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Política, Direito & Economia NA REAL

Enfoque político, jurídico e econômico.

Francisco Petros
terça-feira, 17 de junho de 2008

Política & Economia NA REAL n° 5

América Latina : os velhos problemas voltam à pauta A alta do petróleo, em particular, e das commodities, em geral, propiciaram condições especiais para que países em desenvolvimento ou, até mesmo subdesenvolvidos, melhorassem a situação de crédito soberano e do balanço de pagamentos. No caso específico da América Latina, a Venezuela, o Brasil e a Argentina (nesta ordem) apresentam desde 2002 um desempenho econômico marcadamente favorecido por este movimento de preços no mercado internacional. De fato, as políticas macroeconômicas desses países não sofreram alterações estruturais no que se refere às políticas fiscal, industrial, social, etc. Apenas foi mantido o status quo suficiente para que o cenário externo favorável pudesse ter conseqüências positivas para esses países, sobretudo no que tange ao desempenho econômico. Poder-se-ia até argumentar que há certa letargia no que se refere às reformas estruturais desses países. Assim sendo, a piora do cenário externo deve expor de maneira mais explícita as fragilidades estruturais destes países. Nada de novo na história latino-americana. No caso da Venezuela e a Argentina, a inflação é galopante em ambos os países, acima dos 25% em termos anualizados, e a situação fiscal piora na medida em que o governo descarrega dinheiro em programas assistenciais para ampliar o apoio popular. Na semana passada, o líder populista venezuelano Hugo Chávez pronunciou-se a favor de uma "aliança estratégica nacional" que terá como item principal a consecução de um amplo plano de gastos públicos para estimular o investimento. Resta saber se a retórica chavista passará à ação e se o aumento do investimento será acompanhado pela redução do consumo público. O mesmo raciocínio vale para o caso da Argentina, país onde o par Cristina e Nestor Kirchner não consegue criar uma estratégia abrangente a ponto de tornar viáveis políticas pró-produção e pró-trabalhadores. Simultaneamente, no caso. E o Brasil ? Bem, o nosso caso é de mesma natureza, mas de menor intensidade. Afinal de contas, não poderíamos afirmar que o governo está sendo populista no caso da inflação. Já no caso do setor público, o crescimento superior dos gastos públicos comparativamente ao crescimento do PIB é um problema e tanto. O endividamento público permanece alto e o investimento do setor público é capenga, mesmo quando travestido sob o codinome de PAC. Os próximos três trimestres são de aceleração da inflação e queda da atividade econômica. Com efeito : os problemas fiscais vão se tornar mais evidentes já que grande parte do aumento da arrecadação se deve ao crescimento dos últimos três anos. Não podemos ter ilusões : o Brasil tem tudo para se destacar dentre os países emergentes nos próximos anos, mas a América Latina como um todo é um poço de problemas cujo encaminhamento é incerto e pode resvalar para o populismo histórico. O Brasil parece mais imune a isso, mas tem lá suas mazelas. Nada desprezíveis, diga-se. Mazela I : o jogo eleitoral Parece fora de dúvida que o governo encontra dificuldades políticas para atacar mais diretamente a inflação, neste momento, do lado fiscal. É visível a deterioração das expectativas dos agentes econômicos em relação à alta dos preços e outros agregados econômicos. E mesmo assim há certa acomodação do lado oficial. Essa deterioração pode ser medida simplesmente por um dos números levantados semanalmente pela pesquisa Focus do Banco Central: há quatro semanas, a previsão do IPCA para 2008 era de 5,12%, há uma semana, de 5,55%; esta semana, 5,80%. No próprio governo, as projeções não são mais otimistas: IPCA entre 6% e 6,5% em dezembro, no limite superior do centro da meta inflacionária. Alguns economistas acham que o teto vai ser furado, uma vez que a escalada da taxa de juros demorará algum tempo para surtir efeitos. Os mais-mais ortodoxos pensam até que o Banco Central já deveria ter sido mais duro nas suas ações e a própria inflação de 2009, na meta de 4,5%, estaria comprometida. A conferir. O que preocupa é que, mesmo consciente do perigo, o governo hesita em agir de fato, para além do discurso. A meta oficial de superávit primário, no papel, continua nos 3,8%. Os 4,3% ditos pelo ministro Mantega na esteira o Fundo Soberano ainda são "informais". E não indicam nenhum esforço adicional, pois o superávit primário realizado até abril estava em 4,2%. Graças, quase exclusivamente, ao aumento de receitas. Muitas despesas extras nas áreas de custeio e outros gastos correntes já estão contratadas, tais como o aumento de diversas categorias de servidores públicos. É praticamente certo também que virá um aumento em torno 10% na mensalidade do Bolsa Família. Essas ações fazem parte do jogo eleitoral e mudarão muito pouco de qualidade até outubro. Os agentes econômicos formadores de opinião - e de preços - esperam algum gesto do governo com certa urgência. Qual será - ou quais serão ? Há certos temores com determinados artificialismos anti-inflacionários postos em prática, vistos como futuros esqueletos guardados no armário que, quando liberados, podem assustar. São os casos, especificamente, do real valorizado e dos preços de alguns derivados de petróleo, incluído o subsídio à gasolina, insustentáveis se a escalada nos preços internacionais continuar. Infelizmente, em nossa cultura política, boas práticas econômicas e eleições não costumam andar juntas. Varig/BrOi Um pouco ao modo do que ocorreu no Caso VariLog, o Palácio do Planalto conseguiu arrancar (esta é a expressão exata) da Anatel as sugestões para alteração no Plano Geral de Outorgas (PGO). Depois de muita pressão e até da ameaça de nomear um conselheiro-tampão para a agência, dois dos quatro conselheiros recuaram de suas posições e o processo andou. As mudanças são necessárias para legalizar um negócio - a compra da Brasil Telecom pela Oi - já realizado, mas que até agora é ilegal. É outra inovação brasileira : a lei de caráter retroativo. Uma jabuticaba, só existe aqui. O governo tem interesses diretos e indiretos no negócio. Naturalmente classificado "de interesse público", de interesse estratégico, embora o distinto público de fato ainda não tenha conseguido ver as vantagens de uma fusão de empresas que vai aumentar a concentração num setor já oligopolizado. As teles não gostaram das sugestões que saíram do forno da Anatel. Nem as duas diretamente interessadas, nem as duas outras de peso. Apenas as pequenas, regionais, aplaudiram tudo. A Oi já disse que, se os serviços de banda larga e de telefonia tiverem de ser divididos, como se depreende que o serão de acordo com a proposta da Anatel, o negócio com BrT deixa de interessar. Ora, o governo é o primeiro a querer a concretização da negociação. As sugestões da Anatel são apenas isso - sugestões. Ainda há uma consulta pública, depois um novo texto preliminar, uma revisão no Ministério das Comunicações e outros na Casa Civil. E como a palavra final é do presidente Lula, que assinará no decreto do novo PGO, a Presidência da República poderá acatar tudo que vier da Anatel, apenas parte, ou nada. Será o que Lula determinar. O caso VariLoG ainda pode deixar saudades. O dinheiro no mundo O consultor Álvaro Musa, da Partner Consultoria e ex-presidente da Credicard, fez um levantamento de dados fascinante, que mostra bem neste momento o descolamento entre a economia financeira e a economia real no mundo, provável fonte de sérios problemas planetários no futuro: - a população do mundo, em 1980, era de 4,4 bilhões de pessoas; em 2010, deverá bater nos 7 bilhões;- o PIB mundial, em 1980, somava US$ 20 trilhões; em 2010, deverá alcançar US$ 65 trilhões;- os ativos financeiros planetários, em 1980, compreendiam US$ 13 trilhões; em 2010, deverão explodir em US$ 228 trilhões. Ou seja: em dois anos, teremos quase 4 unidades de papel financeiro para cada unidade de produto físico ou serviço. Contudo, a FAO, há dias em Roma, e os ministros do G-8 este fim de semanal, discutiram inflação mundial, preços do petróleo e dos alimentos e especulação com commodities sem gerar uma única idéia concreta de como combater essas ameaças. Nada a comemorar Na semana passada as ações do setor financeiro dos EUA bateram um recorde : tocaram o ponto mais baixo em termos de valor de mercado durante os últimos quatro anos. E nada evidencia que isso possa ser "ponto de compra" para os investidores. Afinal, mais bancos, dentre os quais o gigante Lehman Brothers, estão apresentando problemas em suas carteiras de crédito. Note-se que não é mais um problema localizado no segmento imobiliário. Espalha-se a inadimplência pelo sistema financeiro norte-americano e mundial. O aumento do desemprego e da inflação pode incendiar ainda mais a piora dos indicadores de crédito. Meirelles soberano Os últimos números de inflação, dentre os quais o IPCA que atingiu 5,58% nos últimos doze meses, nível acima da meta de inflação de 4,5%, propiciaram as condições para que Henrique Meirelles se firmasse na posição de guardião da moeda. Não é segredo que o ministro-presidente do Banco Central sofre um não tão silencioso combate dentro do próprio governo quando o assunto é a política monetária e a taxa de juros básica. Agora com os números de inflação cada vez mais deteriorados, o presidente do BC está mais confortável para exercer o seu papel de "chato" no que se refere à alta dos juros. Quem se deu ao trabalho de ler a última ata do Copom pode sentir uma mudança substancial no tom em relação ao documento da reunião anterior do comitê. A linguagem não é nada complicada: é direta e diz que a alta dos juros durará "enquanto for necessária". Fontes do mercado financeiro e de dentro do governo dizem que o próprio presidente Lula, tantas vezes hesitante em outras matérias, no caso da inflação tem se mostrado firme na defesa do presidente do BC, o qual está cada vez mais à vontade e começa a ampliar o seu discurso na direção de públicos e temas cada vez mais abrangentes. Por exemplo: o BC pediu na última ata do Copom "maior esforço fiscal por parte do governo", um tema caro e desgastante ao ministro Guido Mantega. Se antes Meirelles tratava de muita coisa nos gabinetes, agora trata nas conferências públicas. Por isso, neste momento, o ministro Mantega e seus seguidores recolheram seus flaps. Esperam melhor ocasião para retomar seu discurso "desenvolvimentista". O consolo deles é que Lula é também apegado a esse discurso e não quer perdê-lo eleitoralmente. O dilema é que a inflação, corroendo a renda familiar, principalmente da população de baixa renda, pode corroer também a popularidade presidencial. Em Brasília circula uma informação, daquelas ainda não confirmadas, de que o Palácio do Planalto já dispõe de pesquisas indicando que algum abalo o prestígio do presidente já sofreu. Nada grave, mas preocupante. É o velho e eterno embate nacional : a boa economia versus a política dos políticos. De toda forma, não se deve minimizar também o fato de que nem o governo nem o BC têm estimativas razoáveis sobre os efeitos da inflação e dos juros mais altos sobre a atividade econômica. A inflação em grande parte foi "importada" e agora se espalha pelo sistema de preços doméstico e os seus efeitos sobre o desempenho do consumo e do investimento dependem muito mais da evolução do cenário externo que do interno. Por fim, não esqueçamos: Henrique de Campos Meirelles deve voltar à vida político-partidária antes de 2010. Para concorrer, como ele pretende, ao governo de Goiás, ou, se o cavalo passar arriado, a um vôo mais alto, terá de sair do BC no ano que vem, para filiar-se a algum partido. Isso não é bom para um guardião da moeda que, por ora, está forte como havia tempo não estava. E ainda cria uma baita dor de cabeça para Lula: escolher o seu sucessor. Será a hora de muitos inconformados, principalmente no partido do presidente Lula, tentarem reverter a independência de fato que o BC teve nos últimos anos. Sem teto Recentemente, o premier britânico Gordon Brown divulgou um plano de sua administração para estimular a construção de 240 mil casas por ano até o ano de 2018. Trata-se de uma proposta central de Brown para se manter na liderança do Partido Trabalhista e vencer as eleições gerais do ano que vem. Algo estratégico, portanto. As coisas estão piorando rapidamente na Ilha. Até este mês de maio, o número de construções de casa atingiu o menor patamar desde 1945, logo após a segunda guerra mundial. As razões para esta brutal queda se devem aos problemas no sistema de crédito imobiliário, bem como a piora da economia inglesa e mundial. Ademais, de saída, a expectativa é que 100 mil empregos no segmento de construção civil simplesmente deverão sumir. James Bond morreria de vergonha O jornal The Independent, da Inglaterra, teve acesso a documentos confidenciais do governo, mais exatamente do Joint Inteligence Committee, que versavam sobre os seguintes assuntos: combate ao terrorismo internacional, políticas contra o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e questões sobre imigração ilegal. Como se pode facilmente verificar, todos os assuntos podem ser facilmente classificados como top secret. Pois bem: adivinhem onde estes documentos foram achados? Em um banco de trem! E tem mais: não foi a primeira vez que isso aconteceu. Foi a segunda vez na semana. Na semana, vejam bem! O Serviço Secreto de Sua Majestade já teve melhores dias a começar com o infalível James Bond que rasgava charme pelos salões sociais e eficiência em relação aos inimigos. Não consta que alguém tenha ficado com a sua pasta 007.
