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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Dentre as inovações postas no CPC de 2015emerge a regra de previsão de majoração da verba honorária advocatícia em grau recursal (art. 85, § 11º). No tocante à majoração de honorários advocatícios recursais, já nos manifestamos nesta coluna para comentar precedentes do STJ que, a despeito da omissão do CPC de 2015 neste tema, fixou a tese de que a aplicação do art. 85, § 11º do CPC (i) há de ser observada em recursos interpostos na vigência do CPC de 2015, (ii) pressupõe pretérita sucumbência arbitrada, (iii) os honorários são majorados na hipótese de improvimento ou não conhecimento do recurso por culpa do recorrente, e (vi) o aumento da verba honorária não incide se já majorada no mesma instância recursal1. Também pudemos comentar precedentes que perfilharam o entendimento (v) do afastamento dos honorários advocatícios recursais em recursos tirados de mandado de segurança2, (vi) nos recursos de apelação tirados de sentenças ilíquidas, caberá ao juízo a quo a fixação da verba honorária cuja majoração restou determinada pelo tribunal ao improver ou não conhecer do recurso3, (vii) cabimento de honorários advocatícios recursais em embargos de declaração, caso o tribunal deixe de aplicar o art. 85, § 11º quando do julgamento da apelação4, e, (viii) decisões divergentes, no bojo do STJ, quanto ao cabimento ou não de honorários advocatícios recursais quando o objeto do recurso interposto versa exclusivamente sobre a majoração de verba honorária advocatícia arbitrada pelo juízo a quo5. As questões que gravitam em torno do tema não param por aí. Recentemente a Terceira Turma do STJ firmou o entendimento de que, em havendo cumulação de pedidos autônomos formulados por diversas partes em litisconsórcio, ao recurso interposto pela parte sucumbente e provido somente em relação a uma das pretensões deflagrada por um dos litisconsortes, há de se aplicar a majoração da verba honorária advocatícia no tocante aos demais litisconsortes, porquanto se se mantiveram como vencedores em grau recursal: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. PROVIMENTO DO RECURSO PARA REDUZIR A CONDENAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE. CONDICIONAMENTO DA VERDADE AO INTEGRAL DESPROVIMENTO DO RECURSO. PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM LITISCONSÓRCIO ATIVO. PEDIDOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES. DIFERENTES CAUSAS DE PEDIR, AINDA QUE BASEADAS EM FATO COMUM. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS PRÓPRIA, SUBJETIVA E SIMPLES. PRETENSÃO DE ACOLHIMENTO SIMULTÂNEO DE TODOS OS PEDIDOS. AMPLIAÇÃO DECORRENTE DO LITISCONSÓRCIO. DESTINO DAS PRETENSÕES QUE É INDIVIDUAL, INDEPENDENTE E AUTÔNOMO. REFLEXOS NA FASE RECURSAL. INTERPOSIÇÃO DE UMA ÚNICA APELAÇÃO PELO VENCIDO. NECESSIDADE DE RESULTADO DO JULGAMENTO INDIVIDUALIZADO. PROVIMENTO DO RECURSO QUE ATINGIU APENAS PARCIALMENTE O PEDIDO DE UM DOS LITISCONSORTES FACULTATIVOS SIMPLES. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS EM RELAÇÃO AOS PEDIDOS AUTÔNOMOS FORMULADOS PELOS DEMAIS LITISCONSORTES. POSSIBILIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO DA APELAÇÃO EM RELAÇÃO AOS DEMAIS LITISCONSORTES. (...) 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se é possível a fixação de honorários recursais em favor do advogado do vencedor na hipótese em que a apelação do vencido somente foi provida para reduzir a condenação a ele imposta pela sentença; (ii) subsidiariamente, se é possível, na hipótese de cumulação simples subjetiva de pedidos, existir a fixação dos honorários advocatícios recursais quando o parcial provimento da apelação apenas atingir o pedido formulado por um dos litisconsortes. 3- É inadmissível a fixação de honorários recursais em favor do advogado do vencedor na hipótese em que a apelação do vencido somente foi provida para reduzir o valor da condenação, tendo em vista que o art. 85, §11, do CPC/15, interpretado à luz da jurisprudência desta Corte, exige a inadmissão ou o desprovimento integral do recurso como condição para a fixação da referida verba. Precedentes. 4- Quando a petição inicial da ação ajuizada em litisconsórcio ativo contém pedidos autônomos e independentes entre si e fundados em diferentes causas de pedir, ainda que derivados de fato comum, está configurada a existência de cumulação de pedidos própria, subjetiva e simples. 5- A cumulação é própria quando se pretende o acolhimento de todos os pedidos, de modo concomitante; a cumulação é subjetiva porque a ampliação decorrente dos pedidos formulados se opera no polo da ação, formando-se litisconsórcio; e a cumulação é simples, como o litisconsórcio que se forma a partir dela também é simples, porque o destino das respectivas pretensões é absolutamente individual, independente e autônomo 6- A interdependência entre as pretensões deduzidas, que autorizaria a propositura de ações individuais por cada um dos autores e de que resulta a possibilidade de os pedidos serem livremente julgados nas instâncias ordinárias, provoca reflexos igualmente na fase recursal, pois, ainda que o vencido tenha apresentado formalmente uma única apelação em face da sentença que julgou procedentes os pedidos em favor de todos os autores, o resultado do julgamento desse recurso deve ser individualizado. 7- Na hipótese, foram formulados, em petição inicial única, três pedidos de reparação de danos morais por três diferentes autores que, conquanto derivados de fato comum, lastreavam-se em fundamentos específicos, de modo que, julgados procedentes todos os pedidos, a impugnação do vencido a todas as pretensões acolhidas exige, por ocasião do julgamento do recurso, exame individualizado. 8- A melhor interpretação da regra do art. 85, §11, do CPC/15, à luz da jurisprudência desta Corte, é no sentido de que, na hipótese de cumulação simples e subjetiva de pedidos, o provimento do recurso que apenas atinja o pedido formulado por um dos litisconsortes facultativos simples não impede a fixação de honorários recursais em relação aos pedidos autônomos formulados pelos demais litisconsortes e que se mantiveram absolutamente intactos após o julgamento. 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de majorar os honorários advocatícios devidos na apelação, de 10% para 15%, especificamente sobre os valores das condenações de que são beneficiários os autores S B L e J L B L." (STJ, REsp 1954472/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 05/10/2021, DJe 08/10/2021, grifou-se)   (...) O voto condutor, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, bem asseverou, em síntese: "(...) 09) A primeira tese deduzida no recurso especial diz respeito à possibilidade de fixação de honorários recursais em favor do advogado do vencedor na hipótese em que a apelação do vencido somente foi provida para reduzir a condenação a ele imposta pela sentença, na hipótese, a condenação devida a M P L (pai). 10) A esse respeito, verifica-se que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o provimento do recurso, ainda que parcial, é suficiente para afastar a incidência do art. 85, §11, do CPC/15, regra que apenas se aplicará nas hipóteses de inadmissão ou de desprovimento integral do recurso interposto. Nesse sentido: EDcl no REsp 1.746.789/RS, 3ª Turma, DJe 03/10/2018; REsp 1.727.396/PE, 2ª Turma, DJe 02/08/2018 e AREsp 1.532.049/MG, 2ª Turma, DJe 11/10/2019. 11) Sob esse fundamento, pois, não há que se falar em majoração dos honorários em razão da atividade em grau recursal, inexistindo violação ao art. 85, §11, do CPC/15. 12) A segunda tese deduzida no recurso especial, que versa sobre a possibilidade de, na hipótese de cumulação simples subjetiva de pedidos, existir a fixação dos honorários advocatícios recursais quando o parcial provimento da apelação apenas atingir o pedido formulado por um dos litisconsortes, merece reflexões mais profundas. 13) Do exame da petição inicial, da sentença e do acórdão recorrido, percebe-se que, a partir de um fato comum (ferimento da mãe com material perfurocortante deixado em seu leito após o parto), os três litisconsortes ativos formularam pedidos de danos morais, cada qual fundado em uma distinta causa de pedir. 14) O pai e a mãe pleitearam a reparação de danos morais em virtude do abalo psíquico que sofreram, ambos, com a suspeita de doenças graves, inclusive HIV, que poderiam acometer à mãe e, consequentemente, o próprio casal. A mãe e a criança pleitearam, ainda, a reparação de danos morais em razão de terem sido privados dos momentos de aleitamento materno, que somente puderam ser iniciados após três meses do nascimento. A mãe, exclusivamente, pleiteou a reparação de danos morais pelas reações adversas severas e graves que experimentou a partir da ingestão do medicamento destinado, preventivamente, ao combate do vírus HIV. 15) Verifica-se, pois, a existência da denominada cumulação de pedidos, que, na hipótese, pode ser classificada como própria, subjetiva e simples. 16) A cumulação é própria porque pretenderam os autores o acolhimento de todos os pedidos de reparação de danos morais de modo concomitante. A cumulação é subjetiva porque a ampliação decorrente da cumulação dos pedidos se operou no polo da ação, formando-se, na hipótese, um litisconsórcio ativo. 17) De outro lado, a cumulação é simples, como é simples o litisconsórcio formado pela família no polo ativo, porque o destino das respectivas pretensões é absolutamente independente e autônomo. (...) 19) A interdependência entre as pretensões deduzidas pelos autores é constatável de plano, pois os pedidos poderiam, em relação às partes, ser livremente julgados pelas instâncias ordinárias. 20) Com efeito, as pretensões poderiam ser julgadas procedentes ou improcedentes em relação a uma, a duas ou a todas as partes, bem como poderiam - como de fato foram - ser perfeitamente individualizadas, para cada parte, no que tange ao valor devido a título de danos morais, na medida em que, nos termos do acórdão recorrido, coube ao pai o valor de R$ 5.000,00, à mãe o valor de R$ 15.000,00 e ao filho o valor de R$ 20.000,00. 21) Em suma, é correto dizer que as ações cumulativamente ajuizadas pelos autores em litisconsórcio ativo facultativo simples poderiam ser objeto de três ações distintas, mas o foram em uma única ação porque a legislação assim autoriza, em observância aos princípios da economia processual, da celeridade e da razoável duração do processo. 22) Disso decorre o fato de que a autonomia e a independência dos pedidos cumulativamente formulados também possui reflexos na fase recursal, pois, ainda que o recorrido tenha apresentado, do ponto de vista formal, uma única apelação em face da sentença que julgou procedentes os pedidos em favor de todos os autores, fato é que o resultado do julgamento daquele recurso deve ser individualizado. (...) 26) Diante desse cenário, a melhor interpretação da regra do art. 85, §11, do CPC/15, bem como dos precedentes desta Corte, é de que deve ser excepcionado desse entendimento a hipótese em que, havendo cumulação simples e subjetiva de pedidos, o provimento do recurso apenas atinja o pedido formulado por um dos litisconsortes facultativos simples, caso em que deverá existir a fixação de honorários recursais em relação aos pedidos autônomos formulados pelos demais litisconsortes e que se mantiveram absolutamente intactos após o julgamento. (...) 28) Aplicando-se essa premissa à hipótese em exame, verifica-se que a recorrida, diante da sentença de procedência de todos os pedidos formulados pelos autores, poderia, a seu livre arbítrio, impugnar toda a condenação que lhe fora imposta ou apenas parte dela, inclusive apenas em relação a somente a algum ou alguns dos autores. 29) Como optou por impugnar integralmente a sentença, a recorrida, evidentemente, assumiu o risco de que o seu recurso viesse a ser integralmente desprovido em relação a algum ou alguns dos litisconsortes facultativos simples, o que confirma a incidência, nessa hipótese, dos honorários advocatícios recursais. (...)" (STJ, REsp 1954472/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 05/10/2021, DJe 08/10/2021, grifou-se) O entendimento acima soa acertado, porquanto malgrado a pretensão recursal haver sido provida em desfavor de um dos litisconsortes, quanto aos demais a decisão atacada restou mantida em sua integralidade, a configurar os requisitos objetivos de a) pretérita fixação da verba honorária advocatícia arbitrada e b) manutenção dos capítulos da decisão impugnada em relação aos demais litisconsortes, a tornar cabível, portanto, a aplicação da regra do art. 85, § 11º, do CPC de 2015. __________ 1 Disponível aqui.  2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui.
quinta-feira, 14 de abril de 2022

Os poderes do juiz na execução e o STJ

Logo quando entrou em vigor o Código de Processo Civil (CPC) atual, poucos perceberam uma novidade relativa à execução forçada que estava na sua Parte Geral e não na Parte Especial, Livro II, destinada ao "Processo de Execução". Refiro-me, obviamente, ao inciso IV, do art. 139, do CPC, que trata dos poderes do juiz, e dispõe que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária". Na execução forçada de obrigação de pagar quantia certa, as medidas executivas utilizadas tradicionalmente tem caráter sub-rogatório, tais como a penhora. Na execução forçada de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, as medidas executivas empregadas tem caráter coercitivo, tais como a multa. O art. 139, inciso IV, do CPC, veio romper com essa diferenciação e estabelecer que medicas coercitivas também podem ser empregadas na execução por quantia certa, ao estabelecer em sua parte final que as medidas coercitivas podem ser adotadas "(...), inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias". Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni estão entre o grupo dos que detectaram esta mudança quando ainda estava em curso o processo legislativo que resultou na lei atual, ao comentarem o dispositivo que tratava dos poderes-deveres do juiz e afirmarem: "A novidade está no reconhecimento da possibilidade de utilização de coerção para obtenção de tutela ressarcitória" (O projeto do CPC: crítica e propostas, São Paulo, Revista dos Tribunais, p.87). Pois bem, aproximadamente um ano após a entrada em vigor do Código de Processo Civil atual, começaram a ser determinadas as medidas executivas atípicas aqui e ali, sempre que se tratava de execução forçadas de obrigações de pagar quantia em dinheiro. Dentre essas medidas, é possível citar: suspensão de Carteira Nacional de Habilitação, apreensão de passaporte, proibição de utilização de cartões de crédito, proibição de participar de concursos públicos etc. Como consequência disso, começou-se a questionar quais seriam os critérios para se adotar tais medidas executivas atípicas (esgotamento das medidas típicas, por exemplo) e quais os limites para elas (não ferir os direitos fundamentais do executado, v. g.). A melhor doutrina começou a tentar delinear o que seria uma medida executiva atípica descabida e o que seria cabível. No rol das medidas descabidas, foram mencionadas a "prisão como medida atípica", a "suspensão do passaporte do executado", a "suspensão do CPF ou do CNPJ", o "cancelamento ou suspensão do uso do cartão de crédito", o "corte de água ou de energia elétrica". Como medidas admissíveis, chegou-se a mencionar "suspensão da CNH", "suspensão de brevê e arrais", "proibição de contratar com o Poder Judiciário", "proibição de contratar com o Poder Público", "multa coercitiva atípica", intervenção na pessoa jurídica devedora (Luis Eduardo Simardi Fernandes, Poderes do juiz e efetividade da execução civil", Curitiba: Editora de Direito Contemporâneo, 2022, p. 290-323). Exatamente por essa razão que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir, sob o rito dos recursos repetitivos, "se, com esteio no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". Foram selecionados dois recursos como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.137: os recursos especiais 1.955.539 e 1.955.574, sendo que a relatoria é do ministro Marco Buzzi. Como consequência da decisão acima mencionada, sofrerão os credores que estão aguardando que um dia a execução se torne efetiva e que eles ficarão satisfeitos, de verdade, com o resultado do processo. Isso porque o colegiado determinou a suspensão de todos os processos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão, em todo o território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC. Portanto, resta-nos aguardar agora a decisão do STJ sobre os poderes-deveres do juiz, sobretudo os do inciso IV do art. 139, do CPC, e a efetividade da execução civil. É preciso encontrar um equilíbrio entre as injustiças que podem ser cometidas com a aplicação equivocada do art. 139, inciso IV, do CPC, e a (in) efetividade do processo. Espera-se que a decisão seja equilibrada e justa, mas que também não demore muito.
O artigo 833, X, do CPC/15 prevê ser impenhorável: "a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos".  Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que essa previsão de impenhorabilidade se aplica a toda e qualquer quantia equivalente a 40 salários-mínimos, independentemente de o valor estar, de fato, depositado em uma caderneta de poupança. Essa foi a recente posição adotada, em 21/03/2022, no julgamento do AgInt no REsp 1933400 / RJ, tendo sido relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti: "A jurisprudência desta Corte Superior entende que é impenhorável a quantia de até quarenta salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda; em conta corrente; aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento. Precedentes." Igual raciocínio foi adotado no AgInt no REsp 1914302 / RS, tendo sido relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, também em recente julgamento ocorrido em 14/03/2022: "1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça manifesta-se no sentido de que todos os valores pertencentes ao devedor, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, mantidos em conta-corrente, caderneta de poupança ou fundos de investimentos são impenhoráveis. 2. A proteção conferida pela regra da impenhorabilidade abrange todos os valores depositados em conta-corrente, poupança ou outras aplicações financeiras".  E no julgamento do AgInt no REsp 1914004 / DF, tendo sido relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, de forma similar, entendeu-se que: "2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que são impenhoráveis os valores de até 40 (quarenta) salários mínimos poupados ou mantidos pelo devedor em conta-corrente ou em outras aplicações. 3. Na hipótese, a apresentação de defesa independe da identificação do tipo de conta onde os valores, inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos, estão depositados". Finalmente, no julgamento do AgInt no REsp 1893441 / SP, tendo sido relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, igualmente pontuou-se que: "Nos termos do entendimento jurisprudencial firmado por esta Corte, a abrangência da regra do art. 833, X, do CPC/2015 se estende a todos os numerários poupados pela parte executada, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos, não importando se depositados em poupança, conta-corrente, fundos de investimento ou guardados em papel-moeda, autorizando as instâncias ordinárias, caso identifiquem abuso do direito, a afastar a garantia da impenhorabilidade". Como já noticiado nessa coluna, em 23/3/2017, essa mesma posição já estava sendo adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em diversos julgamentos sobre o tema. A orientação jurisprudencial acima descrita parte da premissa de que o legislador buscou, na realidade, tornar impenhorável a quantia de 40 (quarenta) salários-mínimos, não havendo necessariamente a obrigação de tal valor estar investido na modalidade poupança. Logo, tal quantia pode estar aplicada em fundos de investimento, certificados de depósitos bancários, ou mesmo estar simplesmente depositada na conta corrente. O que o legislador buscou, na verdade, foi proteger a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos, não se podendo exigir que tal valor esteja necessariamente atrelado a uma conta poupança. Vale lembrar que o artigo 833 do Novo Código de Processo Civil apresenta o rol dos bens impenhoráveis. Tem-se aqui o que Cândido Rangel Dinamarco1 denomina como limites políticos da execução, excluindo-se do seu campo de atuação, seja por interesse público, seja por respeito à pessoa e dignidade do devedor, determinados bens tidos como impenhoráveis. __________ 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 8ª. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 311.
A melhor sistematização dos honorários advocatícios no CPC/15 - Código de Processo Civil de 2015 é, sem dúvida, uma medida que deve ser aplaudida. Dentre as novidades do CPC/15 quanto aos honorários está a restrição à sua fixação por equidade e que era amplamente aplicada no CPC/73. De acordo com o § 8º, do art. 85 do CPC, a equidade na fixação dos honorários advocatícios só pode se dar para aumentar honorários que seriam irrisórios1. Entretanto, muitos juízes e Tribunais passaram a entender que o previsto no § 8º teria uma mão dupla, isto é, seria aplicado para aumentar honorários irrisórios e, também, poderia ser aplicado para diminuir honorários tidos por exorbitantes. Esse tema já foi abordado em diversas oportunidades em nossa coluna, tendo em vista a alternância da jurisprudência quanto à possibilidade ou não do dispositivo permitir a redução de honorários advocatícios tidos como exagerados. No último dia 23/3, a Corte Especial do STJ parece ter escrito o capítulo final dessa novela, que já dura os seis anos de vigência do CPC/15. Há pouco mais de uma semana, por 7 X 5, a Corte Especial do STJ definiu o tema 1.076 dos recursos repetitivos. O relator dos recursos submetidos a julgamento, ministro Og Fernandes, estabeleceu duas teses sobre o assunto: "1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Os acórdãos dos casos afetados ainda não foram publicados, entretanto, parece claro que o STJ ratificou o caráter dúplice dos honorários advocatícios, que além da remuneração dos advogados, devem ser utilizados também para que se tenha uma litigiosidade mais responsável, afastando aventuras jurídicas e recursos meramente protelatórios. Tendo o referido enunciado observância obrigatória pelas instâncias ordinárias é de se esperar que deixemos de ter milhares de recursos discutindo unicamente a fixação dos honorários advocatícios, eis que afastando o subjetivismo da fixação equitativa dos honorários, restarão os critérios mais objetivos com percentuais máximo e mínimo para a sua fixação. Com o respeito ao percentual mínimo previsto em lei, será mais fácil a decisão, sob o ponto de vista econômico, em torno da racionalidade de iniciar ou não um litígio. _____ 1 Nesse sentido o professor Cássio Scarpinella Bueno defende que "Sua aplicação, todavia, deve ficar restrita às hipóteses referidas no próprio § 8º do artigo 85, isto é, quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando se tratar de valor da causa tão baixo que a fixação percentual referida nos §§ 3º e 4º do mesmo art. 85 não teria o condão de remunerar condignamente o trabalho do advogado. Entendimento contrário seria fazer prevalecer regra similar à do § 4º do art. 20 do CPC de 1973 que foi, como já destaquei acima, abolida do sistema processual pelo CPC de 2015." ("Honorários Advocatícios e o art. 85 do CPC de 2015: reflexões em homenagem ao professor José Rogério Cruz e Tucci", Estudos de Direito processual Civil em homenagem ao Professor José Rogério Cruz e Tucci, Salvador: Jus Podivm, 2018, p.134. 2 Disponível aqui.
