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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
quarta-feira, 24 de maio de 2017

Banco CBF

O objeto da CBF (ou os fins básicos, como previstos no estatuto) é tão amplo que o resumo dos 29 incisos que o compõem tomaria todo o espaço desta coluna. Esses incisos, em sua grande maioria, apresentam descrições abertas, que comportam uma série de atuações em favor e no interesse do futebol, da manutenção da ordem esportiva, de representação nacional e internacional, de combate de substâncias ilícitas, e de promoção da defesa dos interesses e direitos coletivos de seus filiados e das entidades de prática do futebol. Entre seus fins não se inclui a realização de empréstimos. Empréstimos, como regra, são realizados por instituições financeiras. A atuação dessas entidades é regulada pela lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e demais normas aplicáveis. Consideram-se instituições financeiras, de acordo com o art. 17, "as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros". O funcionamento de instituição financeira depende de prévia autorização do Banco Central, quando nacionais, ou de decreto do Poder Executivo, se estrangeiras. A CBF não é, definitivamente, uma instituição financeira; mas tem o hábito de realizar empréstimos aos filiados. As demonstrações financeiras relativas aos exercícios de 2015 e 2016, dela e de determinados clubes, revelam a existência desses negócios. Veja-se, inicialmente, a Nota Explicativa 4, da Administração da CBF: na rubrica "contas a receber", listam-se créditos contra filiados especiais, presumidamente clubes de futebol, no montante de R$ 44.020.000,00. Este valor sofreu uma redução substancial em relação ao exercício de 2015, em que se indicavam contas a receber, também de filiados especiais, de R$ 64.059.000,00. Veja-se, agora, a situação de alguns times, todos do Rio de Janeiro. Flamengo Ao término do exercício de 2015, o clube mantinha um empréstimo com a CBF no montante de R$ 4.323.000,00, contratado mediante o pagamento de uma taxa de juros expressiva, equivalente a 165% do CDI. A conta, em 2016, aparece zerada, de modo que se presume a liquidação da dívida com o credor. Aquele montante não era relevante, é verdade, no âmbito do estoque de empréstimos e financiamentos, que totalizava, em 2015, R$ 161.975.000,00. Como referência, este valor, em 2016, caiu para R$ 111.581.000,00. Vasco Ao cabo do exercício de 2015, a dívida com a CBF era de R$ 16.292.000,00, de um montante de R$ 69.661.058,00, relativo à soma de empréstimos de terceiros. Ao término de 2016, passou a R$ 13.964.000,00, de um montante de R$ 74.303.976,00. Botafogo No exercício de 2015, os empréstimos e financiamentos, obtidos pelo Botafogo, somavam R$ 116.101.000,00, dos quais R$ 11.107.000,00 foram captados junto à CBF. Em 2016, os recursos advindos dessa entidade totalizaram R$ 9.387.000,00, enquanto a dívida total de empréstimos e financiamentos foi reduzida para R$ 114.868.000,00. Fluminense Em 2015, seus empréstimos e financiamentos montavam a R$ 38.379.000,00, sendo que R$ 10.565.000,00 provinham da CBF; ou seja, quase 30% do total dos recursos advindos de terceiros. Como as demonstrações financeiras do clube, relativas ao exercício de 2016, ainda não foram divulgadas oficialmente, pois a votação das contas ocorrerá 25/05/20171, não se pode comentá-las. Resumindo, valores expressivos ou não, pouco importa, não é função da CBF prover recursos para os seus filiados. Esta prática revela, no entanto, um problema estrutural do futebol brasileiro: a ausência de um ambiente organizado, devidamente regulado, para captação de recursos para financiamento da empresa futebolística. Assim, as captações são limitadas, e, quando disponíveis, envolvem agentes que cobram taxas de juros muito elevadas. Enquanto não houver crédito para o futebol, não haverá crescimento; ao menos dos clubes. Pois, neste país que fica cada vez mais difícil de explicar, a CBF não para de crescer. __________ 1 Balanço de 2016 revela aumento de 48% com gastos no futebol e detalha crise financeira do Flu.
quarta-feira, 17 de maio de 2017

De Santos para o mundo

O Santos Futebol Clube ("Santos") já deu ao mundo Pelé, Robinho e Neymar, e muitos outros jogadores que maravilharam - e maravilham - multidões. Foi com Pelé e companhia, no entanto, que a mitologia se criou. E ainda resiste às décadas de aposentadoria do maior atleta da história. Jogadores que o sucederam contribuíram para manter a chama acesa, mas não foram - e não são - capazes de perpetuar esse estado de encantamento. O Santos deve reagir e se posicionar. Mostrar sua grandeza. No plano nacional, ele leva vantagens realmente importantes em relação aos demais times grandes: baixa rejeição e simpatia, quando em confronto com rivais de outras torcidas. Ou seja, se corretamente dirigido, poderia se tornar um time de expressão nacional e internacional, membro, talvez, do seleto grupo dos 10 maiores do planeta, inclusive em receitas. Para isso, haveria de imprimir um movimento transformacional e admitir, como muitos times europeus o fizeram, que sua vocação não é apenas local e regional, mas, sim, global. A bela cidade de Santos não o deve limitar, portanto; ao contrário, que sirva como o "porto" de lançamento para uma aventura, planejada, de dominação pelo futebol, pela arte do futebol. Não haveria nada de errado nisso. Assim como não houve com Manchester United, Barcelona, Bayern, PSG, Manchester City e outros que resolveram, em momentos distintos de suas histórias, expandir suas fronteiras. Conseguiram. A conquista, aliás, atinge meninos e meninas santistas, e torcedores de outros times, que, lamentavelmente, preferem acompanhar e torcer por times europeus, pelos conquistadores contemporâneos, em detrimento dos brasileiros. Revendo o estatuto do Santos, percebe-se que, em algum momento, tentou-se, timidamente, ou ao menos de modo formal, dar-se o primeiro passo. O artigo 5o, parágrafo terceiro estabelece que: "É facultado ao Santos, mediante prévia aprovação do Conselho Deliberativo, constituir sociedade, de qualquer tipo, ou deter participação societária em sociedade que tenha como objeto a prática esportiva profissional, e que seja classificada como entidade de prática desportiva participante de competições profissionais, nos termos definidos na lei 9.615/98 e suas alterações, inclusive a lei 10.672/2003, e transferir a ela os bens móveis e direitos relativos à modalidade profissional presente no objeto social da mencionada sociedade, que sejam necessários para o seu desenvolvimento, observando-se a legislação aplicável". O parágrafo quarto fixa as regras que devem ser observadas se o movimento se produzir: "Caso ocorra a transferência de bens e/ou direitos do clube à sociedade mencionada no parágrafo anterior, o Santos deverá deter, no mínimo, 75% das ações ou quotas em que se divide o capital social votante e total da sociedade, e sua participação societária não poderá ser onerada ou transferida, a qualquer título, e para qualquer fim, sem a aprovação do Conselho Deliberativo (...)". Também se impôs um modelo administrativo colegiado, por meio de um comitê de gestão, formado por nove membros. Mas, não se deu o passo rumo à contemporaneidade e se manteve atrelado ao sistema interno da tradicional política, que atrasa o futebol brasileiro. Assim, todos os membros (exceto o presidente e o vice, que são eleitos pela Assembleia) são indicados pelo presidente do Comitê de Gestão dentre os membros eleitos, efetivos e natos do Conselho Deliberativo. Não existe, portanto, uma estrutura de controle e fiscalização dos atos executivos, por órgão superior autônomo, a exemplo do conselho de administração de companhias. Aliás, o Conselho Fiscal, que é, de acordo com o estatuto santista o órgão independente de fiscalização da administração, é composto de cinco membros do Conselho Deliberativo, eleitos pelo próprio Conselho Deliberativo. Este Conselho fornece, assim, os membros do Comitê Gestor e os membros do Conselho Fiscal, que fiscalizam seus pares e colegas. Falta, como se nota, independência, e estimula a ocorrência de situações de conflito de interesses, especialmente no âmbito político. Complementa esse modelo a administração executiva, conduzida por profissionais remunerados, com qualificação comprovada, subordinada às decisões e determinações do Comitê de Gestão. Seus membros são, de fato, conforme se depreende do estatuto, executores, e não administradores, como se esperaria em uma empresa econômica. Resumindo, o potencial planetário do Santos não é aproveitado. Muito pelo contrário: parece que se empreende muito esforço para confiná-lo na bela cidade praiana. Um verdadeiro pecado. Para concluir, a estrutura do Santos, que não mantém equipamento clubístico social, facilita uma série de movimentos transformadores, como, no limite, a passagem do associativismo à forma da sociedade anônima, com a atribuição, a cada associado, de uma ação de nova companhia. Apenas o mundo, e os seus administradores, limitam o Santos.
quarta-feira, 10 de maio de 2017

Enfim, o estatuto do São Paulo será testado

Iniciou-se uma nova era no São Paulo Futebol Clube (SPFC), que o aproxima, no plano administrativo, das sociedades empresárias. A principal novidade - não a única, aliás - envolve a administração: abandona-se o modelo presidencialista e se inaugura uma estrutura dualista, composta de diretoria e conselho de administração. A administração, portanto, competirá a ambos os órgãos. Explica-se, a seguir, o funcionamento do conselho de administração. Trata-se se de órgão de deliberação colegiada, composto por 9 membros. O diretor presidente e o diretor vice-presidente terão, necessariamente, assentos, e exercerão as funções de presidente e vice-presidente do conselho, respectivamente. Os demais são indicados pelo conselho deliberativo (3), pelo conselho consultivo (1) e pelo diretor presidente (3). As três indicações do diretor presidente devem recair sobre membros independentes. O atual diretor presidente, Leco, eleito pelo conselho deliberativo em abril, indicou Saulo de Castro Abreu Filho, Júlio Conejero e Raí. Todos se enquadram, portanto, na definição de independentes. Saulo ocupou importantes cargos na administração pública. Júlio é um bem sucedido executivo de empresas. Raí, o maior jogador da história do SPFC, vem se preparando, de verdade, não apenas para essa função, mas para desafios maiores na gestão do futebol. Os conselheiros independentes poderão ser remunerados; os demais, não. A remuneração observará parâmetros de mercado, não podendo superar, no mês, 70% do teto do funcionalismo público federal. Qualquer conselheiro, exceto o presidente e o vice, poderá ser destituído pelo voto favorável de pelo menos 6 membros do próprio conselho. O órgão deverá se reunir ordinariamente uma vez por mês e, de modo extraordinário, sempre que convocado por seu presidente ou por pelo menos 5 conselheiros. Compete ao conselho de administração, conforme se extrai do estatuto: a) Fiscalizar a gestão da Diretoria Eleita, da Diretoria Social e da Diretoria Executiva; b) Aprovar a remuneração, se e quando o caso, de membros do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração, do Presidente Eleito e/ou da Diretoria Executiva; c) Examinar, mediante solicitação, livros, papeis, contratos e documentos do SPFC, bem como solicitar informações a respeito de contratos em negociação; d) Manifestar-se, emitindo parecer fundamentado, previamente à submissão ao Conselho Deliberativo, sobre as contas e as demonstrações financeiras anuais do SPFC; e) Escolher e destituir os Auditores Independentes; f) Autorizar a prática de atos gratuitos, independentemente da motivação, inclusive a cessão do estádio ou outras dependências sociais, esportivas ou propriedades do SPFC; g) Aprovar a concessão de quaisquer garantias, de qualquer natureza, de qualquer valor, exceto de natureza judicial, cuja competência será exclusiva da Diretoria Eleita; h) Aprovar a proposta orçamentária anual elaborada pela Diretoria Eleita, e submetê-la para aprovação final do Conselho Deliberativo; i) Opinar, previamente à deliberação pelo Conselho Deliberativo, sobre propostas de separação societária do futebol profissional, bem como sobre a constituição de sociedade empresária, para qualquer finalidade; j) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, de montante total superior a 1.500 (mil e quinhentas) Contribuições Associativas, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; k) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, cujo prazo seja superior ao prazo remanescente do mandato da Diretoria Eleita, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; l) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, que implique o pagamento de comissão, gratificação ou qualquer remuneração, a qualquer intermediário, exceto nos casos expressamente previstos nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; m) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que integre o Conselho Deliberativo, o Conselho Consultivo, o Conselho Fiscal, o Conselho de Administração, a Diretoria Eleita, a Diretoria Social ou a Diretoria Executiva, ou que seja um Associado do SPFC; n) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, das pessoas mencionadas no inciso anterior; o) Aprovar a celebração de qualquer contrato com sociedade empresária na qual as pessoas indicadas nas alíneas (m) e/ou (n) sejam controladoras; p) Aprovar a proposta de contratação, pela Diretoria Eleita, de qualquer espécie de apólice de seguro ou de garantia, incluindo seguro para exercício dos cargos de Diretoria Eleita ou Executiva, Conselho de Administração e Conselho Fiscal; q) Criar comitês executivos do Conselho de Administração, compostos de até 3 (três) membros, para acompanhar o cumprimento pela Diretoria Eleita de suas atribuições; e r) Aprovar a indicação, pelo Presidente Eleito, dos membros da Diretoria Executiva e suas respectivas atribuições e remunerações, fixas e/ou variáveis. Além de muitas, são matérias realmente relevantes. Antes, é bom recordar, essas matérias se decidiam, historicamente, de acordo com a vontade de uma pessoa; a partir da nova estrutura, passam a depender de dois órgãos: um, ainda individualista - a presidência da diretoria -, outro, colegiado e heterogêneo - o conselho de administração. Inicia-se, pois, assim se espera, uma fase mais democrática, sujeita a negociações saudáveis, ao convencimento pelas ideias, ao implemento de técnicas de planejamento, definição de metas e verificação de resultados, e a um moderno sistema interno de controle e fiscalização dos atos da diretoria. Como se fosse uma companhia. O estatuto do SPFC começa a ser, enfim, testado.
quarta-feira, 3 de maio de 2017

Está tudo errado. Exceto Tite

Paulo Francis escreveu que "um dos serviços mais importantes e em muitos casos semi-involuntário (...) que a imprensa presta aos poderes é dignificá-lo (...) porque o simples fato de relatar o que dizem e fazem os políticos (...) dignifica em parágrafos e imagens o que é em geral sandice absoluta". "O jornalista organiza a besteira do político". O autor disse, ainda, que o ataque confere ao atacado personalidade que não tem. E reconheceu, com imodéstia, que sua pena ajudara muita gente a sair da obscuridade. Não sou jornalista e o que escrevo não muda a vida de ninguém. O que me conforta, ao menos em relação ao tema tratado esta semana, é que, quem quer que discorra sobre ele, também não será ouvido por ninguém - mesmo que, formalmente, seja lido. É impossível falar sobre futebol sem, ao menos esporadicamente, abordar a sua organização política. E quando se fala de política do futebol, o grande - e talvez único - agente, responsável por tudo o que está aí, é a CBF. Essa é a deixa para tratar de um importante documento, publicado recentemente: suas demonstrações financeiras. A leitura do relatório da administração, capítulo introdutório do documento, parece querer resgatar aquela afirmação de que a CBF é o Brasil que dá certo. Diz-se, nele, que: "o resultado demonstra de forma clara o esforço continuado da administração da CBF em manter e ampliar os investimentos no futebol brasileiro, mesmo com a crise financeira do Brasil em 2016. A CBF aposta no futebol como um catalisador de investimentos com impactos financeiros e sociais para o país". Como já se podia supor, o efeito Tite é, de modo oblíquo, envolvido no discurso, mesmo que, em sua apresentação, parte dos resultados não tenha se realizado em 2016 - período a que se referem as demonstrações: "o ano de 2016 foi marcante para a história da seleção brasileira. Pela primeira vez, conseguimos a tão almejada medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Esta conquista é fruto de investimento massivo nas seleções de base, nas novas tecnologias e na preparação para a competição". E aí vem a apropriação de conquista futura, contabilizada nas demonstrações de ano anterior: "a seleção brasileira foi a primeira a se classificar para a Copa do Mundo da FIFA de 2018. A seleção pentacampeã conseguiu a vaga na 14a rodada, sua classificação, com maior antecedência desde a mudança no formato das eliminatórias sul-americanas". A peça também enfatiza os avanços no plano da governação: "nosso compromisso é estabelecer processos e modelos de governança com aderência às melhores práticas do mercado, sendo reconhecidos como uma entidade que adota os procedimentos mais modernos do mundo corporativo e esportivo". E finaliza: "a administração da CBF reitera seu desejo de encarar os desafios de 2017 com serenidade, mantendo e ampliando o debate participativo e democrático e trabalhando cada vez mais para que o Brasil consolide sua posição de destaque no futebol mundial". Relata-se um mundo encantado do futebol brasileiro. Nada mais inverídico, porém. Até a chegada de Tite, a situação da CBF, sob qualquer ângulo, era tenebrosa. Além disso, com poucas exceções, os times brasileiros, de todas as séries, estão atolados em dívidas, não encontram meios de se financiar e se curvam diante de concorrentes organizados e capitalizados, que protagonizam o esporte mundial. Os futebolistas e demais trabalhadores desse esporte enfrentam desemprego, dificuldades para receber seus salários ou se sujeitam a condições muito distantes daquelas oferecidas às poucas estrelas que se destacam em times de elite da série A ou que são exportados para clubes europeus ou chineses. A verdade é que, por um momento, os times brasileiros tiveram uma grande oportunidade, após o fracasso da Copa de 2014 e a multiplicação dos escândalos envolvendo os dirigentes da entidade, de impor - ou exigir - um novo modelo para o futebol brasileiro. Nunca, realmente nunca, na história recente do futebol, as oportunidades de transformação foram tão evidentes. Faltou, talvez, união. Ação coletiva. Abandono de condutas individualistas, em favor de um projeto maior: um projeto de contornos econômicos e sociais magníficos. Ninguém será realmente grande se a grandeza for isolada, não compartilhada e rivalizada. Atualmente, o discurso pseudo-ufanista, quase sem vergonha de acontecimentos que, se o futebol fosse um tema de Estado (ou ao menos de governo), teriam justificado intervenções ou manifestações públicas contundentes, sombreia condutas alcunhadas, pela imprensa, de maquiavélicas (cf. o jornal Lance!, edição eletrônica de 23/3/17). Esconde-se, atrás de suposta habilidade política e criatividade jurídica, o desrespeito ao Estado Democrático de Direito. A zombaria, no caso, atingiu o ápice com a atribuição de voto múltiplo às federações estaduais, para que prevalecessem sobre a somatória dos times de primeira e segunda séries, incluídos no colégio eleitoral por determinação de lei Federal que criou o Profut. Nada mais distante, deve-se registrar, do anunciado processo e modelo de governança com aderência às melhores práticas do mercado. Se esse é o procedimento mais moderno do mundo corporativo e esportivo, como se gaba o relatório da administração, criou-se um mundo próprio, hermético, para justificar todas e quaisquer condutas. Espanta, nesse processo, o silêncio dos clubes, que poderiam, enfim, dominar a entidade e orientá-la em benefício deles próprios, dos jogadores e demais agentes direta ou indiretamente dependentes do futebol. A brutalidade parece que foi aceita pela sociedade. Aliás, nem mesmo é digna de reflexão e contrariedade. No plano da política futebolística, infelizmente, ainda se reflete, com força histórica, o verdadeiro Brasil.
quarta-feira, 26 de abril de 2017

