento. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. Agravante que interpôs Recurso Especial contra o acórdão proferido na apelação sobre a qual reclama, neste recurso, o indeferimento do adiamento da sessão de julgamento. Recurso prejudicado pela perda do objeto recursal. RECURSO NÃO CONHECIDO. (.) Naquela sessão de julgamento, por unanimidade, o recurso de apelação interposto não foi conhecido por carência de pressuposto de admissibilidade pela ausência de pagamento do preparo. No presente agravo regimental, o Agravante defende que o art. 146 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça lhe confere o direito ao adiamento por uma sessão independente de justificativa. A decisão guerreada deixou consignado que: Indefiro o pedido de adiamento, a uma porque o requerente não traz qualquer comprovante do alegado impedimento para sua participação nesta seção, a duas porque a procuração outorgada pelo interessado Cristiano Campos Obrelli o fora não apenas para o ilustre causídico subscritor desta petição, mas também, para a não menos ilustre Dra. Regina Célia Domingues Mendes, OAB nº 89274, não havendo notícia de nenhum impedimento em relação entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "o artigo 565 do CPC não é direito potestativo do advogado o adiamento da sessão de julgamento. Há mera faculdade que será ou não concedida mediante a prudente avaliação do juiz". (REsp 956486-ES, rel. Min. Nancy Andrighi). No mesmo sentido: AgReg no AI 1.207.574/MG, rel. Villas Bôas Cueva; AgRg no AI 1.341.770, rel. Luiz Felipe Salomão. [destaquei] Acresça-se que sobre a alegação de "direito ao adiamento" para sustentação oral, o Embargante parte de equivocada premissa, no sentido de que o advogado tem direito potestativo ao adiamento, oponível à parte contrária e ao Órgão Colegiado julgador, do que, à evidência, não se pode cogitar, principalmente sobre a égide do atual CPC. O CPC não confere à parte o direito potestativo de adiar o julgamento. Ao contrário, o artigo 937, caput e § 2º estabelece que1: Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021: [...] § 2o O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. Logo, o advogado tem o direito de sustentar oralmente na sessão para a qual foi intimado com pelo menos cinco dias úteis de antecedência, conforme art. 935 do CPC (o que, diga-se de passagem, ocorreu no presente caso), como também tem o direito de pedir preferência para o julgamento, sem prejuízo de eventuais outras preferências. Entretanto, não pode submeter a parte contrária e o Órgão Colegiado ao seu talante, à sua conveniência, para adiar o julgamento sem apontar e provar justa causa. Agrava-se a situação quando se observa, no caso em tela, que o patrono que supostamente teria outros compromissos na data do julgamento não é o único a representar a parte, de forma que poderia a sua colega cujo nome também consta na procuração, realizar a sustentação oral pretendida se assim entendesse realmente conveniente. No que se refere ao invocado art. 146 do regimento Interno deste Tribunal de Justiça, convém que se faça a sua transcrição para a devida análise: Art. 146. Ressalvado o direito ao adiamento, o advogado, pretendendo fazer sustentação oral em sessão já designada, deverá comunicar o oficial de câmara até o início dos trabalhos e no local de sua realização, devendo observar-se a ordem dos pedidos. Essa regra regimental em nada aproveita ao patrono do Agravante na medida em que apenas faz a ressalva para o "direito ao adiamento" o qual pressupõe a observância de requisitos mínimos para seu exercício, em especial, a comprovação do impedimento, o que não se deu no caso em tela. (.) Assim, se o advogado quer sustentar oralmente, basta comparecer à sessão de julgamento e pedir a palavra (requerer a sustentação oral); se o advogado da parte contrária também o quiser, basta fazer o mesmo. Se nenhum dos advogados constituídos pela parte puder comparecer, justificada e comprovadamente, aí, sim, deverá requerer o adiamento cujo pleito será analisado pelo órgão julgador. O tema não é novo em nossos Tribunais, havendo pacífica e tranquila jurisprudência formada contrária aos interesses do agravante, sobretudo oriunda do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO SOBRE A ADEQUAÇÃO DO PREPARO. ANÁLISE DO RECURSO DE APELAÇÃO QUE PRESSUPÕE A REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO DO ADVOGADO AO ADIAMENTO DA SESSÃO DE JULGAMENTO. [...] - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. - A Corte consolidou o entendimento de que o art. 565 do CPC não é direito potestativo do advogado ao adiamento da sessão de julgamento. Há mera faculdade que será ou não concedida mediante a prudente avaliação do juiz. Precedentes. [...] Recursos especiais não conhecidos. (REsp 956.486/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/4/2009, DJe 6/5/2009). No mesmo sentido, são outros julgados do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1238403/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 15/05/2017; AgRg no Ag 1207574/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 24/02/2014; AgRg no Ag 1341770/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011; entre outros) e deste Tribunal de Justiça: Agravo Regimental 1112581-44.2014.8.26.0100, Relator Giffoni Ferreira, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 14/03/2017; Embargos de Declaração 1003332-71.2015.8.26.0053, Relator Marcelo Semer; 10ª Câmara de Direito Público, j. 15/02/2016; Embargos de Declaração 0063463-62.2013.8.26.0000, Relator Carlos Alberto de Salles, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 18/03/2014, entre outros. (.)" (TJ/SP, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. L.G. Costa Wagner, j. 7/2/2018, v.u., grifou-se) À luz dos precedentes acima citados, é certo que o adiamento do julgamento em razão do pleito de sustentação oral não imprime uma garantia de postergação da sessão de julgamento respectiva. A despeito de algumas câmaras deferirem, de plano, o imediato adiamento, quando solicitado, outros órgãos colegiados vem exigindo a comprovação de justa causa que legitime ulterior postergação. Certo ou não aludidos posicionamentos, o desejável seria que o relator, quando formulado referido pleito de adiamento em tempo hábil ao julgamento, examinasse o pedido e o decidisse antes mesmo da respectiva sessão, a proporcionar ao causídico o manejo de outras soluções alternativas (quando de eventual indeferimento, a solicitação a outro colega para proferir sustentação oral quando da concomitância de julgamentos no mesmo horários, porém em sessões distintas), mercê diante da importância e eficácia de referida técnica quando bem utilizada e em prol do contraditório e ampla defesa no âmbito da colegialidade e debates provocados no plano recursal. Por óbvio que também cabe ao causídico informar-se previamente no cartório do respectivo tribunal como funciona a prática de cada câmara quanto ao pleito de adiamento para sustentação oral: se tais pleitos costumam ser deferidos ou não, e, ainda, se referidos requerimentos são examinados somente na sessão de julgamento ou previamente pelo relator à luz de seus poderes previstos no art. 932 do CPC/2015, providência última esta que, certamente evitará surpresas e supressão da sustentação oral uma vez indeferido o requerimento, a assegurar na forma oral o exercício do contraditório e ampla defesa. __________ 1 Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021: I - no recurso de apelação; II - no recurso ordinário; III - no recurso especial; IV - no recurso extraordinário; V - nos embargos de divergência; VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação; VII - (VETADO); VIII - no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. 2 Art. 565 do CPC/73: "Desejando proferir sustentação oral, poderão os advogados requerer que na sessão imediata seja o feito julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. Parágrafo único. Se tiverem subscrito o requerimento os advogados de todos os interessados, a preferência será concedida para a própria sessão". 3 Art. 146 do Regimento Interno do TJSP: "Ressalvado o direito ao adiamento, o advogado, pretendendo fazer sustentação oral em sessão já designada, deverá comunicar o oficial de câmara até o início dos trabalhos e no local de sua realização, devendo observar-se a ordem dos pedidos. § 1º A sustentação oral não admitirá interrupções ou apartes; o presidente da sessão poderá advertir o orador, em caso de incontinência de conduta ou de linguagem, e cassar-lhe a palavra, na hipótese de reiteração. § 2º Ressalvada disposição legal em sentido contrário, não haverá sustentação oral nos julgamentos de embargos declaratórios, incidente de suspeição, conflito de competência, arquivamento de inquérito ou representação criminal, e agravo, exceto no de instrumento referente às tutelas provisórias de urgência ou da evidência, e no interno referente à extinção de feito originário previsto no art. 937, VI, do CPC."
André Pagani de Souza O art. 50 do Código Civil (lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que versa sobre a possibilidade de "desconsideração da personalidade jurídica", estabelece que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica" (grifos nossos). Portanto, de acordo com o art. 50 do Código Civil (CC), para haver a desconsideração da personalidade jurídica, é preciso que seja preenchido o seguinte requisito: "abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial" (destacamos). Em outras palavras, para se ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e se estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações suas para o patrimônio dos seus sócios ou administradores é preciso que esteja configurada a confusão patrimonial (entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seu integrante) ou o desvio de finalidade (a pessoa jurídica deve estar sendo utilizada pelo seu integrante para uma finalidade distinta daquela para a qual ela foi criada). Isso significa dizer que, em se tratando de uma relação jurídica disciplinada pelo Direito Civil, o art. 50 do CC determina que, para um sócio ou administrador responder por uma obrigação que era originariamente da pessoa jurídica da qual ele faz parte, deve haver confusão patrimonial ou desvio de finalidade. E só. Nada mais do que isso. Não há qualquer outro pressuposto ou requisito a ser preenchido. Apesar do texto inequívoco da lei, não era isso que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vinha decidindo ao aplicar o art. 50 do CC. Em acórdão datado de 22 de junho de 2017, a 22ª Câmara de Direito Privado da referida Corte Estadual decidiu o seguinte: "Execução de Título Extrajudicial - Desconsideração da Personalidade Jurídica - Decisão agravada que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica - Medida Excepcional - Ausência de esgotamento dos meios para localização dos bens dos executados - Pleito de desconsideração que se mostra prematuro - Recurso não provido" (TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, AI n. 2096910-65.2017.8.26.0000, rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 22/6/2017, negaram provimento, v.u.). A decisão cuja ementa está acima transcrita foi objeto de recurso especial (REsp n. 1.729.554/SP, autuado em 21/12/2017 e distribuído ao Min. Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça), no qual se alegou violação dos artigos 133 e 134 do Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105, de 13 de março de 2015), bem como do já mencionado art. 50 do CC. Vale lembrar que ambos os artigos do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelecem que devem ser observados os pressupostos previstos em lei para se realizar a desconsideração da personalidade jurídica. Por exemplo, o § 1º do art. 133 do CPC/2015 dispõe que "O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei". Já o § 4º do art. 134 do mesmo diploma legal prescreve o seguinte: "§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica". Ou seja, em ambas as oportunidades, o CPC/2015 deixa claro que a figura de intervenção de terceiros denominada "Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica" disciplinada pelos seus artigos 133 a 137 não têm o objetivo de alterar os pressupostos para se proceder à desconsideração da personalidade jurídica fixados pelo direito material (no caso concreto, pelo art. 50 do CC). Muito pelo contrário, o objetivo do CPC/2015 é conferir uma disciplina processual para operacionalizar as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica já existentes e previstas no direito material e não criar novos pressupostos para aplicação do instituto estatuído pelo art. 50 do Código Civil. Pois bem, não causou surpresa alguma a notícia de que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acima referida foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), veiculada pelo próprio "Migalhas" em 10/5/2018, na seção "Migalhas Quentes", sob o título "STJ fixa entendimento sobre desconsideração da personalidade jurídica no CPC/2015"1. Conforme noticiado, em julgamento ocorrido em 8/5/2018, a 4ª Turma do STJ decidiu por unanimidade que: "Se a insolvência [do devedor] não é pressuposto para decretação da desconsideração da personalidade jurídica, não pode ser considerada, por óbvio, pressuposto para instauração do incidente ou condição para o seu regular processamento". Assim, nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for "cível-empresarial, caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica será regulamentada pelo art. 50 do Código Civil", que não impõe a caracterização de insolvência do devedor (pessoa jurídica) para se instaurar o incidente a que se referem os artigos 133 a 137 do CPC de 2015 e se aplicar a disregard doctrine. É certo que o referido acórdão proferido pela 4ª Turma do STJ, da lavra do ministro Luís Felipe Salomão, nos autos do REsp n. 1.729.554/SP ainda não foi publicado, mas o resultado do seu julgamento ("A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator") e a notícia veiculada pelo "Migalhas" em 10/5/2018, são um claro sinal de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo merece ser revisitada à luz da interpretação que os Tribunais Superiores estão dando aos arts. 133 e 134 do CPC/2015 e do art. 50 do CC. __________  1 STJ fixa entendimento sobre desconsideração da personalidade jurídica no CPC/15.