A Corte Especial do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), decidiu, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 do CPC ao arrolar hipóteses taxativas de cabimento do recurso de agravo de instrumento, em verdade cede espaço à interpretação destinada à taxatividade mitigada: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Nesse contexto, já tecemos breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros1 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição2, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência3, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas4, assim como arbitramento de honorários periciais5 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito6 (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução7 (viii) decisões prolatadas em ação de improbidade administrativa8 e, por fim, decisões interlocutórias que deixam de homologar acordo judicial9. Recentemente a Primeira Turma do STJ firmou o entendimento do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação cabível contra decisão que verse sobre a expedição de ofícios destinados a julgada de documentos. Trata-se do julgamento do Recurso Especial n. 1.853.458/S, havido na data de 22/02/2022: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. ART. 1.015, VI, DO CPC/2015. PROLAÇÃO DE SENTENÇA NO PROCESSO PRINCIPAL. CARÊNCIA SUPERVENIENTE DO INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. OPERAÇÃO "LAVA JATO". ERRO JUDICIÁRIO. INDENIZAÇÃO. REQUERIMENTO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS PARA APRESENTAÇÃO DE ARQUIVOS. NATUREZA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Esta Corte possui entendimento segundo o qual a prolação da sentença de mérito não induz o reconhecimento da carência superveniente do interesse processual do agravo de instrumento interposto contra decisão que defere ou indefere a produção de provas. Preliminar rejeitada. III - Na origem, o Autor, ajuizou ação cível em face da UNIÃO buscando a imposição de obrigações de fazer e indenização por danos morais causados por decisões judiciais proferidas no âmbito da denominada Operação "Lava Jato". IV - O juízo de primeiro grau indeferiu requerimento de expedição de ofícios para apresentação e juntada de documentos, ensejando a interposição de Agravo de Instrumento o qual, contudo, não foi conhecido pelo tribunal de origem. V - O art. 1.015, VI, do Código de Processo Civil de 2015 autoriza a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versa sobre exibição ou posse de documento ou coisa. VI - O pleito que visa a expedição de ofício para apresentação ou juntada de documento possui natureza de pedido de exibição de documento ou coisa, independentemente da menção expressa ao termo "exibição" ou aos arts. 396 a 404 do estatuto processual de 2015. VII - A circunstância de o procedimento estampado nos arts. 396 a 404 do codex processual não ser adotado não descaracteriza o pedido de pedido de exibição. VIII - É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versa sobre a exibição de documento ou coisa, seja ela objeto de incidente processual instaurado conforme os arts. 396 a 404 do CPC 2015, de pedido de produção antecipada de provas, ou de requerimento singelo de expedição de ofício para apresentação ou juntada de documento ou coisa. "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação" (REsp 1.696.396/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018). IX - Recurso Especial parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem a fim de dar continuidade ao julgamento do Agravo de Instrumento." (STJ, REsp n. 1.853.458/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra Regina Helena Costa, v.u., j. 22.02.2022, grifou-se) O voto condutor restou fundado, em síntese: "(...) Dessa maneira, o pleito que reivindica a expedição de ofício para apresentação ou juntada de documento ou coisa possui natureza de pedido de exibição de documento ou coisa, independentemente da menção expressa ao termo "exibição" ou aos arts. 396 a 404 do Código de Processo Civil de 2015. Outrossim, a circunstância, usual na praxe forense, de o procedimento dos arts. 396 a 404 da carta processual não ser adotado, não descaracteriza a solicitação de expedição de ofício para apresentação ou juntada de documento como pedido de exibição. Dessa forma, haja vista o art. 1.015, VI, do codex processual não limitar a sua incidência à obediência ao disposto nos arts. 396 a 404 desse diploma normativo, não se justifica distinção quanto ao regime recursal, razão porque é cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versa sobre a exibição de documento ou coisa, seja ela objeto: i) de incidente processual instaurado conforme os arts. 396 a 404 do Código de Processo Civil de 2015; ii) de pedido de produção antecipada de provas; ou, iii) de requerimento singelo de expedição de ofício para apresentação ou juntada de documento ou coisa. (...)" O julgado acima conferiu interpretação mais ampla do art. 1.015, VI do CPC, para assim perfilhar o entendimento de que a despeito da formulação de mera expedição de ofício destinado a obtenção de documento ou coisa, tal providência se aproxima do mesmo desiderato constante no incidente de exibição de documento ou coisa previsto nos arts. 396 a 404 do CPC e, portanto, a decisão que defere ou indefere referido ofício é impugnável pela via do agravo de instrumento, ex vi ao quanto disposto no art. 1.015, VI, do CPC O julgado acima soa acertado, porquanto despreza o rótulo ou forma que restou veiculado o pleito de expedição de ofício destinado a exibição de documento ou coisa, seja referido pleito formulado de modo incidental ou por via de simples petição veiculado no curso de procedimento comum ou especial. Portanto, malgrado a redação do art. 1.015, VI, do CPC prever o cabimento do recurso de agravo contra a decisão que verse sobre "(...)exibição de documento ou coisa", pouco importa perquirir se referido pleito restou formulado incidentalmente, bastando por si só o fio condutor da decisão versar sobre exibição de documento ou coisa. __________ 1 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 2 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 3 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos Recursos Especiais n. 1.707.066 e 1.717.213 4 4 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2187603-32.2016.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.12.2016. 5 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2240960-87.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 3.4.2018.  6 Disponível aqui.  7 Disponível aqui. STJ, REsp n. 1682120/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.3.2019. Em verdade, referido entendimento emerge da literal redação do art. 1.015, parágrafo único, do CPC.  8 Disponível aqui. STJ, Resp n. 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 4.5.2021. 9 Disponível aqui. Resp n. 1817205/SC, Primeira Turma. Min. Gurgel de Faria, v.u., j. 05.10.2021.
Em decisão tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em sessão virtual concluída no último dia 08 de março de 2022, foi julgada constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contratos de locação residenciais e comerciais. Tal decisão foi proferida por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1307334, com repercussão geral (Tema 1.127). O referido Recurso Extraordinário foi interposto por um fiador contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que confirmou a penhora de seu único imóvel, dado como garantia de um contrato de locação comercial. De acordo com o fiador, o direito constitucional de moradia (CF, art. 1º, III; art. 6º, art. 226) deveria se sobrepor à execução da dívida de aluguel comercial. Além disso, o fiador sustentava que a tese fixada pelo STF por ocasião do julgamento do RE 612360, com repercussão geral (tema 295), sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador de contrato de locação, deveria ser aplicada apenas aos contratos de locação residencial. Entretanto, prevaleceu no STF o entendimento de que a livre iniciativa do locatário em estabelecer o seu empreendimento também é um direito fundamental (CF, art. 1º, IV; art. 170, caput) que deve se sobrepor ao direito à moradia. Foi ponderado que uma das formas mais utilizadas e menos onerosas de garantias nos contratos de locação comercial é a fiança, tendo em vista que as outras modalidades de garantia (caução e seguro-fiança). Limitar a possibilidade de fiança na locação comercial com a impenhorabilidade de bem de família do fiador significaria violar a livre iniciativa do locatário, que deve ser livre para decidir se quer ou não comprometer o seu patrimônio, ainda que seja o único imóvel de sua propriedade utilizado para fins de residência sua e de sua família (lei 8.009/1990). Assim, a tese de repercussão apresentada pelo relator foi a seguinte: "É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial". Em outras palavras, a decisão de ser fiador de contrato de locação de imóvel, residencial ou comercial, é algo que diz respeito à livre iniciativa da pessoa e que deve ser respeitada. Este entendimento do STF veio em boa hora para dar maior segurança aos contratos de locação comercial e aos atos de constrição patrimonial praticados nos processos em que se busca pela execução forçada a satisfação da obrigação de pagar aluguel. A livre iniciativa do fiador deve ser respeitada e o seu patrimônio deve responder pela dívida se o afiançado não cumprir a obrigação em primeiro lugar, ainda que o fiador tenha um único bem imóvel utilizado para fins residenciais. Espera-se que isso dê maior efetividade para execuções dessa natureza e proporcione o desenvolvimento do mercado de locação de imóveis comerciais.
O art. 523 do CPC/15 prevê que: "No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". Por sua vez, o artigo 525 do CPC/15 estipula que "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Esses prazos se contam em dias úteis, na forma como determina o art. 219 do CPC/15? Na I Jornada de Direito Processual Civil do CJF - Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado n. 89, que estabeleceu que: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Logo, nessa linha, o prazo do art. 525 do CPC/15, que está relacionado com o prazo do art. 523 do CPC, também deve ser contado, da mesma forma, em dias úteis. Essa foi a posição adotada pelo STJ no julgamento do REsp 1.708.348/RJ, tendo sido relator o ministro Marco Aurélio Bellizze: "RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO.  ART.  523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE  2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO.1.  Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corrido, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/15.2.  O art. 523 do CPC/15 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver".3.  Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (CPC/15, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento da sentença no respectivo prazo legal.3.1.  Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/15, "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual.3.2.  Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade  a  prática  de  um  ato  processual, pois, além de estar previsto   na  própria  legislação  processual  (CPC),  também  traz consequências  para  o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo  legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios,  possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo  para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/15, que determina a contagem em dias úteis." Igual raciocínio foi adotado no REsp 1.778.885/DF, tendo sido relator o ministro Og Fernandes. Ademais, o TJ/SP também já enfrentou o tema, tendo firmado posição de aplicação do art. 219 do CPC/15 aos prazos previstos nos arts. 523 e 525 do CPC/15, conforme se verificam dos acórdãos constantes dos seguintes julgamentos: (i) TJ/SP; agravo de instrumento 2234957-19.2017.8.26.0000; relator (a): Gilberto Leme; órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; foro de Paulínia - 1ª. vara Judicial; data do julgamento: 16/5/18; data de registro: 16/05/18); e (ii) TJ/SP; agravo de instrumento 2090967-67.2017.8.26.0000; relator (a): Sá Moreira de Oliveira; órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; foro de Votuporanga - 2ª vara Cível; data do julgamento: 7/8/17; data de registro: 8/8/17. A natureza processual desses prazos é reconhecida na doutrina da Professora Teresa Arruda Alvim1, bem como na doutrina do Professor Cássio Scarpinella Bueno2. Em boa hora, o STJ se posicionou sobre essa relevante matéria, fixando-se a relação natural do art. 219 do CPC/15 com os prazos processuais previstos nos arts. 523 e 525 do CPC/15. _____ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2016. p. 955. 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 445.
A estabilização da tutela prevista no "caput" do art. 304 do CPC é uma das grandes inovações perpetradas pelo CPC Por ser um instituto novo, controverso e previsto de forma sucinta em apenas um artigo do Código, acaba gerando muitas dúvidas nos operadores. Uma das principais e que afeta diretamente os advogados é a fixação de honorários, no caso de ocorrer a estabilização da tutela concedida. O Código é silente quanto a esse ponto. Pelo princípio da causalidade, não há dúvidas quanto ao cabimento da condenação do réu ao pagamento de honorários sucumbenciais, restando, porém, incerta se tal condenação deveria seguir a regra do art. 85, § 2º, do CPC ou se deveria ocorrer redução, eis que o réu não se opôs à antecipação e permitiu a sua estabilização. A doutrina, desde logo, passou a defender a aplicação analógica da regra de fixação dos honorários no caso de ações monitórias1. Nesse sentido é o entendimento de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira: "Isso se dá mediante a previsão de estabilização da decisão concessiva de tutela satisfativa (antecipada) em caráter antecedente. Monitoriza-se a tutela de urgência no rito comum ao garantir-se a realização prática e célere do direito do autor, quando é provável e antecipadamente tutelado sem que tenha havido qualquer resistência do réu. Qual é a vantagem para o réu? Diminuição do custo do processo: por não opor resistência, não pagará as custas processuais (aplicação analógica do disposto no § 1º do art. 701 do CPC) e pagará apenas 5% de honorários advocatícios de sucumbência (art. 701, caput, CPC, também aplicado por analogia)."2      Na mesma direção é a previsão do enunciado 18 da ENFAM3: "Na estabilização da tutela antecipada, o réu ficará isento do pagamento das custas e os honorários deverão ser fixados no percentual de 5% sobre o valor da causa (art. 304, caput, c/c o art. 701, caput, do CPC)". Em recente julgado o Superior Tribunal de Justiça encampou tal entendimento, determinando a aplicação analógica do art. 701 do CPC, referente a fixação dos honorários na tutela monitória: "RECURSO ESPECIAL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. DEFERIMENTO. RECURSO. RÉU. INEXISTÊNCIA. ESTABILIZAÇÃO. ART. 304, CAPUT, DO CPC/2015. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 701, CAPUT, DO CPC/2015. APLICAÇÃO. AÇÃO MONITÓRIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. FIXAÇÃO ANTERIOR. INEXISTÊNCIA.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ).2. Cinge-se a controvérsia a definir a regra de fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em caso de estabilização de tutela antecipada antecedente e o cabimento dos honorários recursais em favor do recorrido.3. O art. 304, caput, do CPC/2015 trata de tutela de natureza monitória em sentido amplo, visto que permite a concessão da medida pleiteada em juízo de cognição sumária, tornando-se desnecessária a instauração do procedimento ordinário, desde que o demandado não interponha o recurso cabível.4. Os honorários advocatícios são arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor dado à causa no caso de estabilização de tutela antecedente, por força da aplicação do art. 701, caput, do CPC/15.5. A majoração dos honorários advocatícios recursais depende da fixação da referida verba na origem. Precedentes.6. Recurso especial parcialmente provido." (g.n.) (REsp 1.895.663/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/21, DJe 16/12/21) Dada a ausência de previsão legal, a aplicação analógica do art. 701 do CPC parece ser uma medida adequada para que se tenha um critério objetivo, previsibilidade e segurança jurídica, sendo o trabalho do advogado devidamente remunerado e não onerando em demasia o réu, que concordou com a antecipação da tutela e permitiu a sua estabilização. _____ 1 O professor Daniel Amorim Assumpção Neves se mostra contrário a tal entendimento, mas defende a possibilidade de fixação de honorários em valores inferiores aos previstos no artigo 85, § 2º do CPC: "Não concordo com a premissa do pensamento porque para mim há diferenças inconciliáveis entre a tutela antecipada estabilizada e a tutela monitória, em especial quanto à formação do título executivo judicial. De qualquer forma, entendo que não é preciso recorrer a interpretações por analogia para se justificar a concessão no caso concreto de incentivo a não se insurgir contra a concessão de tutela antecipada antecedente. Esses incentivos são formas de execução indireta e, como tais, podem ser aplicadas pelo juiz de ofício, sendo possível, portanto, que o juiz isento o réu de pagamento de custas processuais e até mesmo do pagamento dos honorários advocatícios, independentemente de previsão legal expressa nesse sentido, como forma de pressionar o réu a deixar de fazer (no caso, evitar a estabilidade da tutela antecipada)". (Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., São Paulo: Jus Podivm, 2022, p. 549). 2 Estabilização da tutela provisória satisfativa e honorários advocatícios sucumbenciais, in Revista do Advogado, n. 126, São Paulo: AASP, 2015, p. 100). 3 Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.
Em textos recentes disponibilizados nesta coluna comentou-se o alcance do art. 139, IV, do CPC, referente a adoção de medidas executivas atípicas, a aplicar-se tal técnica de forma subsidiária, em decisão fundamentada e alinhada às peculiaridades da causa, observado o contraditório1. Também restou comentado o entendimento do descabimento das medidas executivas atípicas no âmbito das execuções fiscais2. O tema é cativante e ainda desperta diversas dúvidas no tocante a interpretação do dispositivo. Nesse contexto, a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento do afastamento da aplicação do art. 139, IV, do CPC quando a medida destinar-se à quebra de sigilo bancário. "RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CABIMENTO DE FORMA SUBSIDIÁRIA. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE  OSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À PROPORCIONALIDADE. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. FINALIDADE DE SATISFAÇÃO DE DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. INTERESSE MERAMENTE PRIVADO. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir o cabimento e a adequação de medidas executivas atípicas especificamente requeridas pela recorrente, sobretudo a quebra de sigilo bancário. 2. A jurisprudência desta Corte Superior, tal como já decidido no REsp n.  .788.950/MT, admite a adoção de medidas executivas atípicas, com fundamento no art. 139, IV, do CPC/2015, "desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe 26/4/2019), a exemplo das providências requeridas no presente feito, de suspensão das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) e de apreensão dos passaportes dos executados. Precedentes. 3. A falta de debate efetivo pelo Tribunal de origem acerca de questões levantadas nas razões do recurso especial caracteriza ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. O sigilo bancário constitui direito fundamental implícito, derivado da inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988), integrando, por conseguinte, os direitos da personalidade, de forma que somente é passível de mitigação - dada a sua relatividade -, quando dotada de proporcionalidade a limitação imposta. 5. Sobre o tema, adveio a Lei Complementar n. 105, de 10/01/2001, a fim de regulamentar a flexibilização do referido direito fundamental, estabelecendo que, a despeito do dever de conservação do sigilo pela instituição financeira das "suas operações ativas e passivas e  serviços prestados" (art. 1º), esse sigilo pode ser afastado, excepcionalmente, para a apuração de qualquer ilícito criminal (art. 1º, § 4º), bem como de determinadas infrações administrativas (art. 7º) e condutas que ensejem a abertura e/ou instrução de procedimento administrativo fiscal (art. 6º). 6. Nessa perspectiva, considerando o texto constitucional acima mencionado e a LC n. 105/2001, assenta-se que o abrandamento do dever de sigilo bancário revela-se possível quando ostentar o propósito de salvaguardar o interesse público, não se afigurando cabível, ao revés, para a satisfação de interesse nitidamente particular, sobretudo quando não caracterizar nenhuma medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória, como estabelece o art. 139, IV, do CPC/2015, como na hipótese. 7. Portanto, a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental - que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988) -, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (STJ, Resp n. 1.951.176/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Marca Aurélio Bellize, v.u., j. 19.10.2021, grifou-se) O voto condutor, da lavra do Ministro Marco Aurélio Belizze, complementa: "(...) 1. Do cabimento de medidas executivas atípicas Com efeito, dispõe o art. 139, IV, do CPC/2015, que: "o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe [...] determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". Consubstanciada nesse dispositivo legal, a jurisprudência desta Corte Superior, a exemplo do REsp n. 1.788.950/MT, assentou-se no cabimento de medidas executivas atípicas "desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe 26/4/2019). (...) 1.3. Da pretensão de quebra de sigilo bancário No que concerne à pretensão de quebra de sigilo bancário, a matéria merece uma análise mais detida. A princípio, convém destacar que a inviolabilidade desse sigilo, embora não esteja expressamente albergada no texto constitucional, decorre do direito fundamental de sigilo de dados consagrado constitucionalmente (art. 5º, XII, da CF/1988), o qual, por sua vez, está estreitamente ligado à inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, da CF/1988), integrando, assim, os direitos da personalidade. (...) Relativamente ao tema, adveio a Lei Complementar n. 105, de 10/01/2001 - que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras -, estabelecendo que, a despeito do dever de conservação do sigilo pela instituição financeira das "suas operações ativas e passivas e serviços prestados" (art. 1º), esse sigilo pode ser afastado, excepcionalmente, para a apuração de qualquer ilícito criminal (art. 1º, § 4º), bem como de determinadas infrações administrativas (art. 7º) e condutas que ensejem a abertura e/ou instrução de procedimento administrativo fiscal (art. 6º). Não se destinando a nenhuma dessas finalidades, contudo, a violação ao dever de sigilo bancário, ainda que decorrente de decisão judicial, pode configurar o crime de que trata o art. 10 da LC n. 105/2001, assim redigido: Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Como se pode observar, essa medida drástica constante do art. 10 da LC n. 105/2001, decorre da tutela constitucional conferida, implicitamente, ao dever de sigilo dos dados bancários, que é uma espécie de direito da personalidade (proveniente da inviolabilidade à intimidade, à vida privada e ao dever de sigilo de dados), de forma que a sua flexibilização se revela possível apenas quando destinar-se à salvaguarda do interesse público. Na mesma esteira, Tercio Sampaio Ferraz Júnior (citando Celso Antônio Bandeira de Mello) discorre que, "se há interesse público envolvido, o sigilo privado sobre informações armazenadas pode ser excepcionado" (Sigilos bancário e fiscal: homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves - Coordenadores Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho e Vasco Branco Guimarães. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 102). Ao revés, não se revela plausível, em princípio, essa atenuação, quando visar à satisfação de um direito patrimonial disponível, tal como o adimplemento de obrigação pecuniária, de caráter eminentemente privado, mormente quando existentes outros meios suficientes ao atendimento dessa pretensão. A título de exemplo, como alternativa ao atendimento do objeto da execução, notadamente daquela que consista em obrigação de pagar quantia, aponta-se que o juiz pode se utilizar da penhora on-line positivada no art. 854 do CPC/2015 (equivalente ao art. 655-A do CPC/1973), determinando o bloqueio de valores porventura existentes em contas bancárias de titularidade do devedor. Aliás, ressaindo frustrada a penhora on-line, que é uma medida mais enérgica do Poder Judiciário, com menos razão se justificaria a decretação da quebra de sigilo bancário destinada à satisfação do crédito exequendo, por acarretar apenas a publicidade das movimentações bancárias da parte executada, o que não caracteriza nenhuma medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória, como consta no art. 139, IV, do CPC/2015. Acerca da temática, a Terceira Turma desta Corte manifestou-se na linha cognitiva de que "a satisfação do crédito bancário, de cunho patrimonial, não pode se sobrepor ao sigilo bancário, instituto que visa proteger o direito à intimidade das pessoas, que é direito intangível da personalidade" (REsp 1.285.437/MS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 23/5/2017, DJe 2/6/2017). Ademais, ainda que baseado em suposta fraude o pedido de quebra de sigilo bancário, o seu acolhimento, além da necessidade de observância aos limites legais (LC n. 105/2001) e constitucionais (art. 5º, X e XII, da CF/1988) acima mencionados, pressupõe a existência de elementos indiciários da prática do ato fraudulento que implique prejuízo ao interesse público, em virtude da sua gravidade e reprovabilidade, não bastando meras alegações de interesse nitidamente privado, no sentido de longo transcurso temporal da execução (mais de 7 anos, segundo o recorrente) e de tentativas frustradas de localização de bens. Verifica-se, desse modo, o descabimento e a inutilidade da medida postulada, a denotar a sua desproporcionalidade, ressaindo impositiva a sua rejeição. Não há como subsistir, outrossim, o entendimento já exarado em outra oportunidade por esta Corte, no sentido de que "o deferimento da quebra do sigilo fiscal e bancário do executado só é possível em casos excepcionais, após comprovado que a exeqüente exauriu as possibilidades de localização de bens penhoráveis" (AgRg no Ag 982.780/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 15/5/2008, DJe 6/6/2008). Portanto, a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental - que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988) -, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica. (...)" Consoante se depreende do entendimento supra, as medidas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC não teriam o alcance de atender pedido da parte destinado a quebra de sigilo bancário. Deveras, referida medida quiçá se performaria inútil, pois impacto coercitivo algum imprimiria sobre a esfera psicológica do devedor a ponto de forçá-lo à satisfação da obrigação inadimplida ou cumprimento de ordem judicial. De toda sorte, respeitado entendimento em sentido contrário, (i) no campo da execução civil, (ii) em se tratando de crédito inadimplido, (iii) esgotados todos os meios suasórios de recebimento do crédito e (iv) presente questão controvertida havida entres as partes no que tange a alegação de desvio patrimonial ou outros meios ardilosos empregados pelo devedor  destinado a frustrar o adimplemento de obrigação, de se questionar se em tal hipótese excepcional a quebra do sigilo bancário não teria serventia, em especial para se resolver a questão controvertida necessária para julgamento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nada impede, em referida hipótese excepcional, que o acesso a tais dados sensíveis fique limitado às partes litigantes, a preservar o sigilo e publicidade externa de dados sensíveis. Em outras palavras, a providência se revelaria útil no campo da instrução processual, cujo resultado da prova teria serventia no esclarecimento de ponto controvertido havido entre as partes cujo esclarecimento seria imperativo para melhor decisão em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. __________ 1 Consoante texto da lavra do colega Elias Marques de Medeiros Neto, clique aqui. 2 Conforme texto redigido pelo colega André Pagani de Souza, clique aqui.