O modelo de governação do Borussia Dortmund

1. Introdução O Borussia Dortmund é um dos times de futebol mais tradicionais da Alemanha. Fundado em 19 de dezembro de 1909, o auri-negro - como é conhecido - soma diversos títulos, dentre os quais 1 troféu da liga dos campeões da UEFA e 8 da Bundesliga, a primeira divisão do campeonato alemão. Apesar da tradição, já passou por momentos de crise intensa. Durante as décadas de 70 e 80, experimentou temporadas na 2ª divisão alemã e jejum de títulos. Na segunda metade da década de 90, porém, resgatou o caminho vencedor. O processo de resgate envolveu a (re)estruturação societária e a implementação de novo modelo de governação, culminando na abertura de capital, no final do ano 2000. 2. Estrutura O Borussia Dortmund foi concebido como uma associação civil, denominada Ballspielverein Borussia 09 e.V. Dortmund. Em deliberações tomadas em 28 de Novembro de 1999 e 26 de fevereiro de 2009, os membros da associação decidiram cindir as operações econômicas do futebol profissional e incorporá-las a uma nova companhia, fundada especificamente para este fim: a Borussia Dortmund GmbH & Co. KGaA. Trata-se de um tipo de sociedade tipicamente alemão, que pode ser entendido como uma sociedade em comandita por ações (KGaA), gerida por um general partner ("sócio geral") que se organiza sob a forma de sociedade limitada (GmbH). No caso do Borussia, o general partner é a Borussia Dortmund Geschäftsführungs-GmbH ("Borussia GmbH"), sociedade limitada cuja única sócia é a BV. Borussia 09 e.V. Dortmund ("Borussia e.V."), associação civil, formada pelos torcedores auri-negros. Ou seja, o controle dos negócios relacionados ao futebol profissional do Borussia está vinculado - ainda que indiretamente - aos torcedores associados. 3. Abertura de Capital A abertura de capital da Borussia Dortmund GmbH & Co. KGaA (ou "companhia") ocorreu em 30 de outubro de 2000. As ações da companhia foram listadas e negociadas na Bolsa de Valores de Frankfurt. O preço inicial de lançamento foi de 11,00 EUR por ação. O capital atual é de 92.000.000,00 EUR, dividido em 92.000.000 de ações sem valor nominal. A maior parte das ações é negociada livremente no mercado ("free float"); por outro lado, menos de 40% das ações se distribuem entre a Borussia e.V. e alguns investidores, como se pode ver no quadro abaixo:  Sócios  % Ações livres para negociação em bolsa ("free float") 60,36% Evonik Industries AG 14,78% Bernd Geseke 8,90% BVB 09 e.V. Dortmund (Associação) 5,53% Signal Iduna  5,43% Puma SE  5,00% Total 100,00% 4. Objeto O objeto social da companhia é continuar e desenvolver as operações comerciais da BV. Borussia 09 e.V. Dortmund (associação desportiva que deu origem ao Borussia Dortmund), sujeitas a tributação, e, em particular, aquelas relacionadas ao futebol, inclusive o futebol profissional, sob a bandeira do Borussia Dortmund ou suas iniciais (BVB), bem como explorar ou utilizar todos os direitos atuais e futuros. A Companhia deverá deter todas as licenças que permitem aos times, em especial os de futebol, a participação em competições nacionais ou internacionais, inclusive as organizadas pela Federação Alemã de Futebol. Ademais, incumbe também à Companhia a aquisição e a administração de seus próprios ativos, em particular estabelecendo e investindo em outras empresas, nacional ou internacionalmente. É vedada, no entanto, a aquisição de participação em outras sociedades licenciadas junto à liga alemã de futebol. 5. Governação A Borussia Dortmund Geschäftsführungs-GmbH é a general partner da Companhia. Ela exerce a função de representante e administradora. O poder de gestão é controlado pelo Conselho, que deve avaliar e consentir a prática de determinados atos, como: (a) compra ou venda de imóveis e direitos equivalentes, caso a o valor individual da transação exceda 40.000.000,00 EUR (quarenta milhões de euros); (b) constituição de empresa ou aquisição de participação societária, caso o valor exceda 40.000.000,00 EUR; e (c) venda parcial de negócios ou de participações em outras empresas. 6. Remuneração O general partner tem direito ao recebimento do reembolso dos seus custos com pessoal e materiais, incorridos na gestão da Companhia, e uma remuneração equivalente a 3% do lucro líquido do exercício. No reembolso estão incluídas as despesas com a remuneração dos membros do Conselho Consultivo ("Advisory Board") indicados pelo general partner, limitadas ao total de 126 mil euros por exercício. 7. Conselho Fiscal O Conselho Fiscal é composto por 9 membros, com mandatos de 4 anos. Exceto nos casos em que a legislação ou o próprio Estatuto determine de forma diversa, as deliberações do Conselho serão tomadas pela maioria dos votos presentes, correspondendo cada membro a um voto. Compete ao Conselho Fiscal, por exemplo, a revisão das demonstrações financeiras e do relatório da administração anuais e a emissão de um relatório com suas conclusões. 8. Remuneração Além do reembolso das despesas suportadas no desempenho das suas funções, cada membro recebe uma remuneração fixa anual no valor de 12.000,00 EUR, paga ao final do exercício social. O Presidente do órgão recebe o dobro e o Vice-Presidente o equivalente a uma vez e meia.
Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur A regra conhecida como 50+1, prevista no estatuto da Bundesliga (a liga de futebol alemã) determina, em seu §16c, que a associação formadora de sociedade empresária que opera ativos do futebol deve manter o controle majoritário - ou seja, 50%, mais uma ação - da referida sociedade. Essa regra, porém, não foi aproveitada pelo PL 5.082/16, que introduz, no Brasil, a Sociedade Anônima do Futebol ("SAF" e "Modelo Brasileiro"). Não que a motivação da mencionada regra fosse reprovável. Ao contrário, pois se atribui à associação a função de zelar pelas tradições clubísticas e pelas relações com torcedores. O Modelo Brasileiro, todavia, reflete a realidade e as características locais. Por isso, não se operou uma cópia de um ou outro sistema, como o alemão ou modelos ibéricos, costumeiramente citados como referências positivas. Todos têm suas qualidades; mas, o que é muito relevante: foram construídos para pacificar situações e condutas detectadas nos respectivos países e que envolviam os agentes locais. A reprodução, portanto, de um ou de outro, ou a produção de uma colcha de retalhos, não resultaria num marco adequado para organização do futebol brasileiro. Daí a opção pela liberdade organizacional. Assim, qualquer associação que opera um time de futebol poderá, a partir do momento em que o PL 5.082/16 for convertido em lei, constituir uma SAF pela: a) transformação (de associação em SAF); b) transferência de direitos e ativos relacionados à prática do futebol para formação do capital da SAF; c) iniciativa de uma pessoa, física ou jurídica, que assuma direitos, de qualquer natureza, de associação existente, ou a fim de iniciar atividades relacionadas ao futebol; ou d) transformação de sociedade empresária que tenha por objeto a prática do futebol e que participe de competições desportivas profissionais, organizadas por federação, liga ou confederação. A decisão de (i) manter-se sob a forma associativa ou (ii) adotar uma das vias empresariais será tomada, soberanamente, pelos associados, os quais decidirão a estrutura societária mais adequada, também de modo soberano. Muitas serão as possibilidades estruturais, como as que, apenas como exemplos, se citam: (i) constituição, pelo clube, de uma SAF, que será integralmente controlada por ele; (ii) ingresso, na SAF, de investidor estratégico, com participação minoritária; (iii) ingresso, na SAF, de investidor estratégico, com participação majoritária, atribuindo-se, no entanto, poder de veto à associação em relação a determinadas matérias; (iv) constituição de SAF e abertura de seu capital; (v) constituição de SAF e alienação de todas as ações; e (vi) constituição de SAF e adoção de instrumentos de mercado para captação de recursos por meio de debêntures, sob controle do clube. A liberdade de decisão deve ser preservada. Não cabe ao Estado interferir ou limitar o processo reorganizacional, sob qualquer pretexto, inclusive de preservar a tradição do time. O ato de preservação se imputará aos associados. Eles, e somente eles, devem decidir a estrutura apropriada para detenção dos ativos e prática profissional do futebol. Essa proposição é reforçada pela falta de uniformidade estrutural dos clubes brasileiros. De acordo com números da CBF1, consolidados em 2016, havia 766 clubes profissionais e 313 amadores registrados na entidade, totalizando 1.079. Do total - e especialmente dos profissionais - 234 integraram o ranking nacional. O Estado de São Paulo apareceu no topo, com 28 times, seguido dos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com 15 cada. Na última colocação apareceram 4 Estados (Acre, Amazonas, Amapá e Roraima), com 4 ranqueados cada. A tabela 1 aponta a participação, por Estado. A tabela 2, o percentual representativo de cada Estado. A diversidade e, mais importante, a enorme quantidade de entidades futebolísticas repelem uma solução única. O que é bom para Flamengo, Atlético Mineiro ou Corinthians pode não ser adequado para São Paulo, Grêmio ou Sport. Menos ainda para Ituano, Chapecoense ou Bahia. O controle de adequação deve ser feito, portanto, por quem tem legitimidade e interesse: os associados. É por aí que se escrutinará eventual proposta formulada pela administração. Em relação a esse tema, é importante que a lei regule e fixe um quórum mínimo de deliberação pelos associados, que se aplicará, porém, apenas nas hipóteses de inexistência de determinação estatutária. É o que propõe o art. 55 do PL 5.082/16: "Art. 55. A Lei 9.615, de 24 de março de 1976, passa a vigorar com a seguinte alteração: "Art. 27. ............................................................................................ .......................................................................................................... § 2º. A entidade a que se refere este artigo poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais, inclusive imobiliários ou de propriedade intelectual, para integralizar sua parcela no capital de sociedade ou oferece-los em garantia, na forma de seu estatuto. No caso de o estatuto não dispor sobre essas matérias, a integralização ou o oferecimento em garantia deverá ser aprovado pelos associados que representem a maioria dos presentes à assembleia geral, especialmente convocada para deliberar o tema. ....................................................................................................... ." Esses são, enfim, alguns dos motivos para que o Modelo Brasileiro siga o seu curso, olhando, claro, ao que se pratica em outros países, mas sem se curvar ou incorporar institutos ou conceitos que não se integram à sua realidade. __________ 1 Ranking nacional dos clubes.
quarta-feira, 12 de abril de 2017

A governação do futebol na Alemanha

A Alemanha apostou num modelo de governação do futebol diferente, por exemplo, do inglês, sem ignorar, contudo, a necessidade de imposição de uma nova ordem. Enquanto os clubes da ilha se sujeitam a um modelo de irrestrita liberdade organizacional, os alemães se submetem a um sistema híbrido: que reforça a importância cultural da figura associativa, de um lado, mas, de outro, impõe, como necessidade de sobrevivência e de competitividade, a adoção de formas empresariais. O resultado pode ser extraído do estatuto (satzung) da Bundesliga, que estipula, no §16c, a regra conhecida por 50+11. Esta regra determina que, na constituição de sociedade empresária pela associação, esta mantenha pelo menos 50% + 1 dos votos. A associação, assim, preserva o controle societário e se torna uma espécie de guardiã das tradições e das relações com os seus torcedores. Analisando-se sob outro ângulo, eventuais investidores, que ingressam na sociedade mediante negociações privadas, ou seja, mediante aquisição de ações ou subscrição privada de ações em aumento de capital, ou mediante subscrição pública em aberturas de capital, não poderão deter o controle majoritário da empresa futebolística. A regra dos 50%+1 admite uma exceção: caso um investidor financie substancialmente o clube há mais de 20 anos, poderá, à critério da Liga Alemã de Futebol (DFL - Deustche Fussball Liga), aumentar sua participação acima do limite estatutário e tornar-se titular da maioria do capital social. Atualmente, 3 times, que são operados por sociedades empresárias, se enquadram no regime da exceção2-3: Wolfsburg, Bayer Leverkusen e Hoffenheim. A tabela 1, abaixo, relaciona os times da primeira divisão. E a tabela 2 a composição do capital social dos times que adotaram a forma empresarial: Tabela 1: FC Köln FSV Mainz 05 Bayer 04 Leverkusen Borussia Dortmund Borussia Mönchengladbach Eintracht Frankfurt FC Augsburg FC Bayern München FC Ingolstadt 04 FC Schalke 04 Hamburger SV Hertha Berlin RB Leipzig SV Darmstadt 98 SV Werder Bremen SC Freiburg TSG 1899 Hoffenheim VfL Wolfsburg Tabela 2: Nome Composição social Tipo societário Bayer 04 Leverkusen Fussball AG 100% Bayer AG Aktiengesellschaft (AG) - Sociedade Anônima HSV Fussball AG 91% Hamburger SV e.V.7,5% Klaus-Michael Kühne1,5% Helmut Bohnhorst Aktiengesellschaft (AG) - Sociedade Anônima Eintracht Frankfurt Fussball AG 62,9 % Eintracht Frankfurt e. V.28,55 % Freunde der Eintracht Frankfurt AG5 % BHF-Bank3,6 % Wolfgang Steubing AG Aktiengesellschaft (AG) - Sociedade Anônima FC Bayern München AG 75,01% FC Bayern München e.V.8,33% Adidas AG8,33% Allianz SE8,33% Audi AG Aktiengesellschaft (AG) - Sociedade Anônima FSV Mainz 05   Eingetragener Verein (e.V) - Associação FC Ingolstadt 04   Eingetragener Verein (e.V) - Associação FC Schalke 04 Gelsenkirchen   Eingetragener Verein (e.V) - Associação SC Freiburg   Eingetragener Verein (e.V) - Associação SV Darmstadt 98   Eingetragener Verein (e.V) - Associação Borussia VfL 1900 Mönchengladbach GmbH 100% Borussia VfL 1900 Mönchengladbach e.V. Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) - Sociedade Limitada RasenBall Leipzig GmbH 99% Red Bull GmbH1% RasenBallsport Leipzig e.V. Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) - Sociedade Limitada TSG Hoffenheim Fussball-Spielbetriebs GmbH 4% TSG1899 Hoffenheim e.V.96% Dietmar Hopp Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) - Sociedade Limitada VfL Wolfsburg-Fussball GmbH 100% Volkswagen AG Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) - Sociedade Limitada FC Köln GmbH & Co. KgaA 100% FC Köln 01/07 e.V. Kommanditgesellschaft auf Aktien (KGaA), deren Komplementär eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) (Gmbh & Co. KGaA) - Sociedade em comandita por ações (KGaA), cujo "parceiro geral" é uma Sociedade Limitada (GmbH) Borussia Dortmund GmbH & Co. KGaA 60,36% free float14,78 % Evonik Industries AG9% Bernd Geseke5,53% BVB 09 e.V. Dortmund5,43% Signal Iduna5% Puma SE Kommanditgesellschaft auf Aktien (KGaA), deren Komplementär eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) (Gmbh & Co. KGaA) - Sociedade em comandita por ações (KGaA), cujo "parceiro geral" é uma Sociedade Limitada (GmbH) FC Augsburg 1907 GmbH & Co. KGaA 100 % FC Augsburg 1907 e.V. Kommanditgesellschaft auf Aktien (KGaA), deren Komplementär eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) (Gmbh & Co. KGaA) - Sociedade em comandita por ações (KGaA), cujo "parceiro geral" é uma Sociedade Limitada (GmbH) Hertha BSC Berlin GmbH & Co. KgaA 90,3% Hertha BSC e.V.9,7% KKR&Co. L.P. Kommanditgesellschaft auf Aktien (KGaA), deren Komplementär eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) (Gmbh & Co. KGaA) - Sociedade em comandita por ações (KGaA), cujo "parceiro geral" é uma Sociedade Limitada (GmbH) Werder Bremen GmbH & Co. KGaA 100% SV Werder 1899 e.V. Kommanditgesellschaft auf Aktien (KGaA), deren Komplementär eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) (Gmbh & Co. KGaA) - Sociedade em comandita por ações (KGaA), cujo "parceiro geral" é uma Sociedade Limitada (GmbH) Do ponto de vista organizacional, adotam-se as seguintes formas jurídicas: a Sport Association (associação esportiva) e três espécies empresariais: AG, GmbH e GmbH & Co. KGaA. A AG se equipara à sociedade anônima brasileira. Tem seu capital social dividido em ações que podem ser negociadas, ou não, em bolsa. A GmbH se assemelha à sociedade limitada, tipificada e regulada no Código Civil. Já a GmbH & Co. KGaA é um tipo híbrido, que pode ser enquadrado como uma sociedade em comandita por ações (KGaA) cujo general partner é uma sociedade de responsabilidade limita (GmbH). Apenas 5, dos 18 clubes da 1ª divisão, mantêm a forma associativa. Os demais optaram por uma das espécies destinadas ao exercício da empresa. Desses 13, somente 1 abriu seu capital: o Borussia Dortmund. Os demais contam com investidores externos. O exemplo mais emblemático (e exitoso) é o Bayern de Munique, que recebeu investimentos de 3 investidores - Adidas, Audi e Allianz -, sendo que cada um passou a deter 8,33% do capital social, totalizando, assim, uma participação externa de apenas 25%. Apesar de apenas 5 times terem faturado menos de Euros 100 milhões na última temporada, a disparidade entre os dois maiores times e os demais evoca o modelo de duopólio construído na Espanha: Bayern e Borussia apuraram faturamentos consolidados de quase Euros 1 bilhão - pouco menos de 1/3 da liga toda. Aliás, o faturamento da liga, na temporada 2015/2016, foi de aproximadamente Euros 3,24 bilhões. Um montante realmente expressivo, especialmente pelo fato de a maioria dos times não ostentar tradição ou prestigio futebolístico. __________ 1 "(.) Sports associations (...) must have minimum of 50%+1 of share in the company of commercial law at the general meeting (in the case of a limited partnership, the parent association must have 100% of shares in the subsidiary company and not less than 50% of the votes on general meeting (Lizenzierungsordnung, pp. 7-9, Satzung die Liga, p. 8). (.) The characteristic of the German professional football is the legal solution commonly know as "the principle of the 50%+1": Sports associations, which are converted into commercial companies should have a majority of shares in the newly established business entity (...)" (GRABOWSKI, Artur. Institutional and legal order's effect oneconomic situation of the german sector of sports enterprises). 2 Um caso merece atenção especial: RB LEIPZIG. Essa sociedade seria, de fato, controlada pela Red Bull e o corpo de associados consistiria em apenas uma fachada para atender à formalidade da lei. 3 "RB Leipzig sign up to the letter of the 50+1 rule but - so their critics allege - corrupt its spirit: while membership at Dortmund costs adults ?62 per annum, being a "gold" member at Leipzig will set you back ?1,000 a year - and that still only makes you a "supporting" or non-voting member. Even after being forced by the German FA to open up their membership structure in order to get a licence for the first division, RB Leipzig only have 17 members proper - the majority of whom are either employees or associates of Red Bull."
Alex Atala, provavelmente o mais talentoso cozinheiro que o país produziu, afirma que o ingrediente alimentar que une os brasileiros, independentemente de origem, classe ou região, é a mandioca e as suas farinhas (e não o arroz com feijão)1. Essa revelação, que foi precedida de intensa pesquisa e visitação, contribui para o resgate de hábitos alimentares que marcaram a formação de nossa cultura. Partindo-se da classificação de Ezra Pound2, Alex Atala se enquadra no tipo de pessoas caracterizadas pela maestria. Os mestres se diferenciam dos inventores - que são os homens descobridores de novos processos - pois, apesar de não terem inventado tais processos, os usam tão bem ou melhor que os próprios inventores. Sua maestria, contudo, mesmo associada à sua capacidade inata de comunicação e encantamento, sobretudo pela paixão que envolve suas proposições, não produzirá um país melhor a partir da mandioca. Tite também se classifica entre os mestres. Um mestre ainda em evolução, mas que poderá, talvez, se sentar ao lado de outros, sagrados e consagrados, como Telê Santana e Pep Guardiola. Ou almejar um posto maior. O produto que ele maneja, no entanto, ao contrário da mandioca - e de qualquer outro elemento que reúne expressão de cultura e alguma relevância econômica - é dotado de poder transformacional. A expressão dessa realidade se acentua nos momentos de necessidade de afirmação nacional. É exatamente o que se passa com o processo de beatificação de Tite, desde o início de seu trabalho na liderança da seleção brasileira. Ao treinador se tenta conferir o crédito pelo início do resgate da confiança e do orgulho de ser brasileiro, num momento extremamente delicado da história política e econômica do país. A transformação do ambiente se opera, portanto, pelo futebol, e não pelo prometido resgate da economia. E decorre, vale ressaltar, da atuação de um novo líder, um quase-Messias, e não de um processo de reformulação das bases do esporte, especialmente para colocá-lo no mesmo patamar de seus oponentes internacionais. Desse processo não participaram os donos do futebol, que nada fizeram - e nada fazem, efetivamente - para a operação do quase-milagre. Foi obra do acaso, ou de Deus, que é, afinal, brasileiro. Esse diagnóstico é assustador: Tite é efêmero; sua vontade e sua energia para produzir o bem podem se esgotar; e, num cenário que não se pode desprezar, a convergência e união grupal podem se dissipar, e os resultados positivos tornarem-se menos frequentes. De todo modo, esse lampejo ufanista que o brasileiro começa a reverberar, de certa forma tributário de um modelo de país que não se quer ver nem pintado de verde e amarelo, revelam, no entanto, a força da maior expressão cultural do país: seu futebol. O futebol não solucionará todos os problemas do país. Mas poderá integrá-lo e promover pujança econômica e avanços sociais. Porém, pessoas que se deliciam com as extravagâncias culinárias alienígenas, quando a conta se apresenta em euros ou dólares, mas que são incapazes de compreender a proposta revolucionária de um cozinheiro (ou chef) local, quase macunaímico, que oferece produtos em reais, mantêm-se curvadas à secular dominação europeia, agora sob a forma do jogo de bola. A incapacidade - ou falta de vontade - de transformar o país é enaltecida pelo empenho na formação de um novo símbolo transformador que, paradoxalmente, reforça o status quo. A seleção deveria pertencer aos brasileiros. Tite vem se apresentando, realmente, como o instrumento de aproximação e fiador de um novo romance. O problema é que ele representa, institucionalmente, os algozes das milhões de pessoas que sonham, de modo legítimo, com uma vida melhor a partir do futebol, com um futebol melhor ou apenas com a sua devida valoração no plano econômico. O conflito está posto. Se Tite atingir seu objetivo como técnico - o título da Copa do mundo, ou uma participação reconhecidamente encantadora, como a da seleção de 1982 -, não poderá ignorar o dever de protagonizar a revolução da governação do futebol brasileiro. E, assim, tornar-se, além de mestre, um grande inventor. __________ 1 Nada de arroz e feijão: saiba qual alimento une o Brasil, segundo Atala. 2 Pound, Ezra. ABC da literatura; organização e apresentação da edição brasileira Augusto de Campos; tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes - 11. ed. - São Paulo: Cultrix, 2006, p. 42.
quarta-feira, 29 de março de 2017