Elias Marques de Medeiros Neto Não são poucos os julgados que entendem que o rol do artigo 1015 do Novo Código de Processo Civil ("CPC/15") é taxativo; seguindo nesta linha, inclusive, relevante parcela da doutrina. Mas, conforme já abordado nesta coluna, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, tem permitido a aplicação de uma interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15 (Recurso Especial n. 1.679.909 - RS, tendo sido relator o ministro Luis Felipe Salomão; e Recurso Especial n. 1694667 / PR, tendo sido relator o ministro Herman Benjamin). Os aludidos julgados do Superior Tribunal de Justiça adotam a possibilidade de se conferir uma interpretação extensiva ao artigo 1015 do CPC/15, em linha com as doutrinas da professora Teresa Arruda Alvim1 e dos professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2. Recentemente, em 27/4/2018, no julgamento do Agravo de Instrumento 2171873-44.2017.8.26.0000, a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o desembargador L. G. Costa Wagner, adotou interpretação extensiva ao artigo 1015 do CPC/15 com o fundamento de se evitar o manejo futuro de mandado de segurança pela parte recorrente; de modo que, de acordo com o julgado, as normas fundamentais do CPC/15 seriam atendidas com o imediato conhecimento e julgamento do agravo de instrumento: "É entendimento deste Magistrado que o rol de hipóteses de manejo do recurso de agravo de instrumento, inserto no referido artigo 1.015 do Código de Processo Civil, não é taxativo, comportando essa via recursal discussão imediata sobre temas essenciais à boa marcha do processo, sobretudo quando a apreciação equivocada do tema em primeiro grau puder gerar risco de dano. Pensar em sentido contrário, com a devida vênia, é admitir o ressurgimento da prática odiosa e, por que não dizer, causadora de tantos embaraços ao processo, da impetração de Mandado de Segurança contra decisões interlocutórias tidas por irrecorríveis, na medida em que, não conhecido o agravo, certamente o litigante irá buscar outros meios processuais para não assistir em silêncio o perecimento de seu direito. Assim, proclamar a taxatividade do rol do artigo 1.015 do CPC, não admitindo a interposição de agravo de instrumento, ainda quando demonstrado risco de perecimento de direito, seria desprestigiar, por completo, o mandamento constitucional que garante o acesso à justiça, bem resumido na dicção do artigo 5, XXXV, da Carta Magna que proclama que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Em norte similar foi o julgamento do Agravo de Instrumento 2196150-27.2017, tendo sido relatora a desembargadora Cristina Zucchi, em cujo voto se proclamou a possibilidade de interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15: "Ainda, fica rejeitada a arguição de não cabimento do presente recurso. Em recente decisão do STJ, ampliou-se o rol do art. 1.015 do CPC/15 (REsp 1.700.500), considerando que as hipóteses previstas no rol devem ser interpretadas em conjunto com os princípios norteadores do processo civil, admitindo interpretação extensiva. Dessa forma, a alegada nulidade da citação poderá ser enfrentada por meio do presente recurso, visando ao cumprimento dos princípios da máxima efetividade do processo e da celeridade processual". Mas é certo que não são poucos os julgados que divergem acerca da natureza taxativa - ou não - do rol do artigo 1015 do CPC/15. Por isso, acertadíssimo foi o relevante julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido em 20/2/2018, pelo qual se acolheu a proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.704.520 - MT, conforme voto da Ministra Nancy Andrighi: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015". O Superior Tribunal de Justiça, desta forma, decidirá, em conformidade com o rito previsto para o julgamento de recursos especiais repetitivos, qual é a natureza do rol do artigo 1015 do CPC/15 e se há possibilidade de interpretação extensiva quanto ao mesmo. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça garanta a aplicação das normas fundamentais do CPC/15, prestigiando-se os princípios da efetividade, duração razoável do processo, cooperação e eficiência. __________  1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614. 2 DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 216.
Rogerio Mollica Uma das maiores conquistas da advocacia no novo Código de Processo Civil foi a melhor disciplina dos honorários advocatícios, que com o novo Código de Processo Civil tendem a ser mais elevados, principalmente pela criação da sucumbência recursal. No Código de 1973 a fixação de honorários ínfimos pela aplicação da equidade sempre foi muito criticada pela nossa melhor doutrina, sendo assim, o novo Código de Processo Civil previu que a equidade agora só poderia ser utilizada para a majoração de honorários advocatícios tidos por muito baixos ou irrisórios. De fato, prevê o § 8º do artigo 85: "§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." O problema é que, em que pese a boa intenção na manutenção da fixação dos honorários por equidade para esses casos de valor muito baixo, tal mantença vem ensejando a aplicação do dispositivo em seu sentido contrário, isto é, para a diminuição de honorários advocatícios tidos como exorbitantes ou mesmo muito elevados. Nesse sentido temos julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo: "APELAÇÃO - Pretensão de majoração dos honorários advocatícios conforme o disposto no art. 85, §3° e 11, do Código de Processo Civil e artigos 22 e 24 da Lei nº 8.906/94 - Aplicação da equidade prevista no §8 do art. 85 do CPC, a fim de se evitar o arbitramento de valor exorbitante em detrimento do erário - Sentença parcialmente reformada - Recurso parcialmente provido" (g.n.)(TJ/SP; Apelação 1002672-53.2017.8.26.0297; Relator (a): Moreira de Carvalho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Jales - 1ª Vara; Data do Julgamento: 26/3/2018; Data de Registro: 26/3/2018) "Apelação Cível - Tributário - Processual Civil - Ação Anulatória de Débito Fiscal - Sentença de procedência parcial que afasta a aplicação de juros na forma da Lei Estadual nº 13.918/09 com condenação da FESP no pagamento de honorários advocatícios - Recurso voluntário da FESP - Provimento parcial ao recurso de rigor. 1. Embora imperiosa a condenação da Fazenda Pública nos ônus da sucumbência, porque dera causa à execução de valores descabidos, impõe-se a redução dos honorários advocatícios de sucumbência. 2. Honorários advocatícios que devem observar, no seu arbitramento a equidade e moderação na forma prevista no § 8 do art. 85 do novo CPC a fim de se evitar o arbitramento de valor exorbitante em detrimento do erário, mormente em se considerando a baixa complexidade da demanda e suas peculiaridades - Precedentes da Corte e do C. STJ - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 5.000,00. Sentença reformada em parte - Recurso da FESP provido em parte para reduzir os honorários advocatícios, mantida no mais a r. Sentença recorrida." (g.n.)(TJ/SP; Apelação 1040762-23.2016.8.26.0053; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/12/2017; Data de Registro: 19/12/2017) Como não poderia deixar de ser a doutrina entende que o dispositivo não pode ser utilizado em seu sentido inverso. Nesse diapasão é a lição de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo; comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 297): "Seguramente haverá debate se este § 8º pode ser utilizado para minorar os honorários, caso o resultado da fixação, conforme os critérios previstos nos diversos parágrafos, leve a uma quantia muito elevada. A resposta deve ser negativa. A opção do legislador foi clara, o presente artigo foi inserido com a finalidade de afastar as condenações em valores irrisórios. Assim, é diametralmente oposto ao previsto na legislação aplicar esse dispositivo para diminuir os honorários fixados conforme critérios legais." Nesse mesmo sentido também é o Enunciado nº 06 aprovado na I Jornada de Direito Processual do Conselho da Justiça Federal: "A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º do art. 85 do CPC." No dia 17/04/2018 a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça referendou o referido entendimento ao julgar o Recurso Especial nº 1.731.617/SP (relator ministro Antonio Carlos Ferreira, acórdão ainda pendente de publicação). Desse modo, é de se aplaudir a recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, eis que determina a aplicação estrita da previsão legal e evita o aviltamento dos honorários advocatícios.
Daniel Penteado de Castro O chamado microssistema dos Juizados Especiais é composto, originariamente, pelo Juizados Especiais Estaduais Comuns (lei 9.099/95), seguido dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal (lei 12.153/2009) e Juizados Especiais Federais (lei 10.259/2001). Sob a perspectiva de proporcionar maior acesso à Justiça ao jurisdicionado, os Juizados Especiais são informados pelos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, sem prejuízo de se buscar, sempre que possível a conciliação ou transação dos interesses em litígio1. E com vistas a se atingir o escopo de tais princípios, o microssistema dos Juizados Especiais é eivado de determinadas limitações procedimentais ou restrição ao cabimento de recursos, sendo reservado, para as Cortes Superiores, somente o cabimento de recurso extraordinário2. A par de referida limitação de acesso às Cortes Superiores, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 a reclamação constitucional prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, passou a ser admitida no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, matéria esta que foi regulamentada pela Resolução 12/2009, do STJ, cuja finalidade de referida reclamação se destinava, conforme art. 1º de aludida resolução a "(...) dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C, do Código de Processo Civil (...)". De sorte que, o CPC/2015 introduziu algumas modalidades de precedentes de elevada persuasão, a rigor das decisões prolatadas em incidente de assunção de competência e no incidente de resolução de demandas repetitivas. Resta saber se tais modalidades de precedentes, uma vez violados, também desafiam o manejo da reclamação, muito embora inexista previsão na aludida resolução 12/2009, do STJ. A resposta é afirmativa. Em recente decisão, o STJ entendeu que tais precedentes, quando violados, também desafiam o cabimento de reclamação, reclamação esta fundada na resolução 03/2016 do STJ (revogadora da Resolução n. 12/2009), editada em adaptação ao regime do CPC/2015. "AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE LEI FEDERAL. CONDENAÇÃO POR LESÃO CORPORAL LEVE (129, CAPUT, CP) E AMEAÇA (ART. 147, CP). DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO ENTRE TURMAS RECURSAIS. INEXISTÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR TAIS DIVERGÊNCIAS POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 18 DA LEI 12.153/2009 LIMITADA A DECISÕES DE JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. 1. Conforme assentado pela Primeira Seção do STJ, no julgamento do RCD na Rcl 14.730/SP (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 24/02/2015), o sistema para processo e julgamento de causas em juizados especiais é composto por três microssistemas: a) Juizados Especiais Estaduais Comuns, instituídos pela Lei 9.099/1995; b) Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei 10.259/2001 e c) Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, instituídos pela Lei 12.153/2009, cada um deles submetido a regras processuais e procedimentais específicas, no que toca a recursos e ao mecanismo de uniformização de jurisprudência. 2. Apenas as leis que dispõem sobre Juizado Especial Federal (Lei 10.259/2001) e sobre Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) trouxeram em seus textos a possibilidade de se efetuar Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal perante o STJ nos artigos 14, § 4º, da Lei 10.259/2001 e 18, § 3º, e 19, caput, da Lei 12.153/2009. 3. O Pedido de Uniformização de Lei Federal proposto perante o Superior Tribunal de Justiça somente existe, portanto, no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Federais e no dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e apenas em duas hipóteses: (1) Interpretação de lei federal dissonante entre Turmas Recursais de diferentes Estados; e (2) Decisão de Turma de Uniformização que contrariar súmula do STJ. 4. Para suprir a lacuna da uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados especiais comuns, o Superior Tribunal de Justiça editou resolução, admitindo o manejo da Reclamação. Quando ainda vigorava o CPC de 1.973, a Resolução STJ n. 12/2009 admitia que fosse dirigida Reclamação a esta Corte quando decisão de Turma Recursal estadual ou do Distrito Federal a) afrontasse jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo; b) violasse súmula do STJ; ou c) fosse teratológica. 5. No entanto, após o advento do CPC/2015, a Resolução n. 12/2009 foi revogada e substituída pela Resolução n. 03/2016 que, em seu art. 1º, restringiu o cabimento da Reclamação dirigida a esta Corte à hipótese de decisão de Turma Recursal Estadual (ou do DF) que contrariar jurisprudência do STJ consolidada em a) incidente de assunção de competência; b) incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); c) julgamento de recurso especial repetitivo; d) enunciados das Súmulas do STJ; e) precedentes do STJ. 6. Assim sendo, a hipótese de divergência de entendimento jurisprudencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados não desafia o manejo de Pedido de Uniformização de Lei Federal perante o STJ. 7. Remanescem, entretanto, duas vias abertas ao jurisdicionado para discussão da matéria decidida em sede de Turmas Recursais de Juizados Especiais Comuns: a Reclamação fundada na Resolução n. 03/2016 que demonstre que a decisão da Turma recursal contraria a jurisprudência do STJ consolidada em julgamento de recurso especial repetitivo ou em precedentes do STJ; e o habeas corpus dirigido ao Tribunal de Justiça respectivo. 8. Agravo regimental a que se nega provimento". (STJ, AgRg nos EDEcl no PUI n. 694/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, v.u., DJE 2/4/2018) Muito embora a Resolução n. 03/2016 preveja a competência de processamento da reclamação destinada "(...) às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça", é certo que a ampliação do rol de manejo de aludida reclamação caminha de acordo à obediência de determinados precedentes introduzidos pelo CPC/2015. Ainda, a rigor do quanto disposto no art. 926, do CPC/2015, no sentido de determinar que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integral e coerente, tal regra também se aplica no âmbito dos Juizados Especiais, sendo necessário e aceito, por vezes, o cabimento da reclamação constitucional. __________ 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. II. 51. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 640. 2 Nesse sentido foi o entendimento firmado pelo STF (STF, Pleno, Recl. 460/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, ac. 29.06.1994, DJU 09.12.1994). Posteriormente, o art. 15, da lei 10.259/2001, passou a disciplinar o cabimento de recurso extraordinário nos Juizados Especiais Federais, recurso esse de semelhante previsão no plano do Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 21 da lei 12.153/2009).