terça-feira, 10 de junho de 2008

Política & Economia NA REAL n° 4

  Cenário piorado I Claramente nos últimos dias tivemos um aumento das complicações no cenário econômico mundial. Vejamos. Do lado europeu, as declarações, na semana passada, do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, de que a autoridade monetária está "em estado de alerta" em relação à inflação. Provavelmente, teremos uma rodada bem mais longa de aperto monetário. A inflação no Velho Continente gravita ao redor de 2,4%, nível acima da meta de inflação de 2,3%. Há claros sinais que a indesejada composição entre inflação e recessão está mais próxima nos 15 países que adotam o Euro como moeda que nos EUA. A Inglaterra que não utiliza o Euro como moeda viu a sua taxa de juros básica ser mantida no patamar de 5% ao ano pelo seu Banco Central, e as preocupações em relação à inflação estão mais moderadas. Mas a atividade econômica começa a cair mais rapidamente. Há, inclusive, expectativas de que a taxa de juros básica possa cair para algo como 4,5% ao ano ainda neste ano em função da redução mais aguda do consumo. Tudo aponta para uma piora mais acentuada do cenário e as expectativas neste sentido estão piorando sensivelmente. Cenário piorado II Nos EUA as coisas estão bem piores que há pouco tempo, e há cada vez menor espaço para as autoridades agirem no curto prazo. Tudo ficará para o médio prazo ao que parece. O custo da alta das matérias-primas e do petróleo está afetando cada vez mais o consumo. Com efeito : sobe a inflação, cai o emprego, cai a renda e, assim, forma-se um perigoso círculo vicioso. Para combater a queda da atividade o Congresso norte-americano formulou ao final do primeiro trimestre um pacote de estímulo ao consumo de US$ 100 bilhões. Esta medida foi totalmente neutralizada pela alta dos combustíveis. Somente neste mês de junho a gasolina já aumentou 9% nos EUA. A taxa de inflação ao consumidor deve atingir algo como 0,5% este mês, apenas se considerarmos o efeito da alta dos combustíveis. A taxa de desemprego teve em maio o maior salto mensal dos últimos 22 anos e está aumentando há cinco meses consecutivos. As vendas de veículos em maio (14,3 milhões em termos "anualizados") caíram para o patamar mais baixo nos últimos 13 anos. Diante deste cenário tudo se tornou parodoxal : estamos ao final de uma desastrosa administração Bush e pouco se sabe sobre o que o próximo presidente, seja McCain ou Obama, fará e em que condições encontrará a economia. Do lado do Federal Reserve há uma certa perplexidade em relação ao que priorizar - se a inflação galopante ou o desemprego em alta. Uma dúvida cruel como se pode ver. Países emergentes em melhor posição Não tenhamos ilusões sobre a possibilidade de que a posição dos países emergentes, sobretudo os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), não seja afetada pela seqüência de choques que estão a produzir maior inflação e menor atividade nos países mais desenvolvidos. Somente os EUA representam 25% do PIB mundial e a redução de sua atividade não será compensada pelo desempenho chinês que, diga-se em alto e bom som, vive pendurado no consumo norte-americano. A manutenção dos preços das commodities em patamar elevado certamente é fator favorável para os países emergentes, pois é deste segmento que são extraídos os seus maiores ganhos, sobretudo externos. Contudo, o maior efeito do fator "commodities" (preços elevados das matérias-primas) é sobre a saúde do balanço de pagamento, seja pela atratividade por parte dos investidores internacionais por estes países num momento de fragilidade das maiores economias, seja pelos resultados mais positivos da balança comercial. No caso do Brasil, o saldo comercial é declinante em função da (desastrosa) administração da política cambial. Nenhum outro país emergente relevante tem cometido erros tão gritantes neste item. O segmento mais arriscado no momento é o das ações : depois de valorizações seguidas nos últimos anos é possível e provável que o pior cenário externo venha a atingir com maior intensidade o preço das ações. A conferir. O governo, a inflação e as limitações eleitorais Não há dúvida de que o presidente Lula está preocupado com a escalada inflacionária, que já está correndo o mundo e ronda o Brasil. Ele sabe mais do que ninguém que mais do que o Bolsa-Família e outros programas sociais, seu maior capital eleitoral tem saído da melhoria do poder aquisitivo das populações de menor renda, o efeito mais positivo dos preços baixos. E é isto que está agora ameaçado, por razões internas e externas. A inflação dos alimentos para as famílias de renda de 1 a 2 salários mínimos nos 12 meses vencidos em maio está quase o dobro da inflação das famílias de mais de 2 até 30 SM. A longo prazo, é explosivo. O governo, porém, para não ofender sua base eleitoral, bastante inquieta, e com temor também de aplicar uma dose forte demais de remédios anti-inflacionários e comprometer demais o bom crescimento da economia, está com receio de tomar medidas mais duras, além das ações do Banco Central na taxa de juros. Vacila claramente. Um exemplo : a meta fiscal "oculta" Começou a circular em Brasília, estava até em jornais de fim de semana, a informação, de fontes não reveladas, que o presidente Lula autorizou o Ministério da Fazenda a trabalhar com uma meta de superávit primário da 4,5% do PIB para este ano, mais próxima dos 5% sugeridos por alguns conselheiros econômicos paraoficiais do presidente. Teríamos então três metas de superávit em 2008 : a oficial, de 3,8 do PIB ; extraoficial, de 4,3% (os tais 0,5% a mais do "cofrinho do Mantega) ; e a oculta - ou disfarçada, de 4,5%. A razão desse jogo de esconde-esconde : não assanhar (e irritar) os aliados, que poderiam pensar que o governo está com dinheiro sobrando para pagar juros e poderiam pedir mais gastos. Evita também que se alegue que s CSS não é necessária uma vez que há sobra no Orçamento para aumentar o superávit. Não tem sentido, porém, fazer desse jeito. Além dos efeitos objetivos que um aumento do superávit terá sobre a escalada de preços, com resultados mais no médio prazo segundo muitos especialistas, um dos objetivos da medida é inverter as expectativas negativas dos agentes econômicos. Como bem disse o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista n'O Globo deste domingo, "na economia, psicologia é fundamental". E como atuar sobre as expectativas com um superávit primário disfarçado e oculto ? E não há muito o que esperar lá de fora com se poderá ver nas duas notas a seguir. Temos nós mesmos de fazer o nosso dever de casa. A reforma tributária imaginária e o novo imposto real O Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, tornou-se assim uma espécie de "caixeiro-viajante" da reforma tributária. Nessa condição, conversando com empresários, governadores, prefeitos e políticos, Appy está convicto de que as mudanças propostas pelo Palácio Planalto no sistema tributário brasileiro deverão estar aprovadas até o fim do ano. Esta também é a convicção dos deputados Antonio Palocci e Sandro Mabel, respectivamente presidente e relator da Comissão Especial que trata da reforma. Podem anotar : é otimismo demais. As divergências entre Estados, União e prefeituras ainda não foram vencidas. E só serão, de fato, quando forem apresentadas as especificações das mudanças que estão sendo propostas, a começar das alíquotas de alguns impostos. Uma coisa são os princípios, a filosofia, outra é a prática, aquilo de quem arrecada, quem gasta. Além do mais, mais um mês e o Congresso entra no recesso oficial de meio de ano e, em seguida, no recesso branco eleitoral, até o fim total das eleições de outubro. Na volta, terá que se ver principalmente com o Orçamento de 2009. O tempo para outras coisas será muito curto. Ainda mais para algo tão complexo quanto uma reforma tributária. Deve-se entender ainda que o governo, com a participação do Congresso, tem promovido algumas mudanças tributárias importantes, embora pontuais. Algumas não aprovadas totalmente e outras nem absorvidas direito. Um caso é o das mudanças embutidas na nova política industrial. Outro é o de uma MP aprovada definitivamente no Senado na semana passada que de tão abrangente está sendo chamada de uma mini-reforma tributária. Atinge vários setores e ainda nem foi deglutida totalmente pelas empresas. Tudo isso é entrave para a grande reforma. CSS : a única coisa certa O que parece certo mesmo, do mundo real, é o renascimento do imposto do cheque, com a alíquota de 0,10% e apelidado, para dourar a pílula, de Contribuição Social para a Saúde - CSS. Parte da oposição - parte dela apenas, porque aquela capitaneada por governadores e prefeitos quer o novo imposto - já conseguiu postergar duas vezes a votação da proposta na Câmara. Seu fôlego, porém, está se esgotando. O governo tem ampla maioria na casa, como sabemos, e está usando suas armas naturais para convencer os aliados mais recalcitrantes e ganhar as simpatias dos governadores. Como ocorre nessas ocasiões, cresceu a liberação de verbas das emendas dos parlamentares, sempre um poderoso instrumento de