Basta

Qual é a relevância da federação de Roraima para o futebol brasileiro? E a do Acre? Ou a de Mato Grosso? Não se tem nada, absolutamente nada contra os Estados mencionados e outros que, no plano do futebol, jamais tiveram qualquer papel relevante em sua organização e funcionamento. Mas não se pode admitir que, no âmbito da política do futebol, suas federações tenham a mesma relevância que a federação paulista, com seus 4 grandes times e quase uma dezena de outros com alguma tradição e importância econômica; ou que a carioca, com uma estrutura, de certo modo, semelhante; ou, ainda, que a federação gaúcha e a mineira, que hospedam, pelos menos, dois times de expressão cada. Sem contar a pernambucana e a baiana que, se impusessem uma organização adequada aos seus times, poderiam almejar a dominação nacional. Também não se pode admitir que as federações dos inexpressivos Estados no plano futebolístico tenham mais força do que Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Atlético, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Bahia, Vitória, Sport ... Esse foi o sistema arquitetado, semana passada, certamente com base em robustas opiniões jurídicas, para preservar o modelo de dominação e apropriação do futebol brasileiro: a atribuição de 3 votos às federações, enquanto os times da primeira divisão carregam 2 votos e os da segunda, apenas um. Ou seja, os clubes jamais conseguirão controlar a organização do futebol. A situação é grave. A gravidade se revela pelo incessante distanciamento do torcedor, do brasileiro em geral, do estádio, de seus times. São reflexos evidentes de que os donos do poder não conseguem - ou não querem - estabelecer uma relação de afinidade com a torcida, com a sociedade. Pretendem, ao contrário, o distanciamento, para, assim, manter a dominação. Há quem diga e projete o fim do esporte no país. Ou que questione a dimensão da paixão que realmente se nutre pelo jogo de bola. Qualquer que seja o ângulo de análise, o espectro costuma ser negativo, e expressa, de certo modo, a resignação coletiva. O que não se percebe, com raríssimas exceções, é que o futebol não é mais brasileiro, do brasileiro. Ele pertence a um grupo de interesse que se apropriou não apenas do próprio futebol, mas de símbolos nacionais: o hino, as cores e a bandeira. Esse grupo, ademais, se beneficia de um monopólio artificial, criado pela adesão a um sistema planetário que impede a entrada de novos concorrentes, em qualquer um de seus níveis organizacionais, sem oferecer um sistema local de contrapartidas. Não há saída, portanto, para essa situação, enquanto o brasileiro não gritar basta. Um grito individual, às margens de um córrego, já foi, segundo a história oficial, capaz de impor um novo modelo político, sem guerra, sem sangue, sem morte. Um grito coletivo, nos dias de hoje, com a penetração das novas mídias e das redes sociais seria, é bem provável, capaz de produzir transformações mais profundas. Serão elas desejadas, no entanto? Jogadores, torcedores, treinadores, dirigentes de clubes, jornalistas, profissionais liberais, professores, empresários, artistas, agentes de mercado, enfim, estará a sociedade em busca da libertação do maior patrimônio cultural do país? Ou preferirá continuar a testemunhar a desconstrução de sua história? Ou será que preferirá continuar a esquentar os sofás, nas tardes ensolaradas de sábado e domingo, diante do mundo encantado do futebol europeu?
O anteprojeto de Lei Geral do Esporte Brasileiro, objeto da coluna da semana passada (16/3/2017), propõe a criação, no capítulo V, seção II, da Sociedade Anônima Esportiva ("SAE"). O art. 144 estabelece, nesse sentido, que ela terá "capital dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas". Em seu conteúdo, adotam-se, em grande parte, o modelo e a redação que constam do Projeto de lei 5.082/16, de autoria do Deputado Federal Otavio Leite ("PL 5.082"), que cria, no Brasil, a sociedade anônima do futebol ("SAF"). Aliás, o art. 1º do PL 5.082 prevê que a "sociedade anônima do futebol - SAF terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas". Há, porém, um propósito estrutural, que motiva a criação da SAF, que não se conseguirá absorver na SAE: a formação de um ambiente organizado, estruturado e regulado, que estimule e incentive o desenvolvimento de determinada atividade. Uma atividade, no caso do futebol, que pode, pela sua dimensão e capilaridade, transformar-se em um efetivo elemento de integração nacional, de geração de empregos e de renda, de atração de investimentos e de arrecadação de tributos. Esta é a perspectiva que justifica a concepção de um novo tipo societário, como a SAF. A SAF não é, portanto, a finalidade do PL 5.082. Ela é o instrumento de viabilização de um projeto maior e mais audacioso, que consiste, como já indicado, na formulação de um sistema, um "ecossistema" sustentável, construído sobre os pilares de preservação do futebol como bem cultural e de sua potencialidade econômica e de mercado. Caso contrário, não haveria necessidade de criação de uma nova via de direito para organização da atividade futebolística. Note-se, nesse sentido, que qualquer entidade esportiva já pode - e sempre poderá - adotar algum dos tipos societários já existentes, como a sociedade anônima ou a sociedade limitada, para organização de empresas esportivas. Esses tipos societários, além de conhecidos, já foram testados e contam com extensa jurisprudência e doutrina, oferecendo certa previsibilidade e segurança. Isso faz com que a inserção de uma nova via somente se justifique se vier a fazer parte das soluções para problemas socioeconômicos. As tentativas de induzir a transformação do clube em empresa, protagonizadas a partir dos anos 1990, demonstraram - e demonstram -, na prática, a correção dessa afirmação: projetos mal engendrados, conflitos culturais, problemas éticos, projeções irreais, apropriação de ativos intangíveis, equívocos contratuais, dentre outros fatores. Não basta, portanto, a forma e o surgimento de uma onda formal. Não basta induzir a mudança de modelo, sem tratar do ambiente em que a entidade esportiva será lançada e no qual ela passará a se relacionar com agentes preparados e experientes. O processo deve ser cuidadosamente organizado e estruturado. Esses são alguns motivos que justificam a existência do PL 5.082/16 e a necessidade de seu trâmite de modo autônomo de qualquer tentativa de regulação genérica do esporte. Aliás, ambos os tipos societários - a SAF e a SAE - podem, em tese, conviver. Porém, o que o Poder Legislativo deve avaliar (e a sociedade civil também, pois se trata de tema de seu interesse) é a necessidade de criação de mais um tipo societário, que se somaria aos demais que já existem e, também, à SAF, a partir do momento em que vier a ser aprovada e inserida no sistema, sem que, para ele, se dê uma finalidade social e econômica. Ficam, assim, algumas perguntas: qual o propósito da SAE? A que se prestará? Quais serão os benefícios sociais e econômicos? E os custos envolvidos em sua concepção e integração ao sistema? Essas perguntas devem ser respondidas para que o debate possa prosseguir de forma saudável e útil à sociedade.
Em 27 de outubro de 2015, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, instituiu, por meio do Ato n. 39, uma Comissão de Juristas ("Comissão"), com o propósito de elaborar uma Lei Geral do Esporte Brasileiro. De acordo com o Presidente da Comissão, Caio Cesar Vieira Rocha, os seus membros procuraram "sistematizar de forma mais adequada e atualizar a miríade de normas que regulamentam o desporto". De modo que se buscou "ainda instituir o marco regulatório de matérias não disciplinadas, mas que constituem realidade da vida esportiva". A referida Comissão propôs, assim, estabelecer um "Sistema Nacional do Esporte, com a criação de um Fundo Nacional do Esporte, com a ideia de que mais recursos sejam utilizados para fomentar o esporte, no âmbito nacional, estadual e municipal". O anteprojeto também pretende regular vias de direito para organização da empresa esportiva. Afirma, neste sentido, o seu Relator, Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, que "a criação de organizações esportivas na forma de sociedades empresárias continua a ser facultativa. Trago como novidade - (ele afirma) - (1) a criação das Sociedades Anônimas Esportivas, com regulação própria e (2) a extensão dos benefícios tributários hoje disponíveis apenas às organizações esportivas sem fins econômicos para as que se organizam como sociedades empresárias"1. A iniciativa merece profundo e intenso debate. O ponto de partida deve ser, em minha opinião, a sua principal premissa: faz sentido uma Lei Geral organizadora de toda e qualquer forma de manifestação ou prática esportiva, independentemente de sua penetração, relevância cultural e importância econômica? Na mesma linha, não seria o caso de reconhecer as especificidades de certas atividades e tratá-las autonomamente, por conta, justamente, da mencionada relevância cultural e econômica? Entendo que sim. E o grande motivador dessa afirmação é o futebol. Parece-me que, enquanto o mundo ocidental criava as bases para formulação de uma nova ordem futebolística mundial, já assimilada pelos principais centros europeus e vários países latino-americanos (como México, Chile e Colômbia), e enquanto a China assombra o planeta com os investimentos milionários voltados à dominação futura do mercado da bola, o Brasil patina em seus velhos dogmas e na tentativa de erigir um modelo heroico que, a um só tempo, resolva todos os seus problemas e que se construa sobre conceitos utópicos. Não se faz aqui, é bom registrar, uma crítica aos membros da Comissão. Apenas se lança luz sobre a necessidade, sobre a urgência, de, em um ato de generalizada humildade, reconhecer que a formação do novo mercado do futebol deve ter um tratamento próprio, sem que se perca em conceitos e princípios éticos e estéticos, reflexivos da atual conjuntura político-econômica, e insuficientes para solucionar um problema epidêmico. O futebol brasileiro não se recuperará e não assumirá o papel transformador a que se destina pelo simples fato de se sujeitar a uma lei geral, grandiosa em sua pretensão e em seu conteúdo. A solução virá de outra dimensão: do mercado, de um novo e organizado mercado. Falta ao país, porém, um conjunto normativo adequado, direcionado, compacto e capaz de organizar e disciplinar o mercado, e que ofereça instrumentos eficientes de fiscalização e sanção de seus agentes. Sem este encaminhamento não se evitarão novas experiências negativas, tais quais aquelas protagonizadas a partir da Lei Zico e, sobretudo, após o advento da Lei Pelé, que partiam da incorreta premissa de que a simples transformação do clube em empresa solucionaria as mazelas da secular estrutura associativa. Também lhe falta, como afirmou Ludwig Von Mises - em palestra em que aborda as necessidades das "nações subdesenvolvidas" -, capital; falta-lhe capitalismo2. Ao que se poderia, casuisticamente, acrescentar: falta a substituição do modelo de capitalismo cartolarial - que despreza a força econômica dos competidores e o livre mercado, e privilegia os conflitos e benefícios privados - pelo capitalismo arquitetado pelo Estado, para atração de agentes que poderão, enfim, financiar o desenvolvimento do futebol e, consequentemente, contribuir para integração e evolução da sociedade. Aliás, a sociedade brasileira deve participar desse debate, inclusive por sugestão do próprio Presidente da Comissão, que anota, em sua apresentação, que "não há a pretensão de apresentar-se aqui um diploma perfeito, pronto e acabado". Somente com a sua participação - e reivindicação - o Congresso Nacional atentará para a necessária instituição de uma via de direito arquitetada com o propósito de resgatar a mais profunda e intensa manifestação cultural do brasileiro e, sem descaracterizá-la, projetar sua transformação em um poderoso produto nacional. __________ 1 O relator aponta, em relação a estas matérias, que as contribuições dos autores intelectuais do anteprojeto que cria a sociedade anônima do futebol, que se converteu no Projeto de Lei n. 5.082/16, de autoria do Deputado Otavio Leite, foram "importantes para a redação da parte referente às S.A.s esportivas". 2 Mises, Ludwig von. O livre mercado e seus inimigos: pseudo-ciência, socialismo e inflação; tradução de Flavio Quintela - Campinas, SP: VIDE Editorial, 2017, p. 73.
quarta-feira, 8 de março de 2017

Barbarians at the gate

O título desta coluna foi extraído de uma fascinante narrativa, contada por Bryan Burrough e John Helyar. Trata-se, aliás, de uma espécie de literatura, realmente farta em países anglo-saxões, sobretudo nos Estados Unidos, mas que, no Brasil, ainda não despertou a devida atenção de jornalistas, editores e leitores. O livro, cujo título completo é Barbarians at the gate - the fall of RJR Nabisco, relata uma sucessão de histórias que se passam no ambiente das grandes companhias americanas. O pano de fundo é a RJR Nabisco, uma companhia com atuação nos setores de fumo e alimentos; nos planos frontais, narram-se as tramas envolvendo seus administradores e acionistas e seus planos de dominação empresarial. O clímax da narrativa envolve a decisão do CEO da companhia, com apoio de um consórcio de financiadores, de realizar uma oferta para aquisição das ações da própria companhia e, assim, tornar-se, em conjunto com outros agentes, o seu controlador. O negócio, à época - anos 80 -, representava a maior transação da história corporativa. Mas não decolou da forma planejada e os bárbaros, que abalaram as estruturas de uma companhia com ampla penetração, deixaram de ocupar lugares de destaque na sociedade corporativa. Evidentemente que os arquitetos desse take over, de bárbaros, não tinham nada. Eram profissionais extremamente talentosos, sofisticados e ambiciosos. Mesmas características de outros bárbaros que, apesar de não terem batido às portas do futebol brasileiro, já se lançaram em aventuras nos países vizinhos. Os bárbaros, no caso, são mexicanos. Especificamente um grupo empresarial, chamado Pachuca, que se lançou em terras portenhas para adquirir o Club Atlético Talleres, da cidade de Córdoba. E há mais: em 2016, adquiriu 80% da equipe chilena Corporación Deportiva Everton de Viña del Mar, da cidade de Viña del Mar. Não são times expressivos, é verdade; mas as iniciativas têm como propósitos transformá-los em máquinas de formação de jogadores e verdadeiros aspirantes ao sucesso. Essa afirmação se sustenta na própria história do Grupo que, em 1995, adquiriu o Pachuca Club de Fútbol, pertencente ao Estado de Hidalgo. Em 1998, o time subiu para primeira divisão, colecionando, desde então, 6 títulos da Liga, 4 títulos da Liga de Campeões da Concacaf e 1 da Copa Sul Americana. Em 2010, o Grupo adquiriu outro time mexicano, o Club León. Em 2012, após passar 10 anos na segunda divisão, subiu à primeira. Em 2013, conquistou o título Apertura e, em 2014, o Clausura. Outro time, o Tecos Fútbol Club, foi adquirido em 2014. Seu nome passou para Mineros de Zacatecas e sua base transferida para Zacatecas. Em sua primeira temporada na Liga de Acesso, alcançou o segundo lugar. A proposta dos dirigentes do Grupo é levar o modelo de negócios para os demais times investidos, a começar pelo chileno e o argentino, e, em três ou quatro anos, fornecer muitos de seus jogadores às seleções dos respectivos países. O próximo passo do Grupo, seria, conforme rumores de mercado, a aquisição da Corporación Deportiva Once Caldas, da Colômbia. Respaldo para isso o Grupo aparentemente tem: em 2012, Carlos Slim, o homem mais rico do México e o 4º do planeta, associou-se ao projeto. Pois bem, quando chegará a vez do Brasil? Qual será o alvo da invasão bárbara? Intuitivamente, caso o Grupo realmente se dirija para cá, o alvo inicial deverá ser um time menor, com alguma organização interna e poucos conflitos políticos. E que, com capital e uma sólida governança, seja capaz de trilhar uma história de ascensão e conquistas. Para concluir, talvez seja mais um alerta para os times tradicionais. Se não acordarem para nova ordem mundial, poderão, a médio ou longo prazo, se tornar parte de livros de história.
A BM&FBOVESPA ("Bolsa") é a maior bolsa da América Latina. Organiza-se como uma companhia aberta, cujas ações de sua emissão são negociadas na própria Bolsa. Compete-lhe a administração de mercados organizados de títulos, valores mobiliários e contratos derivativos, e a prestação de serviços de registro, compensação e liquidação. A Bolsa oferece, conforme seu sítio eletrônico, "ampla gama de produtos e serviços, tais como: negociação de ações, títulos de renda fixa, câmbio pronto e contratos derivativos referenciados em ações, ativos financeiros, índices, taxas, mercadorias, moedas, entre outros; listagem de empresas e outros emissores de valores mobiliários, depositária de ativos, empréstimo de títulos e licença de softwares". A estruturação jurídica atual, sob a forma de companhia, é relativamente recente, e fruto da integração, realizada em 2008, da Bovespa e da BM&F. A integração não abalou o processo de criação e implementação dos segmentos especiais de listagem, surgidos no ano 2000. Aliás, os segmentos Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Novo Mercado, Nível 2 e Nível 1 foram instituídos com a convicção de que contribuiriam para o desenvolvimento do mercado de capitais, pois exigiam normas mais aguçadas de governança das companhias que neles voluntariamente se listassem. O desenvolvimento se daria pela atração de investidores dispostos a aplicar seus recursos em papeis de companhias que assegurassem diretos, garantias e informações mais detalhadas e sofisticadas. Segundo a própria Bolsa, "desde a criação desses segmentos, a BM&FBOVESPA tem atuado no sentido de identificar o 'estado da arte' da governança corporativa. Com esse objetivo, a BM&FBOVESPA vem realizando pesquisas intensas sobre as melhores práticas adotadas internacionalmente". O Novo Mercado, por exemplo, tornou-se um padrão de referência e, de certo modo, empresta, às novas aberturas de capital, credibilidade e confiabilidade. Ao listar-se nesse segmento, a companhia deve (i) emitir apenas ações ordinárias, com direito a voto, (ii) oferecer a todos os acionistas o direito de vender suas ações pelo mesmo preço atribuído às ações de controle, (iii) criar conselho de administração composto de pelos menos 20% de conselheiros independentes, dentre várias outras regras mandatórias. Para as companhias de menor porte e que almejam realizar captações menores, criou-se o Bovespa Mais. Pretende-se, com ele, na outra ponta, atrair investidores que busquem um maior potencial de desenvolvimento do negócio - e, consequentemente, se disponham a correr maior risco. Em textos recentes, publicados nesta Coluna, sugeri a criação, pela Bolsa, de mais um segmento especial: o Bovespafut, com o propósito de listar e negociar papeis de companhias do futebol. Sua criação parte de algumas premissas. Primeira, de que o futebol, no Brasil, é grandioso e pode tornar-se uma atividade econômica realmente pujante. Segunda, de que há espaço para criação do Novo Mercado do Futebol. Terceira, de que, sendo a Bolsa uma companhia aberta, a criação do segmento justifica-se apenas se mostrar-se viável do ponto de vista econômico. Quarta, e não menos importante, de que a nova ordem do futebol brasileiro somente se iniciará com a produção de uma regulação capaz de oferecer os meios para induzir um novo modelo de propriedade dos ativos futebolísticos e uma governança própria e específica. Não existe na experiência internacional, é bom registrar, um país ou uma bolsa que tenha criado um segmento especial para o futebol. As emissões realizadas em países europeus ou nos Estados Unidos ocorrem nos ambientes disponíveis a qualquer companhia. Assim, o Bovespafut, como segmento destinado ao futebol, seria uma iniciativa pioneira da Bolsa brasileira. Há outro modelo, porém, que poderia ser instituído pela Bolsa, em paralelo ou em substituição à segmentação. Trata-se, aliás, de iniciativa já existente para determinado setor: o programa de certificação, que estabelece certos padrões de controle, conduta e governança às companhias que pretendem obter o certificado emitido pela Bolsa. Neste sentido, foi criado, em setembro 2015, o Programa Destaque em Governança de Estatais, destinado às companhias de economia mista abertas ou em processo de abertura de capital. De acordo com a Bolsa, "a iniciativa tem por intuito contribuir para a restauração da relação de confiança entre investidores e estatais, apresentando medidas objetivas e concretas com o fim de colaborar para a redução de incertezas relativas à condução dos negócios à divulgação de informações, notadamente quanto à consecução do interesse público e seus limites, além do componente político inerente a essas empresas". A adesão ao programa é voluntária, assim como seria, também, às companhias do futebol, em um eventual Programa de Certificação das Sociedades Anônimas do Futebol. Ademais, ao implementar parcial ou totalmente as medidas sugeridas pela Bolsa, as sociedades anônimas do futebol receberiam um certificado de governança que indicaria o padrão de implementação e o comprometimento com a adoção de boas práticas de governança. Esse programa de certificação, que também pode ser batizado de Bovespafut, talvez seja o passo inicial para aproximação de dois mundos que, apesar de historicamente distantes, poderão protagonizar o casamento econômico do século: o futebol e o mercado de capitais.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O fenômeno dos grupos no âmbito do futebol