André Pagani de Souza A lei 13.105/2015 (CPC/2015) conferiu nova disciplina para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em seu art. 85 e seus dezenove parágrafos. No que diz respeito aos recursos, o § 11 do art. 85 dispõe que: "O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal (...)"1. A novidade dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em grau de recurso reside no fato de ser obrigatória a majoração dos honorários advocatícios fixados anteriormente. Tanto isso é verdade que o § 3º do art. 20 da lei 5.925/1973 (CPC/1973) não impunha a majoração dos honorários advocatícios por parte do Tribunal quando do julgamento de um recurso, desde que observados os limites mínimo de 10% (dez por cento) e máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação. Diante disso, o que se pode considerar como inovação é que a majoração dos honorários passou ser um dever a cargo do Tribunal2, na hipótese de se negar provimento ou rejeitar recurso interposto de decisão que já havia fixado honorários advocatícios sucumbenciais a favor do recorrido em patamar inferior ao teto máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, limite esse que foi mantido pelo § 2º do art. 85 do CPC/20153. Assim, caso o recurso seja rejeitado, é de rigor que ocorra a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais que, somados, não podem ultrapassar o teto de 20% (vinte por cento) do valor da condenação à luz do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 85 do CPC/2015. Sobre o tema, Rogério Mollica já se manifestou nesta coluna em 23/11/2017, no texto "Ainda sobre a sobre a sucumbência recursal vista pelos tribunais"4, no qual destacou que o Superior Tribunal de Justiça buscou uniformizar a interpretação do § 11 do art. 85 do CPC/2015 por meio de julgado assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA. PRESCRIÇÃO. REPARAÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. ACÓRDÃO EMBARGADO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO CABIMENTO. DECISÃO MANTIDA. (...) 5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017, grifos nossos)" Questão importante diz respeito à hipótese de não terem sido fixados honorários advocatícios na decisão recorrida. Se isso não acontecer, não há que se falar em fixação de honorários em sede recursal, pois o § 11 do art. 85 trata da majoração de honorários e não da fixação ou arbitramento de honorários em sede recursal. Ou seja, só é possível majorar algo que já existe. Portanto, se não existem honorários fixados na decisão recorrida, em sede recursal não faz o menor sentido falar em majorar. O raciocínio acima exposto é o que foi consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso cuja ementa está acima transcrita. Em outras palavras, deve haver "condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que foi interposto o recurso" para se aplicar o § 11 do art. 85 do CPC/2015. O mesmo raciocínio foi empregado em recente julgado, agora do Supremo Tribunal Federal. Confira-se: "AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO DO TRABALHO. ART. 791-A DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, INTRODUZIDO PELA LEI 13.467/2017. INAPLICABILIDADE A PROCESSO JÁ SENTENCIADO. 1. A parte vencedora pede a fixação de honorários advocatícios na causa com base em direito superveniente - a lei 13.467/2017, que promoveu a cognominada "Reforma Trabalhista". 2. O direito aos honorários advocatícios sucumbenciais surge no instante da prolação da sentença. Se tal crédito não era previsto no ordenamento jurídico nesse momento processual, não cabe sua estipulação com base em lei posterior, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STF, 1ª Turma, ARE 1014675 AGR / MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 23.03.2018, negaram provimento, v.u.) O que mais importa para o tema em questão, entretanto, não está na ementa acima transcrita, mas sim no corpo do julgado. É que, no caso concreto, o recorrente pedia, em sede recursal, o arbitramento de honorários de sucumbência recursal com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015. Porém, o art. 791-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzido pela Lei n. 13.467/2017 ("Reforma Trabalhista"), que estabelece os honorários de sucumbência nas reclamações trabalhistas, não estava em vigor na época em que foi proferida a decisão recorrida e portanto não foram fixados na origem. Assim, decidiu o Supremo Tribunal de Federal - em harmonia com o que já havia decidido o Superior Tribunal de Justiça - que não é possível fixar honorários sucumbenciais recursais se não houve arbitramento de honorários de sucumbência na decisão recorrida. O entendimento acima exposto pode ser extraído do seguinte trecho do acórdão acima mencionado da lavra do Min. Alexandre de Moraes: "(...) A ora agravante postula a aplicação da norma neste caso, de modo que a parte adversa seja condenada a lhe pagar honorários de advogado. Sem razão, contudo. O direito aos honorários advocatícios sucumbenciais surge no instante da prolação da sentença. Se tal crédito não era previsto no ordenamento jurídico nesse momento processual, não cabe sua estipulação com base em lei posterior, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. Tampouco cabe aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 2015, no tocante ao arbitramento dessa verba em fase recursal, na medida em que tal prática pressupõe previsão de honorários na origem, o que não se verifica no caso" (destacamos). Em suma, o Supremo Tribunal Federal veio confirmar, mais uma vez, aquilo que já havia decidido o Superior Tribunal de Justiça: o art. 85, § 11, do CPC/2015, somente pode ser invocado para majorar honorários advocatícios em sede recursal se eles foram arbitrados na origem. __________ 1 Daniel Penteado de Castro já tratou do tema nesta coluna em 24/8/2017, ao escrever sobre a visão dos tribunais acerca dos honorários advocatícios em grau recursal, conforme acesso em 17/4/2018. 2 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno expõe que "é pertinente também questionar se a majoração é um dever a cargo do Tribunal. A resposta mais adequada parece ser positiva, observados, à falta de autorização expressa em sentido contrário, os limites do § § 2º e 3º do art. 85" (Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 149). 3 Vale notar, como ensina José Miguel Garcia Medina, que, se for dado provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida, haverá a inversão dos honorários advocatícios sucumbenciais e não a majoração: "Havendo reforma da sentença em grau de recurso, inverte-se o ônus da sucumbência (...). Caso o recurso seja rejeitado, dispõe o art. 85, § 11, do CPC/2015, que o tribunal majorará os honorários fixados anteriormente. Consideramos correta a opção do CPC/2015, já que a sentença, ao fixar honorários, terá considerado o trabalho realizado até então, não tendo o juiz da causa como antever se haverá ou não recurso, e qual será o trabalho realizado nesta fase" (Novo código de processo civil comentado, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 186). 4 Ainda sobre a sucumbência recursal vista pelos tribunais. (Acesso em 17/4/2018).
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191". Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. O Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC traça algumas hipóteses interessantes para a aplicação do artigo 190 do CPC/15: "São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba)". A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, por sua vez, já destacou hipóteses em que o uso do artigo 190 do CPC/15 não seria autorizado: "A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei. São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação. Somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica (arts. 190 e 191 do CPC/2015)"3. A recente Portaria 33/2018 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. Merece aplausos o artigo 38 da Portaria 33/2018 da PGFN que autoriza expressamente a Fazenda Pública a celebrar negócios processuais, com vistas a promover o recebimento do crédito: "Art. 38. O Procurador da Fazenda Nacional poderá celebrar Negócio Jurídico Processual visando a recuperação dos débitos em tempo razoável ou obtenção de garantias em dinheiro, isoladamente ou em conjunto com bens idôneos a serem substituídos em prazo determinado, inclusive mediante penhora de faturamento, observado o procedimento disposto no regulamento expedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional". Não é demais lembrar que a resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público também estimula as convenções processuais: "Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta". E, recentemente, apesar do que prevê o artigo 2, II, da Instrução Normativa n. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, a Terceira Turma do TST, no julgamento do Recurso de Revista 0147300-49.2012.5.13.0004, tendo sido Relator o Ministro Alexandre de Souza Agra, com acórdão publicado em 27/10/2017, considerou válida a convenção processual atípica para autorizar o uso de prova emprestada. Veja-se: "RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Configura-se a negativa de prestação jurisdicional se a parte não consegue, não obstante provocação mediante embargos de declaração, obter do órgão jurisdicional pronunciamento sobre aspecto essencial ao deslinde da controvérsia que não constitua inovação recursal ou matéria preclusa, como forma de homenagear o princípio da motivação, elevado ao nível constitucional, constante do art. 93, IX. No caso em análise, da decisão a quo entende-se, perfeitamente, que o pleito de horas extras foi deferido conforme a prevalência da prova do autor sobre a da reclamada, conforme o princípio da convicção motivada, restando registrado que não havia a figura do repouseiro. Ademais, improcede a alegação de prática de falso testemunho a inquinar de nula a prova uma vez que houve negócio processual, pois as partes dispensaram a oitiva de testemunhas e concordaram com a juntada da ata do dia 09.04.2013, extraída dos autos do processo nº 1221/2012-3, a ser utilizada como prova emprestada. Assim, não poderia a parte inquinar de nula a decisão, por suposta alegação de falso testemunho, se ela mesma fez negócio processual no sentido de que a Ata do processo em epígrafe fosse utilizada no presente processo como prova emprestada. Incólume o art. 93, IX, da CR/88. Recurso de revista não conhecido. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. O julgador analisou a prova e chegou à conclusão de que deveria dar prevalência à prova do autor, seja porque as fichas ministeriais e demais documentos colacionados são inservíveis como prova de jornada de trabalho, seja porque prevaleceu a prova do autor em detrimento da produzida pela reclamada, concluindo pela existência das horas extras declinadas, conforme autorização do art. 131 do CPC de 1973 (371 do CPC/2015). Incólumes, portanto, os arts. 74, §§ 1º, 2º e 3º e 818 da CLT e 333, I, do CPC de 1973. Não há falar em contrariedade à Súmula nº 338, I, II e III, do TST, pois ainda que se admita que os denominados cartões ministeriais sejam equivalentes aos cartões de ponto previstos na CLT para o controle de jornada, tais constituiriam apenas uma presunção relativa em favor do empregador, que restaria superada pela prova que militou pelo reclamante, que foi tida como suficiente a formar a convicção do julgador em detrimento dos documentos apresentados pela reclamada. Os arestos colacionados são inservíveis ao fim colimado, porque partem de premissas não reconhecidas em sede regional, como prova testemunhal contraditória, depoimento de única testemunha, não comprovação do alegado pela prova testemunhal e prova dividida, enquanto em sede regional o julgador se convenceu da prova apresentada pelo autor como idônea ao convencimento dos fatos alegados (art. 131/CPC/1973). Incidência da Súmula nº 296, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. MULTA DO ART. 475 - J DO CPC/1973 (art. 523 do CPC/2015). INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. A controvérsia não demanda mais discussões nesta Corte Superior que resolveu, mediante decisão do Tribunal Pleno, em incidente de recursos repetitivos, IRR-1786-24.2015.5.04.0000, em sessão realizada no dia 21/8/2017, que A multa coercitiva do artigo do artigo 523, parágrafo 1º do CPC (antigo artigo 475 - J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplica. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 880 da CLT e provido. CONCLUSÃO: Recurso de revista parcialmente conhecido e provido"(g.n.). O Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 3 Enunciados aprovados.
quinta-feira, 5 de abril de 2018

A multa do artigo 1021, § 4º e o STJ

Rogerio Mollica O novo Código de Processo Civil procurou evitar a interposição de recursos meramente protelatórios e que sejam contrários ao entendimento consolidado dos Tribunais Superiores. Litigar e recorrer ficou mais caro. Já vimos em artigos anteriores, a sucumbência recursal e sua aplicação pelo tribunais. Faz-se necessária agora a análise das multas, que são o outro alicerce em que se baseia o novo CPC para evitar os recursos meramente protelatórios. Dentre as multas destaca-se a prevista no artigo 1.021, § 4º do novo CPC: "Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa". Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa foi enfático ao defender uma maior penalização aos recursos meramente protelatórios: "Um dos maiores problemas da sistemática recursal brasileira é a enorme permissibilidade no tocante às impugnações desprovidas de fundamento. A despeito da existência de meios inibitórios, os tribunais não se valem, como deveriam, dos poderes instituídos na norma. É raro encontrar uma decisão em que o litigante que se utilizou de recurso com claro intuito protelatório suporta a condenação da multa pela litigância de má-fé. Muito embora a fixação de honorários na fase recursal se desvele uma mudança positiva, não tem o escopo de punir e arrefecer os ânimos do recorrente malicioso. O freio à litigância temerária só será efetivo quando os tribunais agirem contundentemente para coibir esse tipo de prática". (Código de Processo Civil Comentado, coord. Helder Moroni Câmara, São Paulo: Almedina, 2016, p. 1.358) Entretanto, da mesma forma que devem ser punidos duramente os recursos meramente protelatórios, é necessário que se fixem critérios mais objetivos para a fixação da referida multa. De fato, a colegialidade é necessária para a interposição dos recursos extraordinário e especial, já que é necessário o prévio esgotamento das instâncias ordinárias. Ademais, hoje temos uma frágil colegialidade dos julgados, sendo que quase a totalidade dos julgamentos se dão por votação unânime. Portanto, a unanimidade1 não pode ser um bom critério para se saber se um recurso é meramente protelatório ou não. Desse modo, o termo manifestamente guarda relação tanto com a inadmissibilidade, como com a improcedência. Nesse sentido é o Enunciado nº 3582 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Outro não é o entendimento de Luis Guilherme Bondioli Aidar: "Por isso, o advérbio "manifestamente" é essencial para a avaliação da conduta do agravante. Apenas agravos evidentemente inadmissíveis ou evidentemente improcedentes devem levar à punição do recorrente. Perceba-se que o advérbio "manifestamente" guarda relação tanto com a inadmissibilidade quanto com a improcedência do agravo interno; recurso meramente inadmissível ou meramente improcedente não autoriza a punição do agravante"3. Por outro lado, manifestamente inadmissível ou improcedente é um termo vago e que causa dúvidas aos operadores do direito. Os julgados que aplicam a multa do artigo 1.021, § 4º do Novo CPC também muitas vezes não conseguem elucidar critérios mais objetivos para a fixação da multa: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. AGRAVO INTERNO NA ORIGEM COM REITERAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. DESATENDIMENTO DO ÔNUS DA DIALETICIDADE. APLICAÇÃO DE MULTAS PROCESSUAIS. RECOLHIMENTO PRÉVIO INEXISTENTE. PRESSUPOSTO RECURSAL NÃO OBSERVADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A multa aludida no art. 1.021, §4.º, do CPC/2015, não se aplica em qualquer hipótese de inadmissibilidade ou de improcedência, mas apenas em situações que, como a presente, se revelam qualificadas como de manifesta inviabilidade de conhecimento do agravo interno ou de impossibilidade de acolhimento das razões recursais porque inexoravelmente infundadas.2. A não comprovação, no momento da interposição do recurso especial, do prévio recolhimento da multa do § 4º do art. 1.021 do CPC, imposta pelo Tribunal de origem, implica o seu não conhecimento, por se tratar de pressuposto de admissibilidade do apelo nobre. Precedentes.3. Considerando o caráter inibitório do exercício irresponsável de recorrer inerente às multas processuais, a Lei 1.060/50 não isentou nem mesmo os beneficiários da assistência judiciária gratuita de seu pagamento, devendo este ocorrer ao final do processo nos termos do § 5º do artigo 121 do CPC/2015.4. Agravo interno não provido". (g.n.) (AgInt no AREsp 1173359/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 12/03/2018) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE.MANIFESTO DESCABIMENTO. SIMPLES PETIÇÃO. ENUNCIADO DE SÚMULA.VERIFICAÇÃO "IN CONCRETO". AUTOMATIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER. IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA. COMINAÇÃO DE MULTA.1. O controle difuso de constitucionalidade faz-se como exceção deduzida no contexto de uma ação, contestação, ou ainda de um recurso, mas não simplesmente como petição avulsa, que encerra em si apenas a pretensão do controle difuso e nada mais, muito menos quando o objeto do controle é um enunciado de súmula. Inteligência do art. 480 do CPC/1973 e do art. 948 do CPC/2015.2. Nos casos concretos em que o intuito meramente procrastinatório da parte surge patente, verificando-se um exercício automatizado do direito de recorrer sem a mínima atenção aos ensinamentos comezinhos da processualística civil, e quando verificar-se que a pretensão recursal é completamente infundada, é cabível a cominação da multa aludida no art. 1.021, §§ 4.º e 5.º, do CPC/2015.3. Agravo interno não conhecido, com a condenação do agravante ao pagamento de multa de cinco por cento sobre o valor atualizado da causa, em razão do reconhecimento do caráter de manifesta improcedência." (AgInt na PET nos EAREsp 589.461/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 05/03/2018) Entretanto, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça acabou citando critérios mais objetivos para definir o que seria um recurso manifestamente inadmissível ou improcedente: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.INOCORRÊNCIA. ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRICIONAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REINTEGRAÇÃO AO CARGO DE ANISTIADO. DEMORA DA ADMINISTRAÇÃO. TERMO INICIAL. PUBLICAÇÃO DOS DECRETOS N. 1.498/95 E 1.499/95. SÚMULA 83/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO FUNDAMENTADA NAS SÚMULAS 83 E 568/STJ (PRECEDENTE JULGADO SOB O REGIME DA REPERCUSSÃO GERAL, SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS OU QUANDO HÁ JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA SOBRE O TEMA). MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CABIMENTO.I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. III - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual considera-se como termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória, por suposto dano em razão da demora da Administração Pública Federal proceder à reintegração ao cargo ou readmissão ao emprego de anistiados pela Lei n. 8.878/94, o dia 25.05.1995, data de publicação dos Decretos ns. 1.498/95 e 1.499/95, que suspenderam os procedimentos de anistia.IV - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula 83/STJ. V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.VI - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação.VII - Considera-se manifestamente improcedente e enseja a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 nos casos em que o Agravo Interno foi interposto contra decisão fundamentada em precedente julgado sob o regime da Repercussão Geral, sob o rito dos Recursos Repetitivos ou quando há jurisprudência pacífica de ambas as Turmas da 1ª Seção acerca do tema (Súmulas ns. 83 e 568/STJ).VIII - Agravo Interno improvido, com aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa." (g.n.) (AgInt no REsp 1590249/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017) Desse modo, as multas se mostram importantes para que tenhamos dois dos principais objetivos dos novo CPC, a celeridade processual e o respeito aos precedentes. Recursos meramente protelatórios e em desacordo com o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores devem ser evitados por meio de multas. Entretanto, mostra-se importante a existência de critérios mais objetivos para a sua fixação, para que as partes possam avaliar adequadamente se seria ou não o caso de recorrer e as consequências que podem advir de eventual interposição do recurso. __________ 1 Daniel Amorim Assumpção Neves entende que "Sancionar um legítimo exercício de direito processual apenas porque a pretensão foi unilateralmente rejeitada é uma inconstitucionalidade evidente". (Novo Código de Processo Civil - Leis 13.105/2015 e 13.256/2016, 3 ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p. 635).   2 "(art. 1.021, § 4º) A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, exige manifesta inadmissibilidade ou manifesta improcedência".   3 Comentários ao Código de Processo Civil - vol. XX, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 151.