Como se sabe, o art. 139, inc. IV, estabelece que "o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". É com base neste dispositivo acima transcrito que a doutrina e a jurisprudência afirmam existir a possibilidade de o juiz, na execução por quantia certa determinar a realização de "medidas executivas atípicas". São chamadas de "atípicas" porque não estão previstas em lei para serem aplicadas nessa espécie de execução, ao contrário da penhora (CPC, art. 831 e seguintes), por exemplo, que é considerada uma medida "típica". A utilização de medidas atípicas na execução por quantia certa é subsidiária, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.864.190), sendo que devem ser utilizadas na hipótese de haver sinais de que o devedor tem patrimônio expropriável (REsp 1.782.418 e REsp 1.788.950). Em várias oportunidades, já foram utilizadas como medidas atípicas com a finalidade de coerção a determinação de apreensão judicial do passaporte e da carteira de nacional habilitação (CNH) para dirigir do devedor. A discussão sempre gira em torno da limitação (ou não) do direito de ir e vir do devedor e da relação entre medida adotada e a possibilidade de ela tornar a execução mais efetiva. Entretanto, tais medidas atípicas não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, regulado pela lei 6.830/1980, pois o STJ entendeu que o Fisco já tem muitos privilégios e já está em patente situação de vantagem sobre o devedor, não justificando a aplicação do art. 139, inc. IV, do CPC, nos executivos fiscais. Confira-se, a propósito ementa de julgado do STJ nesse sentido: "CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO.RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 8. De fato, essas medidas constritivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos.(...)(HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019, grifos nossos)". Como é possível perceber, o Superior Tribunal de Justiça reconhece que a Fazenda Pública e, em especial, o Fisco, já goza de inúmeros privilégios na execução fiscal outorgados pela Lei 6.830/1980, sendo que a autorização de medidas atípicas contra o executado nesta espécie de processo violaria o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput). Tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça é digno de aplausos pois parece superar o frágil argumento de que o Fisco estaria sempre defendendo o interesse público sob pretexto de defender o Erário quando, na verdade, o interesse público maior (primário) é o de exercer corretamente a jurisdição, observando-se o princípio do devido processo legal e um de seus mais importantes corolários que é o princípio da igualdade. Em outras palavras, reconheceu-se que o tratamento dado ao Fisco já é de ampla vantagem no processo de execução fiscal e que lhe conferir mais vantagens do que já tem resultaria em um processo extremamente injusto e viabilizador de excessos, o que desmoralizaria o próprio Estado-juiz como distribuidor de justiça, sacrificando um interesse genuinamente público, comprometendo a credibilidade do cidadão em todo o sistema de justiça. O Fisco deve ter prerrogativas, mas não privilégios. Estes últimos são oriundos de tratamentos especiais, diferenciados, sem fundamento na Constituição Federal. É mais do que necessário, aos poucos, ir apontado tais privilégios e retirando as vantagens indevidas dadas ao Estado, como fez o STJ no caso concreto.
Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), através do julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.097), fixou a tese de que: "em se tratando de multa aplicada às pessoas jurídicas proprietárias de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira, que se refere à autuação da infração, e a segunda, sobre a aplicação da penalidade, conforme estabelecido nos artigos 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro". Com a fixação dessa tese, corrobora-se a linha que já vinha sendo adotada pelo STJ, havendo, inclusive, a súmula n. 312 quanto ao tema: "No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração." No processo administrativo regulado pelo Código de Trânsito Brasileiro ("CTB"), uma vez identifica a infração, nos moldes do artigo 280 do CTB, será lavrado o respectivo auto, sendo necessário seu preenchimento de acordo com as formalidades previstas nos incisos do referido artigo. E cabe pontuar que, conforme o artigo 257, §§ 7º e 8º, do CTB, não havendo imediata identificação do infrator, o proprietário do veículo terá o prazo de trinta dias para apresentá-lo. É certo que há a necessidade de envio de duas notificações para a devida aplicação das penas decorrentes das infrações de trânsito. Isso porque, constatada conduta infracional, deverá ser gerada uma notificação para cientificar o proprietário ou principal condutor acerca da sua lavratura. Existindo defesa julgada improcedente ou na sua ausência, nova notificação deverá ser expedida, desta vez comunicando a imposição da penalidade. Caso o veículo seja de propriedade de pessoa jurídica, caberá a esta a indicação do condutor infrator. A omissão da pessoa jurídica proprietária de veículo automotor em identificar quem o conduzia quando da autuação, deverá gerar novo auto de infração em relação à multa prevista no § 8º do artigo 257 do CTB, para que assim possa exercer seu direito constitucional de ampla defesa. Caso a pessoa jurídica não apresente defesa ou sua defesa seja julgada insubsistente, deverá ser enviada nova notificação para que tal pessoa jurídica tenha ciência da penalidade imposta. A validade do ato administrativo está condicionada ao envio de duas notificações, sendo: a primeira na lavratura do auto, "valendo esta como notificação de cometimento de infração" (Art. 280, IV, do CTB) e a segunda, após o julgamento da penalidade, "que assegure a ciência da imposição da penalidade" (Art. 282, do CTB). Esse era o entendimento já consolidado no STJ, recentemente reafirmado no tema 1.097: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO DECLARATÓRIA. MULTA ADMINISTRATIVA ACESSÓRIA. INDICAÇÃO DE CONDUTOR INFRATOR. ARTS. 280, 281 E 282 DO CTB. NECESSIDADE DE SEGUNDA NOTIFICAÇÃO. 1. O cerne da argumentação do agravante consiste na defesa de que "nada impede que órgão de trânsito concentre numa única notificação todos os avisos necessários", e de que, por causa disso, é lícito que seja dispensada a segunda notificação de imposição de multa administrativa aplicada, por ausência de indicação de condutor. 2. Não obstante, como foi claramente dito na decisão anterior, o STJ compreende que é, sim, necessária a dupla notificação, mesmo quando o veículo pertence a pessoa jurídica. Precedentes do STJ. 3. "No que concerne à alegação de violação dos arts. 280 e 281, II, do Código de Trânsito Brasileiro, com razão a recorrente nesse ponto, estando o acórdão recorrido em confronto com a jurisprudência deste STJ, no sentido de que, mesmo em se tratando de multa aplicada à pessoa jurídica proprietária de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira que se refere à autuação da infração e a segunda sobre a aplicação da penalidade, conforme estabelecido nos arts. 280, 281 e 282 do CTB. Nesse sentido: AREsp 1.150.193/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Julgamento em 31/10/2017, Dje. 6/11/2017 e REsp 1.666.665/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje de 19/6/2017." (AgInt nos EDcl no AREsp 1219594/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/10/2018). 4. Além disso, sendo administrativa ou de trânsito a multa, não se vê razoável motivo para dela afastar a aplicação dos arts. 280, 281, 282 do CTB (os quais estão contidos na mesma lei federal que prevê tal multa), nem mesmo obstáculos que impossibilitem que uma segunda notificação seja expedida antes da imposição da penalidade, sendo incontestável que o próprio art. 257, § 8º, do CTB determina sanção financeiramente mais grave à pessoa jurídica que não identifica o condutor no prazo legal. Não se trata, portanto, de "fazer letra morta o texto legal", mas, ao contrário, de cumpri-lo com efetividade. 5. Por tudo isso, é mister manter a decisão anterior, que deu provimento ao Recurso Especial da parte agravada para declarar nulos os autos de infração em apreço, por falta de dupla notificação, nos termos da fundamentação. 6. Agravo Interno não provido." (STJ, AgInt no REsp 1901841 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, DJe 06.04.2021). "A obrigatoriedade da dupla notificação prevista nos arts. 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro aplica-se no procedimento de imposição  de multa por ausência de identificação do responsável pela  condução  do veículo por ocasião do cometimento de infração de trânsito." (STJ, REsp 1736145 /SP, 1ª Turma, Minª. Relª. Regina Helena Costa, Dje 20.08.2018). "2. Nos termos da jurisprudência do STJ, a norma dos arts. 280, 281 e 282 do CTB se aplica à imposição de multa por ausência de identificação do responsável pela condução do veículo por ocasião do cometimento de infração de trânsito. 3. Consoante a Súmula 312/STJ, no processo administrativo, para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração." (STJ, REsp 1879009 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, DJe 06.10.2020). Nesse mesmo sentido, podem ser citados os seguintes julgados do Col. STJ: AgInt no REsp 1851111/SP, 1ª Turma, Min. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29.06.2020; AgInt no REsp 1849050 / SP, 1ª Turma, Min. Rel. Benedito Gonçalves, DJe 27.11.2020; REsp 1790627/SP, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, DJe 30.05.2019; AgInt no REsp 1829234 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Mauro Campbell Marques, DJe 27.11.2019; AgInt nos EDcl no AREsp 1219594/SP, 2ª Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, DJe 24.10.2018; REsp 1666665/SP, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, Dje 19.06.2017; e AgInt no AREsp 906113/SP, 2ª Turma, Min. Rel. Francisco Galvão, Dje 08.03.2017. O assunto ganhou tamanha relevância que o Col. STJ julgou o Recurso Especial do Sindicato das Empresas Locadoras de Veículos Automotores do Estado de São Paulo, através do rito dos recursos repetitivos (REsp n. 1.925.456/SP), tendo fixado a tese acima referida e relativa ao Tema 1.097. O CPC/15 se dedica seriamente a regular o regime de julgamento de recursos especiais repetitivos. O artigo 1036 do CPC/15 estipula que sempre que houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para fins de julgamento no regime de recursos repetitivos, observado o disposto no regimento interno do STJ. O presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem deve selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao STJ para fins de afetação, determinando-se a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região. O relator no tribunal superior poderá, ainda, selecionar outros recursos representativos da controvérsia. Caso o interessado tenha o objetivo de evitar o sobrestamento do trâmite de recurso especial intempestivo, é possível que o mesmo apresente requerimento de inadmissão do recurso especial perante o tribunal a quo, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se. Caso este requerimento seja indeferido, com a manutenção do sobrestamento do recurso especial, o interessado poderá interpor agravo interno. Caso o tribunal de origem não tenha a iniciativa de selecionar recursos representativos da controvérsia, o relator no tribunal superior também poderá fazer a seleção, indicando 2 ou mais recursos representativos da matéria repetitiva. O CPC/15 tem o cuidado de indicar aos tribunais que selecionem, para fins de afetação, recursos admissíveis e que contenham abrangente argumentação acerca da matéria repetitiva a ser julgada. Nos termos do artigo 1037 do CPC/15, o relator, no tribunal superior proferirá decisão de afetação, na qual determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Uma vez intimadas da decisão de suspensão de seu processo, as partes poderão demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial afetado; requerendo-se o prosseguimento do seu processo, devendo a outra parte ser intimada para se manifestar no prazo de 5 dias. Este pedido será dirigido: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial no tribunal de origem; e (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial, cujo processamento houver sido sobrestado. A decisão que resolver o requerimento acima referido será recorrível por agravo de instrumento, caso tenha sido proferida por magistrado em primeira instância. Por outro lado, caberá agravo interno, caso a decisão tenha sido proferida no tribunal de origem ou superior. O artigo 1038 do CPC/15 confere ao relator a possibilidade de solicitar ou admitir manifestação de terceiros em conformidade com o artigo 138 do CPC/15, bem como fixar data para audiência pública. O relator também pode requisitar informações aos tribunais de origem, os quais terão 15 dias para cumprir a determinação. O Ministério Público será intimado para se manifestar em 15 dias após o recebimento das informações. Cassio Scarpinella Bueno1 lembra que "o inciso I do art. 1038 permite ampla participação de terceiros intervenientes na qualidade de amici curiae. São aqueles intervenientes que farão as vezes das 'pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria', observando, desde que não haja restrição à sua ampla participação, fundamentada genericamente no art. 138, o que dispuser o RISTF e do RISTJ". Após essas providências instrutórias, o caso será julgado, sendo que o conteúdo do acórdão deverá abranger os fundamentos relevantes da tese jurídica debatida. Em homenagem à uniformização de jurisprudência, o artigo 1039 do CPC/15 prescreve que, uma vez decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados considerarão prejudicados os recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os julgarão em conformidade com a tese firmada pelo tribunal superior. Também em linha com a necessidade de uniformização de jurisprudência, o artigo 1040 do CPC/15 é cristalino ao dispor que, uma vez publicado o acórdão paradigma: (i) o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; (ii) o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; (iii) os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; (iv) se os recursos versarem sobre questão relativa à prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. Antes de ser proferida sentença, uma vez fixada a tese vinculante firmada no regime de julgamento repetitivo, a parte autora, independentemente do consentimento do réu, poderá desistir da ação em curso na primeira instância, caso a questão seja rigorosamente idêntica à matéria que foi objeto do julgamento. Caso a desistência ocorra antes de apresentada a contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. Se, nos termos do artigo 1.041 do CPC/15, o tribunal de origem venha a manter o acórdão divergente, o recurso especial será remetido ao respectivo tribunal superior para fins de julgamento. A força vinculante da tese fixada em sede de julgamento de recurso especial repetitivo é bem nítida na análise dos artigos 311, II, 332, 927, III, do CPC/15. __________ 1 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 727.
A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à Justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as Defensorias de todos os Estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa. No desempenho de suas funções, o Defensor Público tem asseguradas pela Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), em seu artigo 44, várias prerrogativas processuais. Já o Código de Processo Civil garante à Defensoria Pública o prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais (art. 186), bem como a intimação pessoal do defensor público (art. 186, § 1º) e da parte patrocinada pela Defensoria, quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada (art. 186, § 2º). Já o § 3º, do artigo 186 do CPC, assegura aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita, mas que tenham convênios com a Defensoria Pública a contagem do prazo em dobro em suas manifestações processuais. Dúvida surge quanto à aplicação da intimação pessoal do advogado que atua na Assistência Judiciária por meio de convênio (§ 1º) e da própria parte assistida (§ 2º), eis que o parágrafo terceiro só estende a prerrogativa do prazo em dobro às entidades que mantêm convênio com a Defensoria Pública1. Parece claro que a não extensão da intimação pessoal do advogado e da parte assistida a todos que efetivamente realizem Assistência Judiciária ocasiona um desequilíbrio processual capaz de afetar normas processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa2. O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a Prerrogativa da Intimação Pessoal da Parte conferida pelo artigo 186, § 2º, do CPC deve ser estendida aos casos em que a assistência se dá via Defensores Dativos: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 186, §2º, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE RAZÃO JURÍDICA PLAUSÍVEL PARA TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O DEFENSOR DATIVO NA HIPÓTESES. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO, DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES E EXCESSO DE CAUSAS, QUE JUSTIFICARAM A EDIÇÃO DA REGRA, QUE SÃO EXPERIMENTADOS POR AMBOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL E RESTRITIVA QUE ACARRETARIA NOTÓRIO PREJUÍZO AO ASSISTIDO QUE A LEI PRETENDEU TUTELAR, COM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA. EXIGÊNCIA DE QUE HAJA PROVIDÊNCIA A SER POR ELA REALIZADA OU INFORMAÇÃO A SER POR ELA PRESTADA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER CONTRA A SENTENÇA PARCIALMENTE DESFAVORÁVEL AO ASSISTIDO. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ASSISTIDO. MANDATO COM PODERES GERAIS DA CLÁUSULA AD JUDICIA. AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS NECESSÁRIOS À DEFESA DO ASSISTIDO, INCLUSIVE RECORRER. 1- O propósito recursal é definir se é admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública, de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos para o deferimento da intimação pessoal da parte assistida. 2- A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, §2º e §3º, do CPC/15, autorizaria a conclusão de apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada. 3- Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica. 4- Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça aqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/15, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo. 5- É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível. 6- A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria. 7- Segundo o art. 186, §2º, do CPC/15, a intimação pessoal da parte assistida pressupõe uma providência que apenas por ela possa ser realizada ou uma informação que somente por ela possa ser prestada, como, por exemplo, indicar as testemunhas a serem arroladas, exibir documento por força de ordem judicial, cumprir a sentença (art. 513, §2º, II, do CPC/15) e ser cientificado do requerimento, pelo exequente, de adjudicação do bem penhorado (art. 876, §1º, II, do CPC/15). 8- O ato de recorrer da sentença que for desfavorável ao assistido, contudo, não está no rol de providências ou de informações que dependam de providência ou de informação que somente possa ser realizada ou prestada pela parte, pois o mandato outorgado ao defensor dativo lhe confere os poderes gerais da cláusula ad judicia, que permitem ao defensor não apenas ajuizar a ação, mas também praticar todos os atos processuais necessários à defesa dos interesses do assistido, inclusive recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis. 9- Na hipótese, ademais, há procuração outorgada pela assistida com poderes expressos para recorrer e que foi utilizada pelo defensor dativo, inclusive, para, em nome dela, impetrar o mandado de segurança e para interpor recurso ordinário do acórdão que denegou a ordem, o que demonstra a desnecessidade da prévia intimação pessoal da assistida para que fosse impugnada a sentença de parcial procedência da ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos. 10- Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido." (g.n.) (RMS 64.894/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021) (AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021) Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo o Código de Processo Civil tendo limitado tal prerrogativa aos Defensores Públicos, a intenção do legislador seria facilitar o trabalho dos defensores dos mais necessitados, eis que a comunicação com seus "clientes" seria mais difícil e, portanto, não importaria se fossem assistidos pela Defensoria Pública ou por advogados dativos, pois as dificuldades seriam as mesmas. Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, entretanto, seria importante que tal previsão passasse a ser expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias.____________ 1 Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque: "A ampliação do prazo é estendida a outras entidades, cujo escopo seja também a defesa de pessoas necessitadas (§3º). A intimação pessoal, todavia, não foi prevista pelo legislador. A regra faz referência apenas ao disposto no caput, ou seja, a ampliação do prazo. A limitação é, pois, expressa. Nessa medida, o benefício da intimação pessoal não se lhes aplica." (Comentários ao Código de Processo Civil - vol. III (arts 119-187): Da Intervenção de Terceiros até a Defensoria Pública, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 356). 2 Nesse mesmo sentido já tive oportunidade de defender em artigo escrito conjuntamente com a professora Janice Coelho Derze e apresentado no XXVIII Encontro Nacional do Conpedi em Goiânia - GO e que pode ser acessado no seguinte link http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/no85g2cd/1n5o200a/1bHALopnJ44Hl73m.pdf Outro não é o entendimento de Zumar Duarte de Oliveira Jr. ao prever que "Presente que a assistência judiciária é um direito e garantia individual e que o olhar aqui deve ser sempre pautado pela máxima proteção possível, pensamos que a melhor exegese no tema é aquela que estende a dobra do prazo e a intimação pessoal aos Defensores Públicos, aos escritórios e entidades indicadas no § 3º, bem como a todos aqueles que atuem em favor dos assistidos pela justiça gratuita." (in Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015: parte geral, coord. Fernando da Fonseca Gajardoni, São Paulo: Forense, 2015, p. 601). Em sentido contrário e entendendo inclusive que o § 3º do art. 186 seria inconstitucional vide Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira in Comentários ao Código de Processo Civil- vol. 1, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 735/736.