A receita dos principais times do planeta impressiona. Conforme números da temporada 2015/2016, o Manchester United apurou uma receita de 689 milhões de euros. Em segundo lugar veio o Barcelona, com receita de 620,2 milhões de Euros, seguido pelo Real Madrid, com 620,1 milhões de euros. O Bayern se colocou em quarto, com 592 milhões de euros. Na sequência o Manchester City, com 524,9 milhões de euros e, em sexto, o PSG, que atingiu 520,9 milhões de euros1. Dentre os top 20 da temporada, apareceu o pequeno Leicester, que apurou 172,1 milhões de euros. Este número foi afetado pelo inédito título do campeonato inglês, fato que justifica um acréscimo de 25,6% em relação ao ano anterior, de 137 milhões de euros para o montante acima mencionado. Voltando ao grupo dos 6 maiores, o caso do Manchester City merece atenção. Não apenas pelo montante apurado, mas, também, pelo modelo de negócios da empresa que o controla. Em 2008, o clube foi adquirido pelo Abu Dhabi United Group. O grupo, posteriormente, constituiu uma holding, a City Football Group, que passou a deter ativos ligados ao futebol. Além do próprio Manchester City, somam-se ao portfólio o New York City F.C., o Melbourne City F.C. e o Yokohama Marinos. Como esse exemplo poderia ser aproveitado para o desenvolvimento do futebol brasileiro? Veja-se uma situação: o Brasil é o país que mais exporta jogadores. Em 2016, foram 806. O maior importador do produto brasileiro foi Portugal, com 1682. As exportações têm como origem, em sua maioria, países menos relevantes ou, em muitos casos, inexpressivos no contexto mundial. Isso justifica o baixo valor de negociação. O brasileiro sai do país por, em média, R$ 1,02 milhão3. Em outras palavras, produz-se e se negocia, por aqui, commodity. Esta commodity, após se conformar em mercados europeus, é negociada por preços muito mais expressivos. A média do valor de negociação do jogador que sai da Espanha, por exemplo, é de R$ 3,26 milhões. Essa diferença poderia ser aproveitada pelos times brasileiros. De que forma? Simples: fosse o time operado por uma sociedade anônima do futebol, ele poderia captar recursos para investir, por exemplo, na aquisição de um time europeu de país menos expressivo ou de times de segunda divisão dos principais campeonatos. A aquisição poderia ser parcial ou total. O time adquirido - ou os times, se a captação fosse relevante e as oportunidades aparecessem - seria o destino de certos jogadores, que se habituariam ao jogo e às condições continentais. Após o devido "estágio", seriam negociados com times mais expressivos, capturando-se o excedente que, atualmente, se dispersa entre intermediários. O modelo financeiro das negociações dependeria algumas diversas variáveis, podendo se tratar de uma cessão efetiva direitos, com o pagamento do preço pelo cessionário ao cedente, o qual, futuramente, receberia os dividendos decorrentes dos lucros apurados, ou de empréstimo. A criação do novo mercado do futebol, que vem sendo proposta nesta Coluna, por via, especialmente, da instituição da sociedade anônima do futebol, na forma do PL 5.082/16, oferecerá os mecanismos necessários para que se criem, a partir de times brasileiros, grupos futebolísticos mundiais. Aliás, essa proposição não é fruto de devaneio. Já está em curso, sob diversas formas. Além da experiência do Manchester City, que tem como controladora uma holding de investimentos, o Atlético de Madri segue o seu caminho. Em janeiro de 2017, seu presidente manifestou interesse na aquisição do Club San Luis, do México, para que tivesse uma presença comercial e desportiva no país4. Não foi o primeiro caso, pois seus investimentos se espalham. Em 2016, por exemplo, já se havia anunciado a aquisição de participação equivalente a 34,6% do time francês Lens, da segunda divisão5. Enfim, o futebol se insere, queiramos ou não, numa nova ordem. Se os times brasileiros não se adaptarem, eles se consolidarão, nessa ordem, como exportadores de commodity. E nada além disso. __________ 1 Deloitte Football Money League 2017. 2 O Globo. 3 Idem. 4 Atlético de Madrid espera cerrar en breve la compra del Club San Luis mexicano. 5 La Junta de Accionistas del Atlético aprueba la compra del 34,6 del Lens.  
Não é fácil explicar, mesmo aos operadores do Direito, que a empresa não pertence aos sócios da sociedade empresária. De modo sucinto, os sócios são titulares de ações (ou quotas) emitidas pela sociedade, que lhe conferem direitos políticos (voto) e econômicos (expectativa ao dividendo). O dono da empresa (bens organizados para produção e circulação de produtos ou serviços) é a própria sociedade. Por isso, um acionista da Petrobras não é o dono dos barris de petróleo e das plataformas e não pode dispor ou fruir dos bens que compõem o patrimônio social. Da mesma forma, o associado de um clube (que é, no plano jurídico, uma associação civil) não é dono de seus ativos, incluindo o time de futebol. O dono, no caso, é o próprio clube. Esse modelo se aplica tanto às grandes companhias, com suas centenas (ou milhares) de sócios, como às pequenas sociedades, constituídas por dois ou poucos sócios. Toda pessoa jurídica - sociedade empresária ou associação civil - é composta de órgãos. Os órgãos não têm autonomia ou personalidade; eles compõem o organismo societário ou associativo. A administração é órgão vital da pessoa jurídica. Um sócio pode ser administrador da pessoa jurídica. Neste caso, sua atuação como sócio não se confunde com seus atos como administrador. O administrador representa a pessoa jurídica e assume obrigações em nome dela. Essas obrigações podem ter como contraparte (i) um sócio, (ii) um administrador, (iii) uma pessoa ligada aos administradores ou (iv) uma pessoa ligada aos sócios da sociedade. Esse grupo de pessoas é denominado parte relacionada. No âmbito do mercado, há uma série de diretrizes ou normas que tratam das negociações entre sociedades empresárias e partes relacionadas. Uma forma eficiente de tratamento consiste na vedação, prevista em estatuto da sociedade empresária, de negócios com partes relacionadas sem a aprovação de um órgão colegiado (conselho de administração ou assembleia geral de sócios). Essa prática não costuma ser adotada pelas associações civis que operam os times de futebol. Mas é justamente nessas entidades, em que nenhum associado detém mais de um voto, igualando-se a todos os demais, independentemente de sua condição financeira e poder político, que os negócios com partes relacionadas podem servir para obtenção indevida de privilégios e benefícios pessoais. O ambiente do clube pode, assim, tornar-se um centro facilitador e indutor de negócios entre associados ou suas partes relacionadas e o próprio clube. Esses negócios não são, por definição, ilícitos ou desvantajosos ao clube. Mas devem, em qualquer circunstancia, ser verificados previamente e tornados públicos, para que todos saibam que (i) uma parte relacionada está contratando com o clube e (ii) em quais condições. Essa sugestão deve se aplicar a qualquer relação que envolva o futebol, desde uma simples prestação de serviço a um complexo contrato de fornecimento. O controle desse mecanismo se dá por duas vias: a primeira, como condição de realização do negócio, consiste, conforme já se apontou acima, na aprovação prévia, por um órgão colegiado, de negócios com partes relacionadas. A segunda, de natureza informativa, mediante a instituição de um relatório periódico, que se consolida na prestação de contas anuais, no qual se indica (i) o tipo da relação, (ii) o valor do contrato, (iii) o prazo do contrato, (iv) a justificativa para contratação da parte relacionada, (v) a demonstração de que a contratação se realizou no interesse do clube e em condições de mercado, sem favorecimento ao contratado, e (vi) a data da aprovação e os nomes dos membros do órgão colegiado que participaram da deliberação, e a forma como votaram. Essa proposta pode ser implementada por qualquer clube, imediatamente. Não há necessidade de reforma ou imposição legislativa. Aliás, um clube brasileiro já adotou esse processo por via estatutária e, espera-se, venha a utilizá-lo para trazer transparência e boa governança ao futebol. Trata-se do São Paulo Futebol Clube, e o tema está regulado no artigo 106 do seu estatuto, aprovado na assembleia geral de associados realizada no dia 3 de dezembro de 2016. As letras (m), (n) e (o) do mencionado artigo determinam que compete ao conselho de administração, órgão colegiado formado por nove membros, dentre eles três independentes: "m) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que integre o Conselho Deliberativo, o Conselho Consultivo, o Conselho Fiscal, o Conselho de Administração, a Diretoria Eleita, a Diretoria Social ou a Diretoria Executiva, ou que seja um Associado do SPFC"; "n) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, das pessoas mencionadas no inciso anterior"; "o) Aprovar a celebração de qualquer contrato com sociedade empresária na qual as pessoas indicadas nas alíneas (m) e/ou (n) sejam controladoras". Aí já se vê que, enfim, as boas práticas de governança, reconhecidas pelo mercado, começam a influenciar o funcionamento da empresa futebolística.
No dia 9 de fevereiro de 2016, o Conselho de Administração do Sporting, de Portugal, emitiu o seguinte comunicado ao público: "Comunicado da Sporting SAD sobre prorrogação do vínculo de William. Nos termos e para efeitos do cumprimento da obrigação de informação que decorre do disposto no artigo 248.º, n.º 1 al. a) do Código de Valores Mobiliários, o Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informa que o atleta William Silva de Carvalho prorrogou o seu vínculo contratual com a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD até à época de 2019/2020, fixando-se a cláusula de rescisão em ?45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros). Lisboa, 9 de Fevereiro de 2016. O Conselho de Administração". No dia 16 de junho de 2016, o Benfica, outro time de Lisboa, Portugal, emitiu o seguinte comunicado ao público: "COMUNICADO. A Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, em cumprimento do disposto no artigo 248o do Co'digo dos Valores Mobilia'rios, informa que chegou a acordo com o Atle'tico de Madrid para a transferência a ti'tulo definitivo dos direitos do atleta Osvaldo Nicola's Fabia'n Gaita'n pelo montante de ? 25.000.000 (vinte e cinco milho~es de euros). Mais se informa que o jogador ira' proceder a` realizac¸a~o de exames me'dicos e a` celebrac¸a~o de um contrato de trabalho com o Atle'tico de Madrid. O Conselho de Administrac¸a~o 16 de junho de 2016" No dia 8 de janeiro de 2016, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ("CMVM"), órgão que regula e fiscaliza o mercado em Portugal, emitiu o seguinte comunicado: "O Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou, nos termos do artigo 214º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 213º do Código dos Valores Mobiliários, a suspensão da negociação das ações do Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD até à divulgação de informação relevante sobre o emitente". (grifou-se) No mesmo dia, o Porto publicou o seguinte comunicado em resposta ao comunicado da CMVM, com o propósito de reverter a suspensão da negociação com ações de sua emissão: "A Administração da FC Porto - Futebol, SAD tomou a decisão de substituir a equipa técnica liderada por Julen Lopetegui. Nesse sentido, o treino desta sexta-feira será orientado por Rui Barros, que assume interinamente a direcção técnica da equipa profissional de futebol. O FC Porto e Julen Lopetegui estão neste momento a negociar os termos da rescisão do contrato". Após o imbróglio de janeiro, o Porto passou por nova reformulação de sua equipe técnica, ocasião em que emitiu o seguinte comunicado, antecipando-se a uma possível ação do órgão regulador: "COMUNICADO. A Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, nos termos do artigo 248o no1 do Co'digo dos Valores Mobilia'rios, vem informar o mercado que chegou a acordo com o treinador da equipa principal de futebol, Jose' Peseiro, para a cessac¸a~o do seu vi'nculo contratual no final da presente e'poca desportiva. O Conselho de Administrac¸a~o. Porto, 30 de maio de 2016". Todos esses comunicados servem para atender às normas de organização do mercado acionário português. Os três times mencionados se sujeitam a essas normas porque optaram, em algum momento de suas histórias, pela abertura de seus capitais e a consequente captação de recursos junto ao público investidor. A abertura de capital é um ato voluntário do emissor das ações, deliberado pelos seus acionistas. Emissor é a companhia cujas ações são negociadas no mercado. Nos casos em referência, são emissoras as sociedades anônimas desportivas constituídas pelos clubes esportivos Porto, Benfica e Sporting, respectivamente. Além de emissoras, as sociedades anônimas desportivas passaram a exercer a empresa futebolística e são elas, e não os clubes, que entram em campo, disputam campeonatos e, eventualmente, ganham títulos. Os clubes esportivos, por outro lado, continuaram a existir, na qualidade de acionistas das sociedades anônimas desportivas e organizadores de (i) atividades não vinculadas ao futebol e (ii) puramente associativas, de interesse dos associados dos clubes. Em um ambiente de mercado, costuma-se regular a divulgação e o uso de informações, pelas emissoras de valores mobiliários, sobre atos ou fatos relevantes que possam, de algum modo, afetar (i) a cotação das ações e (ii) a decisão de investidores de comprar, vender ou manter valores mobiliários. Esse chassi também está presente na regulação do mercado brasileiro. Por isso, os principais agentes que vierem a participar da criação do novo mercado do futebol para o Brasil, incluindo os clubes (e as futuras sociedades anônimas do futebol, previstas no PL 5.082/16), a CVM e a BMF&Bovespa deverão, para que o processo funcione, refletir sobre as peculiaridades desse novo ambiente e as tradições do futebol, e reconhecer que ajustes serão necessários. Assim, se o regulador quiser tratar o futebol da forma que trata uma indústria ou um banco, dificilmente funcionará. E o motivo é simples: o futebol se sujeita ao assédio de torcedores e jornalistas que, legitimamente, buscam e divulgam a informação com o propósito meramente informativo, sem qualquer pretensão econômica ou especulativa, e a passagem ao modelo de mercado não mudará essa conduta. Por outro lado, os clubes e as futuras sociedades anônimas do futebol não poderão abusar do mesmo argumento, de que o interesse e a cobertura da mídia são incontroláveis, para evitar qualquer tipo de comunicação e deixar rolar a especulação em relação a negócios que possam afetar a cotação de ações. Uma conclusão já se pode extrair desse processo: ele contribuirá para trazer transparência e credibilidade ao futebol brasileiro.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O football americano e o nosso futebol