convencimento à turma do "é dando que se recebe". Quanto aos governadores, foi oferecido a eles, na regulamentação da emenda 29 sobre gastos na saúde, a permissão para que se inclua entre as despesas consideradas da área de saúde as dívidas contraídas para aplicação no setor e as recursos destinados ao Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). Uma nova tentativa de votar a proposta será feita nesta quarta-feira. A própria oposição já dá a batalha por perdida. A disputa se transfere então para o Senado, para onde o projeto retorna por ter sido alterado na Câmara. E a CSS só não será aprovada lá se houver uma mobilização da sociedade nos mesmos moldes da que levou à derrubada da CPMF no ano passado. Plano de vôo frustrado : o caso Varilog é grave Observados todos os aspectos legais, negociais e financeiros da transação envolvendo a aquisição da VarigLog pelos brasileiros Marco Antônio Audi, Marcos Haftel e Luiz Eduardo Gallo há probabilidade enorme de que as coisas possam se complicar muito do ponto de vista político, no que se refere à ministra Dilma Roussef e o advogado (e compadre do Presidente Lula) Roberto Teixeira e, por conseguinte, para o governo. O negócio sob suspeita é mais facilmente "rastreável", as transações podem ser conhecidas em grande parte e as brigas judiciais podem favorecer a maior volume de informações que as atualmente disponíveis. Ao contrário da "CPI dos cartões corporativos", recheada de falatório e poucos fatos apurados, as transações envolvendo a VarigLog podem produzir muitos resultados práticos. Basta vontade para tal. Haverá ? Antes de responder a esta pergunta, é preciso entender algumas coisas. As conseqüências não serão apenas para os envolvidos diretamente, se ficar comprovado culpa e favorecimento. Pode atingir feio e irremediavelmente a confiança no Brasil, nossas relações com investidores externos. Por que, tão ou mais grave do que o negócio, se for confirmado que houve jogadas financeiras escusas e compadrios, é a questão que envolve a ANAC em particular e as agências reguladoras em si. Na história já está comprovado, que o governo agiu e interferiu na Agência para que ela aprovasse um negócio privado. A própria ministra Dilma admitiu isto. E já atuou do mesmo modo em outras ocasiões, em outras agências, na área de energia e na área de transportes. E as agências reguladoras ? Como fica a independência das agências, como fica a autonomia delas? Que confiança podem ter os investidores nacionais e estrangeiros para entrar em negócios públicos, se o governo pode interferir para levar o negócio de um lado para o outro, de acordo com suas conveniências políticas, ideológicas e até eleitorais ? Como adquirir o direito de uma concessão se depois o governo age para mudar as regras do jogo ? Nesse ponto, tão ou mais grave (do ponto de vista das instituições) é a questão da compra da BrTelecom pela Oi, ex-Telemar. É um negócio que está sendo incentivado e em parte até patrocinado pelo governo, com recursos do BNDES. São claríssimas as pressões do Executivo sobre a ANATEL para que esta apresse as propostas de mudança (a serem decretadas por Lula) no Plano Geral de Outorgas das telecomunicações. Somente depois disso, o negócio, que já está fechado, será legalizado. Muda-se a lei para validar um negócio privado. O PGO já deveria ter sido alterado há algum tempo, em razão do avanços tecnológicos do setor, entre outros. Mas só se viu que ele precisa mudar e com urgência, depois do negócio BrT-Oi. E com endereço mais ou menos certo. Isso não recomenda nossas instituições. É preciso reforçar a independência e a autonomia das agências. Elas são órgãos de Estado, não de governo. Está no Congresso, desde 2004, uma proposta do presidente Lula criando um estatuto para as agências. A proposta inicial tem sérios problemas, pois, na realidade, submete as agências ao Executivo. Ela está paralisada porque as mudanças propostas não agradam ao governo. Quanto ao caso VariLog em si, não dá para deixar como está. O governo deveria ser o primeiro interessado em esclarecer tudo. Duas fotos publicadas pela imprensa neste último fim de semana - a da festa no Palácio do Planalto quando a venda da empresa foi fechada, e a dos donos da Gol com o advogado Roberto Teixeira num elevador também no Planalto, mostram que o caso "não pode ficar por isso mesmo". Desqualificar a denunciante - de fato, Denise Abreu é uma pessoa complicada, polêmica -, culpar outra vez a oposição (conforme o secretário de Lula, Gilberto Carvalho), ou ainda dizer que é fogo amigo (ou inimigo) para queimar a candidatura de Dilma Roussef, não cola. Como diria o Barão de Itararé, há mais coisas no ar que aviões de carreira. Respondendo a pergunta : o governo terá de demonstrar esta vontade de investigar. Por isso, apesar da aparente tranqüilidade, a preocupação com esta história é muito grande. Político não dorme de toca A eleição do petista paulista Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara dos Deputados só foi possível por um amplo acordo entre os dois maiores partidos da base de Lula no Congresso - o PMDB e o próprio PT. Pela praxe do Congresso Nacional, o partido com a maior bancada fica com a presidência da Casa. Nesta legislatura seria do PMDB que é o maior na Câmara e também no Senado. Embora tendo costurado uma grande aliança com o PMDB, uma situação dessas, com o PMDB presidindo a Câmara e o Senado, era insuportável para o PT e incômoda para o presidente do Lula. O partido que um dia já foi presidido por Ulysses Guimarães, ficaria forte demais no legislativo. Assim, costurou-se um acordo que deu o Senado para o PMDB, com Renan Calheiros, depois caído em desgraça, e a Câmara para Chinaglia e o PT. Foi uma forma também de evitar que, nas franjas de algumas insatisfações nas bases governistas, se infiltrasse alguma coisa parecida com Severino Cavalcanti ou uma candidatura oposicionista. Acertou-se que a situação seria invertida nos dois últimos anos da legislatura, 2009-2010. O PT no Senado, o PMDB na Câmara. Este lugar para o presidente do partido, Michel Temer, que já presidiu a casa uma vez. O acordo, no entanto, está sob ameaças. O PT tomou gosto pelo lugar na Câmara. Além do mais, sentiu-se traído pelo PMDB nos acertos para a aliança municipal em São Paulo. No Senado, o ex-presidente José Sarney, embora nunca admita, está de olho no posto. Tanto que não quis substituir Renan, para se preservar. Essas dificuldades, porém, podem ser contornadas pelo presidente Lula, se ele resolver mesmo interferir e jogar o peso do Palácio no negócio. Uma outra, porém, parece mais complicada. O deputado Ciro Nogueira (PP-PI), ex-escudeiro de Severino Cavalcanti, influente junto ao poderoso (eleitoralmente no Congresso) baixo clero, está em plena campanha para substituir Chinaglia. E conquistando adeptos. Já foi convidado a desistir da candidatura, mas recusou qualquer conversa até agora. Avança na insatisfação natural da sua gente somada a uma certa prepotência dos líderes aliados. No mínimo, venderá caro uma rendição. É isto. Faltam ainda nove meses para eleição das mesas da Câmara e do Senado mas ela já toma parte dos corações e mentes dos partidos e dos congressistas. Vaca muito louca na Coréia A suspensão da importações de carne americana por parte da Coréia em função de razões sanitárias (doença da vaca louca) tem gerado violentos protestos nas principais cidades coreanas. Além de milhares de pessoas nas ruas a protestar contra a possibilidade de retomada das importações, a violência tem se tornado comum com quebras de ônibus, invasão de lugares públicos e troca de golpes entre policiais e populares. Há quatro anos e meio, a importação de carne americana foi adotada pela Coréia. Recentes negociações entre Seul e Washington levariam à normalização do comércio de carne. Todavia, a população não aceita essa possibilidade e, simplesmente, perdeu a cabeça. Para não dizer que enlouqueceu. E viva a carne brasileira. A nova cartilha liberal A tal da cartilha originada do "Consenso de Washington" que foi lançada no final dos anos oitenta por economistas liberais liderados por John Williamson produziu uma visão anti-estatista, privatista e pró-mercado que alimentou parcelas importantes de governos de países de terceiro mundo como o Brasil e o México. Na realidade aquela cartilha tinha pontos bastante interessantes, tais como, a responsabilidade fiscal e uma pregação de austeridade na administração da moeda. De outro lado, suas recomendações pró-mercado, sobretudo no que se refere à liberdade de capitais, são bastante polêmicas. Na década de 90, esta liberdade propiciou as condições para as crises cambiais de pelo menos uma dúzia de países. Agora a "nova cartilha" avança no que tange ao papel do Estado, inclusive como investidor em projetos de infra-estrutura. Esperemos que esta proposição não seja a desculpa que faltava para maiores gastos totais dos governos. É preciso reduzir os gastos correntes e aumentar os investimentos. Senão, desta feita, teremos as "quebras de países" pela via fiscal... A cartilha pode ser usada de diferentes formas. Depende de quem lê...