A reclamação constitucional, prevista no art. 105, I, f, da CF/88, bem como no art. 988 do CPC/15 (redação da lei 13.256/16), constitui meio de impugnação judicial destinado à preservação da competência do Tribunal (inciso I), a garantir a autoridade de suas decisões (inciso II) e à observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (inciso IV e § 4º). Em determinado caso concreto houve o processamento de pedido de uniformização pelo STJ, de sorte que o Reclamante manejou a reclamação destinada a obter ordem de suspensão da demanda cuja questão jurídica seria a mesma a ser decidida no pedido de uniformização, a assim, em seu entender, preservar a uniformidade de entendimentos e isonomia no tratamento de questões congêneres por parte do Poder Judiciário. Nesse contexto, a 1ª seção do STJ firmou o entendimento de que a decisão que se busca preservar sua autoridade deve emanar do próprio caso concreto em que o Reclamante tenha figurado como parte. "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. RECLAMAÇÃO. ART. 105, I, F, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 988 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INCIDENTE PROCESSUAL DESTINADO À PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E GARANTIR A AUTORIDADE DE SUAS DECISÕES, TOMADAS NO CASO CONCRETO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. INSTITUTO PROCESSUAL QUE NÃO SE PRESTA A DISCUTIR A NECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO DO FEITO NA ORIGEM. INVIABILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - A Reclamação, prevista no art. 105, I, f, da Constituição da República, bem como no art. 988 do Código de Processo Civil de 2015 (redação dada pela Lei n. 13.256/2016), constitui incidente processual destinado à preservação da competência deste Superior Tribunal de Justiça (inciso I), a garantir a autoridade de suas decisões, no próprio caso concreto, em que o Reclamante tenha figurado como parte, (inciso II) e à observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (inciso IV e § 4º). III. É incabível o ajuizamento de reclamação contra decisão que defere ou indefere o sobrestamento do feito em razão de processamento de pedido de uniformização ou recurso especial repetitivo. IV - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. V - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IV - Agravo interno improvido."1 O voto condutor, da lavra da ministra Helena Costa, complementa:  "(...) Ressalte-se, ademais, que a Reclamação, a teor do art. 105, I, f da Constituição da República, destina-se a garantir a autoridade das decisões desta Corte, no próprio caso concreto, em que o Reclamante tenha figurado como parte, ou à preservação de sua competência, não servindo como sucedâneo recursal, consoante espelham os seguintes precedentes:   PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. ICMS. ART. 187 DO RISTJ. ART. 988 DO CPC/15. SOBRESTAMENTO EFETIVADO NO TRIBUNAL A QUO. DESOBEDIÊNCIA. AUSÊNCIA. A RECLAMAÇÃO NÃO SE PRESTA PARA VERIFICAR EVENTUAL EQUÍVOCO NO SOBRESTAMENTO DO PROCESSO NA ORIGEM. I - Trata-se, inicialmente, de reclamação em desfavor de decisão que determinou o sobrestamento do feito, para aguardar o julgamento de incidente de arguição de inconstitucionalidade, naquele pretório, bem assim de repercussão geral reconhecida no STF, sob o Tema n. 1.048, a decidir a mesma questão tratada no feito, ou seja, a legalidade da inclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, instituída pela Lei n. 12.546/2011. Esta Corte não conheceu da reclamação. II - Conforme previsão dos arts. 105, I, f, da Constituição da República, e 187 do RISTJ, a reclamação dirigida a esta Corte tem cabimento para preservar sua competência ou assegurar a autoridade de suas decisões. Já o art. 988 do CPC/2015 prevê a reclamação como meio de preservar a competência do Tribunal, garantir a autoridade de suas decisões e, ainda, "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência". III - No caso dos autos, o sobrestamento efetivado no âmbito do Tribunal a quo não implica desobediência à autoridade das decisões exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça, nem tão pouco em inobservância de tese versada em demanda repetitiva. IV - Além disso, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a reclamação não se presta para verificar eventual equívoco no sobrestamento do processo na origem com fundamento em decisão de afetação de recurso especial ao julgamento sob o rito dos repetitivos. Nesse sentido, confiram-se: AgInt na Rcl n. 34.147/RR, 2ª Seção, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 8/11/2017, DJe de 17/11/2017, AgInt na Rcl n. 34.175/MG, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, 2ª Seção, julgado em 27/9/2017, DJe de 3/10/2017. V - Agravo interno improvido.2   PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (ARTIGO 105, I, F, DA CF) CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL QUE DETERMINOU O SOBRESTAMENTO DO RECURSO ESPECIAL COM AMPARO NO ARTIGO 1.030, III, DO CPC/2015. INCABÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. O recurso foi interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. Na espécie, nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, o Desembargador Relator deu provimento ao agravo interno da empresa Brookfield Centro Oeste Empreendimentos Imobiliários S.A, para indeferir a liminar, retirando o efeito da ordem de indisponibilidade de bens da referida empresa e o de valores pelo BACENJUD. 3. No juízo prévio de admissibilidade, o Vice-Presidente do TJGO entendeu tratar-se de caso afeto às regras do artigo 1.030, III, do CPC/2015 e determinou ?o sobrestamento do presente feito até o pronunciamento definitivo da Corte Superior no Recurso Especial Repetitivo nº 1.366.721-BA (Tema 701)". 4. Nos termos do artigo 105, I, f, da Constituição Federal compete a este Superior Tribunal processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e para a garantia da autoridade de suas decisões. 5. A reclamação de que trata o referido permissivo constitucional não é via adequada para preservar "jurisprudência" do STJ, mas, sim, a autoridade de decisão tomada em caso concreto, envolvendo as partes postas no litígio do qual oriunda a reclamação. Precedentes. 6. Na hipótese em que o recurso especial tem seu seguimento negado pela Tribunal de origem, por força do artigo 1.030 do CPC/2015, deverá a parte ingressar com o agravo em recurso especial, nos termos do artigo 1.042, caput, do CPC/2015, veiculando na petição argumentos próprios do agravo em recurso especial e do recurso especial. 7. Ou seja, "se há recurso cabível em tese para se pedir a equiparação ao repetitivo (agravo em recurso especial do art. 1.042, do CPC/2015), não pode ser o caso de reclamação constitucional" (Rcl 32.391/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/12/2017). 8. Agravo interno não provido3. (...) Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso." Sendo a reclamação constitucional, portanto meio de impugnação de manejo limitado, de sorte que o art. 105, I, "f" da CF/88 assegura o seu cabimento destinado a preservação da competência e garantia da autoridade das decisões do STJ e do STF (art. 102, I, "l", da CF/88), a despeito do art. 988 do CPC/15 haver ampliado o espectro de incidência da reclamação para também aceitar o seu cabimento no plano infraconstitucional4, no tocante a hipótese dos incisos I (preservar a competência do tribunal) e II (garantir a autoridade das decisões do tribunal), em reclamação distribuída perante o STJ, firmou-se o entendimento de que  a autoridade da decisão do STJ a ser preservada refere-se ao ato decisório decidido no próprio caso concreto em que a Reclamante tenha figurado como parte.  Tal entendimento, a despeito inexistência de referida limitação no bojo do art. 988, do CPC/15, foi a recente intepretação posta pela 1ª seção do STJ. Respeitado entendimento em sentido contrário, tal fundamento poderá trazer problemas de ordem prática, na contramão do próprio CPC/15.  Explica-se: uma das hipóteses de cabimento da reclamação é garantir a observância do acórdão proferido no incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (art. 988, IV). Por vezes pode ocorrer do precedente firmando em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas haver sido formado antes do ajuizamento de determinada demanda. A posteriori, a parte ajuíza demanda postulando o manejo de tutela provisória da evidência, porquanto defende que o direito aplicado ao caso concreto é o mesmo firmado quando do julgamento de determinado incidente de resolução de demanda repetitiva (art. 311, II, do CPC). Em havendo resistência do magistrado ou do tribunal na aplicação do precedente obrigatório, como exigir, in casu, que a decisão que se busca preservar a autoridade do STJ tenha sido prolatada no mesmo caso concreto? _______ 1 STJ, AgInt na Reclamação n. 31.193/SC, Primeira Seção, Rel. Min. Regina Helena Costa, v.u., j. 16.09.2021. 2 AgInt na Rcl 39.244/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, 1 seção, julgado em 02/03/2021, DJe 10/03/2021.  3 AgInt na Rcl 33.470/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1ª seção, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020. 4 "Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência: § 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir. § 2º A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal. § 3º Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. § 4º As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. § 5º É inadmissível a reclamação: I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. § 6º A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação."
O § 1º do art. 537 do CPC expressamente determina que só podem ser alterados a periodicidade e o valor da multa (astreinte) fixada por ordem judicial para que o devedor de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa a cumpra se ela (a multa) estiver vencida. Entretanto, apesar da literalidade da lei, a Corte Especial do STJ, no EARESP 650.536/RJ, decidiu que haveria possibilidade de alteração, sim, das multas vencidas, conforme já anunciado nessa coluna Recentemente, avançando na exegese do § 1º do art. 537 do CPC, o STJ estabeleceu critérios para que tal modificação da multa vencida aconteça. Veja-se: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. HOME CARE.DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. MULTA COERCITIVA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES EFETIVAMENTE DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. TRANSMISSIBILIDADE DAS ASTREINTES APÓS O FALECIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PERSONALÍSSIMA. IRRELEVÂNCIA. RECONHECIMENTO DO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL NA FASE DE CONHECIMENTO. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. IMUTABILIDADE NA FASE DE CUMPRIMENTO. REDUÇÃO DA MULTA PERIÓDICA ACUMULADA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS E CUMULATIVAS QUE JUSTIFICAM A REDUÇÃO. EXORBITÂNCIA DO VALOR, AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO E AUSÊNCIA DE CONDUTA DA BENEFICIÁRIA EM BUSCA DA MINIMIZAÇÃO DO PREJUÍZO. REQUISITOS PARA REDUÇÃO AUSENTES NA HIPÓTESE. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO E DE LIMITE DE VALOR PARA A ACUMULAÇÃO DA MULTA. IRRELEVÂNCIA. REQUISITOS NÃO OBRIGATÓRIOS. 1- Os propósitos recursais consistem em definir, para além da alegada negativa de prestação jurisdicional: (i) se o valor acumulado da multa é transmissível aos herdeiros em virtude do falecimento da paciente no curso da ação; (ii) se houve descumprimento da decisão liminar e, consequentemente, a incidência das astreintes; (iii) se, na hipótese, é admissível a redução do valor da multa periódica acumulada. 2- Não há que se falar em omissão ou em negativa de prestação jurisdicional na hipótese em que o acórdão recorrido, a partir de determinados elementos de fato e de prova, reitera a existência de descumprimento anteriormente reconhecida por ocasião do julgamento da apelação interposta ainda na fase de conhecimento. 3- Na esteira da jurisprudência desta Corte, as astreintes são transmissíveis aos sucessores da parte após o seu falecimento, ainda que tenham sido aplicadas em decorrência de obrigação personalíssima. Precedente. 4- Conquanto o valor acumulado da multa periódica seja excepcionalmente modificável após o trânsito em julgado da sentença de mérito, o reconhecimento do descumprimento da ordem judicial, que com ele não se confunde, não é modificável após o trânsito em julgado da decisão judicial que o reconhecer. 5- Para que seja autorizada a excepcional redução da multa periódica acumulada em virtude do descumprimento de ordem judicial, é preciso, cumulativamente, que: (i) o valor alcançado seja exorbitante; (ii) que, no momento da fixação, a multa diária tenha sido fixada em valor desproporcional ou incompatível com a obrigação; (iii) que a parte beneficiária da tutela específica não tenha buscado mitigar o seu próprio prejuízo. 6- Para que se examine a possibilidade de redução da multa periódica acumulada, não são relevantes, por si sós, a ausência de fixação de prazo para cumprimento da obrigação e a ausência de limite de valor para a acumulação da multa, circunstâncias que apenas eventualmente podem ser consideradas no exame da situação concreta submetida à apreciação do Poder Judiciário. 7- Na hipótese, o descumprimento da ordem judicial pela operadora do plano de saúde, reconhecido na fase de conhecimento e na fase de cumprimento da sentença, perdurou por 365 dias e somente cessou em razão do falecimento da paciente, de modo que o valor da multa periódica acumulada, de R$ 365.000,00, embora nominalmente elevado, é representativo de uma multa diária fixada em valor proporcional e que atingiu esse patamar em virtude exclusivamente da recalcitrância da devedora. 8- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp 1840280/BA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 09/09/2021, grifos nossos)". No entender esboçado pelo acórdão acima ementado, para a redução do valor da multa fixada com fundamento no art. 537 do CPC, devem ser observados os seguintes requisitos: (i) o valor alcançado seja exorbitante; (ii) que, no momento da fixação, a multa diária tenha sido fixada em valor desproporcional ou incompatível com a obrigação; (iii) que a parte beneficiária da tutela específica não tenha buscado mitigar o seu próprio prejuízo. Ao que tudo indica, tais critérios nada mais são do que um detalhamento da linha de raciocínio traçada pela Corte Especial do EARESP 650.536/RJ. Mais especificamente, o credor de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, não deve ficar inerte caso o devedor não cumpra tal obrigação a despeito da fixação da multa. A multa pode ser desproporcional ou incompatível com a obrigação e exatamente por isso não surte o efeito desejado. O acúmulo do valor da multa pode levar a um valor exorbitante que não pode fazer com que o credor ou o próprio judiciário se acomodem com a situação e deixem de buscar outras medidas de apoio que viabilizem a satisfação da obrigação. Se isso acontecer, o valor da multa, ainda que vencida, deve ser revisto, a despeito da redação literal do § 1º do art. 537 do CPC.
O art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida". O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15. Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade on line, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15.  E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa.  Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador. E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica. A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa. A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. E, recentemente, o STJ teve a oportunidade de, por três vezes, julgar questões referentes ao artigo 866 do CPC/15. Em 23/11/2020, a 4ª turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 1664898/SP, tendo a relatoria do Ministro Raul Araújo, decidiu que: "Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível a penhora sobre o faturamento da empresa, quando ofertados bens de difícil liquidez ou não encontrados bens do devedor para satisfazer o crédito exequendo. Precedentes." Por sua vez, a mesma 4ª turma do STJ, em 08/06/2020, no julgamento do AgInt no AREsp 1552288/SC, tendo a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, pontuou que: "A jurisprudência desta Corte Superior é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual e que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial" (AgInt no REsp 1811869/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª turma, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019). E a 2ª turma do STJ, em 17/09/2019, no julgamento do REsp 1827222/AL, tendo a relatoria do Ministro Herman Benjamin, destacou que: "Consoante a jurisprudência do STJ, "a penhora de faturamento da empresa só pode ocorrer em casos  excepcionais,  que  devem ser avaliados   pelo   magistrado   à  luz  das  circunstâncias  fáticas apresentadas no curso da Execução, obedecendo o que preceitua o art. 866  do  CPC  e  desde  que  não existam outros bens penhoráveis e a constrição não afete o funcionamento da empresa" (REsp 1.696.970/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª turma, DJe 19/12/2017). Hipótese em que a Corte a quo,  com  base nos elementos de convicção,  concluiu  que não foram preenchidos os requisitos para a decretação  da  medida. Asseverou: "(...) Não há elementos concretos que demonstrem a tentativa de localização de bens da empresa em seu próprio endereço nem tampouco que foi diligenciado junto aos cartórios   de registros  de  imóveis  na  investida  de  localizar eventuais bens registrados em nome da devedora. Além do mais, ao que se verifica dos autos, a própria recorrente oferta diversos bens de sua titularidade  como  garantia  à execução fiscal ajuizada em seu desfavor" (fl. 365, e-STJ)". É bem de ver que a excepcionalidade da aplicação da medida do artigo 866 do CPC/15 é elemento comum nos recentes julgados do STJ. Todavia, vale ponderar que pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras online, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa. Essa é, inclusive, a lição de Carlos Henrique Abrão: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, online, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento".1 _____________ 1 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59.  
A escolha de um julgado sobre Ação Rescisória para a análise nessa coluna é uma homenagem a um grande amigo, que nos deixou muito prematuramente. Rodrigo Otávio Barioni, professor da PUC/SP, falecido há pouco mais de uma semana foi um grande estudioso do tema e, sem dúvida nenhuma, uma das maiores Autoridades quando se fala em Ação Rescisória. Sempre atencioso e solícito, foi meu Conselheiro em todas as Rescisórias que me deparei em minha vida profissional. Rodrigo Barioni é uma dessas pessoas maravilhosas que passam por nossas vidas e não poderiam nos deixar. Amigo, leal, agregador deixa um grande vazio em todos, mas também uma vasta e profunda obra na área do direito processual, que eterniza o brilhante Mestre.                                     O § 1º do artigo 968, II, do CPC prevê a dispensa do depósito de 5% por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das suas respectivas autarquias e fundações de direito público1, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça. Dúvida que surge é se os beneficiados pela dispensa do depósito para o ajuizamento da Ação Rescisória deveriam pagar multa de 5%, no caso da ação ser julgada, à unanimidade, inadmissível ou improcedente. Sobre o tema cumpre citar a lição do professor Rodrigo Barioni: "Aqui, cumpriria esclarecer apenas se esses entes dispensados do depósito prévio devem pagar a multa processual, caso a ação rescisória venha a ser julgada inadmissível ou improcedente por unanimidade. A dispensa inicial afigura-se correta, tendo em vista a presunção de solvabilidade dos entes públicos e o acesso à justiça no caso dos reconhecidamente pobres. Isso não afasta, porém, o dever de realizar o pagamento da multa, caso seja concretizada a situação que autoriza sua cobrança pelo réu. Na jurisprudência, os entes públicos e mesmo o beneficiário da Justiça gratuita não estão isentos do pagamento de multas por litigância de má-fé. No caso da ação rescisória o pagamento final da multa tem a mesma origem da condenação de litigância de má-fé: punir o demandante por haver proposto indevidamente uma ação judicial. Assim, por força do princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal, o vencido na lide rescisória deve ser condenado ao pagamento da multa de 5% sobre o valor atribuído à causa, tenha ou não realizado o depósito inicial."2 Em acórdão publicado no começo do corrente mês, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça reiterou seu entendimento no mesmo sentido do defendido pelo professor Barioni:  "AÇÃO RESCISÓRIA. 1. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDO PARCIALMENTE. POSSIBILIDADE. NÃO EXONERAÇÃO DO BENEFICIÁRIO DA MULTA PROCESSUAL PREVISTA NO ART. 968, II, CPC/2015. 2. AUSÊNCIA, EM REGRA, DE LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS ADVOGADOS DA PARTE VENCEDORA NA AÇÃO RESCISÓRIA. RECONHECIMENTO, IN CASU. 3. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO PELA QUARTA TURMA DO STJ, NO BOJO DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS EMBARGOS À EXECUÇÃO), NO CAPÍTULO REFERENTE AOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM FAVOR DO ADVOGADO DA PARTE DEVEDORA. TÍTULO JUDICIAL AMBÍGUO, QUE FIXA PERCENTUAL SOBRE A DIFERENÇA ENTRE O VALOR COBRADO E O VALOR EFETIVAMENTE DEVIDO, SEM DETERMINAR O MOMENTO DE APURAÇÃO. VERIFICAÇÃO. INTERPRETAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. VALOR COBRADO A SER APURADO NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO, E NÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR, SOB PENA DE SUBVERTER A FINALIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO. ACÓRDÃO RESCINDENDO EM ABSOLUTA CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RECONHECIMENTO. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI E AFRONTA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. 4. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI SOBRE QUESTIONAMENTO EM MOMENTO ALGUM SOPESADO NO ACÓRDÃO RESCINDENDO. IMPOSSIBILIDADE. 5. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. 6. AÇÃO RESCISÓRIA PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A dispensa, por força do deferimento parcial do benefício da gratuidade de justiça, do recolhimento prévio do depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa - concebido como condição de procedibilidade ao ajuizamento da ação rescisória -, não exime o autor da ação de responder pela sanção processual prevista no inciso II do art. 968 do CPC/2015, na eventualidade de a presente pretensão rescisória vir a ser julgada improcedente ou inadmissível, por unanimidade de votos. Precedente específico da Segunda Seção do STJ (AR 4.522/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 24/05/2017, DJe 02/08/2017). (...) (AR 6.158/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/10/2021, DJe 05/11/2021) Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:  "AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. PROVAS NOVAS OBTIDAS PELA PARTE IRRELEVANTES. Pretensão da autora à rescisão do acórdão que, no processo de sobrepartilha de bens sonegados, reconheceu a prescrição da sua pretensão naquele processo. Alegação de que não teria sido intimada da decisão que negou provimento ao Ag em REsp nº 20.367/SP. Ausência de comprovação nesse sentido. Situação que, em todo caso, não pode ser alegada em ação rescisória, por já ter decorrido o prazo decadencial de dois anos (art. 975 do CPC/2015). Suposta ciência da autora em 2013 e ação proposta em 2017. Decadência que ocorreu em relação a outras alegadas ilegalidades ocorridas no processo de sobrepartilha (art. 966, V c/c art. 975 do CPC/2015). Decadência que não ocorreu somente em relação à alegação de obtenção de novas provas (art. 975, VII c/c art. 975, § 2° do CPC/2015). Provas irrelevantes. Falta de nexo entre tais novas provas e um possível julgamento favorável à autora. Impossibilidade de elas modificarem o reconhecimento da prescrição do pedido de sobrepartilha de bens sonegados. Condenação da autora ao pagamento de multa de 5% do valor atualizado da causa, mesmo sendo beneficiária da gratuidade processual (art. 968, II c/c art. 98, § 4° do CPC/2015). Ação rescisória improcedente."3 (g.n.) (TJSP;  Ação Rescisória 2204143-24.2017.8.26.0000; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 2º Grupo de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2019; Data de Registro: 29/07/2019) Esse parece ser o melhor entendimento, eis que a dispensa do depósito permite o ajuizamento de Ações Rescisórias pelos entes previstos no § 1º, II, do artigo 968, mas exige uma litigância responsável, já que tal dispensa não vai eximir os entes do pagamento da multa de 5%, no caso da ação ser julgada inadmissível ou improcedente, por unanimidade. __________ 1 Tal regra merece críticas de Thiago Marinho Nunes "Em relação a esse ponto, a regra merece críticas severas, uma vez que inexiste razão plausível para que o ente estatal esteja imune à realização do depósito prévio. Ora, o objetivo primordial do depósito prévio é o de garantir a seriedade da ação rescisória que está sendo proposta, e a garantia de seriedade só vale quando aplicada para todos. Da forma como se encontra a regra do art. 968, § 1º, viola-se o princípio constitucional da igualdade das partes (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Nada obstante a opinião aqui colocada, há de ser citada a Súmula nº 175 do STJ, segundo a qual "Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS". (Código de Processo Civil Anotado, coord. José Rogerio Cruz e Tucci, et al., São Paulo: AASP e OAB/PR, 2019, p. 1588 e 1589) 2 "A Ação Rescisória no CPC: propostas de alteração", in Revista de Processo, n. 207, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 256. 3 Há precedentes do TJSP condenando o Autor da Rescisória no pagamento da multa de 5% do valor da causa, prevista no art. 968 do CPC, entretanto, suspendendo a exigibilidade, salvo se for revogado o benefício da gratuidade da justiça concedido a ele, citando entendimento exarado no RESP nº 1.096.874 (TJSP;  Ação Rescisória 2192576-88.2020.8.26.0000; Relator (a): Castro Figliolia; Órgão Julgador: 6º Grupo de Direito Privado; Foro de Monte Mor - 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 18/01/2021; Data de Registro: 18/01/2021).