Apesar das (inúmeras) diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos, que se expressam em praticamente qualquer aspecto da sociedade, da economia e também do esporte, o futebol americano - que não se compara com o verdadeiro futebol, jogado com os pés - tem algumas lições a ensinar ao Brasil. O esporte não resolverá os problemas éticos e morais que sempre foram tolerados por uma sociedade que, repentinamente, tornou-se intolerante (sem olhar para si e revisitar suas próprias condutas cotidianas), mas pode, como nenhuma outra atividade, servir como elemento de integração e de desenvolvimento social e econômico. No entanto, o nosso futebol não cumprirá essas funções enquanto os modelos de propriedade e de governança permanecerem caracterizados por uma lógica colonial e extrativista. O que fazer e qual caminho seguir são dilemas que não deveriam povoar a imaginação de poucos jornalistas esportivos, sociólogos ou jogadores; esse é um tema que envolve a (re)formação da nação. E, para que se possa chegar às respostas adequadas, não há como deixar de investigar o modelo do esporte mais popular (futebol americano) do país mais poderoso do planeta e, eventualmente, dele extrair alguns elementos que sejam copiáveis ou adaptáveis. O ponto de partida é a edição norte-americana da Revista Forbes, de outubro de 2016. Nela se oferece uma fotografia da economia do football. Destacam-se alguns dados interessantes: 1. Dezoito das quatrocentas pessoas mais ricas do país detêm participação societária relevante no capital de sociedades que atuam no football. 2. Metade da fortuna de dez desses dezoito investidores se deve a esse esporte. 3. Do exercício de 2014/2015 para o de 2015/2016, o valor médio dos times teve um acréscimo de 19%, passando a US$ 2,3 bilhões. 4. Um acordo nacional de difusão garante a cada time, anualmente, antes mesmo que "one ticket, watery beer or replica jersey was sold", o montante de US$ 215 milhões. 5. Desde 1998, ano em que a Forbes começou a avaliar o valor de cada franquia (ou time), a apreciação média do setor foi quatro vezes maior do que a verificada nos ramos imobiliários (housing) e de ações (stocks). 6. Na última década, o controle societário de apenas 5 times foi trocado, revelando, aparentemente, a satisfação de quem está investido. 7. O time mais valioso é o Dallas Cowboys, avaliado em US$ 4,2 bilhões, e o menos valioso é o Buffalo Bills, estimado em US$ 1,5 bilhões. 8. O Dallas Cowboys teve receita, no último exercício, de US$ 700 milhões. 9. Investem no esporte, por exemplo: Paul Allen (Microsoft), no Seattle Seahawks; Stephen Ross (Related Cos.), no Miami Dolphins; Stanley Kroenke (NBA Nuggets, NHL Avalanche e real estate), no Los Angeles Rams; Terrence Pegula (Natural Gas), no Buffalo Bills; Joan Tisch (Loews), no New York Giants; e Robert McNair (Cogent Technologies), no Houston Texans. O ambiente do futebol brasileiro apresenta características diametralmente opostas: 1. Ausência de interesse de investidores, qualificados ou não, incluindo torcedores fanáticos, em investir no futebol. 2. Com a exceção de poucos jogadores, as únicas pessoas que ganham com o modelo vigente são os intermediários, alguns dirigentes que se apropriam das coisas dos clubes e as entidades de administração. 3. Apesar de se tentar estimar o valor dos times, eles, na prática, não conseguem se aproveitar da força de suas marcas para estruturar captações de recursos. 4. A ausência de um mercado de financiamento do futebol reduz o poder de barganha individual e inviabiliza a união dos times para, em conjunto, negociar pacotes de transmissão com as redes de televisão e outros meios, e de direitos perante a CBF. 5. O futebol é considerado pelos governantes uma atividade marginal, sem interesse econômico e social, e não constitui uma alternativa de aplicação da poupança privada. 6. O modelo de propriedade, concentrada na esfera patrimonial de associações civis sem fins econômicos, (i) estimula a apropriação, por poucos dirigentes, das decisões e, eventualmente, de parcela das riquezas dos clubes, (ii) incentiva a manutenção da falta de controle e governança para que o poder interno se concentre em um ou poucos dirigentes e (iii) impede a geração de riquezas por meio da captação de recursos, para emprego no desenvolvimento da atividade futebolística. 7. Ausência de planejamento e recursos para expansão e internacionalização dos produtos do futebol (jogadores, marcas, times, campeonatos, seleção). 8. Certeza de que o ambiente regulatório existente é inviável para formação de um mercado do futebol. É verdade que se está fazendo uma comparação entre esportes distintos. Também é verdade que os mercados e os estímulos de consumo são diferentes. E, também, que a relação que o brasileiro mantém com o seu time é mais afetiva do que comercial. E, ainda, que certas práticas, admitidas no norte, como a venda do time a um dono, sofreriam resistências nessas bandas. Mas não é menos verdade que o futebol no Brasil atrai mais de 140 milhões de torcedores, um número expressivo até para o padrão norte-americano; e que o seu mercado não se limita a esse contingente, abrangendo o público mundial, o que o eleva à casa do bilhão. Seu potencial, assim, é maior do que qualquer um dos principais esportes de massa praticados nos Estados Unidos. Aliás, maior do que todos juntos. O futebol do Brasil, a partir de um modelo de propriedade e de governança próprio, que respeite suas características e certas demandas de seus torcedores, poderia exercer um papel de protagonismo mundial que nenhum outro produto nacional jamais exerceu - ou exercerá. Produto de ponta, e não commodity, como atualmente é tratado. O sucesso dos times e do projeto norte-americanos para o football demonstram, portanto, que o futebol não precisa ser organizado de modo amador e como uma atividade quase folclórica. Demonstra, ainda, que ele pode atrair o interesse de pessoas que dispõem de recursos para financiar sua estruturação e expansão. E, como consequência, inserir-se em um ambiente, um novo ambiente, adequadamente regulado, a partir do qual possa cumprir suas funções econômicas e sociais. Esse é um verdadeiro tema nacional, que deveria atrair a atenção e a indignação do povo, que convive, passivamente, com a expropriação de um bem que, de algum modo, lhe pertence.
As últimas colunas foram dedicadas a explicar o processo de concepção, apresentação, debate e deliberação do projeto de novo estatuto do São Paulo Futebol Clube ("SPFC"). O processo chegou ao fim no último dia 3 de dezembro. Nessa data, 84% dos associados presentes à assembleia geral votaram a favor da reforma estatutária. Os números finais foram os seguintes: 621 votos a favor, 117 contra, 1 voto em branco e 1 voto nulo. A partir de agora, os administradores do SPFC deverão materializar os propósitos e os anseios dos são-paulinos, sobretudo no que se refere ao moderno e paradigmático modelo de governança previsto no novo estatuto. O êxito na implementação do novo modelo não beneficiará apenas o clube. Aliás, o SPFC deve ser encarado, neste momento, como um "projeto piloto" do futebol brasileiro. Se for bem-sucedido, deverá se expandir para outros times. Caso contrário, contribuirá para afundar o futebol num esquema obsoleto e que facilita a apropriação da coisa social por interesses privados e pessoais de alguns poucos agentes que dominam as relações clubísticas. Por esses motivos, a responsabilidade do SPFC e de seus administradores extrapola os muros do Morumbi. Sobre eles pesa, sim, a responsabilidade - e o dever - de inaugurar uma nova fase na forma como a sociedade encara e valoriza a atividade futebolística. O futebol é um bem cultural e econômico, que deve ser levado a sério. Porém, a sociedade não o valorizará e não o reconhecerá enquanto os próprios comandantes do esporte o tratarem como um subproduto. Aí se confirma, portanto, a importância histórica do novo estatuto do SPFC, que se transcreve, integralmente, a seguir. Confira na íntegra o estatuto São Paulo Futebol Clube.
A Livraria da Vila promoveu, no sábado, 26/11/16, uma incrível conversa com a participação de Casagrande, Juca Kfouri, José Trajano, Marcelo Rubens Paiva e Gilvan Ribeiro. O que a tornou incrível não foi a reunião dessas pessoas, pois, como são amigas de longa data, se encontram, aparentemente, com frequência; mas, a inédita abertura ao público, que pôde acompanhar e interagir com os prosadores. O tema era a relação de amor entre Sócrates e Casagrande, uma das mais bem-sucedidas duplas de ataque que o futebol brasileiro produziu. Influenciado pelo encontro, resolvi narrar três curtas passagens, duas que presenciei e uma que ouvi. Elas envolvem os dois jogadores e o jornalista Juca Kfouri. Sócrates A história se passa em 2009. Um dia da semana, acho que terça-feira. Quase meia-noite. Toca o telefone de casa e eu corro para atender, aflito para não acordar Olivia, que nascera havia poucos meses. Do outro lado da linha ecoou a voz do jornalista Victor Birner. "Topa ir tomar algo na Vila"? "Está louco, amanhã tenho uma reunião às 8h30. E a Olivia, você sabe bem, é o padrinho dela, não me deixa dormir há meses. Estou destruído". "Pena, o Sócrates, o Juca, o Chico Sá e mais uma turma do Programa vão comigo". "Onde mesmo você disse que nos encontramos? Chegarei em 15 minutos". Nesse dia, ou melhor, nessa madrugada, enfim, conheci o capitão da seleção de 82. Lá pelas 4h00, tomei coragem e resolvi fazer uma pergunta sobre um tema que me perturba até hoje: Sarriá. Sim, porque, se eu tivesse poder divino para reverter um acontecimento histórico - ou poético - não seria Troia ou Waterloo. Minha escolha recairia sobre Sarriá. Nenhum feito heroico se igualaria ao da pessoa que tivesse marcado o terceiro gol do Brasil, não o da vitória, mas de um simples empate, daquele time que, do ponto de vista plástico, artístico, é insuperável na história do futebol. "Sócrates, desculpe-me pela pergunta, talvez impertinente a essa hora da madrugada, mas não tenho como evitar: o que representa Sarriá para você"? Nesse momento, ele levava um copo com cerveja à boca. Mas interrompeu abruptamente o movimento e fixou o olhar, durante, não sei, um ou dois minutos - essa foi a minha sensação, tamanha a agonia que tive com o seu silêncio -, até que ele se virou para mim e disse: "ainda hoje passo noites sem dormir pensando naquela tarde. Nunca me livrarei desse pesadelo". Nenhuma palavra precisa ser acrescentada para evidenciar o seu caráter, a sua grandeza. Casagrande A fala de Casagrande, a respeito de Sócrates, no colóquio protagonizado pela mencionada livraria, é fascinante: "Sócrates é gênio. Eu sou o complemento do gênio". "Eu me satisfazia com essa posição. E me orgulho dela. Quantas pessoas foram complemento de um gênio"? "Acho que fui um grande jogador, o melhor companheiro que ele teve". "Jogar ao seu lado era muito difícil. Ele era muito inteligente. Quando a bola se dirigia a ele, três ou quatro possibilidades de jogadas passavam por sua cabeça. Eu precisava adivinhar o que se passava na cabeça dele e o que ele iria aprontar. E sempre aprontava. Era muito tenso. Eu perdia quatro quilos por jogo". Essa revelação não expressava falsa modéstia. Ecoava, ao contrário, em tom sincero, uma sinceridade desconcertante. Típica do herói que se curva diante de Zeus. A importância de Casagrande extrapola os gols e as atuações que encantaram torcedores do Corinthians, do São Paulo, do Torino, do Flamengo ou da seleção brasileira. O futebol foi - e é - mero instrumento. Suas corajosas posições à época das Diretas Já, a coliderança da Democracia Corintiana, a coerência em campo e a sua batalha de vida contra a dependência química, que se tornou pública e passou a ser um lema, com o propósito de ajudar pessoas que sofrem de patologias similares, revelam o caráter desse herói. Um herói humano. Por isso, sujeito às glórias e aos reveses da vida. Juca Kfouri Quando o livro Futebol, Mercado e Estado ficou pronto, resolvemos apresentá-lo ao Jornalista Juca Kfouri. O coautor, José Francisco Manssur, o conhecia. Cuidou, por isso, de enviar uma cópia do manuscrito e marcar um almoço. No horário marcado, eu abri a porta do restaurante. Juca lá estava, sentado ao bar. Manssur atrasou-se. Tenso, apresentei-me. A tensão tinha motivo. Afinal, como acabaria, ou melhor, como iniciaria a conversa em que apresentaríamos e defenderíamos, para uma pessoa que guiava o carro para Joaquim Câmara Ferreira (conhecido por "Velho" ou "Toledo"), comandante da ALN após a morte de Marighella, e que se mantém - como poucos - coerente em relações aos seus princípios e às suas opções humanísticas e políticas, que a solução do futebol era o mercado? Não um mercado selvagem, desregulado e descontrolado, é verdade. Porém, um mercado que deveria ser criado por meio da atuação legislativa do Estado, com o propósito de preservar o futebol como elemento essencial da cultura brasileira, e, ao mesmo tempo, fixar as bases de um novo modelo de governação e de propriedade dos ativos futebolísticos, rompendo com o anacrônico sistema vigente desde o século XIX. E que, ainda, previa a criação de um sistema de financiamento privado de futuras sociedades anônimas do futebol e de um instrumento de formação e educação de crianças matriculadas em escolas públicas. Mesmo assim, o mercado. A conversa deveria ser curta, por conta de compromissos profissionais do nosso interlocutor. Ao menos foi o que ele anunciou, certamente para se livrar, educadamente, de nossa pretensiosa prosa. Pois bem. Após mais de duas horas de conversa e duas - ou três, não me lembro - garrafas de vinho, Juca se virou para Manssur e disse: "Manssur ... acho que é isso: a solução é o mercado". Se qualquer pessoa atribuir essa frase ao Juca, será imediatamente tachada de mentirosa ou insana. Risco que eu aceito correr. Sócrates, Casagrande e Juca Kfouri integram a lista dos heróis de nosso futebol. Cada um com a sua história, com a sua trajetória, com as suas lutas (e um deles sem ter chutado uma bola profissionalmente). Heróis que dedicaram - ou dedicam - suas vidas a causas humanistas e que perceberam, como poucos, que o futebol é muito mais do que um esporte; é o elemento da nossa cultura, talvez o único, que pode produzir uma verdadeira transformação social.
Apresentei, nas quatro edições anteriores desta coluna, as proposições do projeto de novo estatuto do São Paulo Futebol Clube ("SPFC"). O projeto foi submetido aos associados, que puderam se manifestar, mediante a formulação de emendas. Centenas delas foram formuladas e, novamente, debatidas e consideradas pela Comissão Sistematizadora. Da continuidade do trabalho da Comissão surgiu uma segunda proposta, ajustada, portanto, em função das emendas. Esta segunda proposta foi submetida ao Conselho Deliberativo, no dia 16 de novembro, que a aprovou por unanimidade. O processo se encerrará no dia 3 de dezembro, por ocasião da Assembleia Geral de Associados do SPFC. Nesta oportunidade, os associados dirão sim, ou não, ao novo estatuto. A vontade da Assembleia é soberana. Sua decisão implicará a manutenção do modelo atual ou a adoção de uma estrutura que será, provavelmente, a mais moderna do Brasil. O texto do novo estatuto traz algumas novidades em relação ao que dispunha a primeira versão. Relembremos e vejamos como ficaram os principais aspectos relacionados à governação. O SPFC terá um Conselho Fiscal, composto por 5 membros. Todos deverão ser associados que não integrem qualquer outro órgão do SPFC. Ele também terá um Conselho de Administração, com 9 membros, sendo 3 indicados pelo Conselho Deliberativo, dentre os seus integrantes, 1 pelo Conselho Consultivo, dentre os seus integrantes, e 3 pelo Diretor Presidente (também denominado Presidente Eleito). Os outros 2 membros são, necessariamente, o Diretor Presidente e o Diretor Vice-Presidente do SPFC. Todos os 3 membros indicados pelo Diretor Presidente serão independentes, remunerados e escolhidos no mercado, dentre pessoas que tenham experiência e qualificações para o exercício do cargo. A indicação deverá ser confirmada pelo Conselho de Administração. A Diretoria passará a ter uma nova formação. Ela se desmembrará em Diretoria Eleita e Diretoria Executiva. A Diretoria Eleita será formada por Presidente e Vice, eleitos em chapa. O mandato será de 3 anos. Não se permitirá a reeleição do Presidente. O Presidente Eleito poderá ser remunerado, desde que se dedique com exclusividade à função. A remuneração não poderá ultrapassar certo limite, previsto no próprio estatuto. A Diretoria Executiva será formada por 3 a 9 membros, todos profissionais, com notório conhecimento em suas áreas de atuação, indicados pelo Presidente Eleito. A indicação e a remuneração dos diretores executivos deverão ser aprovadas pelo Conselho de Administração. Cria-se, assim, um instrumento de controle da indicação dos membros da Diretoria Executiva. Aliás, todas as indicações pessoais do Presidente Eleito, incluindo os nomes para o Conselho de Administração, sujeitam-se à confirmação do órgão colegiado. A novo texto do projeto de estatuto também sofisticou o sistema de controle de condutas. Vejamos alguns instrumentos. O orçamento elaborado pelo Presidente Eleito deverá ser submetido ao Conselho de Administração e, somete após o seu parecer, encaminhado para o Conselho Deliberativo. Caso o Presidente não o apresente no prazo previsto no estatuto, será imediatamente afastado para apuração de responsabilidade. A inobservância do orçamento passou a ser considerada uma falta grave. Se exceder em 5% o montante aprovado, também será motivo para início de procedimento de apuração de responsabilidade. As contas anuais e outros documentos, previstos no art. 133 da lei 6.404/76, deverão ser preparados conforme os preceitos da legislação vigente e os princípios de contabilidade geralmente aceitos, e observarão métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo. Ademais, serão auditados por empresa registrada na CVM. Finalmente, além da fixação de um prazo de 12 meses para realização de estudo para separação do futebol das demais atividades, ofereceu-se a mesma solução para realização de estudo e apresentação de proposta para eleição direta do Diretor Presidente e do Vice, por meio de Assembleia Geral de Associados e, eventualmente, da participação de sócios torcedores. Esta proposta, se viável e aprovada, mudará o órgão responsável pela eleição da Diretoria que é, atualmente, o Conselho Deliberativo. Esses são, enfim, alguns aspectos que refletem o novo modelo de governação que se pretende implementar no SPFC e que será votado no dia 03 de dezembro de 2016.
Após a apresentação das proposições de separação do futebol das demais atividades clubísticas (Parte I), de criação do Conselho de Administração (Parte II) e da disciplina concebida para a diretoria (Parte III), o texto desta coluna aborda as formas de fiscalização, controle e responsabilização da administração do São Paulo Futebol Clube ("SPFC"). Conselho Fiscal O modelo proposto na reforma desloca o poder de fiscalização do Conselho Deliberativo para o associado. Esse movimento tem dois propósitos: efetividade dos instrumentos fiscalizatórios e despolitização da composição do órgão. O Conselho Fiscal será composto por cinco membros titulares eleitos pelo Conselho Deliberativo dentre, necessariamente, associados que não integram órgãos de administração, deliberação ou consultivo do SPFC. Qualquer associado poderá se candidatar. A fiscalização, porém, exige conhecimento técnico. Por isso, somente poderão ser eleitos associados que (i) gozem de reputação ilibada, (ii) sejam diplomados em curso de nível universitário nas cadeiras de administração, economia, ciências contábeis, direito ou engenharia, ou que tenham exercido, por prazo mínimo de 3 (três) anos, cargo de conselheiro de administração ou de conselheiro fiscal de sociedade empresária de porte compatível com o do SPFC, ou (iii) não tenham ocupado cargo no Conselho de Administração, na Diretoria Eleita, na Diretoria Social ou na Diretoria Executiva, no mandato anterior. A fim de evitar conflitos de interesse, veda-se o ingresso no órgão de pessoa que for cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, de membro dos órgãos de administração. O Conselho Fiscal é um órgão colegiado, que delibera por maioria. Sua competência, dentre outras matérias, envolve: a) eleger o seu Presidente e o seu Vice-Presidente; b) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos praticados pelo Conselho de Administração, pela Diretoria Eleita, pela Diretoria Social e pela Diretoria Executiva, e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários; c) opinar sobre o relatório anual da Administração do SPFC, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação do Conselho Deliberativo; d) denunciar, de maneira fundamentada, por qualquer de seus membros, a qualquer órgão de Administração, e, se qualquer um destes não tomar as providências necessárias para a proteção dos interesses do SPFC, ao Conselho Deliberativo, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis ao SPFC; e) analisar, mensalmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela Administração; f) examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar; g) elaborar o seu Regimento Interno; e h) apresentar relatórios de suas atividades nas reuniões do Conselho Deliberativo, nos termos da letra "c" do artigo 62. Importante ressaltar que, apesar de se tratar de órgão que delibera em colégio, qualquer conselheiro tem competência fiscalizatória independente, podendo praticar qualquer ato necessário ao cumprimento de seu dever. O membro também poderá solicitar os esclarecimentos ou informações que julgar necessários relacionados a atos realizados pela administração a qualquer auditor independente que esteja prestando serviço ao SPFC. O estatuto estabelece que os conselheiros deverão se reunir, ordinariamente, ao menos uma vez por mês. Além destas reuniões ordinárias, o órgão poderá reunir-se extraordinariamente, sempre que necessário. Orçamento A peça orçamentaria, o orçamento e o sistema de aprovação e de execução devem se realizar com observância de um ritual relativamente simples, porém, sofisticado. O Presidente da Diretoria, em conjunto com a Diretoria Executiva, deverá elaborar, anualmente, uma proposta orçamentária, para o exercício social seguinte. A proposta orçamentária será una e anual. Mas deverá ser elaborada separadamente por atividade econômica e por modalidade esportiva, de modo distinto das atividades recreativas e sociais. Ela será encaminhada pelo Presidente da Diretoria ao Conselho de Administração, no mês de novembro, em dia fixado pelo próprio Conselho de Administração. Após debate e análise, o Conselho de Administração remeterá a proposta orçamentária ao Conselho Deliberativo, com o seu parecer, até o dia 05 de dezembro. O Conselho Deliberativo, então, submeterá a proposta a debate e votação. A peça aprovada por este órgão se converterá no orçamento do SPFC, para o ano seguinte, o qual somente poderá ser modificado, qualquer que seja a modificação, mediante deliberação do próprio Conselho Deliberativo. Caso o Presidente Eleito não apresente a proposta orçamentária ao Conselho de Administração no prazo fixado no estatuto, ele será imediatamente afastado, para averiguação dos motivos e apuração de responsabilidade. A Diretoria Eleita, em conjunto com a Diretoria Executiva, deverá cumprir o orçamento exatamente conforme aprovado pelo Conselho Deliberativo. Não haverá espaço para improvisos ou jeitinhos. A peça passa a ser, portanto, "sagrada". Inclusive, caso se verifique que a Diretoria excedeu em 5% ou mais o orçamento aprovado, será instaurado um procedimento para apuração de responsabilidade. Este excedente, para fins de responsabilização, se aplicará e deverá ser verificado por área, atividade e no agregado. A responsabilidade, se o caso, será apurada individualmente. Demonstrações Financeiras O Presidente Eleito, em conjunto com a Diretoria Executiva, deverá elaborar, anualmente, para conhecimento de todos os associados e sujeição ao Conselho de Administração e deliberação do Conselho Deliberativo, os seguintes documentos: (i) relatório sobre as atividades sociais e os principais fatos do exercício social; (ii) balanço patrimonial; (iii) demonstração dos excedentes ou défices do exercício; (iv) demonstração dos resultados do exercício; (v) demonstração das origens e aplicações dos recursos; e (vi) demonstração das mutações do patrimônio social. Todos os documentos deverão ser disponibilizados no sítio eletrônico do SPFC. A formulação deverá observar os preceitos da legislação vigente e os princípios de contabilidade geralmente aceitos. Responsabilidade A proposta inova ao arquitetar um modelo de responsabilização compatível com a importância do exercício da função de administrador de uma entidade do porte do SPFC. Determina-se, assim, que será vedada a prática de qualquer ato ou negócio sem observância do estatuto. A vedação se aplicará especialmente a atos que envolver ou implicar obrigação ou dever relativo a negócios estranhos aos propósitos do SPFC ou que não observar as atribuições e os poderes atribuídos na forma do estatuto. Além disso, os membros da administração deverão exercer suas funções no exclusivo interesse do SPFC. Para concluir, o estatuto estabelece que cada administrador será pessoalmente responsável pelos atos praticados, dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. Essas são algumas das propostas que, aparentemente, inaugurarão uma nova fase na forma de governação e gestão do futebol no Brasil.
Como se vem afirmando nessa sequência de textos sobre o tema, a proposta de reforma do estatuto do São Paulo Futebol Clube (SPFC) projeta um modelo de governança que pode inaugurar uma nova fase na forma de gestão dos clubes no Brasil. Após a apresentação das proposições de separação do futebol das demais atividades clubísticas (Parte I) e de criação do Conselho de Administração (Parte II), no texto de hoje se apresenta a disciplina concebida para a Diretoria. Neste sentido, a proposta prevê o desmembramento da Diretoria em Diretoria Eleita e Diretoria Executiva. A Diretoria Eleita, escolhida quadrienalmente pelo Conselho Deliberativo dentre os seus membros, será composta pelo Presidente e pelo Vice-Presidente. Os mandatos dos Diretores Eleitos serão de 4 anos, sendo proibida a reeleição. O presidente também não poderá ser eleito para o cargo de vice-presidente no mandato subsequente. Mas o vice-presidente poderá se candidatar para o cargo de presidente. A posse da Diretoria Eleita se deslocará de abril, como ocorre atualmente, para o dia 1o de janeiro, permitindo a ela programar a temporada futebolística desde o início do ano. Outra novidade é a possibilidade de o presidente eleito ser remunerado. A remuneração, no entanto, somente poderá ser praticada se ele se dedicar exclusivamente ao exercício das suas funções no SPFC. Ou seja, não será remunerado o Presidente que mantiver suas atividades profissionais paralelas. A remuneração deverá ser aprovada pelo Conselho de Administração, mas não será, em qualquer hipótese, superior a 70% (setenta por cento) do teto do funcionalismo público federal. O vice-presidente Eleito não será remunerado. Dentre as competências do presidente eleito, relacionam-se: a) Nomear e destituir os membros da Diretoria Social; b) Nomear e destituir os membros da Diretoria Executiva, e definir suas atribuições; c) Representar o SPFC, em juízo ou fora dele; d) Comunicar, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua posse, aos Associados, a composição da Diretoria Social e da Diretoria Executiva e, no caso desta, divulgar suas atribuições. A comunicação deverá ser formulada por meio do sítio eletrônico do SPFC; e) Cumprir e fazer com que a Diretoria Social e a Diretoria Executiva cumpram o Estatuto; f) Assinar, sempre em conjunto com o Diretor Executivo que tiver atribuição financeira, documentos, contratos, cheques, títulos e obrigações, de qualquer natureza, em nome do SPFC; g) Outorgar poderes, em conjunto com o Diretor Executivo que tiver atribuição financeira, para empregados assinarem procurações, de qualquer natureza, para prática de atos que sejam da competência da Diretoria Eleita ou da Diretoria Executiva; h) Autorizar, por escrito e em ordem cronológica, atos administrativos; i) Nomear o chefe da delegação de qualquer atividade desempenhada, social ou profissionalmente, pelo SPFC; e j) Praticar todos os atos que lhe forem atribuídos pelo Estatuto ou pela legislação vigente. Para melhor organizar as atividades internas e sociais do SPFC, o presidente eleito poderá indicar, dentre os Associados do SPFC, inclusive membros do Conselho Deliberativo ou do Conselho Consultivo, Diretores Sociais, que o auxiliarão exclusivamente na administração daquelas atividades. Estes Diretores não serão remunerados e não poderão interferir no funcionamento e nos trabalhos da Diretoria Executiva. Como apontado acima, além da Diretoria Eleita e, eventualmente, da Diretoria Social, o SPFC terá, necessariamente, uma Diretoria Executiva, indicada pelo presidente eleito. Ela será formada por 3 (três) a 9 (nove) membros, que sejam profissionais com dedicação exclusiva ao exercício das funções para as quais forem indicados. Os Diretores Executivos serão remunerados e deverão ter notório conhecimento em suas áreas de atuação. A remuneração será fixada de acordo com padrões de mercado, levando-se em conta a experiência do profissional e as funções que exercerá no SPFC. Competirá ao Conselho de Administração aprovar o pacote remuneratório de cada integrante da Diretoria Executiva. O Estatuto estabelece, ademais, um princípio que norteará a conduta de qualquer Diretor: o dever de exercer suas funções no exclusivo interesse do SPFC. Para concluir, será vedado e considerado nulo qualquer ato ou negócio praticado por qualquer membro da Diretoria, inclusive por membros da Diretoria Social ou da Diretoria Executiva, sem observância do Estatuto, especialmente que envolver ou implicar obrigação ou dever relativo a negócios estranhos aos propósitos do SPFC ou que não observe as atribuições e os poderes atribuídos ao Diretor, na forma do Estatuto. Aliás, os diretores serão pessoalmente responsáveis, inclusive perante o SPFC, pelos atos praticados, dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do Estatuto.
A proposta de reforma do estatuto do São Paulo Futebol Clube (SPFC), de que se começou a tratar na coluna da semana passada (19/10/16), projeta um modelo de governança que pode inaugurar uma nova fase na forma de gerir os clubes no Brasil. Como se verá adiante, o modelo incorpora certas estruturas adotadas pelas sociedades empresárias, sem, contudo, desconsiderar a natureza jurídica das associações civis e a complexidade de suas relações internas. As proposições levam em conta, portanto, práticas reconhecidas e adotadas no mercado, e, ao mesmo tempo, consideram as estruturas orgânicas existentes no SPFC e suas funções históricas. Assume-se, assim, a premissa de que uma absoluta adaptação aos padrões das sociedades empresárias se operará apenas quando se separar a empresa futebolística das demais atividades praticadas pelo clube, e esses padrões se aplicarão à sociedade anônima do futebol, criada e controlada pelo próprio clube. Enquanto isso, a associação civil, atual proprietária dos ativos destinados à prática do futebol, deve ser governada com base em uma série de técnicas que afastem a possibilidade de surgimento de administradores plenipotenciários e que dominem, sem formas legitimas de controle, as relações internas e as decisões a respeito da alocação de recursos e de assunção de obrigações. Esse modelo de governo do clube, ademais, deve prevalecer e se consolidar após a eventual separação, para lidar adequadamente com as situações que sempre existirão no plano do clube (e que será, neste caso, o controlador da empresa do futebol). O Conselho de Administração, cuja criação é sugerida na reforma, tem, neste sentido, uma função essencial. Sua composição tem como propósito prover uma adequada representatividade dos interesses do SPFC e, ao mesmo tempo, garantir a governabilidade e a preservação das funções executivas da Diretoria. Dos 9 membros que o integrarão, caso a proposta seja aprovada, 2 serão indicados pelo Conselho Deliberativo, dentre os conselheiros deste órgão, 1 pelo Conselho Consultivo, dentre os conselheiros natos deste órgão, e 4 pelo Presidente Eleito, sendo que 3 deles devem ser independentes. Os dois outros membros serão, necessariamente, o Presidente e o Vice-Presidente Eleitos. O presidente eleito presidirá o órgão, cumulando, portanto, presidências. Note-se que a exigência de 1/3 de membros independentes é uma novidade no ambiente do futebol. Será considerado independente, aliás, o conselheiro que: "(i) não ocupar qualquer cargo permanente, de qualquer natureza, inclusive eletivo, no SPFC; (ii) não tenha ocupado, nos 4 (quatro) anos anteriores, qualquer cargo permanente, de qualquer natureza, inclusive eletivo, no SPFC; (iii) não preste serviço remunerado, não seja fornecedor de produtos ou serviços, não receba qualquer contrapartida, de qualquer natureza, do SPFC, e não tenha realizado essas atividades nos 4 (quatro) anos anteriores; (iv) não seja sócio controlador de sociedade empresária que se enquadre no inciso (iii) deste parágrafo; (v) não seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, de membro do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração, da Diretoria Eleita, da Diretoria Social ou da Diretoria Executiva, ou das pessoas indicadas nos incisos anteriores". Os conselheiros independentes deverão gozar de reputação ilibada e ter notório conhecimento em áreas que sejam relevantes para o SPFC, ou ter atuado como diretor ou conselheiro de sociedade empresária de porte no mínimo semelhante ao do próprio SPFC. O Conselho de Administração deverá reunir-se ordinariamente uma vez por mês e, de modo extraordinário, sempre que convocado por seu Presidente ou por pelo menos 5 conselheiros. Pretende-se, com a fixação dessa periodicidade, impor um ritmo de trabalho e um acompanhamento permanente dos temas essenciais do SPFC. O texto propositivo imputa ao órgão as seguintes competências: a) Fiscalizar a gestão da Diretoria Eleita, da Diretoria Social e da Diretoria Executiva; b) Aprovar a remuneração, se e quando o caso, de membros do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração, do Presidente Eleito e/ou da Diretoria Executiva; c) Examinar, mediante solicitação, livros, papéis, contratos e documentos do SPFC, bem como solicitar informações a respeito de contratos em negociação; d) Manifestar-se, emitindo parecer fundamentado, previamente à submissão ao Conselho Deliberativo, sobre as contas e as demonstrações financeiras anuais do SPFC; e) Escolher e destituir os Auditores Independentes; f) Autorizar a prática de atos gratuitos, independentemente da motivação, inclusive a cessão do estádio ou outras dependências sociais, esportivas ou propriedades do SPFC; g) Aprovar a concessão de quaisquer garantias, de qualquer natureza, de qualquer valor, exceto de natureza judicial, cuja competência será exclusiva da Diretoria Eleita; h) Aprovar a proposta orçamentária anual elaborada pela Diretoria Eleita, e submetê-la para aprovação final do Conselho Deliberativo; i) Opinar, previamente à deliberação pelo Conselho Deliberativo, sobre propostas de separação societária do futebol profissional, bem como sobre a constituição de sociedade empresária, para qualquer finalidade; j) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, de montante total superior a 1.500 (mil e quinhentas) Contribuições Associativas, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; k) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, cujo prazo seja superior ao prazo remanescente do mandato da Diretoria Eleita, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; l) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, que implique o pagamento de comissão, gratificação ou qualquer remuneração, a qualquer intermediário, exceto nos casos expressamente previstos nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106; m) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que integre o Conselho Deliberativo, o Conselho Consultivo, o Conselho Fiscal, o Conselho de Administração, a Diretoria Eleita, a Diretoria Social ou a Diretoria Executiva, ou que seja um Associado do SPFC; n) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, das pessoas mencionadas no inciso anterior; o) Aprovar a celebração de qualquer contrato com sociedade empresária na qual as pessoas indicadas nas alíneas (m) e/ou (n) sejam controladoras; p) Aprovar a proposta de contratação, pela Diretoria Eleita, de qualquer espécie de apólice de seguro ou de garantia, incluindo seguro para exercício dos cargos de Diretoria Eleita ou Executiva, Conselho de Administração e Conselho Fiscal; e q) Criar comitês executivos do Conselho de Administração, compostos por até 3 (três) membros, para acompanhar o cumprimento pela Diretoria Eleita de suas atribuições. Desloca-se, assim, ao órgão colegiado, uma série de matérias que, num modelo sem a sua existência, se atribuía à decisão isolada do Presidente. Ou, então, que se submetia à deliberação do Conselho Deliberativo, um órgão com feições mais políticas do que administrativas. Para concluir, as deliberações do órgão serão tomadas pela maioria de votos dos membros presentes. Além da criação do Conselho de Administração, a proposta de reforma também inova em relação à composição e às funções da Diretoria, inclusive pela determinação de cargos executivos remunerados, que serão ocupados por profissionais reputados, que se dediquem com exclusividade à direção dos temas do SPFC. Sobre essa estrutura se discorrerá na coluna da próxima semana.
A solução para os problemas do futebol é o mercado. Não um mercado selvagem, desregulado, libertário. Mas um ambiente concebido para aproximar os instrumentos de financiamento da empresa econômica de uma atividade - o futebol - que se confunde com a própria formação cultural do brasileiro. Esse ambiente não se formará sem a observância e a preservação de valores caros tanto aos agentes futebolísticos como aos de mercado. Aí reside o segredo, portanto: o encontro de culturas, ou de segmentos que, em uma perspectiva realmente democrática, já teriam se envolvido e se relacionado (provavelmente) há muito tempo. Os clubes, para que atraiam o que o mercado pode lhes oferecer, devem rever o modelo de propriedade do futebol, separando-o das demais atividades clubísticas, e estruturar um modelo de governança compassado com as necessidades e (legítimas) exigências dos provedores de capital. Os agentes de mercado, de seu turno, devem se sujeitar a uma regulação que, apesar de não controlar fluxos de entrada e saída, protege um bem com o qual o cidadão-torcedor estabelece uma relação que transcende racionalizações. Esse modelo ideal ainda está longe de ser atingido. Não existe um time brasileiro que o tenha adotado em sua plenitude. Longe disso, aliás: as experiências tentadas se protagonizaram especialmente pelo discurso, e não pelo efetivo movimento transformacional. O motivo é - ou deveria - ser evidente: enquanto não se operar a separação do associativismo político da empresa econômica futebolística, qualquer reforma organizacional não irá além de um maior ou menor controle sobre processos essencialmente amadores e delimitados por um estatuto concebido para pacificar relações associativas.Por isso, aliás, que o mercado também não se deu conta da potencialidade da atividade futebolística. Ou, se deu, não se deixou seduzir pelo seu canto de sereia. Uma recente iniciativa, porém, pode inaugurar uma nova fase do futebol brasileiro. O São Paulo Futebol Clube ("SPFC") nomeou uma Comissão de Associados ("Comissão"), formada por 9 membros, para propor uma reforma de seu marco estatutário. Após uma rodada inicial de sugestões por parte dos próprios associados, a Comissão produziu um trabalho sistematizado, e o devolveu, para nova consulta, aos associados e membros de órgãos sociais. Quando essa segunda fase de consultas terminar, a Comissão irá produzir o texto final, que deverá ser votado, em caráter definitivo, pela Assembleia Geral, em dezembro de 2016. A aprovação do texto poderá revelar-se paradigmática sobretudo por: (i) determinar que se realize, dentro de determinado prazo, um estudo de viabilidade econômica da separação do futebol das demais atividades do clube; e (ii) prever um modelo de governação realmente evoluído em relação ao que se pratica localmente. Na presente Coluna se abordará a proposta de separação (e, no texto da próxima semana, a governança). De acordo com a proposta de reforma, o presidente do SPFC deverá realizar, no prazo de 12 meses, um estudo de viabilidade econômica da separação do futebol das demais atividades do clube. Participarão do estudo especialistas com notável conhecimento dos temas envolvidos. A contratação dessas pessoas se sujeitará à aprovação do Conselho de Administração do SPFC (um órgão criado pela reforma estatutária em curso, e sobre o qual se discorrerá na próxima semana).   O Conselho de Administração criará um Comitê Especial de Acompanhamento do Estudo de Separação, composto por 3 membros. Um deles poderá acompanhar os trabalhos dos especialistas, sem interferir no poder e na autonomia do Presidente do SPFC.Espera-se que esse membro acompanhante elabore relatórios mensais ao Conselho de Administração, reportando suas atividades e emitindo opiniões, para apreciação dos demais membros, aproximando o órgão colegiado da diretoria. Concluído o estudo, o presidente emitirá opinião, recomendando ou não, a separação. A opinião, acompanhada do estudo completo, será então encaminhada ao Conselho de Administração.O Conselho de Administração também emitirá uma opinião, podendo, inclusive, divergir daquela formulada pelo presidente. Na sequência, ambas as opiniões serão remetidas, simultaneamente, ao Conselho Deliberativo e ao Conselho Consultivo.  O Conselho Consultivo se manifestará previamente, compondo um conjunto de 3 opiniões, que servirá de referência para o Conselho Deliberativo, que irá, enfim, deliberar a respeito do mérito, recomendando ou não a separação. No caso de recomendação, passa-se ao derradeiro escrutínio, da Assembleia Geral de Associados, que deliberará, em caráter definitivo, sobre o tema. A deliberação será tomada pela maioria dos Associados presentes à Assembleia Geral. Esse procedimento é necessário por um motivo estrutural: considerando a inexistência de uma via de direito específica destinada a regular a passagem do modelo amador ao profissional, os mecanismos disponíveis aos clubes são os mesmos utilizados por qualquer empresa. As empresas, porém, sujeitam-se a regimes ordinários, distintos daqueles extraordinários aplicáveis ao futebol, que é tratado de modo especial e subvencionado pelo Estado. Daí a necessidade de se confirmar, por meio de um estudo de viabilidade, sobretudo enquanto o novo marco regulatório do futebol não seja votado e entre em vigor, a sustentabilidade da separação. No caso do SPFC, aliás, a proposta de estatuto aborda essa realidade, e estabelece que, se o Conselho Deliberativo não convocar a Assembleia Geral, em decorrência da reprovação do estudo, ou se a Assembleia Geral reprovar a separação, o processo deva ser renovado na hipótese de promulgação de uma nova lei que crie um tipo ou uma forma societária visando justamente à separação do futebol profissional das demais atividades dos clubes associativos. Enfim, o caminho proposto na reforma estatutária do SPFC, se aprovado pela Assembleia Geral, e, posteriormente, se confirmada a viabilidade separatória, poderá inaugurar uma nova - e necessária - fase, que implicará possível libertação de um modelo arcaico e impeditivo do acesso a meios de financiamento para o desenvolvimento social e econômico do futebol no Brasil.
No ano 2000, a BM&FBovespa criou o Novo Mercado, composto de níveis diferenciados de listagem de ações de companhias abertas. Estes níveis diferenciados estabeleceram, por meio da autorregulação, padrões mais elevados de governação societária em relação aos exigidos pela legislação. Naquele momento, o ceticismo com a iniciativa era enorme. Por vários motivos, entre eles, as incertezas políticas e a apatia do mercado de capitais. A primeira oferta ocorreu apenas em 2002, protagonizada pela CCR S.A. - Companhia de Concessões Rodoviárias. A partir desse marco, no entanto, os agentes econômicos passaram a valorizar o ambiente e a priorizá-lo em novas emissões. Atualmente, não se realiza uma nova emissão fora de um dos níveis de listagem, de modo que o segmento chamado de tradicional tornou-se um hospedeiro de companhias "antigas" ou tradicionais, apenas. Além do Novo Mercado, a BM&FBovespa lançou, em 2006, outra importante iniciativa, que, porém, ainda não atingiu a magnitude esperada: o Bovespa Mais. Seu propósito é contribuir para o desenvolvimento do mercado, atraindo companhias que pretendam acessá-lo de forma gradual. Destina-se, sobretudo, às pequenas e médias companhias, que realizam captações menores, adequadas ao seu estado de amadurecimento. Por esses motivos, as companhias se submetem a normas simplificadas, compatíveis com as suas pretensões de captação e com os seus momentos empresariais. Os custos que são impostos a elas também são diferenciados. Por exemplo, beneficiam-se de isenção de registro e desconto gradual na taxa e manutenção de listagem. Em contrapartida, assumem compromissos de adotar padrões diferenciados de transparência e governança. A experiência e o sucesso do Novo Mercado, de um lado, e a arquitetura do Bovespa Mais, de outro, podem contribuir para formação de um nível especial de listagem destinado ao futebol. É com esse propósito, aliás, que o PL 5.082/16, de autoria do deputado Federal Otavio Leite (PSDB/RJ), estabelece, em seu art. 47, que: "Art. 47. Caso alguma entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários crie um segmento especial de listagem para a SAF, prevendo práticas diferenciadas de governança corporativa, a administração pública direta ou indireta somente poderá subscrever ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de SAF que aderir ao segmento especial. Parágrafo único. Qualquer contrato celebrado entre a administração pública indireta e a SAF, especialmente de empréstimo ou financiamento, deverá conter cláusula que obrigue a SAF a, no caso de obtenção de registro de emissor de valores mobiliários perante a CVM, aderir a segmento especial de listagem para a SAF, instituído por entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários, prevendo práticas diferenciadas de governança corporativa". O texto não privilegia qualquer entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários. Mas é evidente que, pela sua posição de liderança e, mais do que isso, pela sua história na construção do mercado brasileiro, a BM&FBovespa poderia manter essa escrita e, de modo inovador, estudar a criação de um ambiente para atração e emissão de Sociedades Anônimas do Futebol, constituídas pelos clubes: o BovespaFut. O BovespaFut seria, portanto, um segmento especial, com normas complementares de transparência e governança, em relação àquelas constantes de lei, dos demais segmentos existentes e dos estatutos das Sociedades Anônimas do Futebol. A iniciativa, sobretudo por parte de uma entidade que é, ela também, uma companhia com fins lucrativos, haveria de ter um propósito econômico; uma motivação para que seus acionistas e administradores apoiassem a proposta. Ou seja, não se pode esperar que ela pratique atos altruístas. Aliás, eles não combinam com o atual estágio do futebol. Mas poderia se imaginar que a BM&FBovespa, diante da oportunidade e da grandiosidade do mercado do futebol, participasse do processo transformacional. Para que um segmento como o BovespaFut funcione, ele deve ter aderência, volume, emissores. Talvez não logo após a sua criação, a exemplo do que ocorreu com o Novo Mercado. Mas haverá de atrair casos de sucesso, para início da construção de um novo ambiente, de outro Novo Mercado, de um novo capítulo na história do futebol brasileiro. Aí se revelam, portanto, motivos para que o Congresso Nacional crie a Sociedade Anônima do Futebol, na forma do PL 5.082/16, que será o veículo adequado para organização do esporte e para o seu financiamento, especialmente por meio de emissões no mercado. E, quem sabe, de emissões em níveis diferenciados, como o BovespaFut.
quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O sonho de Tite (ou o salvamento do futebol)