terça-feira, 3 de junho de 2008

Política & Economia NA REAL n° 3

Inflação lá nos Estados Unidos Os consumidores norte-americanos estão com a crescente expectativa de que a trajetória do aumento de preços possa se acelerar nos próximos anos, segundo pesquisa realizada pela University of Michigan e pela agência de notícias Reuters. A média de inflação dentre os americanos pesquisados indica que estes esperam um aumento de 3,4% ao ano nos próximos cinco a dez anos. Trata-se da mais alta expectativa desde 1995 e mostra uma forte aceleração vis-à-vis a última pesquisa realizada em março quando a média era de 2,7%. Este indicador é muito importante para as decisões de política monetária do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA e é um dos mais desafiadores do ponto de vista dos gestores do dólar de vez que se trata de "expectativas" que, para serem revertidas, exigem ações objetivas de política monetária e forte presença na opinião pública do país. No curto prazo, a situação é particularmente preocupante, pois os consumidores esperam que a inflação atinja 5,2% nos próximos doze meses, o mais alto nível desde 1982. Há, ademais, o risco de que a dinâmica da inflação tome o rumo dos salários que até agora estão contidos pela menor atividade econômica. Ocorreria, tal qual nos anos 70, um processo de estagflação. O ex-presidente do Fed Alan Greenspan tem se apressado em emitir a sua opinião de que o cenário estagflacionário não é o mais provável, pois a contenção da atividade econômica e o estouro das bolhas especulativas vão contribuir para um ambiente mais saudável a partir de agora. Greenspan é voz muito acatada pelos investidores mundo afora e parece estar defendendo a sua longa gestão no Fed, muitas vezes acusada de ser a responsável pela formação de muitas bolhas especulativas. Resta saber se esta influente voz será ouvida pelo consumidor comum, aquele que vai ao supermercado e ao posto de gasolina e fica cada dia mais pessimista. Inflação cá no Brasil Se nos Estados Unidos o cenário de inflação não é muito promissor, no Brasil as inquietações são, sobretudo, de médio prazo (próximos 12 meses). Nem mesmo os maiores críticos da política de juros altos do Banco Central do Brasil desmentem que a inflação está em alta e se espalhando do segmento de preços no atacado para o varejo. A alta dos alimentos e, mais agudamente, a elevação dos preços dos combustíveis estão a alimentar a inflação em quase todos os segmentos pesquisados pelos institutos que calculam a inflação. Nesta semana, a alta do gás consumido nos domicílios está aumentando 18% e é mais um fator a preocupar as autoridades monetárias. Há, sem dúvida, uma divergência de condução do assunto entre os ministérios econômicos localizados na Esplanada dos Ministérios e a diretoria do Banco Central, liderado por Henrique Meirelles. Na Fazenda, acredita-se em um comportamento moderado em relação aos juros básicos e maior contenção fiscal - a Fazenda diz que subiu "informalmente" a meta de superávit primário (saldo fiscal antes do pagamento dos juros da dívida pública) de 3,8% do PIB para 4,3% em 2008 - nos últimos 12 meses encerrados em abril o superávit foi de 4,2% do PIB. Além disso, o ministro Mantega anda bastante entretido com a formação do controvertido Fundo Soberano do Brasil (FSB) que, segundo ele, fará um "papel anticíclico" no que se refere à taxa de câmbio e aos resultados fiscais. Já no Banco Central, a história é outra: os diretores do BC vêem o aumento da taxa de juros como "a" alternativa para conter o consumo e, por conseguinte, a inflação. Isso pode significar uma onda seqüencial de alta na taxa de juros básico: sairia do atual patamar de 11,75% para 14% ao final do ano. Na próxima reunião do COPOM, hoje e amanhã, as expectativas dos agentes do mercado financeiro são de uma elevação entre 0,5% a 0,75% (maior probabilidade de ocorrer) na taxa básica. Todavia, anote aí: não será surpresa se o BC fizer uma alta de 1,00% e "mostrar os dentes" para inflação e, de quebra, para o próprio governo e o mercado. E o cofrinho ? Carece de maiores explicações o novo formato do Fundo Soberano do Brasil (FSB) - ou o "cofrinho", como o apelidou, com mais razão ainda seu mentor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O anúncio de que o governo vai fazer uma economia adicional de 0,5% do PIB - cerca de R$ 13 bilhões - a serem esterilizados no FSB, foi aplaudido, mas gerou ainda muitas dúvidas e desconfianças. Talvez porque a medida, com a nova formulação, muito diferente daquela que o próprio Mantega apregoava, tenha sido anunciada meio na correria. Tanto que pegou de surpresa até um defensor do um maior aperto fiscal do governo agora, o ministro Paulo Bernardo. A impressão é que o governo correu para mostrar disposição de austeridade antes da reunião do Comitê de Política Monetária. E que a Fazenda quis desfazer a imagem de que somente o Banco Central trabalha para abater a ameaça de um novo surto inflacionário. Perguntas pertinentes : 1. Por que não tornar oficial o aumento de 0,5% no superávit, aumentando a meta de 3,8% para 4,5%? 2. Por que não usar o dinheiro para abater a dívida pública e reduzir as despesas com juros? 3. Como será a utilização desse dinheiro "esterilizado"? 4. Se há recursos para jogar no "cofrinho", por que insistir na criação da Contribuição Social para a Saúde? 5. Por que não anunciar junto uma poda real nos gastos, especialmente os de custeio da máquina administrativa, indicando as contas que serão cortadas ? Do jeito que está, fica a impressão de que o governo está apenas segurando mais um pedaço do fabuloso excesso de arrecadação que terá este ano, não cortando de fato. Se não explicar direito esses pontos e outros que estão sendo levantados por alguns especialistas, o governo pode não inverter as expectativas inflacionárias negativas dos agentes econômicos. Nem convencer o Banco Central. Fica a impressão de que o governo não quer jogar mais duro publicamente para não inverter as expectativas eleitorais dos partidos da base aliada. Sobe e desce Todo o episódio do FSB, com as idas e vindas do ministro Guido Mantega, serviram para mostrar que o titular da Fazenda não é a única voz influente com o presidente Lula em matéria de economia. Além de dividir o cenário com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem as suas sugestões analisadas para Lula também por economistas de fora, petistas ou não. Entre eles o ex-ministro Delfim Netto e o Professor Luiz Gonzaga Beluzzo. Na outra ponta, Meirelles está cada mais desenvolto. E não necessariamente na sua atividade principal, a de "guardião da moeda". Abriu mais espaços para a política - à luz do sol, pois nos bastidores, discretamente, sempre manteve seus contatos. Tanto para neutralizar os ataques provindos do mundo político e do PT em especial, por causa da taxa de juros, como para manter acesa a chama de suas pretensões futuras. Está abrindo espaços na agenda para os políticos com mais freqüência e até recebeu oficialmente a bancada do PT, com quem sempre andou às turras - obviamente para explicar questões de economia. Está testando o ambiente para ver até onde pode ir. Universo das intrigas Por falar em candidaturas, a intriga de bastidores corre solta contra a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. E o movimento não tem origem no território da oposição, como pareceria natural ocorrer. É fogo amigo mesmo. Não passa dia sem que algum jornal, alguma coluna, não divulgue uma reportagem ou uma notinha dando conta do surgimento de um bloco anti-Dilma no PT ou informando que o presidente Lula já não estaria tão entusiasmo assim com a candidatura de sua aliada. Ele já estaria para acionar os planos B, C, D... J - e por aí vai. É bom ter cautela nessas análises. Estamos no terreno das especulações e dos balões de ensaio. Exclusivo De Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES "A decisão da Fitch, uma das três grandes agências internacionais de avaliação de riscos, de elevar o rating soberano do Brasil para o grau de investimento consolida um novo estágio para a economia brasileira. As regras que orientam as aplicações de grandes investidores institucionais, nos Estados Unidos e em outros países do primeiro mundo, exigem que o grau de investimento seja referendado por pelo menos duas agências de risco. A partir de agora podemos esperar um direcionamento expressivo de recursos institucionais, de longo prazo e grande estabilidade, para vários segmentos do mercado brasileiro de capitais. Os benefícios da decisão da Fitch vão ser maiores do que o aparecimento deste fluxo de novos recursos financeiros. Esta decisão representa uma mensagem muito mais ampla para os mercados internacionais na medida em que coloca um selo de qualidade e segurança na economia brasileira como um todo." Microsoft desafiada O Brasil e a Índia apelaram junto a International Electrotechnical Commission (IEC) contra a aprovação do Microsoft's Office Open XML como padrão para o formato aberto de documentos eletrônicos. Essa decisão é importantíssima, pois viabiliza que a gigante do software participe de licitações governamentais ao redor do mundo para projetos que exigem "formatos abertos" e livre acesso por parte dos usuários. Dificilmente a decisão do IEC será mudada. Apenas um encontro simbólico A reunião de 60 Chefes de Estado nesta semana em Roma, incluindo o presidente Lula, sob o guarda-chuva da United Nations Food and Agriculture Organization (FAO) para tratar da inflação dos alimentos e seus efeitos nos países pobres, bem como as questões e os efeitos colaterais da produção crescente de biocombustíveis, tem tudo para dar em nada. Afinal de contas, os países em desenvolvimento e os EUA encontram razões fortes na alta dos preços de energia para fomentar as plantações de milho (um risco maior para a inflação dos alimentos), soja e cana-de-açúcar (que produzem menores efeitos na alta dos preços dos alimentos). Desejam, assim, aumentar a produção de biocombustíveis. Já os países europeus, que têm menores possibilidades para a produção de biocombustíveis, desejam que existam políticas que norteiem o setor em todos os rincões da terra. Contudo, a separação mais nítida é aquela entre países ricos que subsidiam fortemente seus setores agrícolas não-competitivos e os países pobres, que são competitivos, mas que perdem os acessos aos mercados de produtos primários dos países ricos. Por tudo isso, até as colunas mais subterrâneas do belíssimo Fórum Romano sabem que na capital italiana sobrará conversa e faltarão decisões. A única coisa certa é que "o combustível dos ricos está competindo com a comida dos pobres", conforme disse o diretor de assuntos externos da Unilever Willem Jan Laan. O Brasil vai estar nesta no centro do furacão. O discurso do presidente Lula é aguardado com grande expectativa. Ele já deu neste domingo uma mostra de que não vai ficar na defensiva, vai bater duro nos críticos da política brasileira do etanol e também do trabalho na lavoura de cana. Sem contar a questão da Amazônia e do desmatamento. Entre outras coisas, numa entrevista coletiva em Roma, disse que não reconhece autoridade moral para criticar o Brasil em que já acabou com todas as suas florestas. Falou também no emprego de 25 milhões de pessoas na Amazônia. Sabe-se que esse jogo é pesado e que por detrás de muitos dos ataques ao etanol brasileiro, ao controle do desmatamento e até às questões trabalhistas escondem-se, além de boas intenções, muitas segundas intenções também. Por isso, além do discurso duro, o Brasil precisa apresentar programas, projetos, ações objetivas, para não dar pretextos aos críticos. Discurso e prática aqui precisam combinar urgentemente. Bolsas em alta Aqui o Ibovespa subiu 6,96% em maio, quase oito vezes o rendimento médio da renda fixa em reais. Nos EUA, o índice de ações S&P 500 subiu 1,1% no mês e o NASDAQ subiu 4,6%. São as bolsas as que devem melhor indicar as expectativas dos investidores sobre a atual crise econômica mundial provocada pela derrocada do crédito imobiliário nos EUA. Fique atento. E o petróleo ? O barril do petróleo subiu 12% no mês de maio. Isso mesmo: 12%. A cada dia todos estão se convencendo que o problema maior no curto prazo no mercado da commodity negra não está relacionado com a produção conforme palavras do argelino Chakib Jelil do cartel da OPEP. É a especulação que tem norteado a trajetória do petróleo. Nesta semana, a gestor de Hedge Fund George Soros e o presidente da Bolsa Mercantil de Chicago Terrence Duffy deporão na Comissão Regulatória de Energia dos EUA sobre o tema. Será muito interessante analisar os argumentos de um especulador e do chefe da bolsa na qual são negociados os maiores volumes de contratos de commodities do mundo. Além disso, as autoridades que regulam os mercados financeiros norte-americanos estão aumentando o grau de fiscalização sobre os investidores nos mercados futuros. A suspeita é que eles estejam fazendo o que todos sabem que fazem: especulando freneticamente. JP Morgan encerra aquisição do Bear Stearns O JP está concluindo a aquisição do BS. Comprou por uma bagatela de tostões o BS que quebrou no rol de problemas originados pela crise do setor imobiliário norte-americano. Duas coisas para acompanhar: o destino de 8 mil funcionários do BS que serão demitidos pelo JP e o comportamento das agências de classificação de riscos em relação à análise dos riscos do JP depois da aquisição. Imposto e impostura Os operadores políticos do governo vacilaram. E hoje já não podem assegurar que conseguirão aprovar, com a facilidade que esperavam, o substituto do imposto do cheque, agora rebatizado de Contribuição Social para a Saúde (CSS). Nem ao menos sabem se conseguirão aprová-lo para valer este ano ainda. Embora o governo tenha maioria tranqüila na Câmara e no Senado para conseguir, respectivamente, os 257 votos da Câmara e os 41 do Senado para criar o imposto. E não dependa, portanto, da oposição. Aliás, como não dependia na prorrogação da CPMF. A idéia era apresentar o projeto e levá-lo ao plenário a toque de caixa para evitar as pressões contrárias da sociedade, uma das razões de muitos votos contrários à CPMF no Senado. O plano era votar na Câmara terça-feira passada e nesta terça ou quarta no Senado. Não funcionou - e mais uma vez, repita-se, não foi pela barricada montada pela oposição. Primeiro porque os oposicionistas não têm número para barrar nada. Depois porque a barricada poderia ser seriamente abalada - os governadores, de um modo geral, querem mais verbas para a saúde. Os secretários estaduais até estiveram em Brasília na semana passada para prestar solidariedade à nova CPMF. O motivo real da vacilação dos "pais adotivos" (o pai de fato é o governo) da CSS no Congresso foi a incerteza quanto ao comportamento da própria bancada governista. Uma incerteza que não está ligada às dúvidas que porventura os parlamentares tenham sobre a necessidade, a qualidade e mesmo a oportunidade do novo imposto. Não eram essas, com exceções cada vez mais raras, as considerações de parte da bancada governista. O que incomodou os aliados foi a pressa do governo em votar o projeto, sem debates, sem negociações, sem conversas. E esta é a chave - "conversas". O que explica em parte a correria da semana passada. Não dar tempo para articulações que acabam batendo fundo no Orçamento. Por isso, é possível que a CSS não seja votada nem hoje terça-feira nem esta semana na Câmara. É preciso refazer articulações. Poderão ser feitas até algumas concessões para dourar a pílula, conseguir votos da oposição e neutralizar os "negociantes". De qualquer forma, não passa pela mente oficial abrir mão do imposto, embora dele não necessite. Coronelismo eletrônico O site "Contas Abertas", que presta um excelente trabalho à sociedade acompanhando com muita eficiência e competência a execução das contas públicas no país, divulgou há dias uma informação preciosa e que mostra bem como todo o nosso sistema político está preparado para a manutenção do status quo: 271 políticos em atividade são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão no Brasil. Os números não incluem aqueles que têm relações informais ou indiretas com esses meios, como por exemplo, por intermédio de parentes ou laranjas. Dos 27 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 20 estão representados por políticos como proprietários de veículos de radiodifusão. São 147 prefeitos, 55 deputados estaduais, um governador, 48 deputados federais e 20 senadores com vínculo direto e oficial com os meios de comunicação. (Os números fazem parte do projeto "Donos da Mídia", um estudo para traçar um panorama completo da mídia no Brasil) Num país como o nosso, no qual o rádio e a televisão têm um papel fundamental na formação e informação da população, um quadro desses ajuda a cristalizar uma situação que precisa urgentemente de mudança, prejudica a renovação dos quadros político-partidários, o arejamento da vida pública nacional. Nos Estados Unidos, até porque por lá não existe o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, esses veículos estão perdendo espaço para a Internet como fontes de informação políticas eleitoral dos cidadãos. Por aqui isso ainda vai demorar muito.