O legislador do CPC/15 introduziu, em substituição aos chamados embargos infringentes antes previstos no CPC/73, o dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). Na mesma sessão em que instaurada a divergência é possível a aplicação do julgamento estendido, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Além da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que aplica a técnica de julgamento antecipado parcial de mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Em síntese, é possível extrair as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por maioria de votos, da decisão impugnada2. E, em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça perfilhou o entendimento de não cabimento da técnica de julgamento estendido em recurso de agravo tirado de decisão monocrática de julgamento antecipado parcial de mérito: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE RECONHECE A LEGITIMIDADE DE PARTE DA CREDORA PARA AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. RECURSO JULGADO POR MAIORIA. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. ART. 942, § 3º, II, DO NCPC. POSSIBILIDADE. OBSERVADA, CONTUDO, A REFORMA DA DECISÃO QUE JULGAR PARCIALMENTE O MÉRITO. AUSÊNCIA DE REFORMA NO CASO EM COMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE NÃO FOI PROVIDO, POR MAIORIA. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO ANALISOU O MÉRITO DA CONTROVÉRSIA. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DOS VOTOS PROFERIDOS EM SEDE DE JULGAMENTO AMPLIADO PARA FAZER PREVALECER O QUE FICOU DECIDIDO, POR MAIORIA DE VOTOS, PELO RELATOR, PRIMEIRO E SEGUNDO VOGAIS (NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Somente se admite a técnica do julgamento ampliado, em agravo de instrumento, prevista no art. 942, § 3º, II, do NCPC, quando houver o provimento do recurso por maioria de votos e desde que a decisão agravada tenha julgado parcialmente o mérito. Doutrina sobre o tema. 3. Ausência, no caso dos autos, de provimento do agravo de instrumento, por maioria de votos, e de decisão agravada que tenha analisado o mérito da causa. 4. Reconhecido que o julgamento ampliado se deu em confronto com a lei, devem ser anulados os votos proferidos na modalidade ampliada para prevalecer somente aqueles votos proferidos pelo Desembargador Relator e Primeiro Vogal, que o acompanhou, que entenderam, por maioria, em negar provimento ao agravo de instrumento. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp n. 1960580/MT, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro,  v.u, j. 05.10.2021) Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor: "(...) Ao lecionar sobre o tema, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR aduz que o mesmo regime de prosseguimento de julgamento não unânime aplica-se ao agravo de instrumento quando provido por maioria para reformar decisão interlocutória proferida em solução parcial de mérito (art. 942, § 3º, II) (Curso de Direito Processual Civil. v. III. 51 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 810). No mesmo sentido, LUIZ RODRUIGUES WAMBIER e EDUARDO TALAMINI, defendem que a técnica recursal em que se busca, com a participação de outros julgadores, possibilitar a prevalência do voto vencido, só pode ser aplicada quando houver reforma da decisão agravada em julgamento não unânime em agravo contra interlocutória que verse sobre o mérito da causa (Curso Avançado de Processo Civil: Cognição Jurisdicional - processo comum de conhecimento e tutela provisória, v. 2. 16ª ed. reform. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 547). Corroborando o mesmo entendimento, FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA lecionam que O disposto no art. 942 do CPC aplica-se ao julgamento não unânime proferido em agravo de instrumento, quando houver a reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. Aqui há uma observação que merece destaque: na apelação, a regra aplica-se a qualquer resultado não unânime. Não admitida, por maioria de votos, a apelação, aplicasse a regra. Admitida para ser provida ou não provida, seja ou não de mérito a sentença recorrida, pouco importa. Se o resultado não for unânime, aplica-se a técnica do julgamento prevista no art. 942 do CPC. Já no agravo de instrumento há uma restrição: a regra só se aplica se o agravo for admitido e provido, por maioria de votos, para reformar a decisão que julgar parcialmente procedente o mérito. Logo, no julgamento do agravo de instrumento, não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: (a) se o julgamento for unânime; (b) se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; (c) se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; (d) se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; (e) se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos (Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, v. 3. 13ª ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2016. p.79). Verifica-se, assim, que a lei impõe e a doutrina entende que, em sede de agravo de instrumento, a técnica de julgamento ampliado só é admitida quando houver a reforma da decisão que verse sobre o mérito da causa, o que não ocorreu no caso dos autos pois como já pontuado anteriormente, além dos Desembargadores Relator e Primeiro Vogal terem negado provimento ao agravo de instrumento, a decisão de primeira instância, objeto do agravo, não adentrou ao mérito da controvérsia pois somente decidiu que além da DOW possuir legitimidade ativa para o ajuizamento da execução (art. 485, VI, do NCPC), era plenamente possível se manter nos cadastros de proteção ao crédito, a informação de que em relação àquelas pessoas consta processo de execução. Logo, no presente caso, não foram preenchidos os requisitos necessários para que fosse adotada a técnica do julgamento ampliado do agravo de instrumento. Diante do provimento do presente recurso, devem ser anulados os votos proferidos quando da ampliação do julgamento do agravo de instrumento realizado pelo Tribunal Estadual, para prevalecer, como resultado final, o voto da Desembargadora Relatora, que foi acompanhado pelo Primeiro Vogal, que negou provimento ao agravo de instrumento interposto por UNIÃO INSUMOS e outros no sentido de manter a decisão agravada. (STJ, REsp n. 1960580/MT, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro,  v.u, j. 05.10.2021, grifou-se) O entendimento supra citado vai de acordo com a opção política do legislador prevista no art. 942, II, que autoriza a aplicação do julgamento estendido contra agravo tirado de decisão de julgamento parcial de mérito, restrito ao resultado de julgamento de (i) reforma da sentença parcial e, (ii) por maioria de votos. Difícil entender a ratio de aludida restrição, porquanto a devolução da matéria recursal para exame de sentença de mérito - seja ela prolatada por meio da técnica de sentença de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do CPC/2015), seja por força de sentença quando do julgamento conjunto de todos os pedidos ou apenas de um pedido (art. 1.009 do CPC/2015) - é praticamente a mesma. O que varia é tão somente o iter procedimento em que prolatada referida sentença, e nada mais. Forçoso concluir, portanto, que tal qual o cabimento da técnica de julgamento estendido no recurso de apelação restou ampliada para as mais variadas hipóteses (bastando a maioria de votos no resultado, independentemente de referido resultado versar sobre o conhecimento ou não do recurso, a anulação ou a reforma ou manutenção da sentença), referida amplitude também deveria autorizar a observância do julgamento estendido quando do julgamento do agravo tirado contra a sentença de julgamento antecipado parcial de mérito. De toda sorte, a despeito de por vezes o Superior Tribunal de Justiça tecer interpretação sistemática com vistas a superar ou deixar de observar regras processuais objetivas, desta feita referida corte restringiu-se a aplicação literal da opção política do legislador: dura lex, sed lex. _________ 1 Basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.
O art. 792, do CPC, estabelece que a alienação ou oneração de bem é considerada fraude à execução quando: a) sobre o bem houver ação baseada em direito real ou com pretensão reipersecutória  (reivindicação de um bem ou direito que não se encontra no próprio patrimônio); b) tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução; c) o bem tiver sido objeto de constrição nos autos da ação em que foi suscitada a fraude; d) no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência. Mas, o que fazer se não foi averbada na matrícula do imóvel a informação de existência do processo de execução contra o proprietário, mas acredita-se que um terceiro adquirente comprou o imóvel em fraude à execução? O Superior Tribunal de Justiça teve que responder a esta pergunta em recente julgado assim ementado: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÕES SUCESSIVAS. EXTENSÃO AUTOMÁTICA DA INEFICÁCIA DA PRIMEIRA ALIENAÇÃO ÀS TRANSAÇÕES SUBSEQUENTES. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Embargos de terceiro opostos em 07/05/2018, dos quais foi extraído o presente recurso especial interposto em 19/08/2019 e concluso ao gabinete em 28/08/2020. 2. O propósito recursal consiste em dizer sobre a configuração da fraude à execução em caso de alienações sucessivas. 3. A fraude à execução atua no plano da eficácia, de modo que conduz à ineficácia da alienação ou oneração do bem em relação ao exequente (art. 592, V, do CPC/73; art. 792, § 2º, do CPC/2015). Em outros termos, é como se o ato fraudulento não tivesse existido para o credor. 4. As hipóteses em que a alienação ou oneração do bem são consideradas fraude à execução podem ser assim sintetizadas: (i) quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória; (ii) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução; (iii) quando o bem tiver sido objeto de constrição judicial nos autos do processo no qual foi suscitada a fraude; (iv) quando, no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593 do CPC/73 e art. 792 do CPC/2015). 5. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas sim requisito de eficácia perante terceiros. Precedentes. Por essa razão, o prévio registro da penhora do bem constrito gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação (art. 659, § 4º, do CPC/73; art. 844 do CPC/2015). Presunção essa que também é aplicável à hipótese na qual o credor providenciou a averbação, à margem do registro, da pendência de ação de execução (art. 615-A, § 3º, do CPC/73; art. 828, § 4º, do CPC/2015). 6. Por outro lado, se o bem se sujeitar a registro e a penhora ou a ação de execução não tiver sido averbada no respectivo registro, tal circunstância não obsta, prima facie, o reconhecimento da fraude à execução. Nesse caso, entretanto, caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro; vale dizer, de que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo. Essa orientação é consolidada na jurisprudência deste Tribunal Superior e está cristalizada na Súmula 375 do STJ e no julgamento do Tema 243. 7. Desse modo, são pressupostos genéricos da fraude à execução: (i) processo judicial em curso em face do devedor/executado; (ii) registro, na matrícula do bem, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória ou, então, prova da má-fé do terceiro adquirente. 8. Em caso de alienações sucessivas, inicialmente, é notório que não se exige a pendência de processo em face do alienante do qual o atual proprietário adquiriu o imóvel. Tal exigência, em atenção aos ditames legais (art. 593 do CPC/73 e art. 792 do CPC/2015), deve ser observada exclusivamente em relação ao devedor que figura no polo passivo da ação de conhecimento ou de execução. É dizer, a litispendência é pressuposto a ser analisado exclusivamente com relação àquele que tem relação jurídica com o credor. 9. No que concerne ao requisito do registro da penhora ou da pendência de ação ou, então, da má-fé do adquirente, o reconhecimento da ineficácia da alienação originária, porque realizada em fraude à execução, não contamina, automaticamente, as alienações posteriores. Nessas situações, existindo registro da ação ou da penhora à margem da matrícula do bem imóvel alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Diversamente, se inexistente o registro do ato constritivo ou da ação, incumbe ao exequente/embargado a prova da má-fé do adquirente sucessivo. 10. No particular, o imóvel não foi adquirido pelos recorridos (embargantes) diretamente dos executados, mas sim de terceiro que o comprou destes. Embora tenha sido reconhecida a fraude na primeira alienação, isto é, dos executados ao adquirente primitivo, o quadro fático delineado na origem revela que a credora não havia procedido à averbação, na matrícula do imóvel, da pendência de execução, tampouco se desincumbiu de comprovar a má-fé dos adquirentes posteriores; isto é, de que eles tinham conhecimento da existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência. Não há que se falar, assim, em ineficácia da alienação subsequente. 11. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1863999/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021, grifos nossos)". Como se pode perceber, nesse caso de não averbação da execução na matrícula do imóvel, a fraude à execução somente pode ser reconhecida se restar comprovado que o terceiro adquirente agiu de má-fé, ou seja, que tinha conhecimento de que contra o alienante corria demanda capaz de reduzí-lo à insolvência. E mais, se houver alienações sucessivas, mas sem a averbação da existência da execução contra o primeiro alienante, aquele que quiser ver reconhecida a fraude à execução deve comprovar a má-fé de todos os adquirentes para se sejam declaradas ineficazes as alienações sucessivas. Tal decisão do Superior Tribunal de Justiça é digna de aplausos pois traz maior segurança jurídica no reconhecimento da fraude à execução e fornece parâmetros claros para que seja declarada a ineficácia da alienação em relação ao exequente.
O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil, e, em breve, será objeto do julgamento da ADI n. 5941 no STF, em cujos autos a PGR já se posicionou no sentido de que o artigo 139, IV, do CPC/15, deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. A questão já vem sendo enfrentada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, merecendo destaque o julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio". De forma similar, ressalta-se o julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o Ministro Moura Ribeiro: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes." Em 23/04/2019, na apreciação do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "A  adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se  a  existência  de  indícios  de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." Vale lembrar que Teresa Arruda Alvim1enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell2, ainda, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Neste contexto, ainda mais tendo-se em vista o próximo julgamento da ADI n. 5941, as recentes posições do STF sobre o tema são de enorme importância para a compreensão sobre os limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. Em 04/12/2020, em decisão proferida no HC 192.127/SC, o relator Ministro Edson Fachin julgou no sentido de que: "Não tenho dúvidas de afirmar que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias. No caso dos autos, a suspensão da carteira nacional de habilitação e apreensão do passaporte da paciente, como medidas de fazer cumprir decisão judicial, tomadas no âmbito de processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas, devem ser afastadas. A desproporcionalidade da utilização de medidas executivas atípicas pelos juízes com a intenção de forçar o executado a cumprir decisão judicial, apresenta-se evidente, considerando que a imposição de medidas restritivas de direitos fundamentais, para compelir à execução de dívidas pecuniárias, não se revela, como revela o caso dos autos, compatível com a Constituição da República de 1988".  Por sua vez, em 08/06/2021, ao apreciar o HC 199.767/ DF, o relator ministro Ricardo Lewandowski julgou no sentido de que: "A custódia do passaporte e da CNH, embora limite a possibilidade de o paciente realizar viagens internacionais e de dirigir veículo automotor, não restringe, necessariamente, sua liberdade de ir e vir". Nesse contexto, o julgamento da ADI n. 5941 será fundamental para o estabelecimento dos requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, almejando-se a sempre construir uma técnica de conformidade entre este dispositivo e os princípios presentes nos artigos 4, 6, 8 e 9 do CPC/15.   __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
Tema bastante controvertido é a condenação do Executado em Honorários Advocatícios no caso em que o débito é pago antes da citação na Execução Fiscal. Temos corrente que defende que nesse caso seriam devidos os honorários advocatícios eis que o devedor deu causa ao ajuizamento da Execução Fiscal, por não ter pago o débito antes do ajuizamento. De outro lado, temos os defensores de que antes da citação não se aperfeiçoa a triangulação da demanda, não sendo possível tal condenação. A discussão mostra-se importante, eis que praticamente 40% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. Se o tema não impacta as Execuções Fiscais que já incluem a cobrança automática do Encargo Legal, como as Federais1, ganha importância nas Execuções Fiscais promovidas por alguns Estados e por milhares de Municípios. E como não poderia deixar de ser, o tema mostra-se controvertido em nossa jurisprudência, eis que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que caberia o pagamento dos honorários, sendo que a 2ª Turma entende de forma diametralmente oposta, conforme se depreende dos seguintes recentes acórdãos: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. QUITAÇÃO DO DÉBITO, NA VIA ADMINISTRATIVA, APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, MAS ANTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Na origem, trata-se de Execução Fiscal objetivando a cobrança de débitos tributários municipais, integralmente quitados na esfera administrativa após o ajuizamento da demanda, mas antes da citação do devedor. Após requerimento da própria exequente, o feito foi extinto, nos termos do art. 924, inc. II, c/c o art. 925, ambos do CPC/2015, sem arbitramento de honorários advocatícios, sob o fundamento de que a aplicação da regra da causalidade demandaria a citação válida, o que foi mantido pelo Tribunal Estadual.  2. São devidos honorários advocatícios ao ente público, nos casos em que a execução fiscal tenha sido extinta em decorrência do pagamento extrajudicial do crédito tributário, ainda que efetuado antes da citação do contribuinte. 3. Isso, porque o pagamento extrajudicial do débito fiscal equivale ao reconhecimento da dívida executada e do pedido da execução, e, em homenagem ao princípio da causalidade, leva o executado a arcar com o adimplemento integral dos honorários advocatícios, por ter dado causa ao ajuizamento da ação, consoante previsto nos arts. 85, §§1°, 2° e 10 c/c art. 90 do CPC/2015.  4. Desta feita, ainda que ausente a triangulação da relação jurídica, o simples ajuizamento da execução implicou despesas para a Fazenda exequente, que provocou o Judiciário para cobrança de valores a ela devidos, após a lavratura do auto de infração por conta do inadimplemento do contribuinte. Logo, a Fazenda exequente não pode ser prejudicada pelo exercício de um direito legítimo, qual seja, a propositura da execução fiscal para cobrança de débito fiscal líquido e certo, sendo impositiva a aplicação do ônus de sucumbência ao executado que confessou, reconheceu e pagou o débito. Precedentes: AgInt no REsp 1.927.753/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/6/2021, DJe 1º/7/2021; AgInt no AgInt no REsp 1.425.138/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/8/2019, DJe 16/8/2019; AgInt no REsp 1.848.573/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 1º/6/2020, DJe 5/6/2020.  5. Recurso Especial do  MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que proceda ao arbitramento dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85 do CPC/2015." (REsp 1931060/PE, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 23/09/2021) "PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGOS 85, §1º, 312 E 318 DO CPC.RECURSO ESPECIAL. PAGAMENTO EM MOMENTO POSTERIOR AO AJUIZAMENTO E ANTERIOR À CITAÇÃO. NÃO CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA PARTE EXECUTADA EM HONORÁRIOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O Município de Jaboatão dos Guararapes - PE pretende a condenação da parte executada em honorários em decorrência do pagamento do débito em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, por aplicação dos §§ 1º e 10 do art. 85 do CPC. 2. Existência de precedentes antagônicos desta Segunda Turma acerca do tema em discussão. Necessidade de uniformização. Precedentes do STJ. 3 A interpretação dos parágrafos deve ser lida em consonância com o caput do art. 85, juntamente com os arts. 312 e 318, todos do CPC. 4. De acordo com a doutrina de Frederico Augusto Leopoldino Koehler, a condenação em honorários deve observar o princípio da causalidade em complementariedade ao princípio da sucumbência (Comentários ao art. 85. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. (Coords.) Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 155). 5. O art. 85, § 1º, do CPC, ao afirmar que os honorários são devidos para a execução resistida ou não resistida, quer dizer, em verdade - e conforme se depreende da leitura do caput do mesmo dispositivo -, que, quando existe a formação da relação jurídica processual entre exequente e executado, independentemente de apresentação de defesa em autor próprios ou apartados, existe a incidência honorários advocatícios. 6. Não cabimento de condenação em honorários da parte executada para pagamento do débito executado em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, em decorrência da leitura complementar dos princípios da sucumbência e da causalidade, e porque antes da citação não houve a triangularização da demanda. 7. Evidentemente, a causalidade impede também que a Fazenda Pública seja condenada em honorários pelo pagamento anterior à citação e após o ajuizamento, uma vez que, no momento da propositura da demanda, o débito inscrito estava ativo. Nesse caso, portanto, tem-se uma hipótese de ausência de responsabilidade pelo pagamento de honorários. 8. Registre-se, por fim, tratar o caso concreto de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Pública Municipal, na qual não há previsão de encargos da dívida ativa de forma automática, hipótese diversa da Fazenda Pública Federal, em que o art. 1º do Decreto-lei 1025/69 prevê a cobrança de 20% (vinte por cento) sobre o valor do crédito, montante esse que substitui a condenação em honorários de sucumbência. 9. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp 1927469/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 13/09/2021) O primeiro acordão se baseia no princípio da causalidade para demonstrar que o devedor, por não ter efetuado a tempo o pagamento da exação, ensejou o ajuizamento da Execução Fiscal. Logo, deve arcar com os honorários advocatícios. Já o acórdão da 2ª Turma entende que, nos termos do artigo 312 do CPC, a propositura da ação só produz efeitos em relação ao réu após a sua citação. Não tendo ocorrido a citação, não pode produzir efeitos e ensejar a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios. Sendo a Execução Fiscal nada mais que uma Execução de Título Extrajudicial, caso se entenda cabível a condenação em honorários na hipótese em estudo, deve ser aplicada a previsão constante no § 1º do artigo 827 do Código de Processo Civil: § 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade. Previsão genérica para todos os processos também é expressa no § 4º do artigo 90 do Código de Processo Civil: "§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade." Desse modo, a decisão intermediária de condenar em honorários pela metade do valor parece ser uma decisão equilibrada, pois não deixa de remunerar o Advogado que ajuizou a Execução Fiscal e todo o trabalho que foi despendido, entretanto, não acaba onerando excessivamente o Executado, que pagou espontaneamente o valor cobrado, mesmo antes de ser citado. Para a pacificação do tema, faz-se necessário que a Primeira Seção ou mesmo a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça examinem e pacifiquem o entendimento sobre a incidência ou não de honorários advocatícios em caso do pagamento administrativo do débito ocorrer antes da citação na Execução Fiscal. __________ 1 Art. 1º do decreto-lei 1025/69.