Tite tinha um sonho. Seu sonho bateu em sua porta e ele foi atrás de sua realização. Para trás deixou, no entanto, a esperança coletiva de uma nova ordem do futebol brasileiro. Algo que sua competência, na condução do time nacional, não poderá produzir. A negativa ao convite para conduzir a seleção talvez tivesse sido o golpe de misericórdia em um modelo que não encontra qualquer motivo para continuar existindo. Está desgastado, ultrapassado e não representa dignamente o seu símbolo. Tite poderia, lá na frente, retornar como herói, aclamado pelo povo. Ou não. E aí está o dilema do futebol brasileiro. Num cenário menos poético, o comando se recomporia e encontraria uma alternativa para se manter onde sempre esteve: no poder. E o sonho do treinador teria se aprisionado em suas próprias ideias. Ou na esperança das pessoas que identificam nele um salvador. Nada além disso. O futebol brasileiro parece que sempre se conduziu de modo individualista. Cada um por si. Inclusive dentro de campo, como apontou com precisão o jornalista Paulo Calçade, em artigo publicado na edição de 26/9/16, do Estadão. Cada agente luta por seus objetivos, por seus sonhos. Para tornar-se herói ou se viabilizar politicamente. Ou simplesmente por (legítimos) motivos financeiros. Aqueles que tinham ao menos um verniz de ideal, com raras exceções, viram a página, sem muita hesitação, diante de uma proposta irrecusável. Essa postura, aliás, vem de cima. De quem administrou - e administra - o futebol. De quem dita, portanto, as regras do jogo. É uma característica do sistema. Imaginar que um jogador ou um treinador possa, isoladamente, combater e transformar essa realidade é ingenuidade. Nem mesmo uma pequena coletividade tem sido exitosa nesses propósitos. O bom senso atesta essa afirmação. Sua força inicial foi rapidamente neutralizada pelo status quo. Além disso, o movimento sentiu na própria pele os efeitos de um modelo que impede a gestação de mudanças, sejam elas protagonizadas pelos clubes ou por iniciativas genuinamente republicanas: a falta de financiamento. Sem fontes de financiamento, não há empresa. Se não há empresa, definham os empregos, a arrecadação de tributos, o desenvolvimento econômico. A consequência é a contenção do avanço social. Essa lógica se aplica ao futebol. Sem meios de financiar-se, não se pode investir na educação e na formação de jogadores. Não se tem condição para reforçar as marcas dos times, suas estruturas e os seus produtos. Os times brasileiros, diante dessa realidade, não competem com os mesmos instrumentos de seus pares, distribuídos globalmente. E, pior, afundam, aí sim, coletivamente. O excesso de individualismo leva, portanto, o futebol brasileiro a um quase suicídio coletivo. Guarani e Portuguesa já tomaram esse rumo. O Vasco tem flertado com a desgraça a cada dois anos. O Palmeiras, até recentemente, parecia que não teria destino diferente. O Botafogo, afundado em dívidas, se salva à conta de entidades sobrenaturais de almeida. O Corinthians, teme-se, pode enfrentar problemas realmente sérios para satisfação de sua dívida milionária. O São Paulo e o Internacional, exemplos recentes de sucesso internacional, vivem, provavelmente, as maiores crises de suas histórias. Enfim, a situação é realmente crítica. E nenhuma iniciativa foi capaz de revertê-la. O Profut, como já se disse antes, é fruto de uma medida emergencial, necessária para evitar o desaparecimento de times tradicionais. Mas ele não deixa de ser, também, um problema. Porque se mostra mais preocupado com as sanções aos inadimplentes do que em criar um novo ambiente transformador. Ele não induz uma atuação coletiva. Por isso tudo, jogar o fardo das frustrações decorrentes desse estado de coisas sobre as costas de Tite não é justo. Talvez seja desumano. E Tite é um simples, porém muito competente, ser humano. Apenas o Estado, atuando como regulador, poderá oferecer a via de direito capaz de impor uma transformação comportamental. Sem essa atuação, que me parece necessária e urgente, não se afastará do imaginário popular o folclore de que o futebol representa a capacidade do brasileiro de se ajustar, de se adaptar, de dar um jeitinho e com a sua inspiração divina, superar qualquer desafio. Aliás, também não se pode imputar a uma medida legislativa a solução para todas as mazelas. Ela servirá como instrumento transformacional e de criação de um novo ambiente - de um novo mercado - que terá a força do futebol como o seu motivo de existir. Mas os times, especialmente eles, manejados sob uma nova forma jurídica - a sociedade anônima do futebol - deverão, de uma vez por todas, entender que, ao contrário do que se passa no competitivo ambiente capitalista, em que a destruição do concorrente pode ser a solução de um agente, no plano do futebol, a força coletiva implica a força individual. Os times não competem, ao menos internamente, pelo mesmo torcedor. A fidelidade futebolística não encontra paralelo no ambiente capitalista. Daí sua magia. E as oportunidades. Oponentes dentro de campo, mas sócios em seus propósitos desenvolvimentistas. Esse deve ser o lema dos times. Do futebol. Do futebol do Brasil. Juntos, os times podem transformar o campeonato brasileiro em objeto planetário de desejo e de admiração. Juntos, podem impor um novo modelo, que terá o jogador e o time como peças centrais. E juntos poderão, quando o Estado cumprir sua função reguladora, constituir, se quiserem, uma sociedade anônima do futebol para gerir e negociar coletivamente determinados interesses.
quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Os produtos do futebol