terça-feira, 27 de maio de 2008

Política & Economia NA REAL n° 2

Eleições e cofres públicos: uma combinação explosiva no Brasil Não convidem para uma mesma mesa no país as eleições e a austeridade fiscal. Infelizmente, elas nunca se deram bem nestas plagas abaixo do Equador; há uma profunda incompatibilidade de gênios entre elas em na nossa cultura política. Em graus mais ou menos agudos, todos os governos, em qualquer quadrante, em qualquer dimensão, são dados à prática de tentar turbinar os seus votos com a ajuda de gastos mais generosos. É visível que a situação melhorou bastante depois da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu regras mais rígidas para o controle dos Orçamentos públicos, embora a parte das punições para quem burla as regras ainda seja insuficiente. Melhorou, mas não sanou o problema. A burocracia pública e a política dos políticos têm uma insuperável capacidade de descobrir atalhos para continuar fazendo o que não deveriam. Relatos esporádicos na imprensa, principalmente na mídia regional, dão conta da azáfama de obras, inaugurações e projetos por conta do país, por conta dos municípios, dos governos estaduais e do governo federal. E este último com seu carro-chefe: o PAC. É "a festa do interior", na qual os grandes partidos, mais do que disputando o poder local, estão montando seus cacifes para os grandes embates de 2010. O governo em Brasília, por exemplo, e visitas ao Diário Oficial mostram isso, está correndo para empenhar o máximo possível de verbas para seus programas, antes que se atinja o período em que tal tipo de liberação é legalmente proibido. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, anunciou na véspera do feriadão de Corpus Christi, que até o início de junho já estarão soltos cerca de 70% dos R$ 3,5 bilhões das emendas parlamentares deste ano. No ano passado, a maior parte dessas verbas saiu apenas em dezembro, para caitituar votos pela aprovação da CPMF. E muita coisa foi jogada para restos a pagar em 2008. Dinheiro sai veloz Agora, o dinheiro está saindo mais rápido. Para ajudar a engordar as urnas. E para manter a base aliada mais ou menos sossegada. As dificuldades de entendimento entre os partidos da aliança governista para formar chapas de consenso na maioria das capitais e grandes cidades estão deixando muitos companheiros inquietos. Ressurgem as queixas sobre a incapacidade do PT de fazer acordos quando ele não comanda. Há exceções, mas a regra tem sido esta. Tanto que o presidente Lula, talvez em tom de ameaça, mandou avisar que não vai aos palanques nas cidades nas quais os governistas tiverem mais de um candidato. A interferência do eleitoral sobre tudo o mais é também visível nas dificuldades que o governo está encontrando para adotar medidas mais concretas - e já atrasadas, segundo muitos economistas - para ajudar o Banco Central a conter a subida dos preços. O presidente da República faz discursos, alerta para o problema e nada de prático acontece. Uma das razões é que medidas de austeridade fiscal teriam de ser adotadas, o que contraria o preceito eleitoral de transformar o país num imenso canteiro de obras. Eleitorais. Agora, apenas medidas mais pontuais, paliativas. E torcer para que o surto inflacionário não vir forte. O "jogo sujo" nos próximos quatro meses fica para o Banco Central. Depois das urnas a conversa pode ser outra. Austeridade e popularidade rimam. Pobremente. Mas não se entendem. Serra é estatista? Há uma pergunta que mereceria ser respondida nesta discussão toda sobre a venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil: afora as questões de valor do negócio, existe algum viés político-ideológico da parte do governador José Serra em relação a esta transação? Afinal de contas, não há do ponto de vista econômico nenhum aspecto relevante que recomende que a venda da instituição não seja feita por meio de um leilão público. Inclusive no que tange aos R$ 16 bilhões de depósitos judiciais que, ao que parece, teriam de ser transferidos para outros bancos públicos após a troca do controle acionário da Nossa Caixa. Ora, os bancos interessados na aquisição da instituição levarão em conta este aspecto na hora de fazerem as suas respectivas ofertas. Os depósitos judiciais são "ativos" como outros quaisquer e são passíveis de serem "precificados" e, possivelmente, haverá pouca variação de seu valor entre os possíveis participantes do leilão. De outro lado, o valor da "franquia" ou goodwill da Nossa Caixa pode ter variação substancial de valor, sobretudo num ambiente concorrencial como o de um leilão. Assim sendo, não tem procedência a avaliação do governador Serra de que "nenhum outro banco pagará mais que o Banco do Brasil". Além do mais, Serra é altamente versado em assuntos financeiros e sabe que o leilão é a melhor forma de vender a Nossa Caixa do ponto de vista técnico e de transparência. Por tudo isso, vale questionar: o governador Serra prefere que o banco vá para o controle do Banco do Brasil por razões ideológicas? Será ele um estatista? Pode ser. Talvez... A resposta é, mineiramente, sim e não. Certamente, Serra não é um estatista à moda antiga, coisa que ele foi quando militou no campo da esquerda. Porém, não é, também, um liberal clássico ou um neoliberal. É favorável sim a uma maior intervenção do Estado no domínio econômico, como indutor e regulador. As atuações do atual governador paulista no ministério do Planejamento e da Saúde, ambas no governo no governo FHC, demonstram isso. Nesse ponto, ele se aproxima de Lula. A opção de Serra, nesta história da transferência da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, tem muito também de sua visão pragmática da economia e dos negócios públicos. No atual processo planetário de concentração bancária, em curso também no Brasil, a Nossa Caixa tende, sozinha, a tornar-se cada vez menos relevante. Condições para entrar na disputa por outras instituição ela também não tem. E ainda teria limitações burocráticas para tal. Vender o banco estadual, portanto, pode ser um bom negócio agora. E vender - ou entregar - ao Banco do Brasil diretamente melhor ainda para os planos futuros do governador. Um leilão demoraria muito e ele talvez não conseguisse usufruir do dinheiro no governo paulista a tempo de 2010. Com o Banco do Brasil na frente, poderá embolsar os recursos este ano ainda. Se lograr leiloar a Cesp, o que ele ainda está tentando, terá cerca de R$ 15 bilhões a mais no orçamento paulista este ano, mais do que o badalado PAC de Lula. Quem sabe o negócio com o Banco do Brasil não ajuda a amolecer o coração do governo em relação à prorrogação das concessões, principal responsável pelo fracasso do leilão de privatização da companhia dois meses atrás... Alimentos para todos O leitor Gabriel Matos, em comentário à nossa primeira edição da coluna, nos faz duas perguntas: "Como conciliar a iminente necessidade de ampliação dos alimentos com a urgente necessidade de se aumentar a preservação ambiental? Em outras palavras, será que cabe mais gente no mundo?" (clique aqui) A segunda é praticamente irrespondível, está quebrando a cabeça de muita gente boa pelo mundo. Nesse ponto só se pode dizer que a população mundial ainda vai crescer muito antes de haver uma estagnação - se isso algum dia vier a ocorrer. Seguindo projeções da ONU, a população mundial estará em 2050 em 9,2 bilhões de habitantes. Era de 6 bilhões no fim de 1999, início de 2000. E uma curiosidade: segundo o órgão do governo norte-americano responsável pela contagem da população na terra do Tio Sam, em algum momento do mês de maio ainda em curso a população mundial atingiu ou atingirá a soma de 6.666.666.666 seres humanos viventes. Quanto a questão de produzir e produzir mais alimentos para todas essas bocas, preservar o planeta saudável e ainda tentar recuperar parte do que foi degradado pela incúria, os especialistas acreditam que ainda há muito que ser feito. O segredo está na inovação, na incorporação de novas tecnologias e em políticas agrícolas responsáveis, para permitir ganhos de produtividade cada vez maiores. E nisso o Brasil está bem, à parte alguns "motosserras" renitentes. O Brasil, sem arrancar mais nenhuma árvore ou agredir áreas ainda preservadas, tem condições de ao menos duplicar sua produção de alimentos - inclusive na cana para etanol. Em determinados alimentos, até triplicar. O resto é malthusianismo. Fundo assoberbado Seria interessante saber qual a posição do governo Lula sobre o tal Fundo Soberano. O ministro Guido Mantega mostra garra em levá-lo ao plenário do Congresso para votação e o presidente Lula parece inclinado a "esgotar a discussão (sobre o fundo) porque considera que há questões ainda não esclarecidas". Adicionalmente, há um paradoxo delicado a ser avaliado pelo governo junto ao Congresso, pois se há excesso de recursos fiscais e cambiais que podem ser carreados para o Fundo, o que justificaria a discussão da nova CPMF? Uma CPMF, aliás, que pode renascer como CIDE-Saúde, uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, com alíquota de 0,10%, cobrada também das transações financeiras. Assim, dizem os juristas oficiais, ela não precisa ser criada por emenda constitucional, pode ser levantada por lei complementar, com um quorum de votação menor, mais fácil de ser atingido. O precedente é a própria Cide original, dos combustíveis, nascida desse modo no governo FHC. Arquive-se também qualquer informação dando conta de que o governo não vai se movimentar para ter o novo imposto. O ministro José Múcio e os líderes situacionistas Maurício Rands e Henrique Fontana, estão somente por conta disso nesses dias. E com a assessoria da Receita Federal. Fusão delicada Nesta quarta-feira a Anatel vai fazer mais uma tentativa de aprovar suas sugestões para a reformulação do Plano Geral de Outorgas (PGO) das telecomunicações brasileiras. Modernização que já se fazia necessária há algum tempo, em virtude dos avanços tecnológicos do setor. Mas que está sendo precipitada para justificar, a posteriori, a compra do controle acionário da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar). Pelas normas em vigor o negócio, já anunciado, comunicado oficialmente e abençoado pelo governo, inclusive com um empréstimo de R$ 2,5 bilhões do BNDES aos dois principais compradores, é totalmente ilegal. Somente no Brasil se faz primeiro o acerto e então depois a lei para aboná-lo! O atraso na aprovação do novo PGO, primeiro passo de todo o processo, demonstra bem a dificuldade de ajustar a lei ao negócio sem despertar acaloradas e demoradas batalhas judiciais e mesmo no Congresso. Há mais dúvidas do que certeza em relação ao interesse e os benefícios do negócio para a economia brasileira em geral, para o setor como um todo e para os consumidores de um modo geral. Telecomunicações: mais um negócio da China O Governo Comunista Chinês anunciou que irá proceder uma reformulação geral de seu setor de telecomunicações. A idéia é agregar as seis companhias do setor em apenas três que prestarão os serviços de