O cabimento do recurso de agravo, embora taxativamente prevista as hipóteses que desafiam referido recurso, previstas no art. 1.015 do CPC, cedeu espaço a interpretação do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), ao decidir a Corte Especial, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Nesse contexto, já tecemos breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros1 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição2, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência3, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas4, assim como arbitramento de honorários periciais5 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito6 sem prejuízo de (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução7 e, (viii) por fim, decisões prolatadas em ação de improbidade administrativa8. Recentemente a Primeira Turma do STJ firmou o entendimento do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação cabível contra decisão que verse sobre homologação de acordo judicial. Trata-se do julgamento do Recurso Especial n. 1817205/SC9, havido na data de 05/10/2021, cujo v. acórdão ainda será redigido. Para não deixa em aberto a curiosidade do leitor, a íntegra da sessão de julgamento pode ser acessada na internet.10 No voto condutor, o Ministro Gurgel de Faria fundamentou, em síntese, que a decisão que homologa ou rejeita a homologação de acordo judicial tem conteúdo de decisão interlocutória de mérito, a desafiar, portanto, o cabimento do recurso de agravo de instrumento, na forma prevista no art. 1.015, II, do CPC/2015. Ao que se extrai do entendimento supra citado, no perfil do CPC/2015, as decisões interlocutórias de mérito caracterizam-se pelo pronunciamento judicial que, apesar de não restar rotulado como "sentença"11, resolve parcialmente o âmago da controvérsia, sem encerrar o processo, a desafiar o cabimento da interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, II, do CPC). Logo, acaso seja homologado acordo judicial e encerrada a fase integralmente a cognitiva ou o processo de execução, o recurso cabível será de apelação (CPC/2015, arts. 203, § 1º e 1.009). Por sua vez, na hipótese de restar indeferido pedido de homologação de acordo, entendeu o STJ, pelo cabimento do recurso de agravo de instrumento, ex vi ao quanto disposto no art. 1.015, II, do CPC/2015, forte em prever o cabimento de referido recurso contra decisões interlocutórias que versem sobre "(...) mérito do processo." O curioso de referido julgado reside na premissa de que, muito embora a decisão que rejeita a homologação de acordo não tenha literal conteúdo de mérito ou impacto sobre este (pois desenquadrada das hipóteses previstas no art. 487, do CPC/2015)12, entendeu o STJ pelo cabimento do recurso de agravo. Logo, ao se seguir o silogismo de referido julgado, a despeito do legislador rotular, dentre as hipóteses de resolução de mérito, um ato positivo para caracterização de sua incidência, à exemplo do acolhimento da prescrição ou homologação de acordo (art. 487, II e III, "b"), quando o pronunciamento judicial indeferir a homologação do acordo ou, ainda, a rejeitar a alegação de prescrição, tal decisão será também impugnável por meio do recurso de agravo de instrumento. __________ 1 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 2 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 3 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos Especiais n. 1.707.066 e 1.717.213.  4 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2187603-32.2016.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.12.2016. 5 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2240960-87.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 3.4.2018. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. STJ, REsp n. 1682120/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.3.2019. Em verdade, referido entendimento emerge da literal redação do art. 1.015, parágrafo único, do CPC. 8 Disponível aqui. STJ, Resp n. 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 4.5.2021. 9 Primeira Turma do STJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, v.u., j. 5/10/2021. 10 Disponível aqui. Acesso aos 18.10.2021, julgamento do Resp n. 1817205/SC a partir do minuto 23:10. 11 Lembrando que o CPC/2015 define a sentença, em seu art. 203, como o "(...) pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução." 12 De sorte que a inteligência do art. 487, II, "b" do CPC/2015 reza uma das hipóteses de resolução de mérito o pronunciamento judicial que homologar a transação (e não a rejeição de sua homologação).
Nos dias 26 a 28 de setembro de 2021, aconteceram as XIII Jornadas de Direito Processual Civil e houve uma série de palestras dedicadas a homenagear o Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Na ocasião, tomei a liberdade de trazer como inspiração um artigo do saudoso professor que chegou ao meu conhecimento quando ainda estava no curso de graduação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Trata-se de "A garantia do contraditório", publicada em uma coletânea coordenada pelo meu então professor José Rogério Cruz e Tucci1. Nesse artigo, o autor aborda o tema da decisão que surpreende os litigantes em um processo por se apoiar "numa visão jurídica de que não se tenham apercebido"2. Afirma, categoricamente, que "o tribunal deve, portanto, dar conhecimento prévio de qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender o seu direito e influenciar a decisão judicial"3. Em outras palavras, mais de quinze anos antes da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), Carlos Alberto Alvaro de Oliveira já se manifestava contra a decisão-surpresa que é proibida hoje pelo art. 10 ("O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"), como decorrência do próprio princípio do contraditório insculpido no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Com efeito, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira critica com veemência a aplicação de dois aforismos sem a prévia observância do contraditório pelo juiz. Os aforismos são da mihi factum, dabo tibi ius e iura novitu cúria. Quanto ao primeiro (da mihi factum, dabo tibi ius), ele diz "(...) afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a aquisição ou o juízo sobre o fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exibe artificial a distinção entre fato e direito - porque no litígio fato e direito se interprenetram -, mas perde força sobretudo o tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato."4 No tocante ao segundo (iura novi curia), ele ensina "O mesmo sucede em relação ao aforismo iura novit curia, a impor ao juiz, na sua conceituação tradicional, conhecer o direito e investigá-lo de ofício, caso não o conheça, tornando-o também totalmente independente na sua aplicação dos pedidos e alegações das partes a respeito, permitindo-lhe extrair do material fático trazido pelas partes conclusões jurídicas não aportadas por elas nos autos"5. E continua, "todavia, nada obstante a liberdade desfrutada pelo órgão judicial nessa matéria, podem e devem as partes aportar a sua cooperação também quanto à valorização jurídica da realidade externa ao processo, investigação que hoje de modo nenhum pode constituir labuta exclusiva do órgão judicial".6 Lamentavelmente, o Superior Tribunal de Justiça, em pelo menos um julgado, deixa transparecer que o seu entendimento está bastante aquém da inteligência de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ACÓRDÃO QUE, EM APELAÇÃO, DECLAROU A INÉPCIA DA INICIAL. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO JURÍDICO DECORRENTE DE FATOS NOVOS. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA MANIFESTAÇÃO PRÉVIA. OFENSA AO ARTIGO 10 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com o argumento de que os réus, ora recorridos, são herdeiros de um vereador, já falecido, do município de Juramento, que, no exercício do cargo, recebeu indevidamente, no ano de 1991, a importância de R$ 8.026,82 (oito mil, vinte e seis reais e oitenta e dois centavos) atualizada até outubro de 2011. Como, na partilha dos bens deixados pelo falecido, cada um recebeu a importância de R$ 34.836,10 (trinta e quatro mil, oitocentos e trinta e seis reais e dez centavos), ficam obrigados a devolver o que foi recebido indevidamente pelo autor da herança, sob pena de enriquecimento ilícito. 2. A sentença julgou procedente o pedido. Por sua vez, o Tribunal de origem julgou "prejudicado o recurso voluntário, para cassar a sentença e, dar pela nulidade do processo desde o início, em face da inépcia da petição inicial, nos termos do art. 295, I, § único, I e II, do anterior ou art. 330, § 1°, I e III, do novo Código de Processo Civil." (grifos no original). 3. Cinge-se a controvérsia a discutir a violação do art. 10 do Código de Processo Civil, que veda a chamada "decisão-surpresa", pois, no entender da parte recorrente, o Tribunal a quo não poderia ter declarado a inépcia da inicial antes de ter-lhe facultado manifestar-se sobre esse fundamento legal, uma vez que a questão ainda não havia sido discutida nos autos. 4. O art. 10 do CPC/2015 deve ser interpretado cum grano salis e com uso da técnica hermenêutica não ampliativa, à luz do princípio da não surpresa. Nesse sentido, "a aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure." (AgInt no REsp 1.701.258/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 29.10.2018). (...)  (REsp 1781459/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 21/08/2020)" A Constituição Federal (art. 5º, LV) e a lei (CPC, art. 10) são evidentes no sentido de proibir que seja tomada uma decisão cujo fundamento não tenha sido objeto de conhecimento prévio das partes, ainda que exista autorização para se conhecer de ofício. No julgamento acima, o tribunal reconheceu a inépcia da petição inicial, sem que tivesse sido dada oportunidade para as partes se manifestarem sobre a questão. Ninguém duvida que o juiz ou desembargador possam fazer isso (reconhecer a inépcia de uma petição inicial). Mas o que não se pode fazer, é deixar de viabilizar o contraditório antes de se tomar tal decisão. Ou seja, é inaceitável negar para as partes a oportunidade de se manifestarem sobre a suposta inépcia da inicial antes que ela seja decretada. Veja-se, o aforismo iura novit curia não deixa de ser aplicado nesse caso. Apenas se dá às partes a oportunidade de influenciarem o juiz antes de ele tomar uma decisão baseada na lei que ele entendeu e anunciou ser aplicável ao processo. Ademais, não é só o interesse das partes que está em jogo, mas a própria credibilidade do Poder Judiciário. Como ensina Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, "a problemática não diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medica em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração da justiça" (grifos nossos).7 Talvez por isso a fé do cidadão na administração da justiça venha minguando a cada dia que passa e as palavras do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, apesar de terem sido lançadas no século passado, são tão atuais. __________ 1 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 132-150. 2 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 143. 3 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 143. 4 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 140. 5 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 141. 6 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 144. 7 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 144.
quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A citação por meio eletrônico

No último mês de agosto/21, entrou em vigor a lei 14.195/2021, a qual alterou diversas disposições do Código de Processo Civil ("CPC"), dentre elas a forma de citação nos processos judiciais. As novas previsões permitem que a citação ocorra de forma eletrônica, por e-mail (art. 246 do CPC). Com isso, tanto as empresas públicas como privadas devem manter cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do Conselho Nacional de Justiça, para garantir o recebimento de citações e intimações (art. 246, §1º, do CPC). A citação ocorrerá da seguinte maneira: (i) o juiz determinará a citação por meio eletrônico no prazo de 2 dias úteis, a contar da decisão; (ii) a pessoa jurídica, ao receber a citação com as devidas orientações no e-mail informado, terá até 3 dias úteis para confirmar seu recebimento; e (iii) o prazo do réu para apresentação de defesa começará no quinto dia útil seguinte à confirmação de recebimento da citação realizada por e-mail. Caso não ocorra a confirmação do recebimento da citação eletrônica no prazo estipulado, a citação será realizada por carta com aviso de recebimento, ou oficial de justiça, conforme previsto no CPC. Todavia, o réu, na primeira oportunidade em que se manifestar no processo, deve apresentar justificativa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica. Importante destacar que os artigos 77, inciso V e 246, §1º-C, do CPC, instituíram, como dever das partes e de seus procuradores, informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, sob pena de multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa, por ser o descumprimento deste dever considerado ato atentatório à dignidade da justiça. O artigo 238 do CPC enfatiza, ainda, que a citação deve ser efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação.  A 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2210378-65.2021.8.26.0000, considerou que: "Com as alterações promovidas recentemente pela Lei 14.195/2021 ao art. 246 do CPC/2015, a citação será feita  preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça, do que deflui a necessidade de expressa anuência, com a indicação do endereço eletrônico pelo citando, que deverá confirmar o recebimento, sob pena de realizar-se a citação pelos meios convencionais (art. 246, § 1º, CPC/2015)". Igual entendimento teve a 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2212821-86.2021.8.26.0000, afirmou que: "Assim sendo, seja pela atual redação do CPC, art. 246, seja pela normativa emanada do c. CNJ e do e. TJSP, a citação por meio eletrônico pressupõe indicação pelo citando de seu endereço eletrônico em bancos de dados ou convênio do Poder Judiciário". Todavia, apesar dessa passagem, o respectivo v. acórdão permitiu a citação por e-mail, diante das particularidades do caso concreto, por entender que: "No caso dos autos, o agravante alega que o coexecutado '(...) está em constante contato com o (...) por e-mail e WhatsApp, todos respondidos normalmente, inclusive tratando dos seus débitos e deste processo, pedindo documentos etc.' (fls. 8), tendo trazido para tanto cópia do email (...), em que ele enviou mensagem a prepostos do (...) em 23/06/2021 (fls. 9) e foi respondido em 23/07/2021 (fls. 9). Desse modo, por considerar que a parte se utiliza desta via para se comunicar com o Banco, tem-se como possível a citação do coexecutado (...)através do e-mail (...) indicado pelo agravante". A lei 14.195/2021, sem dúvida, seguindo o espírito das reformas do CPC/73 ocorridas nos anos 2000, busca prestigiar atos no formato eletrônico, visando-se conferir maior prestígio ao princípio da eficiência previsto no artigo 8º do CPC/15, em homenagem à almejada economia processual. Contudo, certamente dúvidas ocorrerão quanto à adequada implementação desse importante mecanismo de viabilização da citação, sendo certo que doutrina e jurisprudência terão a necessária missão de consolidar as mais adequadas interpretações processuais e constitucionais e sobre o tema em tela.   
Uma das inovações mais comemoradas pela Advocacia no Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis. Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis? Já tivemos oportunidade de abordar tal questão na coluna do dia 22/08/2019.1 Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida.2 O Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Esse também acabou sendo o entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça3. Dúvida surgiu nos operadores se no caso de cumprimento de sentenças de obrigação de fazer e não fazer, o prazo também deveria ser contado em dias úteis. O questionamento se mostra importante, pois nesses casos geralmente temos a fixação de multa diária e o cômputo em dias úteis ou corridos pode gerar uma grande diferença no valor da multa. Tendo em vista as premissas adotadas para o cômputo do prazo em dias úteis no caso de cumprimento de sentença para o pagamento de quantia, parece plenamente adequado que tal prazo também seja aplicável aos cumprimentos de sentença de obrigações de fazer e não fazer. Nesse sentido é o entendimento do professor Cássio Scarpinella Bueno: "Ainda que fixados em dias - e a prática forense mostra que este é o referencial mais comum -, sua contagem deve computar apenas os dias úteis, em função da dicotomia estabelecida pelo art. 219. Trata-se invariavelmente de prazo processual, porque o fazer e o não fazer que interessam ao exame dos arts. 536 e 537 são fruto de determinação - de verdadeira ordem - judicial. Não há como confundir essa realidade (processual) com a atitude a ser adotada pela parte no plano material para aquela observância, ainda que o comportamento ou a abstenção independa de participação de advogado ou, mais amplamente, de alguém munido de capacidade postulatória." Em recente acórdão, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis nos casos de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência. 2. Não se conhece do recurso especial quando a matéria impugnada no apelo não foi objeto de debate pelo acórdão recorrido e a parte interessada deixa de opor embargos de declaração para o suprimento dos vícios de fundamentação do julgado. No caso, não é possível examinar a suscitada afronta ao art. 537, § 4º, do CPC, haja vista a ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas 282/STF e 356/STF. 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a natureza do prazo fixado para o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, concluiu que "a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis" (REsp 1.708.348/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/8/2019). 4. A mesma ratio contida no precedente indicado acima deve ser aplicada ao presente caso, que diz respeito ao momento a partir do qual se considera que houve o descumprimento das obrigações de fazer constantes do título judicial. Ainda que a prestação de fazer seja ato a ser praticado pela parte, não se pode desconsiderar a natureza processual do prazo judicial fixado para o cumprimento da sentença, o que atrai a incidência da regra contida no art. 219 do CPC. 5. Tratando-se de instrumento de coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, a incidência da multa prevista no art. 536, § 1º, e 537 do CPC é consectário lógico do descumprimento da ordem judicial, não se confundindo com a postulação de direito material apresentada em juízo. Por isso, o cômputo do prazo estipulado em dias para a prática das prestações de fazer não destoa do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido." (g.n.) (REsp 1.778.885 - DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tais teses, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis para os cumprimentos de sentença, sejam de pagar quantia, sejam de fazer e não fazer, para que tenhamos a aplicação vinculante de tais entendimentos para a segurança jurídica de todos. __________ 1 Disponível aqui. 2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682. 3 REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019.