Daniel Penteado de Castro Não são de hoje os reclamos de que o tratamento dado pelo Poder Judiciário a questões jurídicas idênticas ou congêneres deveria manter-se coerente com entendimentos já firmados. Também não se quer dizer que seja vedado atribuir entendimento diverso a questão jurídica já decidida, por meio da superação de entendimentos pretéritos, senão o exame da questão sob o prisma de análise de fundamentos antes não examinados ou considerados em decisões anteriores. A tônica de referida crise aflora quando em curtíssimo espaço de tempo a jurisprudência é alterada sem muito fundamento ou, ainda, precedentes pretéritos, deixam de ser observados sem justificativa, tampouco considerados julgados emanados do órgão hierarquicamente superior ao juízo ou órgão jurisdicional prolator da decisão1. Tem-se o fenômeno da chamada jurisprudência lotérica, senão galopante, violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade das decisões emanadas da jurisdição que, a priori, é una. Nesse contexto, observava Teori Albino Zavascki: "[...] contraria-se a lei federal não apenas negando sua vigência, mas também dando a ela interpretação menos exata, assim considerada a que for contrária à orientação do STJ. Se não for admitido que o STJ exerca o controle da interpretação que as instâncias ordinárias deram à lei federal, afastando as interpretações diferentes da sua (embora razoáveis), deixará o Superior Tribunal de Justiça de ser o intérprete institucional da lei e, consequentemente, o guardião da sua observância"2. No ensejo de fixar determinadas balizas, reza o art. 926 do CPC que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente", ao passo em que o art. 9273 determina que determinados precedentes e enunciados de súmula deverão ser "observados" pelos juízes, ao passo em que, o art. 489, § 1º, V e VI4 apontam diretrizes destinadas a explicitar quando uma decisão judicial não é considerada fundamenta quando da aplicação, afastamento (distinguishing) ou superação (overruling) do precedente. Por fim, o art. 1.022, par. único, II5, preceitua considerar-se omissão para efeito de cabimento de embargos de declaração, a decisão judicial que viola uma das hipóteses arroladas no art. 489, § 1º, acima citado. Diante de referida estrutura introduzida no bojo do CPC em vigor, há de se questionar se o mandamento constante no art. 926, conjugado com o art. 489, deve limitar-se aos precedentes e enunciados de súmula arrolados no art. 927 ou referida observância também se impõe no plano vertical e horizontal de determinados precedentes, a compor um atividade integrativa voltada a uniformização da jurisprudência. A fim de tentar responder tal questionamento, o STJ já decidiu que os precedentes que ensejam o cabimento de embargos de declaração fundados no arts. 1.022, par. único, II e 489, § 1º, VI, do CPC referem-se a julgados do próprio relator e órgão colegiado, sem prejuízo do ônus do recorrente em demonstrar que os fundamentos determinantes (ratio decidendi) dos julgados apontados como precedentes devem ser cotejados com sua aplicação ao caso concreto: "(.) Inconformada, sustenta a parte agravante que: "O entendimento da relatora viola o artigo 489, CPC/15, eis que incorre na conduta prevista em seu §1º, VI, in verbis: Art. 489. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (.) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Isso porque a parte suscitou divergência jurisprudencial, em seu recurso e juntou acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça que demonstram entendimento diverso da jurisprudência apontada pela Relatora. [...] Portanto, resta evidenciado que não há posicionamento uníssono deste Superior Tribunal de Justiça com relação ao objeto do Recurso Especial em discussão, razão pela qual a decisão agravada deve ser reformada. Cabe aos julgadores, como um dos sujeitos do processo, cooperar com as partes proferindo decisão justa e efetiva, fundamentando-a de forma que acolha ou afaste de forma clara as alegações das partes, o que não ocorreu na decisão atacada, nos termos dos artigos 6º e 11 do Código de Processo Civil. Logo, requer seja conhecido o presente agravo regimental, a fim de que a Colenda Turma reforme a decisão monocrática, para que seja provido o recurso especial, a fim de declarar a não prescrição do fundo de direito da pensão por morte. (...)" (fls. 427/430). [...] É o relatório [...] Com efeito, consoante a novel jurisprudência desta Corte, "a existência de precedentes persuasivos autoriza, na forma do art. 927, IV, do CPC/2015 c/c a Súmula n. 568/STJ que: 'O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema'. Tal a eficácia mínima dos precedentes persuasivos que vinculam horizontalmente, por seus fundamentos determinantes, os ministros relatores de determinado órgão colegiado à jurisprudência nele formada, atendendo às exigências de uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência, conforme o art. 926, do CPC/2015" (STJ, AgInt no AREsp 871.076/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/08/2016). Ainda que assim não fosse, observa-se que os precedentes, citados no Recurso Especial e reiterados neste Agravo interno, não se coadunam com a mesma situação fática ora em comento. De fato, no REsp 1.416.885/PB (Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/02/2014), tratava-se de demanda proposta contra o INSS, objetivando a percepção de pensão por morte de dependente de ex-segurado, regido pelo Regime Geral de Previdência Social, tendo sido afastada, nesta Corte, a prescrição do direito de ação, em face do art. 103 da lei 8.213/91. Hipótese diversa, portanto, da habilitação à pensão por morte de servidor público, amparado em regime próprio de previdência e no Decreto 20.910/32. De igual modo, no REsp 1.439.299/PB (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/05/2014), tratava-se de demanda contra o INSS, objetivando o restabelecimento do benefício de pensão por morte, desde a data da cessação. Quanto ao REsp 1.242.692/RJ (Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/11/2013), tratava-se de demanda objetivando a revisão do benefício previdenciário, relação de trato sucessivo, hipótese diversa, portanto, da ora em análise. Por fim, em relação ao precedente do TRF da 1ª Região (AC 0025933- 04.2013.4.01.9199/MG), também se cuidava de demanda proposta contra o INSS, objetivando pensão por morte de trabalhador rural, situação diversa, como já dito, do presente caso. Ao que se tem, portanto, com relação ao art. 489, § 1º, VI, do CPC vigente - que prevê que não se considera fundamentada a decisão que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" -, não há falar em qualquer desrespeito, no caso, mormente pelo fato de que se demonstrou a distinção do caso em julgamento, a afastar os precedentes invocados pela parte recorrente. Isso porque, como exposto na decisão agravada e reafirmado acima, a tese recursal fora devidamente afastada, quando da aplicação da jurisprudência consolidada desta Corte, em relação a situação fática e jurídica dos autos. [...] Com efeito, a decisão ora agravada deveria ter sido combatida com o enfrentamento dos fundamentos determinantes do julgados apontados como precedentes, ou com a demonstração de que não se aplicariam ao caso concreto, ou de que haveria julgados contemporâneos ou posteriores do STJ, em sentido diverso, e não com a mera afirmação de que "a parte suscitou divergência jurisprudencial, em seu recurso e juntou acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça que demonstram entendimento diverso da jurisprudência apontada pela Relatora" (fl. 428e). Sendo assim, deveria ter havido, pelo agravante, a demonstração da possibilidade de distinção ou superação em relação aos precedentes firmados na decisão combatida (sejam vinculantes, sejam persuasivos), através do enfrentamento de seus fundamentos determinantes, argumentos que deveriam ter sido trazidos pelo recorrente. Interpretação do art. 489, §1º, do CPC/2015 que, mutatis mutandis, também se traduz em obrigação para as partes. Desse modo, "estando a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta Corte e não tendo a agravante trazido qualquer argumento que pudesse infirmar a decisão agravada, esta deve ser mantida íntegra, por seus próprios fundamentos" (STJ, AgRg no REsp 1.124.758/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/03/2010). (.)" (STJ, AgInt no AREsp n. 853.152/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016, grifou-se) Muito embora o recurso acima citado restou improvido, é certo que, ainda que indiretamente, houve a atividade de distinguishing em justificar o porquê do afastamento dos fundamentos determinantes constantes nos precedentes invocados pela parte à luz de sua aplicação ao caso concreto. De igual modo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, embora tenha improvido embargos de declaração, justificou, ainda que de forma sucinta, a distinção de não aplicação do precedente invocado pela parte ao caso concreto: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Cabimento do recurso condicionado à existência dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC/15 - Ausência de vício - Fundamentos do decisum suficientes à resolução da controvérsia - Embargos rejeitados. [...] Aduz o instituto-embargante, em síntese, que não houve demonstração de que o entendimento firmado pelo C. STJ no Tema 877 encontra-se superado ou, seja distinto do caso subjacente. [...] In casu, a parte embargante alega que não houve pronunciamento quanto à inaplicabilidade da tese firmada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.388.000/PR (Tema 877/STJ). O Acórdão embargado, todavia, foi claro ao consignar: "... há, inclusive, recente precedente desta C. 13ª Câmara, relativo ao mesmo título judicial (Mandado de Segurança Coletivo nº 0002370-51.2004.8.26.0053), no sentido de que, além de não correr prescrição enquanto não iniciadas diligências necessárias à liquidação do crédito resultante de sentença proferida em ação coletiva, o julgamento proferido no REsp nº 1.388.000/PR (Tema 877), por se tratar de caso distinto (no qual não se discutia, pois, a liquidez do título), é inaplicável." (destaque nosso, quanto à distinção do Tema 877/STJ). Verifica-se, assim, a ausência do aludido vício de omissão na fundamentação (error in procedendo), uma vez que houve, com efeito, demonstração da existência de distinção (distinguishing) do precedente invocado pela parte, como preceitua o artigo 489, § 1º, VI, do CPC/15." (TJSP, Embargos de Declaração n. 2085042-90.2017.8.26.0000, Rel. Spoladore Dominguez, 13ª Câmara de Direito Público, j. 16/08/2017) "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Prequestionamento. Ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. Requisitos do artigo 1.022 do NCPC não preenchidos. Embargos rejeitados. [...] Cuida-se de embargos de declaração opostos contra o v. acórdão de fls. 177/182, proferido por esta 28ª Câmara de Direito Privado e de minha relatoria, pelo qual foi dado provimento em parte ao recurso do embargante. Segundo ele, autor, o julgado deve ser reformado, pois a ré permaneceu inerte quando instada pela via administrativa a exibir os documentos. Discorre sobre a facilidade que a ré teria para enviar os documentos, pois inseridos em seu sistema completamente informatizado, embora não aberto ao público. Aponta o recurso especial n. 1.349.453 e pugna pela aplicação art. 932, IV, "b", do CPC/15. Pugna pelo prequestionamento do art. 5º, XIV e XXXV, da Constituição Federal, bem como pelo "distinguishing", nos termos do art. 489, § 1º, V, do CPC/15. [...] Nem se diga que há omissão com base no art. 489, § 1º, VI, do CPC/15, pois o acórdão não desconsiderou o entendimento do STJ que estabelece relação entre a resistência administrativa e a condenação aos ônus sucumbenciais no procedimento em questão. Pelo contrário, esse entendimento foi expressamente consignado (fls. 180), mas demonstrada a distinção do caso em julgamento, que conta com as particularidades supramencionadas que afastam a configuração de resistência, seja na via administrativa ou judicial. [...] Afinal de contas, "essa modalidade recursal só permite o reexame do acórdão embargado para o específico efeito de viabilizar um pronunciamento jurisdicional de caráter integrativo-retificador", de modo que, ausentes os vícios do artigo 1.022 do Novo Código de Processo Civil, não se admite venha esse recurso, "com desvio de sua específica função jurídico-processual, a ser utilizado com a indevida finalidade de instaurar uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal" (STF, RE n. 173.459, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 175/315)." (TJSP, Embargos de Declaração n. 1015229-21.2016.8.26.0196, Rel. Gilson Delgado Miranda, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 03/10/2017) Por sua vez, muito embora o art. 926 do CPC não faça "distinção" alguma, tampouco restrição, ao impor que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente", é certo que o enunciado interpretativo 11, aprovado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) concebeu o entendimento de que "os precedentes a que se referem os incisos V e VI, do § 1º do art. 489 do CPC, são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV, do art. 332". Ou seja, em tese não há vinculação alguma do órgão julgador a precedentes já formados pela turma ou câmara, tampouco obrigatoriedade de se fundamentar por quais razões precedentes pretéritos restaram superados (overruling) ou, ainda, sua distinção ao caso concreto. Nesta linha de raciocínio referido enunciado já restou aplicado pela Corte Bandeirante: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO INEXISTENTE. Pretensão recursal de suspensão do processo e remessa dos autos para julgamento pelo órgão regimental competente para examinar assunção de competência suscitada. Impossibilidade. Inexistência do dever da Câmara de adotar entendimento de outras Câmaras e de suspender o julgamento do recurso. Suficiência da fundamentação do acórdão. Mero inconformismo. Embargos rejeitados. [...] Afirma que o Tribunal deixou de seguir os precedentes invocados pela autora, em contrarrazões, não demonstrou a distinção de casos ou superação da jurisprudência, nem se manifestou sobre a assunção de competência suscitada. [...] Ocorre que o Tribunal só tem o dever de enfrentar questão analisada em precedente obrigatório de caráter vinculante, se a questão for relevante para infirmar a conclusão adotada. É isso que se interpreta do disposto no inciso VI, do §1º, do art. 489 do CPC-2015 em conjunto com o disposto nos artigos 489 e 927 e no §3º do art. 1.038. Logo, considera-se suficientemente fundamentado o acórdão - sendo desnecessário demonstrar a existência de distinção entre o caso em julgamento e aquele relativo ao precedente citado pela parte (distinguishing) ou fazer a superação da tese fixada no precedente citado (overruling) -, se a parte não citou precedente obrigatório de caráter vinculante." (TJSP, Embargos de Declaração n. 1001482-69.2015.8.26.0606, Rel. Paulo Galizia, 10ª Câmara de Direito Público, j. 06/03/2017) Não se nega que o Poder Judiciário não é órgão de consulta, tampouco educativo, no sentido de justificar um a um, o porque os fundamentos determinantes dos precedentes invocados pela parte não se aplicam ou diferem do caso concreto. Tal atividade jurisdicional esbarraria em excessiva tarefa hercúlea, mercê diante da contemporaneidade de uma era digital - facilitada por meio de mecanismos de "copia e cola" - sejam colacionados em defesa da parte uma infinidade de decisões (por vezes em excesso ou de forma abusiva) que não guardam ligação alguma ao caso concreto. Por outro lado, tal qual a orientação do julgado retro citado, do STJ, é certo que cabe à parte, com vistas a se provocar eventual distinguishing, cotejar os fundamentos determinantes dos julgados apontados como precedente em confronto com sua adequação ao caso concreto. Uma vez cumprido tal ônus não pode o Poder Judiciário se imiscuir em dizer que somente os precedentes elencados no art. 927 do CPC comportam as técnicas de distinguishing e overruling, sob pena de violação a inteligência do art. 926 da lei adjetiva. Vale dizer, é desejável que a jurisdição, sendo una, deve conceder idêntico "remédio