telefonia fixa e móvel. Assim sendo, a China Mobile Ltd., a maior empresa de telefonia celular do mundo com 400 milhões de assinantes, será uma destas companhias e, portanto, terá a concorrência das outras três rivais de porte. Apesar de ainda não haver um anúncio sobre as condições e prazos para a realização deste projeto, as maiores beneficiárias da reestruturação devem ser as empresas fornecedoras de equipamentos para o setor, sobretudo aquelas que estão aptas a prover equipamentos de terceira geração (3G) que permitem a utilização de funções de alta velocidade. Dentre estas empresas, destacam-se a Ericsson (Sueca), Telefon (Alemã) e Alcatel-Lucent (Franco-Americana). Além disso, as ações das empresas chinesas de telecomunicações cotadas nas bolsas norte-americanas devem oscilar bastante nos próximos dias. Alguém sabe? Prezado leitor: não vale a pena investir muito tempo ao procurar saber o que pensam sobre a futura política econômica dos EUA os Srs. Barak Obama e John McCain, provavéis candidatos à Presidência dos EUA, país que representa cerca de 25% do PIB mundial. No caso Hillary Clinton, o seu lado econômico é mais conhecido, mas a inviabilidade de sua candidatura está ficando cada dia mais clara e o programa econômico dos outros candidatos mais obscuros... Lá como cá a eleição se faz por símbolos e movida a muito marketing. Definições objetivas, principalmente quando se trata de assunto que afeta diretamente a vida e o bolso dos eleitores, dividem. Melhor é ficar nas vaguidões. Pode se preparar: haja o que houver, seja quem for, no Brasil em 2010 não será diferente. Petróleo: especulação geral Pode-se definir uma "bolha especulativa" de várias formas, mas há certo consenso de que a especulação começa quando os fundamentos econômicos são utilizados apenas como "desculpa" para justificar um movimento agudo nos preços de um ativo ou contrato. No caso do petróleo, qualquer pequena quebra de produção (na maioria das vezes, temporária) é fato suficiente para provocar movimentos fortes nas cotações das empresas de petróleo, no mercado de futuros e assim por diante. O barril do petróleo, semana após semana, vai batendo recordes de altas no mercado internacional. Ocorre que os alguns fortes fundamentos indicariam que tais cotações "esfriassem": (1) a queda da atividade econômica em quase todos os países relevantes, (2) o aumento de produção de petróleo por parte de outros países não incluídos na OPEP entre os quais o Brasil e (3) a redução crescente da utilização de meios de transporte, cujos combustíveis são derivados de petróleo. Nos EUA, por exemplo, o número de milhas percorridas pelos motoristas americanos caiu 4,3% em comparação com o mesmo mês do ano passado; a queda mais brusca desde 1942 - isso mesmo, desde 1942! (Os dados são da Federal Highway Administration). Na Europa, os governos dos países da União Européia estão introduzindo medidas cada vez mais rígidas para estimular a utilização de meio de transportes que não utilizam derivados de petróleo. Isto tem provocado protestos de vários segmentos econômicos e sociais, mas produzirá no curto e médio prazo efeitos crescentes sobre o consumo de petróleo. Contudo, para os especuladores estes fundamentos não são importantes. As suas posições no mercado financeiro e de commodities são muito mais relevantes. A especulação e as ações da Petrobras Nos últimos doze meses as ações da estatal de petróleo do Brasil subiram 173% em termos de dólar num período marcado pela elevação do preço do petróleo no mercado internacional. Além disso, neste mesmo período, sendo a última vez na sexta-feira passada (23/5), a empresa anunciou a descoberta de novas reservas de petróleo e gás. Tudo muito favorável à estatal, mas uma pergunta pode ser feita: as ações da Petrobras não estariam sobrevalorizadas no contexto da possível "bolha" no mercado de petróleo ? Com a palavra os analistas e investidores. Livre comércio. Livre? Desde ontem a OMC está discutindo um novo documento para tentar deslanchar a encantada Rodada de Doha de liberalização comercial. O último documento lançado para o debate, traz o Brasil e os países emergentes alguns avanços em relação às ofertas e exigências dos países ricos. Tanto que ele foi publicamente bem recebido pelo Itamaraty. Na área agrícola, por exemplo, foi classificado como "mais completo e detalhado do que o anterior". Porém, ainda está longe daquele mínimo considerado aceitável pelo Brasil e por seus parceiros. Além do mais permanece a desconfiança sobre as reais disposições das nações em desenvolvimento de atender às necessidades e os anseios dos emergentes e dos pobres. Principalmente dos emergentes, que seriam vistos com temor por se apresentarem como fortes concorrentes dos ricos. E há razões para esta desconfiança do Brasil e companhia. A prática não costuma acompanhar a teoria neste caso. Ainda na semana passada os americanos aprovaram sua nova lei agrícola (Farm Bill) com aumentos dos subsídios para o setor e mantém por mais dois anos a sobretaxa cobrada ao álcool brasileiro. Vão reduzir, é verdade, o subsídio ao álcool de milho - e transferi-lo para o álcool de celulose. Que vantagem a Maria leva? Os europeus, de sua parte, assumiram a meta de elevar em elevar para 20% até 2020 o consumo de energia renovável em substituição à produzida a partir de combustíveis fósseis. Não deu sinais, porém, de que vai liberalizar as exportações brasileiras. Ademais, prepara-se para impor exigências sociais e ambientais para comprar etanol brasileiro. Seriam as "práticas condenáveis" apontadas pelo diário britânico "Financial Times" em reportagem sobre a vedete energética brasileira. Cláusulas em tese corretas, que podem, porém, virar medidas protecionistas. Amigos, amigos, negócios à parte, é a norma número um na selva do comércio internacional. A Argentina é mais importante no curto prazo Muito se pergunta sobre os efeitos que a crise internacional pode provocar sobre a economia brasileira. Bem, esta é uma questão de difícil resposta. No caso da Argentina, porém, a coisa é bem mais visível. Seja no setor agrícola, no qual o Brasil é importante consumidor de produtos argentinos, seja no setor industrial, no qual alguns segmentos tais como o automobilístico e petroquímico de ambos os países estão relativamente integrados e, finalmente, no caso do setor bancário, no qual alguns bancos brasileiros têm crescentes interesses naquele mercado, a Argentina pode nos afetar muito mais no curto prazo que a economia norte-americana. A inflação está em elevação (na avaliação de pesquisas não-governamentais deve estar ao redor de 25% ao ano), a popularidade do governo está despencando (a aprovação da presidente Cristina Kirchner caiu de 56% para 26% desde janeiro deste ano), a queda de produção no setor agrícola parece inevitável e, o pior de tudo, a tentação do populismo ronda cada vez mais a Casa Rosada. Atenção redobrada com a inflação Enquanto o pessoal de Bush tenta desesperadamente dar uma feição mais otimista para a atual crise econômica do país, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, disse na semana passada, em entrevista para jornais europeus, que "a acumulação de choques não passou". Referia-se aos riscos inflacionários originados da crise do setor financeiro dos EUA, ao aumento dos preços de petróleo e à subida mais recente dos preços dos alimentos. O presidente da autoridade monetária européia sempre foi considerado, entre seus colegas de outros bancos centrais, um "duro" quando o assunto é inflação. Enquanto isso... No Brasil o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diz que o aumento dos preços está se generalizando e não está mais restrito apenas aos segmentos agrícola e energético. Anote aí: os juros básicos vão subir mais nos próximos meses e o crescimento do PIB deste ano está cada vez mais ameaçado. Depois que Meirelles deu esta declaração a uma agência noticiosa oficial, quando ainda garantiu que o BC mira o centro da meta inflacionária (4,5% em 2008, 2009 e 2010) e que não haverá o relaxamento do objetivo para algo em torno 5% como deseja parte do governo, os agentes econômicos aumentaram suas apostas numa elevação mais pesada da Selic no dia 4 de junho. Já se fala com freqüência em até 1 ponto percentual. Há cerca de um mês, antes da última reunião do Copom, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em debate na Bovespa, previu um aumento da taxa básica de até 4% até o fim do ano, o que daria mais de 15% em dezembro. Um número perto dos 14% já não é uma aposta descartada. O boletim Focus do BC desta semana, resultado de uma pesquisa com mais de 100 analistas do mercado e dos bancos, projeta uma Selic de 13,50% para dezembro contra 13,25 na semana anterior. As projeções para a inflação também continuam em alta. InBev conta com apoio fora da família Busch A probabilidade de uma fusão entre a Anheuser-Busch, fabricante da cerveja Budweiser, e a InBev, empresa resultante da fusão entre a AmBev brasileira e a Interbew belga, é altíssima. Vejamos as razões: (1) a oposição à fusão basicamente está localizada na família Busch, liderada por August Busch IV. Ocorre que estes têm apenas 4% do capital da empresa. É possível que outros membros mais distantes da família Busch venham a ter os mesmos interesses que os de August Busch IV, mas isso é incerto e insuficiente, a princípio, para a resistência à fusão. Este apoio seria muito relevante para inviabilizar o takeover. (2) Os outros membros do board da empresa, os quais são "independentes", desejam a fusão e estão há algum tempo pressionando o management da empresa por melhores resultados, sobretudo no que se refere ao mercado internacional. (3) O negócio deve envolver entre as duas partes algo como US$ 100 bilhões. Num contexto de fragilidade do mercado de crédito em função da crise imobiliária dos EUA, a possibilidade da InBev realizar o negócio é muito maior do que a de seus oponentes se organizarem financeiramente para tanto. (4) No board da Anheuser-Busch há vários financistas, oriundos do JP Morgan, IBM e o multibilionário mais rico do mundo Warren Buffet. Estes seriam vitais para convencer os acionistas sem posições na estrutura de poder da empresa, sobretudo os fundos de pensão, a aceitar a investida da InBev. Note-se que Buffet foi colega de Jorge Paulo Lehman, um dos principais acionistas da InBev, no board da Coca-Cola e ambos têm conhecimento mútuo suficiente para tratar deste negócio. De todo modo, os investidores já escolheram a melhor posição para estar nesta disputa: com as ações da Anheuser-Busch (BUD é o código na Bolsa de Nova Iorque). Depois de um longo período de estagnação das cotações da BUD entre US$ 47 e US$ 54, após o anúncio das negociações para a fusão, as ações dispararam para o patamar de US$ 57. A oferta poderia ser ao redor de US$ 65 por ação. Nada mal. Já as ações da InBev, que já foram cotadas a 69 Euros, caíram para o patamar de 47 Euros. Nada bom. Yahoo: desejada por muitos Depois da oferta da Microsoft ter sido rejeitada pelos principais