O STJ, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1333988/SP, sob o rito do então art. 543-C, do CPC/73, firmou a tese de que não caberia a incidência de astreinte em ação de exibição de documentos1, entendimento este cristalizado na inteligência da súmula 372 de referida corte superior: "na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação de multa cominatória"2. Em que pese o entendimento acima, os novéis arts. 139, IV e, 400, do CPC/2015 expressamente preveem: "Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: (...) Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398; II - a recusa for havida por ilegítima. Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". Aparente conflito entre a Súmula 372/STJ e a inteligência do art. 400 do CPC ensejou a proposta de afetação do recurso especial n. 1.763.463/MG (Tema n. 1.000), de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA COMINATÓRIA. TEMA 705/STJ. SUPERVENIÊNCIA NOVA DISCIPLINA DA MATÉRIA. ART. 400 DO CPC/2015. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE NOVA TESE. 1. Existência de tese firmada no julgamento do Tema 705/STJ, na vigência do CPC/1973, no sentido do "descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível". 2. Superveniência de nova disciplina legal da matéria no art. 400, p. u., do CPC/2015, que assim estatuiu: "sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". 3. Necessidade de novo enfrentamento da controvérsia com base no CPC/2015. 4. Delimitação da nova controvérsia: "cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015". 5. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/2015. (...) Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art.  257-C) e, por unanimidade, suspender a tramitação de processos em todo território nacional, conforme proposta do Sr. Ministro Relator, a fim de consolidar entendimento sobre a seguinte controvérsia:  cabimento ou  não de multa cominatória na exibição, incidental  ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015.  (ProAfR no REsp 1.763.462/MG e REsp 1777553/SP, Tema Repetitivo n. 1000, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 30.10.2018, DJe 06.11.2018) Pudemos analisar noutra oportunidade a decisão do STJ compelindo provedor de acesso a internet a fornecer dados visando a identificação de usuário, sem prejuízo de comentar o regime de afetação acima mencionado3. Também em texto de autoria do colega nesta coluna, Dr. Elias Marques de Medeiros Neto, foram tecidos comentários acerca da decisão do STJ em admitir, para desiderato semelhante de exibição de documento, o manejo tanto da (i) da ação autônoma de produção antecipada da prova, fundada nos arts. 381 a 396 do CPC, (ii) assim como semelhante providência poder se materializar por meio de simples pedido no bojo do procedimento comum, com base no art. 318 do CPC e Enunciados n. 119 e 129, da II Jornada de Direito Processual Civil4. E recentemente restou disponibilizado o v. acórdão de julgamento do tema n. 1.000 em sede de Recurso Especial Repetitivo pela Segunda Seção do STJ (Resp n. 1.777553/SP), acima referenciado, a fixar a seguinte tese e respectiva ementa de julgamento: "Para os fins repetitivos, foi aprovada a seguinte tese: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e do documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurado mediante contraditório prévio (art. 398, caput), poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa, com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.  RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 1000/STJ. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. COMINAÇÃO DE ASTREINTES NA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS REQUERIDA CONTRA A PARTE 'EX ADVERSA'. CABIMENTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. NECESSIDADE DE PRÉVIO JUÍZO DE PROBABILIDADE E DE PRÉVIA TENTATIVA DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA MEDIDA COERCITIVA. CASO CONCRETO. INSCRIÇÃO NEGATIVA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. PEDIDO AUTÔNOMO DE EXIBIÇÃO DO CONTRATO PERTINENTE À INSCRIÇÃO NEGATIVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL PELO JUÍZO DE ORIGEM. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE EXIBIÇÃO COM COMINAÇÃO DE ASTREINTES. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE PRÉVIO JUÍZO DE PROBABILIDADE E DE PRÉVIA TENTATIVA DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA MEDIDA COERCITIVA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. 1. Delimitação da controvérsia: exibição incidental ou autônoma de documentos requerida contra a parte 'ex adversa' em demanda de direito privado. 2. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015" (Tema 1000/STJ). 3. Caso concreto: 3.1. Controvérsia acerca da cominação de astreintes em ação autônoma de exibição ajuizada com o escopo de ter acesso ao contrato que teria dado origem a uma inscrição negativa em cadastro de inadimplentes. 3.2. Indeferimento da petição inicial pelo juízo de origem, tendo o Tribunal de origem reformado a sentença e, aplicando a teoria da causa madura, julgado procedente o pedido de exibição, com cominação de astreintes. 3.3. Descabimento da cominação de astreintes sem prévio juízo de probabilidade acerca da existência da relação jurídica e do documento, nos termos da tese firmada neste voto. 3.4. Necessidade de prévia tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, antes da cominação de astreintes. 3.5. Desconstituição da sentença e do acórdão recorrido para que seja retomado o curso da ação de exibição de documentos para possibilitar a aplicação da tese consolidada neste voto, como se entender de direito. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, EM PARTE". (STJ, Resp n. 1.777.533/SP, Segunda Seção, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 26.05.2021) O v. acórdão, composto de 72 folhas, merece destaque em alguns pontos do voto condutor: "(...) I - DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA A fim de delimitar a controvérsia, como bem pontuado pela FEBRABAN (fl. 333), observe-se que a exibição pode ser deduzida com base em um direito material à exibição (acaso existente), mediante ação autônoma, ou com base em um direito instrumental à exibição (para a obtenção de um meio de prova), por meio de um pedido incidental de exibição ou por meio da produção antecipada de provas. Sendo instrumental, a exibição pode ser requerida contra a parte ou contra terceiro. (...) IV - FUNÇÃO SOCIAL DO PROCESSO CIVIL E A VERDADE JUDICIAL (...) Tratando-se de prova essencial para a apuração da verdade dos fatos, caberia ao juiz lançar mão das medidas instrumentais previstas no parágrafo único do art. 400, pois, do contrário, uma sentença baseada apenas na presunção de veracidade poderia conduzir a uma decisão dissociada da realidade dos fatos subjacentes à demanda (conforme se possa inferir pelas outras provas e pelas alegações das partes). É a hipótese mencionada por TARUFFO, em que "jogo [processual] corre o risco de levar a decisões injustas". Tratando-se, contudo, de uma prova que possa ser suprida pela presunção de veracidade, sem prejuízo relevante para a apuração da verdade, não haveria necessidade de emprego das medidas instrumentais previstas no art. 400, p. u. do CPC/2015. Essa abordagem da função do processo civil (e suas implicações sobre a verdade judicial), permite uma visão simplificada da controvérsia ora afetada, contribuindo assim para o desenvolvimento dos demais pontos deste voto. (...) VII - COOPERAÇÃO, AMPLA DEFESA E NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO (...) É dizer, portanto que a adequada produção probatória é do interesse do processo, e não do interesse exclusivo das partes, podendo-se falar em um verdadeiro "dever" de colaboração com a produção probatória, não somente em "ônus" probatório, como defendia MOACYR AMARAL SANTOS, no trecho alhures transcrito, na vigência do CPC/1973. Conclui-se, portanto, que o direito de não produzir prova contra si mesmo se restringe à não autoincriminação em matéria penal, prevalecendo no âmbito do direito privado garantia da ampla defesa conjugada com o dever de cooperação das partes com a instrução probatória. (...) VIII - EFETIVIDADE DO PROCESSO (...) Sob perspectiva histórica, verifica-se que o avanço em termos de efetividade dos provimentos jurisdicionais serviu de norte para o novo codex, como bem apontou a DPU, de modo que esse norte interpretativo conduz ao entendimento de que a previsão do gênero "medidas coercitivas" no art. 400, p. u., também abrange a multa pecuniária, pois essa interpretação confere maior eficácia à ordem de exibição.   IX - AUSÊNCIA DE SILÊNCIO ELOQUENTE DO LEGISLADOR (...) Deveras, se a intenção do legislador fosse realmente excluir a aplicação de multa na exibição de documentos, nada seria pior em termos de técnica legislativa do que empregar redação idêntica à do art. 139, inciso IV, pois, numa interpretação gramatical, o intérprete seria levado a concluir que o gênero "medidas coercitivas" abrange necessariamente a multa cominatória, como bem sustentou o IBDP. Efetivamente, a boa técnica legislativa recomendaria, nesse caso, excluir expressamente a possibilidade de aplicação de multa, para não restar dúvida acerca da exclusão dessa espécie de medida coercitiva, apesar da previsão do gênero que a abarca. Com esses fundamentos, pode-se concluir que a norma do art. 400, p. u., ao contrário de um silêncio eloquente, contém, na verdade, uma previsão implícita de multa cominatória, contida no gênero "medidas coercitivas". Na verdade, não se trata de silêncio eloquente do artigo 400, mas sim de excesso de zelo do legislador no artigo 403 ao ressaltar a possibilidade de incidência de multa em desfavor de um terceiro estranho à relação processual, já que, em relação às partes, a aplicação dessa medida coercitiva é natural. (...) XI - DA "INDÚSTRIA" DA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS Em tempos de demandas de massa, não se pode ignorar a possibilidade de uma tese favorável à cominação de astreintes estimular uma indústria de ações de exibição, visando proveito econômico com as astreintes, como bem apontou a FEBRABAN. Contudo, além de ser mera conjetura, essa possibilidade tem sido cada vez mais restringida pela jurisprudência desta Corte Superior, que, por meio de uma releitura do interesse processual, tem exigido do autor do pedido de exibição, por exemplo, a prévia apresentação de requerimento na via administrativa e o pagamento do custo do serviço. Nesse sentido, mencionem-se as seguintes teses firmadas segundo o rito dos recursos especiais repetitivos: Tema 42/STJ - Falta ao autor interesse de agir para a ação em que postula a obtenção de documentos com dados societários, se não logra demonstrar haver apresentado requerimento formal à ré nesse sentido. Tema 43/STJ - A comprovação do pagamento do 'custo do serviço' referente ao fornecimento de certidão de assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima. Tema 648/STJ - A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária. Também se encontra na jurisprudência desta Corte entendimento pela condenação da parte autora aos encargos da sucumbência, com base no princípio da causalidade, na hipótese de ausência de oposição do réu à exibição de documentos. (...) XII - PROPOSTA DE TESE (...) A partir de então, os votos convergiram para a tese proposta pelo Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, com ligeira alteração de redação, tendo este relator realinhado o voto, sendo ao final proclamada a tese abaixo descrita: Tema 1000/STJ - Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015. Cabe esclarecer que essa tese não se aplica pedidos de exibição regidos pelo CPC/1973, aos quais continuam aplicáveis os Temas 47, 149 e 705/STJ. (...)" Portanto, depreende-se da tese n. 1.000, fixada em sede de recurso especial repetitivo, (i) a possibilidade de requerimento de exibição de documento ou coisa em face da parte ou de terceiro5, (ii) o asseguramento de contraditório prévio ao réu ou terceiro (em especial para esclarecer em juízo quanto a posse do documento ou coisa ou vedação legal para sua exibição6), (iii) a cognição exercida pelo magistrado concluir pela existência de relação jurídica havida entre a parte ou terceiro demandado para exibição do documento ou coisa, assim como refutar as alegações trazidas e destinadas a não exibição do documento ou coisa e, (iv) a cominação de multa (astreinte) em caráter subsidiário, após esgotada tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva7 que não tenha atingido o desiderato pretendido, o que implica na revogação das súmulas 372 e 705, do STJ. Caberá aos órgãos fracionários e de primeiro grau a aplicação da tese supracitada, observados os contornos e limites definidos pela Segunda Seção do STJ. Espera-se, mediante o julgamento acima, o fim da controvérsia ligada ao cabimento de multa quando formulado pedido de exibição de documento ou coisa (seja de forma incidental ou mediante ação autônoma), a se prestigiar o entendimento recentemente cristalizado. __________ 1 RECURSO ESPECIAL  REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.  CADERNETA DE POUPANÇA.  CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.  EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. 1.  Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 1.2.  "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada." 2.  Caso concreto:  Exclusão das astreintes. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO."  REsp 1333988/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Paulo de tarso Sanseverino, DJe 11.04.2014. 2 Em sentido semelhante é o teor da Súmula n. 705, do STJ: "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Que, conforme referenciado no julgamento do Resp. n. 1.774.987/SP, pode ser manejado tanto por pedido incidental nos autos, quanto por meio de ação autônoma de produção antecipada da prova (arts. 381 e 396 e seguintes, do CPC). 6 Mormente em situações em que o direito material impõe a observância de preservação de sigilo e confidencialidade ou proteção a dados confidenciais. 7 Entende-se que seriam as medidas atípicas disciplinadas no art. 139, IV, do CPC. 
Pergunta clássica formulada desde os bancos da faculdade é: quem é o responsável pela concessão de uma tutela de urgência caso a decisão que a concedeu seja revogada? Trata-se pergunta bastante pertinente até os dias atuais. Como se sabe, o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (CF), estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (grifos nossos). Em razão dessa palavra "ameaça" é que o Código de Processo Civil (CPC) permite que o juiz, mesmo não tendo certeza de que autor de um pedido de tutela de urgência esteja com a razão, defira o que está sendo requerido com base apenas na probabilidade do direito e no perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300, caput). Tal permissão existe no CPC justamente para se evitar que uma ameaça a um direito se transforme em lesão, dando concretude ao mandamento constitucional de que o Poder Judiciário deve agir, mesmo na hipótese de ainda não haver uma lesão a determinado direito, desde que se configure a ameaça. Não há dúvida de que uma decisão judicial, proferida com base em um juízo de probabilidade da existência de um direito que corre o perigo de ser lesado, possa, no futuro, se mostrar totalmente equivocada. Afinal, "errar é humano" e a "pressa é inimiga da perfeição". Daí a pergunta que se apresenta bastante pertinente: quem arcará com o prejuízo de uma decisão rápida tomada com base em probabilidades? O juiz? O Estado? Aquele que se beneficiou da decisão? Ou, ainda, aquele que foi prejudicado pela decisão tomada com base em probabilidades? Como se verá adiante, em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, ficou com a última hipótese, ou seja, decidiu que aquele que foi prejudicado pela concessão de uma tutela de urgência que depois foi revogada deve amargar o prejuízo que sofreu para sempre. Tal decisão, que será mencionada abaixo, chama a atenção porque não é exatamente essa a solução que o art. 302, do Código de Processo Civil dá para hipóteses parecidas. Confira-se: "Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível." A regra geral insculpida no art. 302, do CPC, portanto, é a de que a responsabilidade pela concessão da tutela de urgência é de quem a pediu, caso aconteça alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do referido dispositivo legal. No Código de Processo Civil anterior (CPC/1973), não era diferente, conforme estabelecido pelo art. 811, in verbis: Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código; IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810). A doutrina, à luz dos dispositivos acima, divergia. Parte afirmava que a responsabilidade é objetiva e do autor do pedido de tutela de urgência, que assume o risco de ter que recompor as partes ao status quo anterior à concessão da medida, caso ela seja tornada sem efeitos. Veja-se, a propósito, o que afirmava Tércio Chiavassa: "A responsabilidade processual da parte que executa a tutela de urgência é objetiva. O risco, portanto, é inerente ao poder que a parte possui contra o Estado de exigir do Judiciário a concessão de execução daquela tutela pretendida, quando presentes os pressupostos" (CHIAVASSA, Tércio. "Tutelas de urgência cassadas: a recomposição do dano", São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 301). Já Lúcio Palma da Fonseca, em monografia sobre o tema entendia que a responsabilidade do autor não poderia ser objetiva, mas sim subjetiva. Ou seja, o autor do pedido de tutela de urgência somente poderia ser responsabilizado em caso de comprovada má-fé, culpa ou dolo. Confira-se: "Quanto à responsabilidade civil do autor, pensamos ser subjetiva, devendo restar provado nos autos conduta incompatível, de má-fé, culpa ou dolo. Não é o caso, pois, de responsabilidade objetiva como sustentam alguns autores, em razão de ausência expressa nesse sentido como ocorre na norma do art. 811 do CPC, muito embora o art. 273 do CPC faça remissão genérica ao art. 588 do mesmo diploma legal" (FONSECA, Lúcio Palma da. "Tutela cautelar: responsabilidade civil pelo manejo das liminares". Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 186). Prevalecia, entretanto, a posição apontada por Cassio Scarpinella Bueno, segundo o qual: "A doutrina é uniforme no entendimento de que a responsabilidade prevista no dispositivo é objetiva, não subjetiva, razão pela qual o dever de o beneficiário da 'medida cautelar' responsabilizar-se pelos danos que causou com a medida independentemente de culpa sua. É mister, contudo, a demonstração de danos (materiais ou morais) e de que eles provêm da medida jurisdicional tal qual concedida e, se for o caso, cumprida, isto é, de seu nexo causal" (BUENO, Cassio Scarpinella. "Curso sistematizado de direito processual civil". V. 4. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 179). Na vigência do Código de Processo Civil atual, a doutrina também continua entendendo que tal responsabilidade é objetiva, conforme ensinam João Batista Lopes e Carlos Augusto de Assis, ao tratarem da tutela cautelar e da tutela antecipada, respectivamente: "O entendimento predominante é no sentido de que se cuida de responsabilidade objetiva. É que, ao acionar a máquina judiciária, o autor assume o risco decorrente do exercício da ação e, assim, pela teoria da causalidade, deve responder pelos prejuízos causados, independentemente de sua culpa" (LOPES, João Batista; ASSIS, Carlos Augusto de. "Tutela provisória: tutela antecipada, tutela cautelar, tutela da evidência, tutela inibitória antecipada". Brasília: Gazeta Jurídica, 2018. p. 108). (...) "O novo Código, ao unificar o tratamento dado à tutela de urgência, deixou expresso algo que a doutrina já defendia durante a vigência do Código anterior: a aplicação do mesmo regime de responsabilidade do requerente pelos danos causados pela efetivação da tutela de urgência que tinha sido posteriormente revogada" (ASSIS, Carlos Augusto de; LOPES, João Batista. "Tutela provisória: tutela antecipada, tutela cautelar, tutela da evidência, tutela inibitória antecipada". Brasília: Gazeta Jurídica, 2018. p. 155). Porém, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o autor de um pedido de antecipação de tutela, que posteriormente foi tornada sem efeito, não deveria indenizar a parte contrária, porque agiu de boa-fé. Em outras palavras, levou em consideração a conduta do autor do pedido, tornando, portanto, subjetiva a atribuição de responsabilidade pela concessão da tutela de urgência. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SERVIÇO DE HOMECARE. TUTELA DEFERIDA. PACIENTE PORTADORA DE MAL DE ALZHEIMER. MORTE DA AUTORA NO DECORRER DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS EX TUNC. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS COM FÁRMACOS, ALIMENTAÇÃO E MATERIAIS HOSPITALARES. DESCABIMENTO. BOA-FÉ DA DEMANDADA EVIDENCIADA. 1. O cerne da controvérsia situa-se em torno do pedido de restituição dos gastos suportados para o cumprimento da decisão interlocutória concessiva da tutela provisória à parte autora, tendo em vista a posterior revogação da medida quando da prolação da respectiva sentença. 2. Em relação aos benefícios previdenciários complementares, o posicionamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que há direito à devolução dos valores percebidos, em razão da revogação da antecipação dos efeitos da tutela pela sentença de mérito. 3. Entretanto, a repetibilidade da verba recebida, com base em antecipação de tutela, deve ser examinada sob o prisma da boa-fé objetiva. 4. Consoante destacado pelo acórdão recorrido, na hipótese dos autos, não há evidência de conduta contrária à boa-fé na postura da paciente falecida ou de sua família. 5. A revogação da antecipação de tutela não decorreu da inexistência do direito da postulante, tendo o processo sido extinto apenas em razão da morte da demandante e a inexistência de conteúdo condenatório que aproveitasse aos herdeiros da requerente, pois o objeto da demanda era apenas a concessão de assistência à saúde em favor da paciente falecida. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. (REsp 1725736/CE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 21/05/2021, grifos nossos)". Note-se que nunca se questionou a licitude dos atos do requerente da tutela de urgência para estabelecer a sua responsabilidade, caso a decisão que a conceda perca os seus efeitos. Algo que é requerido de acordo com a lei e determinada a sua execução pelo Poder Judiciário não é ilícito. A responsabilidade, no caso, sempre foi estabelecida com base no risco consciente que o autor do pedido de tutela de urgência corre ao pedí-la. Trata-se de risco sabido pelo autor do pedido de urgência porque não pode alegar ignorância do teor do art. 302, sobretudo do seu inciso III, que prescreve ser sua responsabilidade indenizar caso ocorra "a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal" (grifo nosso). O entendimento apresentado pela Terceira Turma do STJ, com o devido respeito, parece retroceder ao que estabelecia o Código de Processo Civil de 1939 (instituído pelo decreto-lei 1.608, de 18 de setembro de 1939). Nesse antigo diploma legal, em seu Livro V, tratava dos processos que denominava de acessórios e, em seu Título I, dispunha sobre as "medidas preventivas". Lá no art. 688, parágrafo único, estava estabelecido o seguinte: "Art. 688. A responsabilidade do vencido regular-se-á pelos arts. 63 e 64. Parágrafo único. A parte que, maliciosamente ou por erro grosseiro, promover medida preventiva, responderá também pelo prejuízo que causar" (grifos nossos). Em conclusão, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp 1.725.736/CE, retornou ao Código de Processo Civil de 1939 (art. 688, parágrafo único), ignorando a evolução legislativa do Código de Processo Civil de 1973 (art. 811) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 302), sem mencionar décadas de jurisprudência e doutrina, que estabelecem a responsabilidade objetiva daquele que pede uma tutela de urgência, em razão do risco, sobretudo aquele hospedado no inciso III do art. 302, do CPC atual.