jurídico" a situações congêneres, sob pena de perpetuar a odiosa coexistência de jurisprudência lotérica, instável e violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade, a conceber um cenário onde o jurisdicionado (valendo-se de um cardápio de entendimentos distintos sobre a mesma matéria) aproveita-se do julgado que melhor lhe socorre, porquanto fatalmente é o próprio Poder Judiciário que alimenta dita esperança. Na perspectiva de se coroar o quanto disposto no art. 926 do CPC, resta à jurisprudência tornar-se estável quanto a literal interpretação do art. 489, § 1º, V e VI, o qual convida a uma mudança de cultura cujo ônus não deve recair somente ao Poder Judiciário, mas também ao jurisdicionado, sob o prisma de, em colaboração, provocar o órgão jurisdicional com vistas a se obter, gradualmente e por meio de atividade integrativa, a uniformidade de decisões judiciais acerca de matérias já examinadas e decididas. __________ 1 Nesse contexto são os apontamentos de Thiago Asfor Rocha Lima ao criticar ao ausência de balizamento quanto a influência vertical e horizontal de determinado precedente (Precedentes judiciais civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013p. 134-135): "Não é raro, no Brasil, que um tribunal de segundo grau interprete e aplique um dispositivo de lei federal de maneira diversa da que foi conferida pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo em matéria infraconstitucional, mesmo estando a matéria pacificada no âmbito da Corte superior. Também não é tão incomum como deveria ser que um determinado tribunal, uma dada turma julgadora ou um julgador não se vincule sequer às próprias decisões anteriores. Essa falta de coerência externa e interna dos tribunais, além de atentar contra a segurança jurídica, a isonomia entre os jurisdicionados e a previsibilidade de suas decisões, prejudica sobremaneira a imagem do Judiciário, levando-o ao descrédito junto à sociedade. Não é esse, pois, o Judiciário que se pretende, em que prevalece a jurisprudência lotérica em detrimento de uma certeza jurídica. De nada adianta a Constituição Federal de 1988 estabelecer a isonomia como princípio fundamental se os juízes, invocando o livre convencimento, podem, por exemplo, simplesmente ignorar o entendimento emanado de uma corte hierarquicamente superior sobre o mesmo tema." 2 ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória: a súmula n. 343 do STF e as funções institucionais do Superior Tribunal de Justiça. BDJur, Brasília, DF, 28 ago. 2009, p. 11-12. Disponível em: e . Acesso em: 21 mar. 2017. 3 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. 4 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (.) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. 5 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.
André Pagani de Souza Uma pessoa que não conheça bem as decisões tomadas pelos nossos tribunais pode até ficar emocionada com o tom conciliatório da lei brasileira ao ler o § 2º do art. 3º da lei 13.105/2015 (CPC/2015) e descobrir que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos". Tal pessoa também pode ficar entusiasmada ao ler o § 3º, do mesmo artigo, que dispõe que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial". Essa mesma pessoa hipotética e que não está familiarizada com a jurisprudência dos tribunais brasileiros também pode até ficar empolgada ao ler o art. 6º, do CPC/2015, que impõe solenemente que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Também deve causar um otimismo extremado o comando do art. 139, inciso V, do CPC/2015, que preceitua que incumbe ao juiz "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". É realmente para qualquer um ficar admirado positivamente com o ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito à imposição de se tentar conciliar as pessoas em conflito. O juiz tem o dever-poder de tentar conciliar as partes1 e todos os demais sujeitos do processo devem ao menos estimular a solução consensual dos conflitos - é o que se depreende de uma singela leitura do CPC/2015. Nada disso causa espanto a uma pessoa que não conhece bem as decisões dos tribunais brasileiros, pois os dispositivos legais transcritos acima estão em harmonia com o preâmbulo da Constituição Federal brasileira de 1988, que estatui "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL": (grifamos). Ora, os representantes do povo brasileiro, desde 1988, manifestaram o desejo de se viver em uma sociedade fundada na harmonia e comprometida com a solução pacífica de controvérsias. Nada mais natural, nesse contexto, que a lei determine ao Estado-juiz: (i) o dever de tentar buscar a solução consensual de conflitos (CPC/2015, art. 3º, § 2º); (ii) o dever de estimular a solução consensual de conflitos, inclusive no curso de processo judicial (CPC/2015, art. 3º, § 3º); (iii) o dever de cooperar para que se obtenha decisão de mérito justa, efetiva e em tempo razoável; (iv) o dever de, a qualquer tempo, promover a autocomposição (CPC/2015, art. 139, inciso V). Mas a empolgação, o otimismo, o entusiasmo, devem parar por aí. Isso porque a pergunta que qualquer um faria - após ler todos estes inspiradores dispositivos no Código de Processo Civil e na Constituição Federal - é: o que acontece se ninguém tentar a conciliação das partes em conflito em um processo judicial? Resposta dada pelos tribunais com frequência: Nada. Isso mesmo, não acontece nada no processo se o juiz não tentar a conciliação. O processo segue o seu curso rumo ao prolongamento do conflito, como se nada tivesse acontecido. Confira-se, a título meramente ilustrativo, ementa de recente decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Coisa comum - Condomínio - Ausência de designação de audiência de tentativa de conciliação - Irrelevância - Possibilidade de as partes transigirem a qualquer momento - Extinção de condomínio - Admissibilidade - Imóvel partilhado por ocasião de herança - Aplicação do artigo 1.322, do Código Civil - Aluguel fixado em razão da ocupação exclusiva por um dos condôminos e que não foi objeto de impugnação - Sentença mantida - Recurso não provido. (TJ/SP; Apelação 1013683-42.2014.8.26.0020; Relator (a): Augusto Rezende; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII - Nossa Senhora do Ó - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 9/3/2018; Data de Registro: 9/3/2018, grifos nossos)". Tal decisão não é a única, conforme se pode depreender da ementa de outra decisão abaixo transcrita: "Liquidação de sentença por arbitramento, proferida nos autos da ação de reintegração na posse de imóvel urbano - Audiências de conciliação infrutíferas - Prescindibilidade de realização de nova tentativa de acordo - Medida facultativa, não compulsória, tampouco dependente de intervenção judicial e por se tratar de direito disponível e patrimonial - Possibilidade das partes transigirem a qualquer momento - Inteligência do art. 334 do Código de Processo Civil (segundo a redação anterior do art. 331 do Código de Processo Civil de 1.973) - Decisão mantida - Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2011715-78.2018.8.26.0000; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional V - São Miguel Paulista - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 9/3/2018; Data de Registro: 9/3/2018, grifos nossos)". Vale registrar, em nome da mais absoluta transparência, que não se trata de novidade o posicionamento do TJ/SP acima esboçado. Como se sabe, o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (lei 5.869/1973), já estabelecia que competia ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes". Também já existia o art. 331 do CPC/1973, que dispunha: "se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir (Redação dada pela lei 10.444, de 7.5.2002)". O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao interpretar o ordenamento jurídico anterior ao CPC/2015, também dava a mesma solução para o problema de não se tentar a conciliação, a despeito do disposto no art. 331 do CPC/1973 e no seu art. 125, IV. Veja-se: "VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 331 DO CPC. NÃO DEMONSTRADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURADA. 1. Não se conhece de alegada violação de dispositivo constitucional sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedente. 2. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada. Incidência da Súmula 282/STF. 3. Não há falar-se em nulidade da decisão, quando o caso permitir o julgamento antecipado da lide, ou seja, quando a prova a ser examinada for meramente documental, o que ocorre no caso em análise, não se justificando alegar violação ao art. 331 do CPC por ausência de tentativa de conciliação. 4. A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram, o que não ocorre in casu. 5. Recurso Especial não conhecido. (REsp 713.677/CE, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009, grifos nossos). E mais: RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - COMPROVAÇÃO - MODO DE PROCEDIMENTO - ADOÇÃO DO RITO SUMARIO NO LUGAR DO ORDINÁRIO - TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO - AUSÊNCIA - INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO ÀS PARTES - NULIDADE DO PROCESSO INEXISTENTE. I - Não se conhece o Recurso Especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2º, do RISTJ. II - No moderno direito processual pátrio, a teoria das nulidades orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando a nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, pelo que não se justifica a declaração de nulidade do processo em razão da adoção do rito sumário em lugar do ordinário na hipótese em que não se demonstrou a existência de qualquer prejuízo às partes e em que houve a dilação da instrução probatória de modo a propiciar a ampla defesa. III - A conciliação é uma forma de composição da lide, de modo que, se houve a prestação jurisdicional por meio da sentença, a ausência de tentativa de conciliação entre os litigantes não justifica a declaração da nulidade do processo, máxime quando as partes se insurgem somente em sede recursal. IV - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial (Súmula 7 do STJ). Recurso Especial a que não se conhece. (REsp 268.696/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/4/2001, DJ 7/5/2001, p. 139). Ainda: PROCESSUAL CIVIL. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DESNECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO DO CÔNJUGE. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO DISPENSADA. DEPÓSITO COMPLEMENTAR EM CONSIGNATÓRIA. Não incide a regra contida no art. 10, incisos I e II, e seu § 3º, do Código de Processo Civil, quando se trata de reconvenção proposta por promitente-vendedor contra o promitente comprador, autor de consignatória em que se discute sobre rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, ainda que disso possa resultar na desconstituição do contrato e na eventual reintegração de posse, sobretudo se a ação de consignação foi proposta apenas pelo marido, pois a discussão diz respeito exclusivamente a direitos obrigacionais, de que a reintegração é mera decorrência, não se tratando de ação possessória, que também não versa sobre direitos reais imobiliários. Quando a prova a ser examinada for meramente documental, nada justificando a abertura da instrução, não se há de cogitar de nulidade processual por ausência de tentativa de conciliação, sobretudo quando a discussão travada nos autos evidencia a plena impossibilidade de conciliação dos litigantes. O direito do autor da consignatória de proceder o depósito complementar é providência que independe de ordem judicial, podendo ser exercitado no prazo de dez dias contados da intimação da contestação. Recurso não conhecido. (REsp 174.107/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2000, DJ 18/12/2000, p. 199) No mesmo sentido: DIREITO COMERCIAL. DIREITO MARCÁRIO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ABSORVENTES. EXPRESSÃO DE PROPAGANDA O ABSORVENTE DA MULHER ATIVA E MARCA MULHER ATIVA. COLIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO ACOLHIDA PELO ACÓRDÃO ESTADUAL. SOBERANIA NO EXAME DA PROVA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA/STJ. PREQUESTIONAMENTO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. IRREGULARIDADE. DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. SUPRIMENTO. AUSÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO. ORIENTAÇÃO DA CORTE. PERDAS E DANOS. DEFERIMENTO. RECONVENÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO. MAIORIA. VOTO VENCIDO. I - Afirmada pelo acórdão estadual a possibilidade de confundir-se o consumidor, defesa se mostra a análise de suposta violação do direito marcário, por ser vedado o reexame de matéria fática na instância especial, consoante enunciado nº 7 da súmula/STJ. II - As perdas e danos, nos casos de uso indevido de marca, decorrem do próprio ato ilícito praticado pela ré. III - Não se tratando de documento indispensável à propositura da ação, mas de mera irregularidade de representação processual, possível a apresentação do contrato de licença para uso de marca firmado pela autora com sua subsidiária do Brasil após a inicial, sabido que o vigente Código de Processo Civil prestigia o sistema que se orienta no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, regularizando sempre que possível as nulidades sanáveis. IV - Uma vez proferida a sentença, pondo fim ao litígio, a falta da audiência de conciliação não é causa de anulação do processo, decidiu-se no REsp nº 168.841-SP(DJ 12.4.99). V - Não tendo o acórdão tratado do eventual abuso da liminar concedida, carece o recurso especial, no ponto, de prequestionamento, atraindo a incidência do enunciado n. 282 da súmula/STF. (REsp 101.118/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2000, DJ 11/09/2000, p. 251). Também: "DIREITO E PROCESSO CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. PERDAS E DANOS. CONCILIAÇÃO. HONORARIOS. CORREÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO PELA ALINEA 'A'. CONHECIDO PELA ALINEA 'C', MAS DESPROVIDO. I- TENDO HAVIDO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, NÃO SE HA DE COGITAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR AUSENCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. II- SEGUNDO ENTENDIMENTO MAJORITARIO DO TRIBUNAL, JA SUMULADO, A CORREÇÃO MONETARIA DOS HONORARIOS ADVOCATICIOS, QUANDO ARBITRADOS ESTES EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA, INCIDE A PARTIR DO AJUIZAMENTO. III- NÃO SE PRESTA O RECURSO ESPECIAL A INTERPRETAÇÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS. (REsp 5.442/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 4/3/1991, DJ 25/3/1991, p. 3226)" Assim, apesar de todo o estímulo e imposição legais às tentativas de conciliação, o fato é que se ninguém tentar conciliar, não há problema algum para o processo civil brasileiro, à luz das decisões judiciais tomadas atualmente - e que não discrepam do que se decidia em 1991, há quase trinta anos atrás, como pode ser visto a partir da leitura da data do julgado acima mencionado. Há, obviamente, honrosas exceções2, em que se tenta com afinco conciliar as partes em conflito, ouvindo-as de uma maneira mais humanizada, indagando-as sobre quais seriam as razões pelas quais querem permanecer em litígio e tentando-se efetivamente obter uma solução consensual, antes que lhes seja imposta uma decisão pelo Estado-juiz que, no mais das vezes, servirá apenas para prolongar o conflito, uma vez que dará ensejo a uma série de recursos e um longo percurso até o Supremo Tribunal Federal. E, quem sabe, depois disso, ainda virá uma ação rescisória... Com efeito, tentar conciliar as pessoas em conflito dá trabalho, é preciso ouvir todas elas, considerar o que estão dizendo como seres humanos, o que toma tempo dos profissionais do Direito, algo muito escasso hoje em dia e também em 1991. Era assim antes do CPC/2015 e continua sendo assim agora. Isso não há lei que mude. __________ 1 Sobre este dever-poder do juiz já escrevemos nesta mesma coluna, em 26/10/2017. 2 TJ/SP; Agravo de Instrumento 2130410-93.2015.8.26.0000; Relator (a): Percival Nogueira; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 1ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/7/2015; Data de Registro: 31/7/2015.