A grandeza do futebol brasileiro se justifica pela existência de elementos internos e externos, que se alimentam e criam uma percepção mitificada e idolatrada. A mitificação e a idolatria, mais do que percepções, compõem os próprios elementos externos. São, por definição, subjetivos, e se fundamentam nos elementos internos. A expansão destes reforça a construção - e a manutenção - da mitologia. Quatro componentes internos afetam necessariamente a boa ordem sistêmica: os jogadores, os times, a seleção e os campeonatos. São os principais produtos do futebol. Entre eles existe, aliás, uma inegável interdependência. É possível que o abalo de um não interfira imediata ou irreversivelmente nos outros. Ou que estes, bem estruturados, corrijam as imperfeições isoladas. Mas a disfunção serial interfere, sim, em todo o sistema. Ainda pior: quando todos esses elementos passam a, de algum modo, atuar de modo disforme, sem uma organização sustentável, não apenas externalizam as somatizações, como criam uma fissura sensorial, que afeta a formação do mito e rompe a relação de idolatria. Essa breve narrativa pretende explicar, sob determinado enfoque, a crise entre o torcedor brasileiro e o futebol. E também desnudar a incompetência de seus organizadores, responsáveis pela crise de um processo histórico. O futebol não rivaliza, no planeta, com qualquer outra forma de manifestação esportiva, lúdica ou de entretenimento. Apesar da falta de rigor nesta classificação, ela é importante para enfatizar a importância do jogo de bola. Nada, nem a música, tem o seu alcance. Nesse cenário, nenhum país foi capaz de assumir o protagonismo futebolístico como o Brasil. E os motivos eram os seus produtos. No passado, formavam-se, de modo espontâneo, jogadores em grande escala e de qualidade - muitos, inclusive, candidatos a mito. Os times se apresentavam como expressão de cultura e de identidade regional, tornando-se referências sociais. Os campeonatos cumpriam papeis cultural e social, e serviam como elementos de integração. E a seleção contribuía para formação dos mitos e ídolos, em que ela própria, aliás, se convertia. A espontaneidade marcava o sistema. Talvez mais do que isso: era sua própria essência. O fator de diferenciação. Cuja resiliência, no entanto, mostrou-se limitada. Enquanto o Brasil, de um lado, manteve a crença de que os elementos espontâneos formadores da mística eram inabaláveis, e que o futebol era impermeável às técnicas de organização das empresas econômicas, os demais países, de outro lado, se abriram às novas concepções organizacionais com o propósito de induzir o desenvolvimento de seus produtos. Muitos conseguiram. Alguns, de meros coadjuvantes ou importadores, passaram a formadores ou exportadores de produtos do futebol. Tornaram-se referências. É o caso notável da Espanha, da Inglaterra e da Alemanha, apesar de que a última jamais coadjuvou. Os produtos desses países evoluíram e passaram a ser objeto de desejo coletivo. A evolução abrangeu, inicialmente, a importação de técnicas e de jogadores, permitindo a assimilação e, depois, uma repactuação social, envolvendo os agentes do futebol, o Mercado e o Estado. No Brasil o movimento que se praticou - e se pratica - é justamente o inverso. Os governantes não identificam no futebol uma manifestação digna de sua preocupação. O mercado ainda não reconheceu sua potencialidade. E os agentes do futebol, ou os seus donos, se esforçam para manter um modelo de apropriação privada que gera benefícios isolados a um restrito grupo de interesse. Um pacto social deve ser concebido, com o propósito de libertar, desenvolver e valorizar os produtos do futebol. Em primeiro lugar, os jogadores. Razão de existência do esporte. E que devem ser formados, educados e preparados para que não sejam tratados como commodities destinadas à prematura exportação. Segundo, os times, que devem cumprir função maior do que de meras associações de prática esportiva. Eles são, na verdade, agentes de transformação social. E de desenvolvimento econômico. Catalisadores de um processo de integração nacional. Importante lembrar, neste sentido, que apenas o Brasil dispõe de pelo menos 12 grandes times, que rivalizam entre si, proporcionando uma combinação de duelos realmente sem qualquer comparação. O potencial, porém, não se limita a esta lista apostólica. Outros times, sobretudo oriundos do Nordeste e do Sul, com recursos financeiros e técnicas de governação, têm condições de, apoiando-se ainda na força e na amplitude de suas torcidas, se projetar à elite do país. E cumprir o destino integrativo a que se destinam. Terceiro, o campeonato, produto dependente dos jogadores e dos times, mas que se projeta de modo autônomo sobretudo quando enaltece os agentes internos que lhe fazem relevante. E, assim, dirigem-se não apenas ao ambiente interno - como inexplicavelmente ocorre com o Brasileirão -, mas ao externo, oferecendo uma adequada exposição dos jogadores e dos times que o integram. A exemplo do que fazem os países europeus que disputam, inclusive no Brasil, as grades das emissoras de televisão. Quarto, a seleção, que projeta o acerto ou o desacerto do sistema futebolístico do país. E atua como uma embaixada, propagando uma forma de ser e de jogar, cultivando a mística que lhe envolve. Esses produtos não são exclusivos da organização brasileira. Compõem o sistema organizacional de qualquer país que se dedique à prática do esporte. Mas em nenhum deles as condições de evolução se apresentam com tanta naturalidade e potencial integrativo. Porém, para que realmente se confirme como uma expressão de cultura, uma atividade de diferenciação, uma potencialidade econômica, os governantes e os parlamentares não devem se deixar seduzir por interesses de pequenos, porém poderosos grupos, que se organizam para impedir os avanços que dignificam a Nação. Não há futuro sem uma estrutura sólida. Sem um propósito verdadeiramente republicano. A solidez virá da capacidade de financiamento dos times de futebol. Sem dinheiro, não se compete globalmente. Antes disso, não se rompe com um modelo que o sufoca, que o escraviza. Cabe ao Estado, assim, prover a via de direito que suprirá essa eficiência, atraindo capitais para o desenvolvimento de uma atividade que transcende temas mundanos, inclusive políticos ou religiosos. Eis, enfim, o caminho para o resgate dos produtos do futebol. E do Brasil, como potência formadora e protagonista da maior expressão de cultura da humanidade. E como eventual líder de um mercado multibilionário.
quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Profut: uma iniciativa paliativa

Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur O Profut1 - Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro -, instituído pela lei 13.155, de 4 de agosto de 2015, foi uma iniciativa que surgiu com o propósito de solver contingências que decorriam - e que decorrem -, especialmente, do modelo amadorístico dos clubes de futebol. Essa situação se potencializa pela inexistência de um ambiente sustentável, provido de instrumentos dirigidos ao desenvolvimento do esporte. Sobretudo de técnicas de captação e financiamento da atividade econômica futebolística. Daí se projetar no Profut mais uma forma de salvamento emergencial dos clubes, consertando-lhes o passado de inadimplemento fiscal em troca de modificações, pontuais, em suas organizações internas2. O sistema funciona, em breves linhas, da seguinte forma: os clubes podiam3 optar pelo parcelamento de débitos na Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e no Banco Central do Brasil, e os débitos previstos na Subseção II, no Ministério do Trabalho e Emprego. A dívida objeto do parcelamento, para os aderentes, deveria ser paga em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais. O Profut estabeleceu, ainda, condições específicas para o parcelamento de débitos relativos ao FGTS e às contribuições instituídas pela lei complementar 110, de 29 de junho de 2001. Para aderir ao Profut, o Clube de Futebol deveria observar determinados requisitos formais4, e, para nele manter-se, atender aos demais seguintes requisitos: "I - regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais correntes, vencidas a partir da data de publicação desta Lei, inclusive as retenções legais, na condição de responsável tributário, na forma da lei; II - fixação do período do mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução; III - comprovação da existência e autonomia do seu conselho fiscal; IV - proibição de antecipação ou comprometimento de receitas referentes a períodos posteriores ao término da gestão ou do mandato, salvo: a) o percentual de até 30% (trinta por cento) das receitas referentes ao 1o (primeiro) ano do mandato subsequente; e b) em substituição a passivos onerosos, desde que implique redução do nível de endividamento; V - redução do déficite, nos seguintes prazos: a) a partir de 1o de janeiro de 2017, para até 10% (dez por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior; e b) a partir de 1o de janeiro de 2019, para até 5% (cinco por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior; VI - publicação das demonstrações contábeis padronizadas, separadamente, por atividade econômica e por modalidade esportiva, de modo distinto das atividades recreativas e sociais, após terem sido submetidas a auditoria independente; VII - cumprimento dos contratos e regular pagamento dos encargos relativos a todos os profissionais contratados, referentes a verbas atinentes a salários, de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de contribuições previdenciárias, de pagamento das obrigações contratuais e outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação direta com o salário; VIII - previsão, em seu estatuto ou contrato social, do afastamento imediato e inelegibilidade, pelo período de, no mínimo, cinco anos, de dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária; IX - demonstração de que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam 80% (oitenta por cento) da receita bruta anual das atividades do futebol profissional; e X - manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino e oferta de ingressos a preços populares, mediante a utilização dos recursos provenientes: a) da remuneração pela cessão de direitos de que trata o inciso I do § 2o do art. 28 desta Lei (...)". O modelo preocupa-se, portanto, em, inicialmente, estabelecer "princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira"5 e, apenas como consequência, impor técnicas de "gestão transparente e democrática para entidades desportivas". Em sua essência, é, como já afirmado, mais um programa de resgate, calcado em renúncias e favorecimento setorial, e não vinculado à transformação organizacional, que somente se atingirá com a regulação de instrumentos adequados para esta finalidade. A contrapartida do salvamento, também se indicou acima, é a submissão a técnicas de intervenção estatal na governação de entidades privadas, e a fixação de parâmetros econômicos de imprevisível resultado. Por outro lado, as consequências, em caso de inobservâncias, são severas: a rescisão do parcelamento6. E, possivelmente, a insolvência do inadimplente. O Profut parte de uma premissa equivocada: de que os agentes internos dos clubes dominarão todas as variáveis relacionadas à atividade econômica que praticam e que, apesar das vicissitudes conjunturais e estruturais, evitarão as penalidades de um modelo teórico punitivo. Corre-se o risco de, em alguns poucos anos, ver-se a gestação de nova lei para socorrer os clubes excluídos, pela falta de capacidade de cumprimento das obrigações legais, ou sufocados pela incapacidade de ampliação de receitas em um ambiente cada vez mais competitivo. Ambiente este que proporciona e estimula, é bom frisar, a expansão global dos times europeus, que se oferecem e se comercializam globalmente, inclusive no território brasileiro, com suporte em poderosa estrutura econômica e profissional. Não deveria ser aquela, definitivamente, a base histórica dos modelos legislativos adotados pelos sucessivos governos brasileiros para regular e organizar o futebol, formada por técnicas de renúncia, imposição de obrigações improváveis, sanção, crise, novo programa de resgate, mais renúncia, e assim de maneira continua. Eventuais contrapartidas ou adesões a planos com finalidades arrecadatórias não são necessariamente equivocadas ou inadequadas; ao contrário, integram, com frequência, a matriz legislativa reformatória, como no caso da lei portuguesa, que exige "(...) a regularização da situação tributária dos clubes ou por intermédio do 'pagamento integral de impostos e contribuições' ou através da adesão a planos de regularização definidos de acordo com o Código de Processo Tributário e legislação complementar"7. Porém, o que se reivindica, para além de um plano midiático de salvamento, é a formulação de uma política desenvolvimentista de Estado - e que vai além, portanto, de interesses governamentais ou partidários -, dotada de mecanismos aptos à construção de um ambiente, de um novo ambiente, integrativo, tanto do ponto de vista econômico como social. Vale apontar, aliás, porque muito relevante, que o Profut, em sua origem, ainda sob a forma propositiva, sugeria, além do escambo acima mencionado, resgatar a regulação da transformação de associações sem fins econômicos, ou seja, dos clubes associativos, em empresas, mediante a criação do Regime Especial de Tributação às entidades que adotassem alguma forma jurídica própria das empresas econômicas. O veto da então Presidente da República, Dilma Rousseff, ao Capítulo V do Profut8, que instituía e disciplinava o regime, fez ressurgir o debate em torno desse quase mito, que, como a Fênix, converte-se e renasce das cinzas, de tempos em tempos. A ideia, aparentemente boa9, não resistiria ao teste de aderência. Isto porque não se buscava operar um movimento de recuperação e desenvolvimento do futebol. Apenas se oferecia uma técnica primária de salvamento imediato, sem base sólida de preservação e sustentabilidade. O Profut, por fim, não se revela propriamente um equívoco. Tem suas qualidades, sobretudo como meio de impedir a derrocada irreversível do esporte que já foi - e pode facilmente voltar a ser - motivo de orgulho nacional e de admiração internacional. Mas ele não salvará ou resgatará o futebol brasileiro. Também não deve ser descaracterizado ou abandonado. Afinal, suas características estão compassadas com o momento existencial das entidades que se pretende salvar. Mas sua utilidade somente se revelará efetiva se conjugado com uma política de revisão e reversão do modelo de estruturação, financiamento e governação das entidades de prática do esporte. Aliás, mais do que isso: de uma política que reconheça e estabeleça a via de direito própria para exercício da empresa econômica futebolística: a sociedade anônima do futebol. __________ 1 Esse tema foi apresentado e abordado, originalmente e de forma mais extensa, em Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. Sã Paulo: Quartier Latin, 2016. 2 Anota-se, no direito comparado, que a motivação para reformulações do marco legislativo e para instituição de ambientes organizacionais compassados com as tramas relacionais contemporâneas, também foi, com frequência, o colapso econômico das entidades amadoras. Cf., a propósito, Candeias, Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anónima desportiva (contributo para um estudo das sociedades desportivas). Coimbra Editora, 2000, p. 25. 3 O prazo de opção pelo regime previsto no Profut expirou em 30 de novembro de 2015, conforme art. 9º da lei 13.155, de 04 de agosto de 2015. 85 clubes, dentre eles Atlético-MG, Cruzeiro, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Botafogo e São Paulo adeririam ao modelo. De acordo com dados da Receita Federal, os clubes ingressantes apresentavam débitos fiscais no valor de R$ 3,83 bilhões. Cf. 4 "Art. 3o A adesão ao Profut dar-se-á com o requerimento das entidades desportivas profissionais de futebol do parcelamento de que trata a Seção II deste Capítulo. Parágrafo único. Para aderir ao Profut, as entidades desportivas profissionais de futebol deverão apresentar os seguintes documentos: I - estatuto social ou contrato social e atos de designação e responsabilidade de seus gestores; II - demonstrações financeiras e contábeis, nos termos da legislação aplicável; e III - relação das operações de antecipação de receitas realizadas, assinada pelos dirigentes e pelo conselho fiscal". 5 Cf. art. 1o do Profut. 6 Cf. art. 16 do Profut. 7 Candeias, Ricardo. Op. cit, p. 25. 8 O Capítulo vetado era composto dos seguintes artigos, com as seguintes redações: "Art. 31. Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais de que tratam os arts. 26 e 27 da lei 9.615, de 24 de março de 1998, que se constituírem regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, desde que autorizado pela sua assembleia geral. Parágrafo único. A opção pelo regime especial de tributação de que trata o caput deste artigo dar-se-á na forma a ser estabelecida em ato do Poder Executivo, sendo irretratável para todo o ano-calendário. Art. 32. A entidade de prática desportiva que optar pelo regime especial de tributação de que trata o art. 31 desta Lei ficará sujeita ao pagamento equivalente a 5% (cinco por cento) da receita mensal, apurada pelo regime de caixa, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado dos seguintes impostos e contribuições: I - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ; II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS; e V - contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. §1o Para fins do disposto no caput deste artigo, considera-se receita mensal a totalidade das receitas auferidas pela entidade de prática desportiva, inclusive as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes de suas atividades. §2o A opção pelo regime especial de tributação obriga o contribuinte a fazer o recolhimento dos tributos, mensalmente, na forma do caput deste artigo, a partir do mês da opção. § 3o O disposto no § 6o do art. 22 da lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, não se aplica às receitas auferidas pela entidade de prática desportiva que optar pelo regime especial de tributação de que trata o art. 31 desta Lei. Art. 33. O pagamento unificado deverá ser feito até o vigésimo dia do mês subsequente àquele em que houver sido auferida a receita. Art. 34. Para fins de repartição de receita tributária, do percentual de 5% (cinco por cento) de que trata o caput do art. 32 desta lei: I - 1,71% (um inteiro e setenta e um centésimos por cento) corresponderá à Cofins; II - 0,37% (trinta e sete centésimos por cento) corresponderá à Contribuição para o PIS/Pasep; III - 1,26% (um inteiro e vinte e seis centésimos por cento) corresponderá ao IRPJ; IV - 0,66% (sessenta e seis centésimos por cento) corresponderá à CSLL; e V - 1% (um por cento) corresponderá às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Art. 35. A opção pelo regime especial de tributação instituído pelo art. 31 desta lei perderá a eficácia, caso não se verifique o pagamento pela entidade de prática desportiva das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, inclusive direitos de imagem de atletas, salvo se com a exigibilidade suspensa na forma da legislação de referência. Parágrafo único. A entidade de prática desportiva poderá apresentar, até o último dia útil do ano-calendário, termo de rescisão da opção pelo regime especial de tributação instituído pelo art. 31 desta Lei, válido para o ano-calendário seguinte, na forma a ser estabelecida em ato do Poder Executivo. Art. 36. Aplica-se o disposto no art. 8o da lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no art. 10 da lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, às receitas auferidas pelas entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais de que tratam os arts. 26 e 27 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, que se constituírem regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e que não optarem pelo regime especial de que trata o art. 31 desta lei". 9 V., a propósito, Manssur, José Francisco C; Ambiel, Carlos Eduardo; e Souza, Ewerton de. Por que derrubar o veto ao clube-empresa.
O futebol brasileiro produziu algumas figuras folclóricas e outras daninhas, que se ocuparam da administração das relações internas dos clubes e das atividades futebolísticas. Suas atuações, na maioria das vezes, se notabilizaram sobretudo pela relação de quase apropriação da coisa social e pela dominação política. O processo de manutenção dessas posições decorria - e decorre - da politização do sistema eletivo, inerente às associações sem fins lucrativos, de cunho social. A candidatura e a eventual eleição de um associado, como regra, requer o estabelecimento de um complexo ambiente relacional, a fim de suportar composições de pessoas invariavelmente oriundas de distintas organizações políticas internas. Atualmente se fala e se tenta introduzir, no ambiente do clube, conceitos e técnicas que se praticam no manejo e na governação de sociedades empresárias, de modo a, em alguns casos, oferecer-se um verniz de modernidade e, em outros, apesar das idiossincrasias próprias de cada organização, tentar-se impor uma nova lógica formadora do poder. Passa-se a verificar, nesse sentido, os mecanismos adotados por certos clubes brasileiros, sobretudo em relação à forma de indicação de seus representantes máximos. Apontam-se, a seguir, os casos de: Santos Futebol Clube ("Santos"), Clube de Regatas do Flamengo ("Flamengo"), São Paulo Futebol Clube ("São Paulo"), Sociedade Esportiva Palmeiras ("Palmeiras"), Sport Club Corinthians Paulista ("Corinthians"), Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense ("Grêmio"), Sport Club Internacional ("Inter") e Clube Atlético Juventus ("Juventus"). 1. Santos O Santos distingue, dentre os seus órgãos sociais1, os (i) superiores, (ii) os independentes de fiscalização e apoio e (iii) os auxiliares à gestão. Os primeiros, que importam a este breve estudo, se compõem de (i.i) Assembleia Geral, (i.ii) Conselho Deliberativo e (i.iii) Comitê de Gestão. A Assembleia Geral é o órgão máximo dos associados, que se reúnem, ordinariamente, a cada 3 anos, exclusivamente para eleger e empossar o presidente e o vice-presidente do Comitê de Gestão e os membros do Conselho Deliberativo. O Comitê de Gestão é formado por 9 membros. Os 7 membros, não eleitos diretamente pela Assembleia Geral, são indicados pelo Presidente eleito do Comitê de Gestão, dentre os membros Eleitos, Efetivos e Natos do Conselho Deliberativo. Ao Comitê de Gestão se atribui a competência de administração executiva e a representação do Clube. Ele delibera por maioria simples de votos, com a presença mínima de 5 membros, imputando-se ao seu presidente o voto de qualidade, em caso de empate. O modelo do time da baixada abandona, portanto, o regime presidencialista e impõe um sistema colegiado de decisões. 2. Flamengo O estatuto do Flamengo estabelece como Poderes Sociais a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho de Administração, o Conselho de Grandes-Beneméritos, o Conselho Fiscal e o Conselho Diretor. Os poderes do clube terão um presidente e um vice. A competência para eleição do presidente e do vice do Conselho Diretor é da Assembleia Geral, que se reúne trienalmente. Além de presidente e de vice-Presidente, o Conselho Diretor é composto por vice-presidentes temáticos, nomeados e empossados pelo Presidente do Conselho Diretor. O art. 131 do estatuto prevê a existência de 16 vice-presidências. Compete ao presidente, ademais, de modo singular, a representação do Clube e a prática de diversos outros atos, previstos no art. 129 do estatuto. O modelo do clube carioca se enquadra, portanto, num regime presidencialista, que atribui aos associados a escolha de seu representante. 3. São Paulo O modelo do São Paulo é diferente dos apresentados anteriormente. Talvez se revele, aliás, dentre todos os analisados, o de menor acessibilidade aos seus associados. Essa assertiva se extrai do conteúdo do art. 35, que trata da Assembleia Geral. A Assembleia Geral Ordinária realiza-se de 6 em 6 anos, para o fim específico de eleger e dar posse a 1/3 dos membros do Conselho Deliberativo. Não lhe compete, portanto, eleger membros do órgão diretivo. O Estatuto reconhece, por outro lado, a soberania orgânica do Conselho Deliberativo. Este órgão, composto de 240 membros, elege e empossa 2/3 de seus membros, não escolhidos pela Assembleia Geral, que terão, todos, a posição vitalícia. Também lhe compete, na forma do art. 50, eleger e dar posse ao presidente da Diretoria. O presidente da Diretoria indica os demais membros do órgão, que se compõe de 6 vice-presidências e 18 diretorias. O modelo Tricolor também se revela presidencialista, mas, com uma diferença fundamental em relação ao adotado, por exemplo, pelo Flamengo: a eleição é indireta, tendo os associados pouca participação na escolha de conselheiros e nenhuma, de modo direto, na do Presidente e demais membros da Diretoria. 4. Palmeiras O presidente do Palmeiras é eleito pela Assembleia Geral. Juntamente com o presidente elegem-se o 1o, 2o, 3o e 4o vice-presidentes. O presidente é o dirigente máximo e o titular da função executiva, competindo-lhe, "a administração social com amplos poderes para dirigir a organização dos serviços [do Palmeiras], atendidas as disposições deste Estatuto". Além do presidente e dos vices, o Palmeiras prevê a formação de uma administração social, composta de 26 departamentos, dirigidas por diretores, nomeados pelo presidente. Todos esses cargos - presidência, vices e diretores departamentais - compõem a Diretoria Executiva. Sua competência, prevista no art. 121 do estatuto, não abala a natureza presidencialista reconhecida pelo estatuto. 5. Corinthians São poderes do Corinthians a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho de Orientação, o Conselho Fiscal e a Diretoria. A Assembleia Geral se reúne ordinariamente a cada período de três anos, para eleger os membros do Conselho Deliberativo e da Diretoria. Os candidatos à Diretoria se organizam em chapas, que conterão, necessariamente, indicações para presidente, 1o e 2o vices. Além desses integrantes, eleitos pela Assembleia Geral, a Diretoria é composta de outros Diretores Titulados e de um Secretário Geral, escolhidos livremente pelo Presidente. São, ao todo, de acordo com o art. 101 do estatuto, 13 membros, sendo 12 diretores. Atribui-se, por fim, ao Presidente a responsabilidade pela administração geral do clube. 6. Grêmio Os órgãos do Grêmio são a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal, o Conselho Consultivo, o Conselho de Administração, a Presidência, as vice-presidências e a Gerência Executiva. Compete à Assembleia Geral a eleição do presidente e dos vice-presidentes, para mandatos de 2 anos, permitida uma reeleição. Votam na Assembleia os associados maiores de 16 anos, pertencentes ao quadro social há mais de 2 anos. A Gerência Executiva se subordina ao presidente e ao Conselho de Administração. Suas funções são: gerência de esportes, gerência administrativa e financeira, gerência comercial e marketing, gerência jurídica e gerência de planejamento. Os cargos de gerente são remunerados. 7. Inter São órgãos do clube a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, a Diretoria e o Conselho Fiscal. A Assembleia Geral se reúne ordinariamente, de 2 em 2 anos, para eleger o presidente, o Primeiro e o Segundo vice-presidentes. Além dessas vice-presidências, a Diretoria é composta de outros 5 Vice-Presidentes, nomeados pelo Presidente, "ad referendum" do Conselho Deliberativo. O presidente pode, ainda, criar outras 5 vice-presidências, desde que referidas no regimento interno da Diretoria. 8. Juventus São Poderes do Juventus: a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo e a Diretoria Executiva. A Assembleia Geral tem competência para eleger e destituir os membros do Conselho Deliberativo e eleger e empossar o presidente e o vice-presidente da Diretoria Executiva. O presidente elege, na forma do art. 88, os membros de sua confiança para formar a Diretoria Executiva, que se compõe de diretores e assessores. O time da Rua Javari também privilegia o modelo presidencialista, com a atribuição de competência eletiva aos seus associados. Pois bem. A simples compilação desses dados não autoriza concluir ou apontar a prevalência de um modelo sobre o outro. O São Paulo, por exemplo, que até 2005 protagonizou, nos planos internos e externos, o futebol brasileiro, encontra-se, há pelo menos três anos, afundado em sua mais grave crise política desde a sua criação. O Palmeiras, por outro lado, que desde 1994 não vence o campeonato brasileiro, desponta, em 2016, como grande favorito ao título. Já o Flamengo, que vem adotando, desde o início da gestão de seu atual Presidente - Eduardo Carvalho Bandeira de Mello -, uma política mais austera, com o propósito de inverter e melhorar suas contas, parece que começará a colher os frutos de sua postura aparentemente responsável. De todo modo, afirmar que a participação direta de associados na eleição de Presidente tem relação direta com o resultado em campo é algo que não se pode inferir, ao menos com base na breve compilação que se apresenta. Mas uma afirmação se pode, sim, extrair: qualquer que seja o modelo, o futebol, seu time e seus jogadores sofrem com o intenso processo político, que, invariavelmente, reflete na sua gestão, e se ressentem de estabilidade, de projeção e de definição de um modelo de time. Seja o colégio eleitoral formado por associados ou por membros de órgão colegiado, a instabilidade interna que envolve o futebol com temas associativos perturba e impede o seu desenvolvimento. Talvez esteja, aí, um dos motivos da absoluta incapacidade de se competir num ambiente global, altamente competitivo. E, enquanto não se operar a devida separação e neutralização do futebol da política clubística, as vaidades pessoais continuarão a se sobrepor ao que realmente interessa: a afirmação social e econômica desse esporte que foi adotado como elemento da cultura de um povo. __________ 1 As referências a órgãos ou estatutos serão grafadas em letras maiúsculas ou minúsculas, conforme se grafem nos respectivos documentos de referência.
Não há atividade empresarial sem meios de financiá-la. Essa afirmação não se aplica apenas aos tempos atuais. Na realidade, ela se revela verdadeira em todos os momentos da história do desenvolvimento da empresa. Com a queda do Império Romano e a consequente intensificação dos preceitos do Direito Canônico, que condenava a prática de operações de crédito pela esterilidade conceitual do dinheiro, o comerciante passa a recorrer a técnicas nascidas de sua criatividade para encontrar recursos a serem empregados em seu comércio. Um reflexo dessa necessidade é, por exemplo, o surgimento de títulos representativos de créditos, ou os títulos de crédito, como a letra de câmbio e a nota promissória. Outro reflexo, não menos relevante - aliás, fundamental para os avanços técnicos e tecnológicos que se produziram nos séculos seguintes, e que ainda hoje se produzem -, é a concepção das companhias, ou sociedades anônimas. A expansão industrial na Europa e, sobretudo, a grandiosidade das empresas marítimas, com propósitos colonizadores, exigiam o emprego de enormes quantias de recursos, que se viabilizaram pela associação, em companhias, do Estado com comerciantes e investidores. A Companhia Holandesa das Índias Orientais é um caso histórico dessa associação. Constituída em 1602, por ato de governo, tinha como propósito a "penetração e conquista do Golfo Pérsico à Indonésia". Seus poderes estatutários abrangiam a celebração de tratados, a realização de alianças, fazer guerra e cunhar moeda1. Seu capital se formou pela contribuição do Estado, de acionistas armadores de navios e de acionistas anônimos, "nacionais ou estrangeiros, cristãos ou judeus"2. O exemplo dessa companhia foi seguido por diversas outras, de distintas nacionalidades, e se prestaram a contribuir para, de um lado, a expansão mercantil, e, de outro, desenhar a geopolítica moderna. Inicialmente, as companhias foram constituídas por prazo determinado. Ao seu término, os acionistas reaviam seus investimentos e apuravam eventual lucro. Essa estrutura logo revelou-se inoportuna, pois implicava a dissolução de uma empresa ativa e lucrativa. Assim surge, como solução ao modelo restritivo, a possibilidade de livre negociação das ações pelos acionistas. Esse fato, somado ao aparecimento de novas companhias, reforça a importância do papel das bolsas, como ambientes de negociação de determinados ativos. E, no caso dos investidores em ações, para que pudessem realizar negócios de compra e venda no mercado secundário. Oferecia-se, com isso, liquidez ao investimento. Nos dias atuais, as bolsas cumprem uma função essencial para formação e desenvolvimento do mercado. Uma Resolução do Conselho Monetário Nacional estabelece que elas são "sociedades anônimas ou associações civis, com o objetivo de manter local ou sistema adequado ao encontro de seus membros e à realização entre eles de transações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado por seus membros e pela Comissão de Valores Mobiliários. Possuem [ademais] autonomia financeira, patrimonial e administrativa". A principal bolsa da América Latina é a BM&FBovespa, fruto da integração da Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa e da Bolsa de Mercadorias & Futuros - BM&F. Em 2000, a BM&F criou o Novo Mercado, composto de três níveis diferenciados de listagem de ações de companhias abertas, que aceitam, de modo voluntário (autorregulação), submeter-se a padrões mais sofisticados ou rígidos de transparência e governança, e a adotar regras que amplificam direitos de minorias. Do ponto de vista prático, não há uma nova abertura de capital no mercado brasileiro que não ocorra em um desses três segmentos. Aliás, a abertura de capital continua sendo uma forma eficiente de financiamento da atividade empresarial. E poderia ser um caminho para financiar o futebol. Além de uma reforma do marco regulatório, com a introdução de uma via de direito que permita a criação pelos clubes da sociedade anônima do futebol, outra proposta pode ser muito útil para formação do novo ambiente, do novo mercado futebolístico: a criação pela BM&FBovespa do Bovespafut. Assim como o Novo Mercado e os Níveis 1 e 2 de governança corporativa, o Bovespafut seria um nível especial de listagem, que fixaria às sociedades anônimas do futebol que voluntariamente aderissem a ele, regras específicas de governação, de divulgação de informações e de proteção dos acionistas minoritários. Mas esse nível especial não se impõe por lei. Apenas a própria BM&FBovespa, uma entidade privada, cujo capital é distribuído entre milhares de acionistas, pode tomar essa decisão. E, por se tratar de uma companhia aberta, com fins lucrativos, não terá motivos para adotar e implementar a proposta se inexistir ao menos uma razoável perspectiva de adesão por parte de futuras companhias que atuem com o futebol. E, ainda, se o mercado do futebol não se revelar suficientemente promissor para atração e emissão de valores mobiliários dessas companhias. Do ponto de vista do investidor, a iniciativa implicaria algumas vantagens, como: (i) a padronização e as sofisticação de regras de governança; (ii) uma melhor organização do mercado que se pretende criar; e (iii) a formação de uma cultura de investimento em uma atividade que, além de seu potencial econômico, apesenta um realmente enorme potencial de contribuição para o desenvolvimento social do país. O PL 5.082/16, de autoria do Deputado Otavio Leite (PSDB/RJ), que cria a sociedade anônima do futebol, oferece um incentivo para esse movimento. O art. 47 estabelece, nesse sentido, que: "Art. 47. Caso alguma entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários crie um segmento especial de listagem para a SAF, prevendo práticas diferenciadas de governança corporativa, a administração pública direta ou indireta somente poderá subscrever ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de SAF que aderir ao segmento especial. Parágrafo único. Qualquer contrato celebrado entre a administração pública indireta e a SAF, especialmente de empréstimo ou financiamento, deverá conter cláusula que obrigue a SAF a, no caso de obtenção de registro de emissor de valores mobiliários perante a CVM, aderir a segmento especial de listagem para a SAF, instituído por entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários, prevendo práticas diferenciadas de governança corporativa". Enfim, há uma série de mecanismos já consolidados que podem ser aproveitados pelo futebol, e outros que, com o advento de um novo ambiente, podem ser adaptados ou aperfeiçoados, com o propósito de impor um efetivo movimento de expansão econômica e desenvolvimento social, a partir justamente de sua relação histórica, cultural e afetiva com o povo brasileiro. Daí, aliás, a relevância de uma regulação que encaminhe esses aspectos, em benefício, é sempre bom ressaltar, do próprio esporte e dos agentes que o protagonizam. __________ 1 Lamy Filho, Alfredo; Pedreira, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação). Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 33. 2 Idem.