Falência eficiente: Os desincentivos do PL 3/24 e 10 sugestões que poderiam contribuir para melhorar o sistema
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Atualizado em 6 de maio de 2025 09:38
Países com economias sólidas e desenvolvidas têm uma legislação eficiente para lidar com a crise financeira e a insolvência das empresas. Estudos comprovam que quanto mais eficiente o endereçamento da crise, melhor a recuperação para os credores, a preservação dos ativos em jogo e a sua reinserção no mercado.
No Brasil, caminhamos relativamente bem com o sistema de recuperação de empresas que, conquanto tenha falhas importantes, vem permitindo um alinhamento entre stakeholders para adoção de soluções criativas para a crise. Entretanto, um dos grandes problemas que persiste no sistema legal da insolvência brasileiro é a falência, que não funciona.
A falência é importante porque trata da situação irreversível de crise econômica e financeira da empresa devedora. Seu objetivo é a liquidação compulsória da empresa, com a venda dos seus bens e a distribuição dos recursos obtidos aos credores, que serão pagos segundo uma ordem de preferencias legal. Fundamental, portanto, o papel da falência tanto para encerrar o capítulo da empresa malsucedida, quanto para permitir a recuperação possível e otimizada dos créditos e a reinserção de ativos na economia.
Há poucos anos, pesquisa do Observatório da Insolvência, desenvolvida pela Associação Brasileira de Jurimetria, apurou que a falência demora em média 16 anos para ser encerrada. Apenas 12,1% dos ativos do devedor são recuperados para venda. A taxa de recuperação média dos credores é de 6,1%.
Com o intuito de corrigir os problemas que levam a essa ineficiência tamanha, no início de 2024 o Poder Executivo apresentou o PL 3/24 à Câmara dos Deputados. O projeto foi analisado e aprovado em regime de urgência pela casa, onde sofreu profundas alterações, e segue hoje aguardando votação no Senado.
Ocorre que o texto final que seguiu para o Senado naufraga já no ponto de partida, ao errar o diagnóstico dos problemas da falência. A pergunta essencial - por quais razões a falência não funciona? Ou, dito de outra forma, quais são os gargalos da falência? - não foi respondida pelo legislador. Estudos empíricos são necessários para ser ter um diagnóstico exato, e tem-se notícia de que a academia brasileira está se encarregando disso.
Enquanto isso, procurando contribuir ao debate com a liberdade e a prosa que a profissão nos confere, penso que o grande problema do PL é que ele não só não enfrenta e remove os gargalos da lei atual para processamento da falência, como também burocratiza ainda mais o processo, gerando grande potencial de litígios entre parte envolvidas.
Adiante seguem 10 pontos sensíveis incluídos no PL 3/24, que se fossem melhor direcionados poderiam gerar um impacto positivo à falência (e também à recuperação judicial, como se verá no item 10, na medida em que o projeto também promoveu alterações importantes ao instituto).
1. Linhas gerais: Nem tanto o céu, nem tanto a terra
Em linhas gerais, o PL 3/24 busca conceder maior poder de influência aos credores no processo falimentar, adotando a premissa real de que numa empresa em situação falimentar, que tem seu patrimônio líquido negativo, os seus ativos já pertencem aos credores. Nada mais coerente, portanto, do que dar a eles maior poder de ditar os rumos desse processo com vistas a maximizar o recebimento dos seus quinhões.
Nesse sentido, o PL propõe mudanças importantes, embora muitas delas não tenham o potencial de atingir os objetivos que se propõem.
O problema inicial que se coloca é que o processo de falência é coletivo em sua essência, e o seu objetivo é proporcionar a liquidação dos ativos de forma organizada, permitindo uma distribuição melhor entre os credores e uma socialização maior das suas perdas. Não é à toa, portanto, que exista uma ordem legal de prioridades de pagamento a credores. Nesse sistema elaborado num equilíbrio frágil, mas potente, credores divididos em diferentes classes, administrador judicial e Ministério Público têm seus direitos de voz no processo, sendo que o juiz o poder-dever de decidir, fazendo o controle de legalidade dos atos praticados seguindo as normas e os princípios da lei.
Em muitos trechos do PL, no entanto, sob o mote de dar maior protagonismo aos credores, tem-se a impressão de que aqueles com maior peso passam a ter maior poder de ditar os rumos da falência. Isso, por si só, também não é de todo ruim, e faz parte da regra do jogo: se eu tenho mais a perder, ou a recuperar, eu tenho maior interesse em influenciar a forma com que receberei. Mas daí vem a necessidade de se garantir o equilíbrio maior entre credores nesse processo.
Credores mais poderosos não podem interferir e subverter a ordem predeterminada de prioridades na falência. Por exemplo, como veremos adiante, o PL dispõe que credores poderão votar um "plano detalhado para o pagamento dos passivos". Há ainda diversas disposições, como o sistema de credit bidding, a possibilidade de votação e implementação de planos detalhados de pagamento de passivo, dentre outros temas que versam sobre a distribuição efetiva dos ativos, que deverão necessariamente respeitar a ordem de prioridades de pagamento na falência, sob qualquer circunstância. O ponto é evitar que uma minoria acabe subvertendo a ordem legal de prioridades, podendo interferir no processo de forma perversa.
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