Elias Marques de Medeiros Neto Como se sabe, não são poucos os julgados que entendem que o rol do artigo 1015 do novo Código de Processo Civil ("NCPC") é taxativo; seguindo nesta linha, inclusive, relevante parcela da doutrina. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, tem permitido a aplicação de uma interpretação extensiva do artigo 1015 do NCPC. Em novembro de 2017, foi julgado o Recurso Especial n. 1.679.909 - RS, tendo sido relator o Ministro Luís Felipe Salomão. Naquele julgamento, prestigiou-se a interpretação extensiva do rol do artigo 1015 do NCPC, em caso que versava sobre competência. Veja-se: "Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. Recurso Especial provido. Nessa ordem de ideias, apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015, penso que a decisão interlocutória, relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma. Deveras, a possibilidade de imediata recorribilidade da decisão advém de exegese lógico-sistemática do diploma, inclusive porque é o próprio Código que determina que "o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência" (§ 3° do art. 64). Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente (passível até de rescisória - art. 966, II, CPC); b) o risco da invalidação ou substituição das decisões (art. 64, § 4°, primeira parte); c) o malferimento do princípio da celeridade, ao se exigir que a parte aguarde todo o trâmite em primeira instância para ver sua irresignação decidida tão somente quando do julgamento da apelação; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida "perpetuação" da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa. Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 - "rejeição da alegação de convenção de arbitragem" -, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda". Em dezembro de 2017, foi julgado o Recurso Especial n. 1694667 / PR, tendo sido relator o Ministro Herman Benjamin. Naquele julgamento, novamente prestigiou-se a interpretação extensiva do rol do artigo 1015 do NCPC, em caso que versava sobre a atribuição de efeito suspensivo para os embargos do devedor. Veja-se: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 1.015, X, DO CPC/2015. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ISONOMIA ENTRE AS PARTES. PARALELISMO COM O ART. 1.015, I, DO CPC/2015. NATUREZA DE TUTELA PROVISÓRIA. 1. A questão objeto da controvérsia é eminentemente jurídica e cinge-se à verificação da possibilidade de interpor Agravo de Instrumento contra decisões que não concedem efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 2. Na hipótese dos autos, a Corte Regional entendeu que não é impugnável por meio de Agravo de Instrumento a decisão que deixou de atribuir efeito suspensivo aos Embargos à Execução, pois o rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 é taxativo. 3. Em uma interpretação literal e isolada do art. 1.015, X, do CPC, nota-se que o legislador previu ser cabível o Agravo de Instrumento contra as decisões interlocutórias que concederem, modificarem ou revogarem o efeito suspensivo aos Embargos à Execução, deixando dúvidas sobre qual seria o meio de impugnação adequado para atacar o decisum que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 4. A situação dos autos reclama a utilização de interpretação extensiva do art. 1.015, X, do CPC/2015. 5. Em que pese o entendimento do Sodalício a quo de que o rol do citado art. da nova lei processual é taxativo, não sendo, portanto, possível a interposição de Agravo de Instrumento, nada obsta a utilização da interpretação extensiva. 6. "As hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um dos seus tipos". (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. Fredie Didie Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha. ed. JusPodivm, 13ª edição, p. 209). 7. De acordo com lição apresentada por Luis Guilherme Aidar Bondioli, "o embargante que não tem a execução contra si paralisada fica exposto aos danos próprios da continuidade das atividades executivas, o que reforça o cabimento do agravo de instrumento no caso". (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XX. Luis Guilherme Aidar Bondioli. ed. Saraiva, p. 126). 8. Ademais, o pedido de concessão de efeito suspensivo aos Embargos à Execução poderia perfeitamente ser subsumido ao que preconiza o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015, por ter natureza de tutela provisória de urgência. Dessa forma, por paralelismo com o referido inciso do art. 1015 do CPC/2015, qualquer deliberação sobre efeito suspensivo dos Embargos à Execução é agravável. 9. Dessa forma, deve ser dada interpretação extensiva ao comando contido no inciso X do art. 1.015 do CPC/2015, para que se reconheça a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nos casos de decisão que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 10. Recurso Especial provido". Trata-se da possibilidade de se conferir interpretação extensiva ao citado artigo 1015, conforme bem leciona a professora Teresa Arruda Alvim1: "no entanto, apesar de se tratar de enumeração taxativa, nada impede que se dê interpretação extensiva aos incisos do art. 1015. Por isso, é que, muito provavelmente, as exigências do dia a dia farão com que surjam outras hipóteses de cabimento de agravo, que não estão previstas expressamente no art. 1015, mas podem-se considerar abrangidas pela via da interpretação extensiva. Um bom exemplo é o dado por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha: se a decisão que rejeita a convenção de arbitragem é recorrível de agravo (art. 1015, III), também deve ser agravável a que dispõe sobre a competência (relativa ou absoluta), pois são situações muito semelhantes". Neste ponto, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2 são enfáticos: "A decisão relativa à convenção de arbitragem é uma decisão que trata de competência. Se a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem é agravável, também deve ser agravável a que trata de uma competência, relativa ou absoluta. (...). Embora taxativas as hipóteses de agravo de instrumento, aquela indicada no inciso III do art. 1015 comporta interpretação extensiva para incluir a decisão que versa sobre competência". Mas é certo que não são poucos os julgados que divergem acerca da natureza taxativa - ou não - do rol do artigo 1015 do CPC/15. Por isso, acertadíssimo foi o relevante julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido em 20.02.2018, pelo qual se acolheu a proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.704.520 - MT, conforme voto da Ministra Nancy Andrighi: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015". O Superior Tribunal de Justiça, desta forma, decidirá, em conformidade com o rito previsto para o julgamento de recursos especiais repetitivos, qual é a natureza do rol do artigo 1015 do CPC/15 e se há possibilidade de interpretação extensiva quanto ao mesmo. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça garanta a aplicação das normas fundamentais do CPC/15, prestigiando-se os princípios da efetividade, duração razoável do processo, cooperação e eficiência. Nos dois casos acima referidos e que foram julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, as normas fundamentais do CPC/15 foram observadas. Tanto a questão da competência, como a questão da necessidade de se definir se os embargos do devedor devem ou não ser recebidos com efeito suspensivo, são questões que merecem ser impugnadas por agravo de instrumento, conforme razões muito bem delineadas nos acórdãos acima citados; sendo acertada, portanto, a permissão jurisprudencial de se valer da interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15 nessas hipóteses. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614.2 DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 216.
Rogerio Mollica O novo Código de Processo Civil procurou desmontar a maioria das barreiras impostas ao conhecimento dos recursos. Está claro que o novo Código buscou eliminar a jurisprudência defensiva dos Tribunais. Sob a égide do novo ordenamento se procura que eventuais vícios sejam sanados para que os recursos sejam conhecidos e julgados. Desde logo a doutrina anteviu a existência da armadilha da necessidade da comprovação prévia do feriado local, sendo que tal tema já foi objeto de estudos nessa coluna, em texto de minha autoria publicado em 06 de julho de 2017. Quando se fala em limitação à Jurisprudência Defensiva dos Tribunais, logo é citado o parágrafo único do artigo 932 que prevê: "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível". Entretanto, nesse mesmo importante artigo 932 em que temos os "poderes-deveres" dos relatores encontramos o inciso III que prevê incumbir ao relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida". A previsão quanto ao não conhecimento de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida vem sendo exacerbada a ponto de ser tida como uma nova Jurisprudência Defensiva criada por nossos Tribunais para não conhecer de uma grande quantidade de recursos1. Por outro lado, não se pode falar que seria uma novidade em nosso ordenamento, eis que somente generaliza a previsão da súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada". Poder-se-ia até entender que seria a moeda reversa da previsão do artigo 1.021, § 3º que prevê que "É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno". De fato, com as facilidades do computador e do uso do "recorta e cola" em textos, é comum que um agravo interno seja praticamente igual ao recurso que foi julgado monocraticamente2. A simples reprodução deve ser evitada, pois pode acarretar o não conhecimento do recurso. O Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente exigindo a impugnação específica a todos os fundamentos da decisão impugnada como um dos requisitos para a admissão dos recursos, sendo que a falta de tal fundamentação não pode ser suprida posteriormente: "PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRINCIPIO DA DIALETICIDADE. ART. 932, III, DO CPC DE 2.015. INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO GENÉRICA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Consoante os princípios da fungibilidade e da economia processual, e tendo em vista que o pedido de reconsideração não consta do rol de recursos do art. 994 do NCPC, é possível o recebimento pedido de reconsideração como agravo interno (RCD no AREsp 886.650/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/5/2016, DJe 25/5/2016). 2. À luz do princípio da dialeticidade, que norteia os recursos, compete à parte agravante, sob pena de não conhecimento do agravo em recurso especial, infirmar especificamente os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem para negar seguimento ao reclamo. 3. O agravo que objetiva conferir trânsito ao recurso especial obstado na origem reclama, como requisito objetivo de admissibilidade, a impugnação específica aos fundamentos utilizados para a negativa de seguimento do apelo extremo, consoante expressa previsão contida no art. 932, III, do CPC de 2.015 e art. 253, I, do RISTJ, ônus da qual não se desincumbiu a parte insurgente, sendo insuficiente alegações genéricas de não aplicabilidade do óbice invocado. 4. Esta Corte, ao interpretar o previsto no art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 (o qual traz disposição similar ao § 3º do art. 1.029 do do mesmo Código de Ritos), firmou o entendimento de que este dispositivo só se aplica para os casos de regularização de vício estritamente formal, não se prestando para complementar a fundamentação de recurso já interposto. 5. Agravo interno não provido. (RCD no AREsp 1166221/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017) Que se faz necessário o ataque aos fundamentos da decisão atacada não há dúvidas, o que não pode ocorrer é a exacerbação de tal previsão a ponto de inviabilizar o conhecimento dos recursos. Sendo assim, cabe aos advogados ficarem atentos a essa nova barreira processual e, na medida do possível, atacarem todos os fundamentos da decisão recorrida, para que o recurso possa ser conhecido e julgado. __________ 1 Nesse sentido Dierle Nunes e Antônio Aurélio de Souza Viana advertem "para a  literatura jurídica do risco do ônus da dialeticidade se tornar um novo foco para uma "pseudo-sofisticada" forma de jurisprudência defensiva e para a advocacia da impossibilidade de se reproduzir peças recursais sem indicar os fundamentos da decisão impugnada que se busca atacar com a apresentação e as razões de impugnação, de modo a seguir os comando indicados na decisão supra transcrita. Toda reprodução mecânica de arrazoados tende a ser penalizada." ("Ônus da dialeticidade: nova "jurisprudência defensiva" no STJ?", texto publicado no site Migalhas de 15/5/2017). 2 incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação e isso é indesejável. O recurso tem de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato e de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, artigo por artigo, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.470).