acionistas da Yahoo há pouco mais de duas semanas, a empresa está sendo cortejada de novo pela gigante do setor de software. A Microsoft continua pensando em como se associar a Yahoo. De outro lado, a Google ambiciona se consolidar via aquisição ou fusão com a Yahoo. O problema para a Google são as autoridades reguladoras dos EUA que vêem na possível fusão um risco à concorrência mercadológica. Diante de tudo isso, os investidores acreditam que as ações da Yahoo podem vir a valer bem mais. De um jeito ou de outro ela vai casar logo. E o dote é grande. Entre a religião e a ciência O STF deve retomar nesta quarta-feira um julgamento que já está sendo considerado um dos mais importantes do ano da Corte e um dos mais relevantes de sua história recente. Trata-se da decisão de permitir ou não a pesquisa científica, para fins terapêuticos, com células-tronco. É uma questão que apaixona e que está pondo em campos opostos boa parte dos cientistas a uma parcela significativa das igrejas, especialmente a Igreja Católica. O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do mais novo ministro do Supremo, Carlos Menezes Direito, ele próprio um fervoroso católico. Dois ministros já haviam votado pela liberação das pesquisas. Apesar da polêmica, não é uma questão dogmática como os contrários a este avanço científico defendem. É uma questão de salvar vidas, de melhorar vidas. E o Brasil corre o risco, novamente, de andar na contramão, se as pesquisas forem proibidas. Segundo uma reportagem de ontem no jornal "O Estado de S. Paulo", dentre 26 países que investem em pesquisas com células-tronco, só a Itália proíbe o uso de embriões completamente, de acordo com o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
segunda-feira, 12 de maio de 2008

Política & Economia NA REAL n° 1

O dilema da inflação... Não adianta se esconder tal qual uma avestruz. A inflação dá sinais inequívocos de alta, sobretudo os preços no atacado, influenciados pelas seguidas altas das commodities no mercado internacional, que já superam o patamar psicológico de 10% nos últimos doze meses. Note-se que tudo isso ocorre dentro de um processo de longo prazo de valorização do Real que tem contribuído para a contenção dos preços domésticos, juntamente com aumentos moderados dos salários. Se o Real vai se valorizar ainda mais, não podemos saber. Muito menos se os sindicatos vão continuar "comportados" perante os empregadores e o governo. Todavia, compatibilizar crescimento do PIB acima de 5% com inflação de 4,5% (centro da meta) está cada vez mais difícil de realizar. Há, sem dúvida, uma "escolha de Sofia" a ser feita pelo governo : ou ele adota uma política fiscal mais rigorosa (o que é improvável se olharmos o comportamento recente do presidente e de seus ministros) ou a alta de juros pode se tornar inevitável. Com isso, poderíamos ter uma erosão das melhores expectativas em relação ao crescimento sustentado. O setor privado sabe disso, mesmo que ainda não registremos mudanças (no caso, para baixo) na propensão do empresariado para investir. ...e as limitações eleitorais Lula está doido para que seus economistas encontrem uma saída para essa teimosia. O problema é que a aplicação dos remédios enfrenta sério obstáculo : as urnas de outubro. Cortar despesas em profundidade, como tem sido aconselhado por muitos economistas e cobrado pelo Banco Central, nem pensar. Poderia afetar certos eleitorados preferenciais. É o caso de uma série de categorias do funcionalismo federal que acaba de ganhar reajustes - por MP - ao custo de mais R$ 7,5 bilhões ao ano. Há na gaveta a proposta de aumentar o Bolsa Família em 5%, para cobrir a inflação. As verbas e os programas sociais são intocáveis. Avançar muito nas emendas parlamentares pode dar confusão no Congresso. A esperança está toda depositada no aumento da arrecadação - muito aquecida no primeiro trimestre. Já se fala numa arrecadação adicional no ano todo, além das mais otimistas previsões, de R$ 15 bilhões. Esta seria uma parte do dinheiro que engordaria o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Está no gatilho também um aumento do IPI dos cigarros e das bebidas para cobrir parcela dos recursos novos da saúde, caso seja aprovada na Câmara - o que é bastante provável - a regulamentação da Emenda 29 da CF. Não somente isto. A CPMF seria ressuscitada com alíquota de 0,08%, "exclusivamente para a saúde". O palácio do Planalto ama a idéia, apenas não vai se envolver. O Congresso que tome a iniciativa, que será aceita com doce constrangimento. Dá pra esperar alguma coisa para valer da reforma tributária ? O Fundo Soberano : sem fundos ? Definido que o governo vai constituir um fundo soberano, está cada vez mais incerto de onde virão os recursos para financiá-lo. A idéia de "aumentar a poupança via fiscal e por meio do aumento da compra de dólares no mercado", nas palavras do ministro da Fazenda Guido Mantega, não se constitui em uma má idéia. Todavia, há que se sanarem muitas dúvidas sobre este novo instrumento, a saber : (i) como é possível o governo encaminhar recursos de origem fiscal para um fundo se a taxa de poupança do próprio governo é baixíssima ? (ii) É justo que o governo recolha recursos de todos para beneficiar algumas poucas empresas brasileiras que estão a se internacionalizar ? (iii) Como pode ter um fundo "caráter anticíclico", ou seja, gastar mais em momentos em que a economia esteja mais fraca, se o próprio saldo fiscal é resultado (conjuntural) do maior crescimento do PIB e não da contenção (estrutural) de despesas do Estado ? (iv) Quem manda no fundo ? (v) Por que o fundo vai evitar a valorização da moeda brasileira por meio da aquisição de dólares no mercado se nem mesmo o Banco Central conseguiu tal feito ? (vi) Como é possível conciliar a idéia do fundo (o qual se beneficiará da alta tributação sobre o setor privado) com a perspectiva de uma reforma tributária (que, em tese, tem por objetivo reduzir a carga tributária) ? Como se pode ver, não é apenas a polêmica, digamos, ideológica, que motiva tantas dúvidas sobre o fundo. Há uma barafunda de dúvidas em seu entorno que merecem muita atenção e debate político. Nem mesmo o governo está se entendendo Não há consenso no governo nem sobre o fundo nem sobre os seus caminhos - ou descaminhos. O Banco Central não reclama, mas está desconfiado. De acordo com os propósitos enumerados pelo ministro Guido Mantega, o FSB será também um potente instrumento de política econômica. Uma arma à disposição de Mantega para entrar em áreas exclusivas do BC, pensam os do mundo monetário. É bom lembrar que a Fazenda e as autoridades monetárias têm as veias abertas, com algumas pinimbas nada cordiais. O BNDES aposta no FSB, porém gostaria de tê-lo mais sob suas asas. E o ministro Miguel Jorge, a quem o BNDES está subordinado e cuja política industrial seria apoiada pelo Fundo, disse que preferia que o dinheiro da "sobra" de caixa do Tesouro Nacional fosse usado para desonerar as empresas. Uma idéia mais sensata. Os custos do FSB, comprando dinheiro a preço brasileiro e vendendo a preço internacional, podem ser pesados. E quando a proposta chegar no Congresso, vai ser uma loucura : haverá muito lobby querendo pegar sua casquinha.   As desavenças das MPs O governo ignorou a decisão do STF na semana passada, a respeito das MP : elas não podem ser utilizadas para abrir créditos extraordinários no Orçamento, a não se em caso de calamidades e outras emergências comprovadas. No mesmo dia mandou uma MP para o Congresso designando créditos extras para aumento dos funcionários. O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, disse que o palácio do Planalto vai continuar na toada anterior. Os incomodados - ou seja, a oposição - que recorram à Justiça. O Supremo não se manifestou, mas registrou a provocação. A oposição abriu nova temporada de bloqueio das pautas da Câmara e do Senado. Na Câmara tramita uma proposta, já pronta para ser votada, alterando as regras de edição de MP, limitando o poder governamental de baixar verdadeiros decretos-lei. Como nos tempos dos militares. O governo diz aceitar mudanças. Na teoria. Na prática, mobiliza sua bancada para evitar que o projeto vá ao plenário como está relatado. É uma confusão que pode levar a um confronto sério se a oposição continuar recorrendo ao STF e os ministros do Supremo mantiverem o entendimento da semana passada. Especulação aumenta a volatilidade As cotações do barril do petróleo vêm oscilando freneticamente ao sabor de quaisquer notícias, independentemente da consistência destas. Ontem, o preço do barril gravitava ao redor de US$ 125. Qualquer informação que presumidamente mexa na relação oferta versus demanda altera vigorosamente as cotações. Na semana passada, um relatório do Banco de Investimento Goldman Sachs, prevendo novas altas ao longo deste ano, foi o "motivo" para que o petróleo subisse. De fato, são os posicionamentos dos especuladores no mercado futuro de petróleo nas bolsas norte-americanas que têm propiciado a altíssima volatilidade do mercado de commodities em geral e a do petróleo, em particular. A economia faz o político Não é mais segredo. Mantidas as atuais condições gerais de temperatura e pressão - inflação domada, economia em crescimento - o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deixa suas funções até o fim de setembro de 2009. Para cumprir a quarentena eleitoral, e retomar o início de uma carreira política, trajetória interrompida quando ele abandonou a recém conquistada vaga de deputado Federal pelo PSDB de Goiás para dirigir o BC. Meirelles havia deixado o sucesso no BankBoston para se aventurar na seara eleitoral de olho em vôos bem mais altos do que uma simples cadeira parlamentar. Retoma o projeto de governar Goiás, mas pode tentar queimar uma etapa de seu projeto, ficando de vez em Brasília. É sagaz, tem gosto, tem ótima imagem nas altas esferas e no exterior, onde é o maior símbolo da política econômica. Tem assessoria política e vê uma brecha na orfandade de um candidato competitivo vivida pelas forças governistas. Se Lula vai "construir", pensa-se no universo do presidente do Banco Central, "por que não ele" ? Uma conta de tirar o sono O governo vive incomodado com a lentidão do Judiciário. Mas em alguns casos ele torce para as casas das leis continuarem morosas : suas decisões. Uma delas, seguramente, diz respeito à conclusão, pelo STF, de um processo que anda desde 1985 - portanto há 23 anos. A questão é simples : o ICMS deve ser contado na hora do cálculo da cobrança da Cofins ? Ou seja : o ICMS pode ser incluído na base de cálculo das Cofins, como lucro líquido da empresa ? Em 2006, o julgamento foi interrompido por um pedido de vistas quando o governo perdia por 6 a 1 - estava matematicamente derrotado. Agora, com a retomada do processo e a nova composição da Corte, o placar pode ser alterado. E é nisso que o governo aposta e para isso tem trabalhado ininterruptamente. É uma conta de R$ 12 milhões menos todo ano na arrecadação da Cofins, fora a devolução do