A execução, no Brasil, é um fator de forte preocupação para se alcançar o almejado patamar de efetividade processual idealizado pelo legislador no artigo 4 do CPC/15. Nos índices apresentados pelo Justiça em Números do CNJ, existem mais de "79 milhões de demandas em tramitação, das quais nada menos do que 42,81 milhões são de natureza executiva fiscal, civil e cumprimento de sentenças, equivalente a 54,2% de todo o acervo do Poder Judiciário (...) Os dados do CNJ ainda indicam que apenas 14,9% desses processos de execução atingem a satisfação do crédito perseguido, enquanto a taxa de congestionamento é de 85,1%, ou seja, de cada 100 processos de execução que tramitavam em 2018, somente 14,9 obtiveram baixa definitiva nos mapas estatísticos."1 No levantamento mais recente, reconheceu-se que uma grande causa dos alarmantes números de execuções pendentes é a falta de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente. Ademais, as dívidas chegam ao judiciário após esgotados os meios de cobrança administrativos - daí a difícil recuperação."2 Neste cenário, conforme já tivemos a oportunidade de defender3, um procedimento de busca antecipada de bens do devedor seria um forte aliado nessa cruzada contra a falta de efetividade e eficiência na implementação dos atos executivos. O tema também traça interessante comunicação com as previsões do CPC/15 que estipulam medidas de reforço à efetividade e à cooperação processual, tais como a medida antecipada de provas sem o requisito da urgência, conforme previsto no artigo 381 do CPC/15. O foco, portanto, é demonstrar que seria possível, no Brasil, implementar medida antecipada, sem a necessidade de demonstração de urgência, que possa autorizar o credor a obter informações patrimoniais do devedor, de modo a que se possa decidir, posteriormente, se faz sentido e/ou se há utilidade em ingressar - ou não - com a competente e posterior execução. E o recente julgamento da Apelação n. 1024263-54.2015.8.26.0196, pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, tendo sido relator o Desembargador Fabio Tabosa, reforça a necessidade de reforma do CPC/15, com a previsão expressa de um procedimento de busca antecipada de bens do devedor; notadamente na medida em que o Tribunal de Justiça, naquele julgamento, afastou a possibilidade de manejo do artigo 381 do CPC/15 para providências de localização prévia do patrimônio do devedor: "Processual. Propriedade industrial. Ação cautelar de produção antecipada de provas, ajuizada em caráter preparatório por sociedade empresária que se diz vítima de atos de contrafação praticados pelos réus. Pretensão de providências voltadas à pesquisa de patrimônio em nome dos réus. Medida que nada tem a ver com antecipação probatória, propriamente dita, nos moldes disciplinados no art. 381 do CPC/2015 ou no art. 846 do CPC/73. Inexistência de interesse na obtenção de elementos probatórios capazes de viabilizar composição ou contribuir para a conservação de informações relevantes a futura decisão de mérito. Objeto da autora projetado, na verdade, para futura execução, tendo escopo de conservação patrimonial no tocante aos réus, demandando providências específicas em tal sentido. Falta de interesse de agir efetivamente configurada. Sentença de indeferimento da petição inicial confirmada. Apelação da autora desprovida. (TJSP, Apelação n. 1024263-54.2015.8.26.0196, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Fabio Tabosa)" Desse modo, apesar de ser defensável a genial união do artigo 381 do CPC com providências de localização do devedor e dos seus bens, tais como as previstas no artigo 772, III, do CPC/15, inegável é que o julgado do TJSP já indica que haveria polêmicas nos tribunais quanto à implementação de um procedimento de busca antecipada de bens sem que haja expressa previsão no CPC/15 com tal norte. Para tanto, vale realçar que o artigo 772 do CPC/15 reforça o dever do juiz de determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável4. O magistrado poderia antecipar as providências do já vigente artigo 772 do CPC/15, em respeito aos vetores do artigo 6º do CPC/15, e promover, antes da efetiva execução, as providências de auxilio ao credor quanto à busca de bens futuramente penhoráveis do devedor. Vale reforçar que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell5,para quem "deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".  E, seguindo o exemplo do legislador quanto à medida de antecipação de prova, sem o requisito da urgência, com o intuito de se evitarem demandas judiciais infrutíferas, seria possível prever que o credor, em requerimento judicial prévio ao início da ação de execução (artigo 824 do CPC/15) e/ou ao início da fase de cumprimento de sentença (artigo 523 do CPC/15), demonstrando ser titular de um crédito líquido, certo e exigível, bem como demonstrando deter título executivo extrajudicial e/ou judicial, possa formular pedido para que o magistrado: (i) expedisse ofícios a órgãos públicos com vistas a obter informações sobre quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor; e (ii) citasse ou intimasse o devedor para que este pudesse indicar quais são e onde se encontram os seus bens penhoráveis. O magistrado, após verificar a presença dos requisitos legais, em decisão devidamente fundamentada, poderia autorizar a expedição dos ofícios e/ou citar/intimar o devedor para os fins dos artigos 772 e 774 do CPC/15. E com as informações nos autos, o credor poderia formular a indicação de bens a serem penhorados de maneira mais precisa e logo no início da execução; bem como o magistrado poderia verificar como a execução deveria seguir de forma mais equilibrada, já que teria noção exata de quais seriam os bens do devedor que poderiam garantir eficazmente o pagamento da dívida. E, por outro lado, caso inexistissem bens penhoráveis, o credor desde logo teria esta informação, evitando-se o início de uma execução totalmente infrutífera. É claro que o modelo de antecipação das providências do artigo 772 do CPC/15 ora proposto, ainda que inspirado no artigo 381 do CPC/15, deve ser rigorosamente previsto no código de processo civil ou em lei própria, até para que se evitem excessos ou inseguranças quanto ao procedimento. O magistrado, ao antecipar as providências do artigo 772 do CPC/15, indubitavelmente estará garantindo o melhor custo e benefício para os futuros atos processuais nos procedimentos de execução, evitando-se medidas sem resultado econômico algum. No mais, em linha com o artigo 6º do CPC/15, antecipar as providências do artigo 772 do CPC/15, em uma postura mais cooperativa do Poder Judiciário na busca e localização de bens do devedor, seria um fator de contribuição para a melhor efetividade e eficiência do processo de execução no Brasil. O legislador brasileiro, para tanto, precisa prever a possibilidade de antecipação das providências do artigo 772 do CPC/15. Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa6, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell7  já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor". É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera; não importando quantas medidas atípicas o magistrado defira em favor do credor. Ao saber que o devedor não tem bens penhoráveis, o credor já poderá requerer providências voltadas à declaração de insolvência e/ou falência, bem como poderá se valer dos eventuais benefícios fiscais decorrentes do prejuízo comprovado. Por outro lado, ao saber quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor e o magistrado já poderão se posicionar, de forma mais eficiente, para as providências de expropriação do patrimônio daquele que deve.   Daí a crucial e relevante necessidade da antecipação das providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15, permitindo-se ao credor visualizar o patrimônio do devedor previamente à medida judicial executiva, de tal sorte a se concluir se fará sentido - ou não - o início de execução contra aquele devedor. Ademais, como já dito acima, medidas de uniformização de dados sobre as execuções no Brasil, tal qual ocorre em Portugal com a lista pública de execuções frustradas e com o registro informático de execuções, também poderiam muito contribuir para esta prévia análise sobre a eficiência da execução pretendida pelo credor.  Dúvidas podem ser levantadas quanto ao requisito para esse idealizado procedimento judicial de busca antecipada de bens do devedor. Primeiro, seria necessária uma alteração legislativa que autorizasse expressamente o credor a requerer ao magistrado que, nos moldes do procedimento do artigo 381 do CPC/15, e independentemente da prova de urgência, antecipe as providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15 para fase anterior ao efetivo início do cumprimento de sentença ou ajuizamento da ação de execução.   Para tanto, o requisito básico a ser cumprido pelo credor seria a demonstração de que detém título executivo judicial e/ou extrajudicial que comprove, prima facie, que o devedor lhe deve quantia líquida, certa e exigível. Sendo assim, o credor deveria demonstrar ao magistrado que detém um dos títulos elencados nos artigos 515 e 784 do CPC/15, de modo a requerer a antecipação de providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15. Outra pergunta que naturalmente surge é se a antecipação das providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15 deve se dar com o conhecimento e participação do devedor, ou se deve ocorrer sem a sua prévia ciência. Quanto à providência do artigo 774, V, do CPC/15, é inevitável a participação do devedor, visto que será citado/intimado para fins de indicação de onde estão e quais são os seus bens penhoráveis; sob pena de incidência da sanção prevista no parágrafo único do mesmo artigo. Quanto ao artigo 772, III, do CPC/15, dentro do espírito do amplo contraditório e do respeito ao devido processo legal, nos termos dos artigos 9 e 10 do CPC/15, o devedor, após a determinação do magistrado quanto à expedição de ofícios, poderia ser citado/intimado para fins de participar do procedimento iniciado pelo credor; podendo demonstrar sua impertinência (em caso de manifesta ausência de título executivo), e/ou simplesmente acompanhar o desenrolar do rito, e/ou adiantar-se às providências judiciais e, dentro do espírito da cooperação, já juntar aos autos as informações patrimoniais necessárias. A ciência do devedor quanto à iniciativa do credor não deve prejudicar o resultado útil do procedimento aqui idealizado, na medida em que o magistrado terá acesso às informações do devedor registradas em órgãos oficiais, de modo que qualquer movimento repentino no patrimônio do devedor será fácil e posteriormente verificado; podendo este último ser punido com sanção pecuniária, além da possível decretação de ineficácia quanto à movimentação fraudulenta do patrimônio. O direito ao contraditório é um dos princípios constitucionais que compõem o devido processo legal, de modo que o procedimento ora idealizado não poderia se desenvolver sem a participação do devedor (inciso LV do art. 5º da CF de 1988)8. A garantia do contraditório na execução é muito bem lembrada por Cândido Rangel Dinamarco9: "E, como esta é a instrumentação jurídica da exigência política do contraditório, conclui-se que tal garantia constitucional se faz presente no processo de execução, sem ser limitada ao cognitivo. Sem isso, não seria possível estabelecer o indispensável equilíbrio entre a exigência de satisfação do credor e a de respeito ao devedor e seu patrimônio". O direito do devedor de participar do procedimento, como já afirmado acima, poderia consistir na demonstração de que o credor não detém título executivo ou no simples acompanhamento das providências antecipadas do artigo 772, III, do CPC/15 ou na atuação mais cooperativa, com a demonstração de onde estão e quais são os bens passíveis de penhora, em evidente postura colaborativa (artigo 774, V, do CPC/15). Com as informações nos autos, o credor poderá formular a indicação de bens a serem penhorados de maneira mais precisa e logo no início da execução; bem como o magistrado poderá verificar como a execução deve seguir de forma mais equilibrada, já que terá noção exata de quais são os bens do devedor que podem garantir eficazmente o pagamento da dívida. E, por outro lado, caso inexistam bens penhoráveis, o credor desde logo terá esta informação, evitando-se o início de uma execução totalmente infrutífera. Apenas com o intuito de esboçar o procedimento ora idealizado, imagina-se uma proposta de reforma do CPC/15 com a inserção de parágrafos no artigo 772, na seguinte linha: Art. 772.  O juiz pode, em qualquer momento do processo: I - ordenar o comparecimento das partes; II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça; III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável. Parágrafo primeiro: o credor, detentor de título executivo extrajudicial (art. 784), demonstrando ser titular de crédito referente à obrigação líquida, certa e exigível inadimplida pelo devedor (art. 786), previamente ao efetivo ajuizamento da execução (art. 798), e independentemente da demonstração de perigo de dano, pode requerer que o juiz determine as providências previstas no inciso III. Parágrafo segundo: é competente para o procedimento do parágrafo primeiro o juiz que será competente para apreciar a futura ação de execução, nos termos do art. 781. Parágrafo terceiro: após o exame do requerimento do credor, e uma vez presentes os requisitos previstos no parágrafo primeiro, o juiz determinará que sujeitos indicados pelo credor, dentro do prazo fixado pelo juiz, forneçam informações quanto aos bens de titularidade do devedor que possam ser objeto de penhora na execução a ser distribuída pelo credor. Parágrafo quarto: após deferir as providências do inciso III, nos termos do parágrafo terceiro anterior, o juiz determinará que o devedor seja citado para indicar nos autos, no prazo de 5 (cinco) dias, quais são e onde estão os bens sujeitos à futura penhora e os respectivos valores, sob pena de aplicação da multa prevista no parágrafo único do art. 774. Parágrafo quinto: o devedor, uma vez citado, poderá se opor ao procedimento iniciado pelo credor, conforme previsão do art. 803, parágrafo único, demonstrando, no prazo de 5 (cinco) dias, que o credor não detém título executivo que consubstancie obrigação liquida, certa e exigível. Parágrafo sexto: uma vez cumpridas as providências do inciso III e do art. 774, V, com a indicação nos autos de quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor poderá ajuizar ação de execução, observando os requisitos do art. 798. Parágrafo sétimo: para o caso de inexistirem bens penhoráveis do devedor, o juiz determinará a expedição em favor do credor de certidão comprobatória de inexistência de bens penhoráveis do devedor, para os devidos fins e efeitos de direito. Parágrafo oitavo: o Conselho Nacional de Justiça providenciará, no prazo de até 1 (hum) ano, a consolidação de banco de dados, de acesso público, que possa indicar quais são as execuções que tramitaram e/ou tramitam contra determinado devedor, com apontamento de quais bens já foram penhorados e se as execuções pretéritas foram extintas com pagamento total ou parcial da dívida ou se estão arquivadas em razão de falta de bens penhoráveis do devedor. Parágrafo nono: o banco de dados de que trata o parágrafo oitavo também registrará os casos em quem foram emitidas em favor do credor as certidões previstas no parágrafo sétimo. Parágrafo décimo: aplica-se o disposto nos parágrafos acima ao procedimento de cumprimento de sentença, nos termos do art. 771. Dentro da lógica do princípio da eficiência e do princípio da cooperação, e sempre na busca da maior efetividade do processo, é defensável sustentar alteração legislativa no sentido de garantir o acesso prévio às informações patrimoniais do devedor. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. No mesmo sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1228. 5 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183.  6 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25. 7 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392.  8 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. 8ª. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 60. 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 176.
A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à Justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as Defensorias de todos os Estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa. No desempenho de suas funções, o Defensor Público tem asseguradas pela Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC nº 80/94), em seu artigo 44, várias prerrogativas processuais. Já o Código de Processo Civil garante à Defensoria Pública o prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais (art. 186), bem como a intimação pessoal do defensor público (art. 186, § 1º) e da parte patrocinada pela Defensoria, quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada (art. 186, § 2º). Já o § 3º, do artigo 186 do CPC, assegura aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita, mas que tenham convênios com a Defensoria Pública a contagem do prazo em dobro em suas manifestações processuais. Dúvida surge quanto à aplicação da intimação pessoal do advogado que atua na Assistência Judiciária por meio de convênio (§ 1º) e da própria parte assistida (§ 2º), eis que o parágrafo terceiro só estende a prerrogativa do prazo em dobro às entidades que mantêm convênio com a Defensoria Pública1. Parece claro que a não extensão da intimação pessoal do advogado e da parte assistida a todos que efetivamente realizem Assistência Judiciária ocasiona um desequilíbrio processual capaz de afetar normas processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa2. O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a Prerrogativa da Intimação Pessoal da Parte conferida pelo artigo 186, § 2º, do CPC deve ser estendida aos casos em que a assistência se dá via Defensores Dativos: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 186, §2º, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE RAZÃO JURÍDICA PLAUSÍVEL PARA TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O DEFENSOR DATIVO NA HIPÓTESES. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO, DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES E EXCESSO DE CAUSAS, QUE JUSTIFICARAM A EDIÇÃO DA REGRA, QUE SÃO EXPERIMENTADOS POR AMBOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL E RESTRITIVA QUE ACARRETARIA NOTÓRIO PREJUÍZO AO ASSISTIDO QUE A LEI PRETENDEU TUTELAR, COM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA. EXIGÊNCIA DE QUE HAJA PROVIDÊNCIA A SER POR ELA REALIZADA OU INFORMAÇÃO A SER POR ELA PRESTADA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER CONTRA A SENTENÇA PARCIALMENTE DESFAVORÁVEL AO ASSISTIDO. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ASSISTIDO. MANDATO COM PODERES GERAIS DA CLÁUSULA AD JUDICIA. AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS NECESSÁRIOS À DEFESA DO ASSISTIDO, INCLUSIVE RECORRER. 1- O propósito recursal é definir se é admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública, de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos para o deferimento da intimação pessoal da parte assistida. 2- A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, §2º e §3º, do CPC/15, autorizaria a conclusão de apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada. 3- Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica. 4- Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça aqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/15, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo. 5- É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível. 6- A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria. 7- Segundo o art. 186, §2º, do CPC/15, a intimação pessoal da parte assistida pressupõe uma providência que apenas por ela possa ser realizada ou uma informação que somente por ela possa ser prestada, como, por exemplo, indicar as testemunhas a serem arroladas, exibir documento por força de ordem judicial, cumprir a sentença (art. 513, §2º, II, do CPC/15) e ser cientificado do requerimento, pelo exequente, de adjudicação do bem penhorado (art. 876, §1º, II, do CPC/15). 8- O ato de recorrer da sentença que for desfavorável ao assistido, contudo, não está no rol de providências ou de informações que dependam de providência ou de informação que somente possa ser realizada ou prestada pela parte, pois o mandato outorgado ao defensor dativo lhe confere os poderes gerais da cláusula ad judicia, que permitem ao defensor não apenas ajuizar a ação, mas também praticar todos os atos processuais necessários à defesa dos interesses do assistido, inclusive recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis. 9- Na hipótese, ademais, há procuração outorgada pela assistida com poderes expressos para recorrer e que foi utilizada pelo defensor dativo, inclusive, para, em nome dela, impetrar o mandado de segurança e para interpor recurso ordinário do acórdão que denegou a ordem, o que demonstra a desnecessidade da prévia intimação pessoal da assistida para que fosse impugnada a sentença de parcial procedência da ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos. 10- Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido." (g.n.) (RMS 64.894/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021) (AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021) Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo o Código de Processo Civil tendo limitado tal prerrogativa aos Defensores Públicos, a intenção do legislador seria facilitar o trabalho dos defensores dos mais necessitados, eis que a comunicação com seus "clientes" seria mais difícil e, portanto, não importaria se fossem assistidos pela Defensoria Pública ou por advogados dativos, pois as dificuldades seriam as mesmas. Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, entretanto, seria importante que tal previsão passasse a ser expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias. __________ 1 Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque: "A ampliação do prazo é estendida a outras entidades, cujo escopo seja também a defesa de pessoas necessitadas (§3º). A intimação pessoal, todavia, não foi prevista pelo legislador. A regra faz referência apenas ao disposto no caput, ou seja, a ampliação do prazo. A limitação é, pois, expressa. Nessa medida, o benefício da intimação pessoal não se lhes aplica." (Comentários ao Código de Processo Civil - vol. III (arts 119-187): Da Intervenção de Terceiros até a Defensoria Pública, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 356). 2 Nesse mesmo sentido já tive oportunidade de defender em artigo escrito conjuntamente com a professora Janice Coelho Derze e apresentado no XXVIII Encontro Nacional do Conpedi em Goiânia - GO e que pode ser acessado aqui. Outro não é o entendimento de Zumar Duarte de Oliveira Jr. ao prever que "Presente que a assistência judiciária é um direito e garantia individual e que o olhar aqui deve ser sempre pautado pela máxima proteção possível, pensamos que a melhor exegese no tema é aquela que estende a dobra do prazo e a intimação pessoal aos Defensores Públicos, aos escritórios e entidades indicadas no § 3º, bem como a todos aqueles que atuem em favor dos assistidos pela justiça gratuita." (in Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015: parte geral, coord. Fernando da Fonseca Gajardoni, São Paulo: Forense, 2015, p. 601). Em sentido contrário e entendendo inclusive que o § 3º do art. 186 seria inconstitucional vide Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira in Comentários ao Código de Processo Civil- vol. 1, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 735/736.
As hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, previsto no art. 1.015 do CPC cedeu espaço a interpretação do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), ao decidir a Corte Especial, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante do quanto decidido acima, pudemos tecer breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros1 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição2, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência3, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas4, assim como arbitramento de honorários periciais5 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito6 sem prejuízo de (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução7. Recentemente a Segunda Turma do STJ firmou o entendimento do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação a decisões judiciais prolatadas na ação dei improbidade administrativa: "PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita, entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores atualizados: R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil, cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos). 2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento. 3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL 4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013). 5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). 6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: "A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018. CONCLUSÃO 7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. 8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o decida como entender de direito." (STJ, REsp 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 04.05.2021, grifou-se) No voto condutor o Ministro Herman Benjamin ponderou: "(...) A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. Nesse sentido: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). (...)" Diferentemente dos julgados referenciados em outras oportunidades, a ratio decidendi do julgado acima não diz respeito a aplicação ou não da taxatividade mitigada, mas parte do pressuposto de que, uma vez sendo peremptória a regra do cabimento de recurso de agravo contra decisões interlocutórias prolatadas no bojo da ação popular (art. 198, da lei 4.717/65), tendo referida norma inserta no denominado Microssistema de tutela coletiva, por força do disposto nos artigos 21, da Lei da Ação Civil Pública (lei 7347/85) e art. 909, do Código de Defesa do Consumidor (lei 8078/90), de rigor a observância de referido dispositivo presente na norma especial, a prevalecer sobre os ditames do CPC, tidos pela norma geral. Chama a atenção a premissa assentada em referido julgado de que a regra dos art. 21, da Lei da Ação Civil Pública e art. 90, do Código de Defesa do Consumidor, também tem abrangência sobre a tutela de outros direitos inseridos dentro do chamado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou "(...) direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de  propiciar sua adequada e efetiva tutela". A se guardar o mesmo silogismo do julgado acima, não se descarta o entendimento de cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias prolatadas em demandas que envolvam o direito material sob tutela de referidas normas, tais como o Estatuto do Idoso e da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, a conferir literal expansão do cabimento do recurso de agravo, desta feita reservado não a situações processuais pontuais (como decidido a partir da interpretação que gravita em torno da  chamada taxatividade mitigada), mas também para abarcar hipótese ligadas ao direito material em juízo, dentre aqueles inseridos no chamado Microssistema de Proteção a direitos Coletivos Amplo Senso. ___________ 1 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 2 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 3 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos especiais nºs 1.707.066 e 1.717.213. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.   9 Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
Finalmente, foi publicado o acórdão proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do EARESP 650.536/RJ em 03 de agosto de 2021. Tal decisão já foi objeto de artigo publicado nessa coluna em 29 de abril desse ano ("Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC/2015) e outro publicado em 01 de julho do mesmo ano ("Alteração do valor das astreintes e cômputo de prazo para a sua incidência"). Em ambas as oportunidades, os textos foram escritos sem se ter acesso à íntegra do acórdão que agora está disponível na internet.1 Como se sabe, o § 1º do art. 536 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), traz um rol exemplificativo de medidas executivas que podem ser utilizadas para a obtenção do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa ("para atender ao disposto no caput,  o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial"). Dentre tais medidas a serem empregadas para a execução forçada de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, está prevista a multa (também conhecida como astreinte ou multa cominatória). O art. 537, do CPC/2015, trata especificamente desta multa e de sua disciplina processual, ao esclarecer logo em seu caput que "A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito". Tal multa também estava prevista no CPC/1973, em seu art. 461, § 5º, que estabelecia igualmente o seguinte: "para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial". Contudo, há uma diferença entre o CPC/2015 e o CPC/1973, no que diz respeito à possibilidade de modificação ou extinção da multa. No diploma anterior, o art. 461, § 6º, dispunha que "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Já o § 1º do art. 537, do CPC/2015, dispõe que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)"2. Em 07 de abril de 2021, a Corte Especial do STJ, ao julgar o EARESP 650.536/RJ, decidiu que a multa do art. 537, do CPC/2015, pode ser modificada, sim, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que a fixou, em fase de cumprimento de sentença. Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão publicada em 03 de agosto do mesmo ano: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. MÉRITO ANALISADO. VALOR ACUMULADO DAS ASTREINTES. REVISÃO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU FORMAÇÃO DE COISA JULGADA. EXORBITÂNCIA CONFIGURADA. REVISÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. É dispensável a exata similitude fática entre os acórdãos paragonados, em se tratando de embargos de divergência que tragam debate acerca de interpretação de regra de direito processual, bastando o indispensável dissenso a respeito da solução da mesma questão de mérito de natureza processual controvertida. 2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada. 3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo singular. (EAREsp 650.536/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/04/2021, DJe 03/08/2021, grifos nossos)". Sem conhecer o acórdão integralmente ele já foi aplaudido e agora os elogios devem ser reiterados. Ao que tudo indica, o entendimento está bem alinhado à segura lição de Cassio Scarpinella Bueno, para quem: "Assim, de forma bem direta, a multa é arbitrada com a expectativa de que seja suficiente e compatível para obter do executado o fazer ou não fazer desejado pelo exequente em prazo razoável (art. 537, caput). Na exata medida em que ela não se mostre capaz de levar àquele resultado ou próximo a ele ('tutela específica ou resultado prático equivalente', respectivamente), não há motivo para entender que a multa incida de maneira estática indeterminadamente. Ela deve ser majorada ou alterada sua periodicidade para o atingimento daquela finalidade. Se, mesmo assim, o direito do exequente não for satisfeito, o caso é de adoção de outras medidas de apoio em substituição à multa para, ainda assim, (tentar) perseguir a tutela específica ou quando menos o resultado prático equivalente. Na impossibilidade (ou se esta for a vontade do exequente), a solução reside na conversão da obrigação da obrigação em perdas e danos"3. Em outras palavras, não apenas o comportamento do executado deve ser levado em consideração para modificação do valor da multa, mas também o comportamento do exequente. Este último não pode aguardar por tempo indefinido o início da cobrança dos valores relativos à multa que o favoreçam sem tomar providências que lhe cabem para a satisfação do seu direito. Tal multa tem natureza coercitiva e não tem o objetivo de enriquecimento sem causa. Com efeito, o comportamento do exequente (e não só o do devedor) deve ser também levado em consideração para a modificação da multa, conforme consta do acórdão sob comento: "(...) Deixa, porém, data venia, de sopesar o comportamento do credor da multa. Daquele que, muitas e muitas vezes, por astúcia, de forma nada ingênua, finge quedar-se conformado com o comportamento meramente desidioso do devedor, frequentemente uma grande corporação, dotada de complexa estrutura administrativa, focada na difícil competição que enfrenta no ambiente econômico de sua atividade-fim. Fica o credor da multa aguardando o momento em que suficientemente acumulada a fortuna que anteviu alcançar, desde o momento inicial em que fixada a astreinte, para só então ressurgir suplicante e comovente diante do julgador, denunciando o descumprimento da ordem e, naturalmente, deduzindo a cândida pretensão executiva do milionário valor acumulado. Na realidade, desde o início se desinteressou pelo objeto da ação e passou a aguardar outro alcance, muito mais vantajoso. Nesse contexto, longe de cumprir o legítimo papel coercitivo para o qual foi concebida, a multa serviu de ilegítimo meio para desvirtuar o bem da vida buscado pelo autor da ação, tomando o lugar daquele (do bem) e tornando-se o verdadeiro novo alvo dos interesses do credor. O aparente reiterado descumprimento da obrigação, foi, então, na realidade, gradativamente desejado e construído pela sagacidade do credor e ensejado pela negligência inconsciente do devedor". Assim, apesar de a interpretação literal do § 1º do art. 537, do CPC/2015, indicar que somente poderiam ser alterados os valores das multas vincendas, a Corte Especial do STJ, a quem cabe uniformizar a interpretação desse dispositivo, acabou por decidir que os valores das multas vencidas também podem e devem ser alterados a qualquer momento, desde que se mostrem desproporcionais e levem ao enriquecimento sem causa do credor. Portanto, se o exequente perceber que a técnica executiva da multa é incapaz de exercer a coerção necessária sobre o devedor para que ele cumpra uma obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa, e ainda, se verificar que sequer conseguirá o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação com a aplicação da multa, deve ser buscada uma outra técnica executiva, de ofício ou a requerimento do credor. De nada adiantará ao credor ficar aguardando estaticamente o acúmulo do valor da multa na expectativa de enriquecimento sem esforço. __________ 1 Disponível aqui. 2 Grifos nossos. 3 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 552.