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Tutela da evidência em grau recursal

Daniel Penteado de Castro A então denominada "antecipação de tutela", prevista no CPC de 1973 ganhou novos contornos sob o regime da agora chamada "tutela provisória" a qual se ocupa o Livro V da Parte Geral do CPC/2015. Dentre os dispositivos que tratam de referida técnica (arts. 294 a 311), o legislador deixou claro que a tutela provisória há de ser concedida com fundamento na urgência ou evidência (art. 294), sendo este último fundamento, portanto, a dispensa do requisito da urgência ou risco de dano grave, irreparável ou de difícil reparação. No plano recursal, o parágrafo único do art. 299 é expresso em assegurar que "(...) nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito". Portanto, dúvidas não há quanto ao cabimento da tutela provisória em grau recursal. As inquietações emergem, de outra banda, no tocante ao tratamento posto no código em disciplinar a tutela provisória para diversas espécies recursais. Nesse contexto, quanto a apelação, o art. 1.012, § 4º, do CPC, aponta como requisitos para a tutela provisória recursal destinada à suspensão da eficácia da sentença a demonstração da "(...) probabilidade de provimento do recurso ou relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação", redação esta idêntica quanto aos seus requisitos no que toca a tutela provisória concedida nos embargos de declaração, disciplinada no art. 1.026, § 1º, do CPC. Vale dizer, para apelação ou embargos de declaração autoriza-se a tutela provisória, em tese restrita a suspensão da eficácia da decisão impugnada (efeito suspensivo), desde que fundada na probabilidade do provimento do recurso ou, na urgência. No que toca ao recurso de agravo de instrumento o legislador previu no art. 1.019, I, a suspensão da decisão impugnada (efeito suspensivo) ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (efeito ativo), sem dar pista alguma quanto aos seus requisitos. De igual modo, no tratamento aos recursos especial e extraordinário, o art. 1.029, § 5º prevê a concessão de efeitos suspensivo, sendo silente, de igual sorte, quando a discriminação de seus requisitos. Deveras, exceção ao regramento de definição de competência, a disciplina apartada para as modalidades recursais acima citadas no que toca aos requisitos da tutela provisória em grau recursal é despicienda, porquanto o art. 995, parágrafo único, do CPC regula o denominado efeito suspensivo a ser examinado pelo relator, de modo que "(...) a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso". Por sua vez, o art. 932, II, do CPC, ao tratar dos poderes do relator, expressamente prevê a incumbência de "(...) apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária". De sorte que, se a todo recurso é designado um relator, bastaria a inteligência dos dispositivos acima citados (art. 995, parágrafo único e 932, II) para bem pontuar o cabimento da tutela provisória no plano recursal. Ainda assim, outras dúvidas hão de surgir. Na medida em que, no tocante ao recurso de apelação e embargos de declaração, o legislador arrola requisitos alternativos ao utilizar a conjunção "ou" entre probabilidade do provimento do recurso ou houver risco de dano grave ou de difícil reparação, o poder do relator disciplinado no art. 995, parágrafo único, exige a soma de tais requisitos para a concessão de efeito suspensivo, em especial por se valer da conjunção "e". Diante de tamanhas inexatidões, uma leitura literal do art. 932, II, portanto, autoriza a tutela provisória a toda modalidade de recurso em espécie, porquanto referido dispositivo trata de poder inerente a atividade jurisdicional desempenhada pelo relator que, repita-se, é designado a todo e qualquer recurso. Ainda, referida a tutela provisória como gênero, há de se autorizar a concessão de efeito ativo ou suspensivo ao recurso, seja fundada na urgência (fumus boni iuris e periculun in mora), seja na evidência (probabilidade de provimento do recurso). Nesse contexto decidiu a 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Tutela de evidência em segundo grau Embargos à adjudicação julgados improcedentes. Reconhecimento de litigância de má fé Extração da carta condicionada ao trânsito em julgado. Possibilidade de se reconhecer os requisitos específicos da tutela, conforme art. 311 e incisos do NCPC. Aplicação do artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) que permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Autorizada a expedição da carta - Pedido acolhido. (...) Cuida-se de tutela de evidência cuja a finalidade é a imediata expedição de carta de adjudicação, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença de fls.99/104. A parte contrária se manifestou a fls.118/129, requerendo o indeferimento da tutela de evidência. É o relatório. 2. Cuida-se de pedido de tutela de evidência onde a requerente postula imediata expedição de carta de adjudicação em seu favor, a ser extraída nos autos da ação de execução que promove contra a requerida e outros. O artigo 311 do novo CPC assim estabelece acerca da Tutela de Evidência: Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. No caso a requerente entende que a parte ao apresentar os embargos o fez em caráter protelatório, além de não ter a sentença que julga os embargos improcedentes o efeito suspensivo. Realmente, a r. sentença, ao decidir os embargos reconheceu a litigância de má fé pelo efeito protelatório dos embargos. Outrossim, ao impor a expedição da carta somente após o trânsito em julgado, criou efeito suspensivo inexistente na legislação processual. O imóvel objeto da carta de adjudicação foi dado em garantia hipotecária da dívida objeto da execução. O NCPC trouxe várias inovações no âmbito recursal, dentre elas a de o relator conceder a tutela que não se limita as hipóteses do art. 995, parágrafo único, quanto à capacidade de o relator antecipar os efeitos da pretensão do recorrente, pois o artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Uma boa exegese desse dispositivo é possível extrair que qualquer das espécies de tutela provisória as previstas no Livro V do novel Diploma Processual Civil - podem ser postuladas ao tribunal, incluindo-se aí a tutela de evidência. O caso, assim, autoriza seja expedida carta, com a única observação que o caberá a requerente ressarcir eventuais danos ou prejuízos que vier a causar se e caso provida a apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos. Ante o exposto, defiro a tutela de evidência e determina-se a expedição da carta em primeiro grau." (TJSP, Tutela Cautelar Antecedente n. 2056734-44.2017.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Miguel Petroni Netto, v.u., j. 15.08.2017) Muito embora o julgado acima se refira a tutela cautelar antecedente, o raciocínio exposto projete luzes ao quanto sustentado em linhas anteriores, até porque o art. 932, II, do CPC, atribui o poder ao relator de apreciar pedido de tutela provisória "(...) nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal". E, no tocante a tutela provisória fundada na evidência resta entender melhor o significado da expressão probabilidade de provimento do recurso e, ainda, se tal requisito se enquadra em tutela da evidência, assim entendida a concessão de tutela provisória dispensado o requisito da urgência. Nessa ótica, sugere-se as hipóteses que autorizam o julgamento monocrático de recurso com base em determinados precedentes, tal qual estatui o art. 932, V, do CPC: "Art. 932. Incumbe ao relator: (...) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (...)" Afinal, se o relator pode o mais - monocraticamente prover determinado recurso nas hipóteses acima citadas, dispensando-se a colegialidade e por vezes subtraindo a oportunidade de sustentação oral nos recursos a esta assegurada1, - porque não poderia o menos (concessão de decisão revestida de provisoriedade, passível de confirmação ou revogação quando do julgamento colegiado do recurso)? __________ 1 O art. 937, I a V e VII do CPC asseguram a prerrogativa de sustentação oral nos recursos de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência e recurso de agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência.
André Pagani de Souza Como é do conhecimento de todos, o art. 334 da lei 13.105/2015 (CPC/2015), estabelece em seu caput que "se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (...)". Tamanha é a importância conferida pelo CPC/2015 à audiência de conciliação ou mediação que o § 8º do seu art. 334 determina que "o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado". Assim, se o réu ou autor, devidamente cientificados, não comparecerem à audiência de mediação ou conciliação a que se refere o caput do art. 334 do CPC/2015, estarão sujeitos à multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica pretendida. Todavia, para atenuar o rigor do § 8º do art. 334 do CPC/2015, o § 10 do mesmo dispositivo estatui que "a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir". Por isso, a presença da parte na audiência de conciliação ou mediação a que se refere o art. 334 do CPC/2015 não é obrigatória, uma vez que o § 10 do referido dispositivo permite que seja constituído representante para participar de tal ato processual com poderes para negociar e transigir. Pode surgir alguma dúvida se tal "representante" pode ser ou não o próprio advogado da parte a atuar com poderes específicos para negociar e transigir. Isso porque o art. 25 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (Aprovado pela resolução 02/2015 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, publicado no Diário Oficial da União, S.1, de 4/11/2015, p. 77), dispõe que: "é defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente". Contudo, como já teve oportunidade de esclarecer o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná "(...) Parece, no entanto, que essa proibição não se aplica à representação processual, porquanto a participação do advogado, aqui, na qualidade de representante negocial, restringir-se-á à negociação e à assinatura do termo de acordo - atividades típicas do exercício da advocacia. A restrição do Código de Ética refere-se à preposição em causas trabalhistas, nas quais a figura do preposto assume outras funções processuais - depor pela parte, por exemplo (...)". (TJ/PR, 17ª Câmara Cível, Processo 1656535-0, Rel. Lauri Caetano da Silva, decisão monocrática, j. 13.03.2017, DJ 22/3/2017). Diante disso, é inafastável a conclusão de que a parte não precisa comparecer à audiência de conciliação ou mediação a que se refere o art. 334 do CPC, desde que esteja neste ato representada por alguém com poderes para negociar e transigir, sendo que tal pessoa poderá ser, inclusive, seu próprio advogado. Nesse sentido, não há como deixar de aplaudir recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que afastou a multa ilegalmente imposta à parte que não compareceu à audiência de conciliação, mas se fez representar por seu advogado com poderes específicos para transigir e negociar. Confira-se: "Mandado de segurança - Interposição contra ato judicial que aplicou multa por ato atentatório à dignidade da justiça, em razão do não comparecimento pessoal da autora na audiência de conciliação, nos termos do art. 334, §8° do CPC - Descabimento - Comparecimento da advogada constituída pela parte com poderes específicos para transigir que afasta a incidência da penalidade, uma vez que o objetivo do legislador é a pacificação dos conflitos, devendo ser punida somente a parte que descumprir com o seu dever de colaboração com a ausência injustificada, o que não se verifica na hipótese - Direito líquido e certo da impetrante amparado pelo art. 334, §10 do CPC - Ordem concedida (TJ/SP, Mandado de Segurança n. 2102925-50.2017.8.26.0000, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Thiago de Siqueira, concederam a segurança, v.u., j. 13/11/2017)". Com efeito, não se pode nunca perder de vista que o escopo maior do processo - e não apenas do legislador que fez o CPC/2015 - é a pacificação social. Aplicar uma multa àquele que outorgou uma procuração para o seu advogado representá-lo em audiência de conciliação ou mediação (com poderes para negociar e transigir), ao arrepio do que dispõe o § 10 do art. 334 do CPC, contribuiria para prolongar conflitos em vez de eliminar conflitos, pois seria mais uma batalha secundária a ser travada (sobre o cabimento de uma multa ou não) dentro de um triste processo que nascera devido a um outro conflito certamente mais importante que a multa. É preciso acabar com o processo como instrumento para prolongar conflitos e utilizá-lo para debates de questões que realmente importam para as partes e para a sociedade como um todo (que é quem paga a conta ao final de tudo).
Elias Marques de Medeiros Neto Em 7/12/2017, tivemos a oportunidade de apresentar recentes posições do Poder Judiciário quanto à aplicação do art. 190 do CPC/15. Dada à polêmica doutrinária que se aflora em torno do tema, neste artigo novamente se aborda a existência de julgados relativos ao negócio processual atípico. Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 assim define o instituto do art. 190 do CPC/15: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191". Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Teresa Arruda Alvim3 exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...". Para Fredie Didier Jr.4, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. E no recente julgamento do Agravo de Instrumento 2118535-58.2017.8.26.0000, da 17ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Paulo Pastore Filho, decidiu-se que as partes podem convencionar, em negócio processual atípico, sobre qual bem deve recair a penhora. Veja-se: "EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL -- Acordo levado a efeito entre as partes, com previsão de penhora sobre imóveis oferecidos pelos executados - Viabilidade - Com o advento do novo CPC, é possível as partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses - Inteligência do art. 190 do CPC/2015 - Composição que preserva os interesses das partes, bem como encontra arrimo no artigo 774, inciso V, e art. 829, § 2º, do CPC/2015 - Decisão reformada - Recurso provido". Por outro lado, no também recente julgamento do Agravo de Instrumento n. 2098515-46.2017.8.26.0000, da 33ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Eros Piceli, decidiu-se que as partes não podem convencionar sobre a possibilidade de se aplicar o instituto da denunciação da lide em caso concreto que seria regido pelo código de defesa do consumidor, dada a vedação de ordem pública que estaria contida no comando do art. 88 do diploma consumerista: "Ação de indenização - discussão envolvendo falha na prestação de serviço de guincho oferecido por concessionaria de rodovia - elementos que indicam a incidência do Código de Defesa do Consumidor - vedação à denunciação a lide - artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor - norma de interesse público que afasta a autocomposição prevista no artigo 190 do CPC diante de sua indisponibilidade - indeferimento da denunciação a lide mantida - agravo de instrumento não provido". Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do art. 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim5, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (arts. 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais. Fredie Didier Jr.6, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos. Humberto Theodoro Jr.7 defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Como já dito, o Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no art.190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402. 6  DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388. 7 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A estabilização da tutela e a Fazenda Pública

Rogerio Mollica A estabilização da tutela prevista no "caput" do artigo 304 do Código de Processo Civil é uma das muitas inovações do novo CPC. A saudosa professora Ada Pellegrini Grinover sempre foi uma entusiasta de tal instituto, que é baseado na experiência Italiana e Francesa. O instituto é bastante controverso e gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da estabilização da tutela concedida em face da Fazenda Pública. O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 582 prevendo que: "Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública". O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir pelo cabimento da estabilização da tutela em face do Fazenda Pública, conforme se depreende do seguinte julgado: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO JUDICIAL IMPUGNADO. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. MEDICAMENTOS. TUTELA ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ESTABILIZAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. Matéria devolvida em sede de agravo. Impugnação da Fazenda considera as limitações para concessão da tutela antecipada em caráter antecedente. Inteligência do art. 304 DO CPC. A estabilização não qualifica a formação da coisa julgada. A estabilização da decisão estende a chamada técnica monitória para as tutelas de urgência porque condiciona o resultado do processo ao comportamento do réu ("secundum eventus defensionis"). Realidade compatível com o regime jurídico que rege os atos do Estado em juízo, a exemplo do que ocorre com a ação monitoria, na qual a formação do título executivo é decorrência da inércia do réu (Súmula 339 do STJ). Possibilidade de demandar o autor para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Inexistência de óbices para requerer tutela antecipada antecedente em face da Fazenda Pública. PRAZO PARA CUMPRIMENTO E MULTA FIXADA. Ausência de elementos que justifiquem a fixação e prazo exíguo para fornecimento de medicamento não contido na lista de dispensação obrigatória por parte do Estado. Prazo majorado para 30 dias e multa diária reduzida para R$ 200,00, limitada a R$ 60.000,00. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (g.n.)(TJSP; Agravo de Instrumento 2129259-58.2016.8.26.0000; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Sumaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2016; Data de Registro: 28/09/2016) É de se ter presente a ressalva feita pelo Professor Eduardo Talamini em artigo intitulado "Ainda a estabilização da tutela Antecipada" publicado nesse mesmo informativo Migalhas de 01/04/2016 sobre a correlação entre a estabilização da tutela, a ação monitória e a Fazenda Pública: "O CPC/15 disciplinou o tema expressamente, no âmbito da ação monitória. Adotou a segunda orientação - que dizima o efeito principal monitório: se não houver embargos ao mandado, haverá reexame necessário (art. 701, § 4.º). Logo, não se constituirá de pleno direito o título executivo. O tribunal que seria competente para o recurso, de ofício, revisará a decisão concessiva da tutela monitória. Se é assim na ação monitória, torna-se sistematicamente muito difícil, se não inviável, reconhecer a incidência do efeito monitório no caso de falta de recurso da Fazenda contra a tutela antecipada antecedente. Há ainda um segundo óbice, de caráter objetivo. Se a posição jurídico-material atingida pela tutela antecipada tem caráter indisponível, não parece possível que ela possa ser neutralizada, por tempo indeterminado (e talvez definitivamente) pelo fenômeno da estabilização. Imagine-se o caso em que se obtém tutela antecipada antecedente para sustar os efeitos do ato de exoneração de um servidor, por falta grave. Não seria razoável estabilizar-se a suspensão da eficácia de tal ato sem a cognição exauriente dos seus fundamentos de legitimidade". Realmente o grande óbice que sempre se levanta quanto a possibilidade de estabilização da tutela em face da Fazenda Pública é a existência da Remessa Necessária. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já teve oportunidade de afastar tal exigência, conforme se depreende do seguinte julgado: "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. AUSÊNCIA DE RECURSO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 304 DO NCPC. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA. APLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. - O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a tutela de urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder. - O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo. - Lecionam os Professores Érico Andrade (UFMG) e Dierle Nunes (PUC Minas) que, se obtida a tutela de urgência, no procedimento preparatório da tutela antecipatória (satisfativa), e o réu não impugnar a tutela concedida, mediante recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC), o juiz vai extinguir o processo e a medida liminar antecipatória da tutela vai continuar produzindo seus efeitos concretos mesmo na ausência de apresentação do pedido principal (art. 304, §§1º e 3º, novo CPC). - A Fazenda Pública se submete ao regime de estabilização da tutela antecipada, por não se tratar de cognição exauriente sujeita a remessa necessária. (Enunciado 21 sobre o NCPC do TJMG). -Recurso improvido". (Apelação Cível nº 0004894-49.2016.8.13.0348, Rel. Des. Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível, julgamento 08/11/2016) Leonardo Carneiro da Cunha também se mostra contrário à realização da remessa necessária nesse caso: "Não é, porém, passível de remessa necessária a decisão que concede a tutela de urgência contra a Fazenda Pública. A estabilização, para ocorrer, não depende de remessa necessária. Isso porque a estabilização, como se viu, não se confunde com a coisa julgada. A remessa necessária é imprescindível para que se produza a coisa julgada. Além do mais, não cabe tutela de urgência contra o Poder Público nos casos vedados em lei e nos casos de pagamento de valores atrasados, que exija expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor. Não sendo possível tutela de urgência com efeitos financeiros retroativos, a hipótese não alcança valor que exija a remessa necessária, aplicando sua hipótese de dispensa prevista no § 3º do art. 496 do CPC". (A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 316) Portanto, apesar do entendimento aparentemente majoritário da doutrina e da jurisprudência quanto ao cabimento da Estabilização da Tutela em face da Fazenda Pública, faz-se urgente que o Superior Tribunal de Justiça decida em definitivo a questão, já que atualmente temos muita insegurança jurídica, eis que tutelas aparentemente estabilizadas podem não estar mais, se for necessária a realização da remessa necessário nesses casos.
Daniel Penteado de Castro A chamada certidão premonitória, antes prevista no art. 615-A do CPC/73, passou a ser regulada no art. 828 do CPC/2015. Pelo teor de referido dispositivo, nas ações de execução, "(...) o exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade." Referida certidão, a ser averbada na matrícula de bens imóveis, veículos ou outros bens que, de alguma forma possuem registro de acesso público, tem o condão de (i) dar publicidade a terceiros quanto a existência da ação de execução promovida contra o devedor e, ainda (ii) por meio de referida publicidade, evitar eventual desfalque patrimonial do devedor que aliena o bem onde estava registrada a certidão, a presumir-se em fraude à execução (art. 828, § 4º, do CPC/2015) acaso o devedor não possua outros bens para pagamento do crédito executado. Nessa ótica lecionam Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge: "Assim, tanto quanto possível é importante que o exequente lance mão de meios que lhe permitam evitar que o executado desfalque seu patrimônio além do suficiente para garantir as obrigações inadimplidas. Nesta toada, uma das formas é justamente trazer ao conhecimento de terceiros a existência da execução instaurada contra o executado, o que é feito, por exemplo, por intermédio da averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. Com isso, realizada a averbação, então o eventual desfalque patrimonial e alienação do referido bem onde estava registrada a certidão, presume-se em fraude à execução, e nenhum terceiro poderá sustentar posteriormente que adquiriu o bem sem saber que estaria ele comprometido com a sujeitabilidade à expropriação. (...) Não se discute que esta certidão da execução averbada no local de registro dos bens do executado tem um papel fundamental de advertir com antecipação, atuando como se fosse uma espécie de aviso - daí receber o apelido forense de certidão premonitória - no sentido de não apenas informar o terceiro que pretenda adquirir o bem que sobre ele pesa a aura da responsabilidade patrimonial do executado, mas em especial de presumir em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação nos termos do art. 828, § 4º, do CPC. Portanto, esta técnica de proteção da responsabilidade patrimonial tem em si uma inegável função preventiva - de evitar a oneração ou alienação - mas também repressiva no sentido de facilitar o reconhecimento da fraude do bem adquirido após a averbação."1 Por sua vez, o art. 828 do CPC/2015 está topologicamente situado no Título II, do Livro II, do CPC/2015, que regula o chamado "processo de execução", processo esse cujo requisito principal impõe a pré-existência de um título executivo extrajudicial dentre aqueles arrolados no art. 784 do CPC/2015. De igual modo, o art. 828 trata de expedição da certidão premonitória em favor do "exequente". Logo, dúvidas não há de que a certidão premonitória é reservada ao processo de execução. Todavia, a jurisprudência vem flexibilizando o entendimento por aceitar o deferimento da certidão premonitória em ações de conhecimento, regidas pelo chamado procedimento comum. Nesse contexto é a inteligência dos julgados emanados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária de imóvel. Ação Declaratória de Nulidade de Atos Jurídicos. Tutela provisória indeferida em Primeiro Grau. Pretensão à averbação premonitória em fase de conhecimento. Possibilidade. Art. 828, CPC. Aplicação subsidiária das regras que regem o processo de execução. Ausência de incompatibilidade. Decisão reformada. Recurso provido. (...) Cinge-se o presente recurso à possibilidade de se efetuar a averbação premonitória junto às matrículas dos imóveis dados em garantia por alienação fiduciária, descritos na inicial, em processo de conhecimento, como tutela cautelar.Conquanto o artigo 828 do Código de Processo Civil se refira apenas às ações executivas, a interpretação analógica dos dispositivos legais está prevalecendo em orientações jurisprudenciais, para permitir a averbação de distribuições de ações ajuizadas pelo procedimento comum em registros de imóveis e veículos (dentre outros), antes mesmo da prolação de sentença de mérito, desde que presentes os requisitos autorizadores da tutela cautelar, nos termos dos artigos 300 e 301, do Diploma Processual. (...) Desta forma, recomendável a expedição de certidão premonitória, ainda que não se cuide de processo de execução, de modo que plenamente viável, no caso concreto, a incidência do artigo 828, do Código de Processo Civil. A concessão da tutela de provisória de urgência, consoante dicção do artigo 300, do Código de Processo Civil, exige a presença de "elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", observando-se que a medida "não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (§ 3º). Segundo a sistemática processual vigente, aquele que pretende se beneficiar com a tutela de urgência deve comprovar a existência de elementos de informação que conduzam à plausibilidade de suas alegações ('fumus boni iuris'), assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na prestação jurisdicional ('periculum in mora'), além da reversibilidade dos efeitos da medida. Assim, conquanto não se exija prova capaz de formar juízo de plena convicção, o requerente deve trazer aos autos elementos de informação sólidos, consistentes, aptos a proporcionar ao Magistrado a formação de um juízo de probabilidade quanto ao direito alegado. Em semelhante conjuntura, em cognição sumária, conclui-se que existem elementos suficientes para a apreciação, com segurança, das alegações da agravante, posto que, eventual procedência do pedido redundará na nulidade do procedimento de consolidação da propriedade e, diretamente, afetará os imóveis objeto das matrículas números 132.981, 132.982, 132.983, 132.984 e 132.985, afetando eventuais terceiros adquirentes. Desta forma, presentes os requisitos legais autorizadores da tutela antecipada pretendida, de rigor o seu deferimento, até para que se dê publicidade, junto às matrículas imobiliárias, da litigiosidade existente sobre os imóveis, resguardando eventual direito de terceiros, ainda que o processo se encontre em fase de conhecimento, observando-se o quanto disposto no artigo 296, do Estatuto Processual." (Agravo de Instrumento n. 2089244-13.2017.8.26.0000, Rel. Des. Bonilha Filho, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 23.06.2017, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de conhecimento. Averbação nesta ação da matrícula de bem imóvel. Aplicação analógica do artigo 615-A do CPC afeto aos processos de execução. Possibilidade. Poder geral de cautela previsto no artigo 798 do mesmo diploma legal. Averbação que dará publicidade do conflito existente entre as partes, resguardando direito de terceiro. Recurso provido." (Agravo de Instrumento nº 2262476-37.2015.8.26.0000, Rel. Des. Teixeira Leite; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 15/02/2016; Data de registro: 15/02/2016, grifou-se); "TUTELA ANTECIPADA. Ação monitória. Pretensão de concessão de arresto cautelar inominado, com base no poder geral de cautela. Não comprovada a necessidade da medida. De outra feita, possibilidade de averbação da demanda na matrícula do imóvel, por analogia ao art. 615-A do CPC, ainda que o feito se encontre em fase de conhecimento, o que resguarda suficientemente os direitos do agravante nesse momento processual. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (Agravo de Instrumento nº 2033348-87.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/11/2015; Data de registro: 10/12/2015, grifou-se); "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Averbação premonitória de ajuizamento de ação de conhecimento em registro de imóveis. Possibilidade. Aplicação analógica do art. 615-A do Código de Processo Civil. Entendimento adotado no parecer n. 266/2010-E da Corregedoria Geral de Justiça deste Tribunal. Medida tem por objetivo evitar fraude à execução, hipótese que pode se caracterizar em fase de conhecimento. Poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC). Existência de mecanismo de controle para coibir o uso abusivo do instituto (art. 615-A, § 4º, do CPC). Decisão mantida. Recurso não provido." (Agravo de Instrumento nº 2002161-61.2014.8.26.0000, Rel. Des. Gilson Delgado Miranda; Comarca: Santos; Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 07/04/2014; Data de registro: 07/04/2014, grifou-se) Os julgados acima firmaram o entendimento pelo cabimento da expedição de certidão premonitória em ação de conhecimento, pedido este que, todavia, deve ser atendido pela técnica da tutela provisória. Portanto, diferentemente da mera admissibilidade da ação de execução, o deferimento da certidão premonitória em ação de conhecimento exige a presença dos requisitos da tutela provisória (fundada na urgência ou na evidência) disciplinada nos arts. 294 a 311 do CPC/2015. A flexibilização interpretativa aplicada certamente favorece a recuperação de crédito inadimplido e outras ações de conhecimento destinadas a cobrança de valores em que não há título executivo, com o diferencial de que, em ações de cobrança de quantia regidas pelo procedimento comum, de igual modo é possível se valer da eficácia técnica da certidão premonitória. _______________ 1 - BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 622