que as empresas pagaram a mais nos últimos anos. A nova votação estava marcada para a semana passada, mas foi adiada por um pedido de vista. Com o feriado não entra na pauta desta semana. Porém, a decisão não deve ser postergada por muito tempo. Farra à vista - 1 Pelos lados do Senado, está na fila para ser votada uma proposição, a propósito de regulamentar uma EC, que tem tudo para reabrir a festança municipalista no Brasil. A emenda, de 1996, pôs novas e pesadas exigências para criação de municípios, fechando as portas para a liberalidade da CF/88. Nesse período de apenas oito anos o número de prefeituras no país chegou a crescer cerca de 50%, com elevados custos para os cofres públicos. Mas, mesmo depois da alteração constitucional, foram aprovadas novas emancipações - 57 irregulares. A proposta em jogo poderá levar a um novo surto de prefeituras inviáveis economicamente. Farra à vista - 2 Até o final deste mês, com o feriado de quinta-feira e tudo pela frente, deverá ir à votação na Câmara uma proposta, apresentada há alguns meses a toque de caixa, reinterpretando o conceito de fidelidade partidária estabelecido pelo STF em histórico julgamento. O STF reconheceu que o mandato pertence ao partido, não ao parlamentar eventualmente eleito, validando parecer do TSE. Com isso, vários vereadores e um deputado Federal perderam o mandato e outros estão ameaçados. Pela proposta, volta tudo a ser como dantes, as punições já aplicadas pode ser revistas e reinstitui-se de vez e eternamente a promiscuidade partidária no Brasil. Farra à vista - 3 Não tomem como irrevogável a palavra do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, quando ele garante que enquanto presidir a Câmara não bota na pauta de votação um projeto de recalculo do número de vereadores. A alegação é de é preciso reequilibrar a representação municipal em todo o país - há cidades com mais e outras com menos vereadores. Argumenta-se, também que os custos totais das edilidades não crescerão. Na prática, no entanto, o projeto repõe os cerca de 8 mil vagas de vereadores cortadas na atual legislatura pelo STF. Será possível resistir às pressões dos deputados e senadores (muitos candidatos prefeitos), dos mais de 20 mil aspirantes a um prefeitura e dos mais de 500 mil concorrentes a uma vereança ? A proposta está prontinha para ser votada. Sonho dele As declarações do Secretário do Tesouro dos EUA Henry Paulson, na semana passada, reiterando que "o dólar forte é de interesse da nação" chegam num momento em que os investidores ainda não sabem se a economia norte-americana vai aprofundar a recessão. Além disso, diante de uma corrida eleitoral que tem gerado incertezas sobre a condução que o futuro presidente dará aos principais problemas da maior economia mundial, os investidores preferem fugir do dólar e buscar um porto seguro nas moedas européia, japonesa e, até mesmo, nas moedas "emergentes". Paulson prega hoje sonhos bem improváveis de serem realizados, mas o que espera mesmo é entregar o bastão para seu sucessor em condições um pouco melhores do que as atuais. Japão atingido Em abril, tudo piorou no Japão por conta das expectativas mais negativas em relação à economia internacional : o índice de confiança dos consumidores caiu de 36,7 para 35,2 pontos, 86,2% das pessoas acreditam em preços maiores nos próximos 12 meses (em março, 85,7%) e a produção industrial de março caiu 3,4% em comparação a fevereiro e 3,5% em relação ao mesmo ano do ano passado. As exportações caíram 3,9% no mês e os estoques aumentaram 0,1%. A alta dos preços das commodities e a crise do setor financeiro norte-americano são os principais fatores a influenciar no desempenho nipônico. Resta saber se esse pior desempenho não atravessa o mar e chega à China... EUA : voltando aos 80 ? Nos EUA, o sentimento do consumidor - medido pela pesquisa da Universidade de Michigan - caiu no início de maio para o patamar de 59,5 pontos (era 62,6 em março), a maior queda desde junho de 1980 ! As expectativas sobre a inflação se deterioram com rapidez, o pior indicador desde 1982. Com a taxa de juros em 2% ao ano (depois de ter caído do patamar de 5,25%) e a crise no setor financeiro, o Banco Central dos EUA tem pouco a fazer no curto prazo. Resta-lhe "administrar as expectativas" como se diz no jargão dos economistas. China capitalista I Está cada vez mais esquisito analisar o fenômeno chinês. Com uma ditadura política calçada no Marxismo, a China deve complicar ainda mais a geopolítica mundial com a expansão internacional de suas empresas. A fragilidade da economia norte-americana deve facilitar a aquisição de empresas naquele país com capital chinês. Daqui a pouco o maior país comunista vai poder influenciar a maior economia capitalista. Nem Freud e muito menos Marx podem explicar... China capitalista II Além da expansão internacional das empresas chinesas, o governo Comunista de Pequim pretende estimular o arrendamento e até a aquisição de terras agriculturáveis na Austrália, América Latina, Rússia e África para produzir alimentos para os chineses. O consumo de calorias na China está aumentando a um ritmo de mais de 20% ao ano, o dobro do crescimento do PIB. Neste ritmo, os problemas de abastecimento (que já existem!) podem se tornar crônicos. Daí a política de estímulo ao investimento fora do país. Resta saber como Pequim garantirá que os alimentos produzidos pelas empresas chinesas fora da China seja necessariamente embarcados para lá.... O lado Norte-Americano A crise de alimentos ao redor do mundo deve ser a maior dos últimos trinta anos, segundo dados levantados pela FAO, organização da ONU que estuda o setor de alimentos e agricultura. Neste contexto, bem como em função da expansão da China na direção dos países subdesenvolvidos, os EUA devem gastar cerca de US$ 5 bilhões em 2008 e 2009 em programas de combate à fome, sobretudo em países africanos. Enquanto isso na Europa... Os biocombustíveis, considerados principalmente pelos europeus como os vilões da alta dos preços dos alimentos, devem enfrentar novas barreiras sócio-ambientais no Velho Continente, apesar do silêncio da chanceler Alemã Angela Merkel sobre o assunto durante a sua visita ao Brasil na semana passada. O protecionismo vai crescendo em relação aos biocoms...
terça-feira, 5 de abril de 2005

João Paulo II e o desenvolvimento

Francisco Petros* João Paulo II e o desenvolvimento "Não seria verdadeiramente digno do homem um tipo de desenvolvimento que não respeitasse e não promovesse os direitos humanos, pessoais e sociais, econômicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos". (João Paulo II, na Encíclica Sollicitudo rei socialis) A morte de João Paulo II, o polonês Karol Wojtila, certamente realçará a sua obra como líder máximo da Igreja Católica, a qual foi conduzida sob a égide de três marcos gerais: (1) uma doutrina absolutamente sintonizada com a atual era de intensa globalização dos processos políticos, sociais e econômicos, (2) uma orientação religiosa marcada pelos princípios tradicionais da Igreja Católica, modernização na difusão de tais princípios, especialmente no campo da comunicação social e (3) um contínuo, sincero e conciliador diálogo com as outras religiões, sempre almejando a superação de divergências históricas e incompreensões originadas por questões de Fé. A despeito das eventuais críticas negativas ao seu exercício da Cátedra Romana, há de se reconhecer que o seu pontificado transcendeu o catolicismo e deixou um significativo e positivo legado para a humanidade no final do século passado e no início do novo milênio. Não foram poucos os atos que confirmam que João Paulo II mudou o sentido do Papado.Nesta coluna gostaria de chamar à atenção dos nossos leitores para alguns dos aspectos relacionados ao pensamento social de Sua Santidade no que diz respeito às suas concepções gerais. Faço-o de forma breve, conforme permite esse espaço.O Pontífice católico não foi um formulador de novas concepções econômicas ou sociais, mas sem dúvida deixa uma extensa obra (encíclicas, cartas apostólicas e homilias) sobre os desafios imensos nos quais está mergulhado o mundo atual. Suas reflexões, senão inéditas, foram construídas em absoluta sintonia com o nosso tempo e expressadas com incomum coragem pessoal e intelectual.Dentre os aspectos que poderiam ser salientados na vasta obra de Karol Wojtila, gostaria de destacar a sua visão sobre o desenvolvimento e ao significado do progresso.Um primeiro aspecto que pode ser lembrado diz respeito à noção muitas vezes difundida de que o desenvolvimento é um fenômeno que possa ser isolado no que tange ao funcionamento das sociedades e na (con)vivência do seres humanos. Karol Wojtila sempre rejeitou a idéia de que a investigação científica e os seus efeitos resultam numa espécie de "progresso automático" para o gênero humano. Para ele, é falsa a premissa de que o desenvolvimento econômico, fruto do progresso das ciências, das técnicas e da dinâmica social, levará de forma inexorável a um "estado da arte" e à "perfeição" do funcionamento da economia, mesmo num distante horizonte temporal. Neste particular, Wojtila sempre lembrou que no século XX, o de maior desenvolvimento econômico de toda a história, foram registradas as mais sangrentas guerras e revoluções, sendo que duas delas foram mundiais. Como sabemos, as mazelas da guerra marcaram profundamente a pessoa e o pensamento de Wojtila. Na Polônia, ele pôde ver a invasão nazista, a inaceitável matança nos campos de extermínio, a dominação do império soviético e as profundas dificuldades para a estabilidade do Estado polonês e a perseguição religiosa empreendida sobre a Igreja para a qual dedicou a sua vida.Segundo João Paulo II, o objetivo central do desenvolvimento econômico deveria estar voltado para a "felicidade do homem". Para ele, reconhecer os inúmeros benefícios do desenvolvimento não coloca de lado o objetivo maior do homem que é o exercício pleno e "feliz" da sua característica mais importante: a Liberdade. Com efeito, o desenvolvimento econômico, se de um lado não pode ser limitado por uma incessante busca pela melhoria dos processos que tornam a vida melhor, de outro tem de ser limitado por uma intenção moral que carreia o desenvolvimento para o Bem e para a Liberdade. Neste ponto encontramos uma clara coincidência com as primeiras concepções da moderna economia, estabelecidas na obra de Adam Smith no século XVIII. Smith era um especialista em Moral, e em sua obra pode-se encontrar referências à importância da ética e dos princípios morais para o funcionamento das economias e para o estabelecimento dos contratos.Para o Papa, a ausência de uma intenção moral no desenvolvimento econômico é que, em última instância, provoca a inaceitável "convivência" de dois mundos: o superdesenvolvido e o subdesenvolvido, sendo que neste último registra-se um grau elevadíssimo de miséria. No mundo superdesenvolvido impera o consumismo, não apenas um fenômeno caracterizado pela rápida substituição de bens e serviços por outros mais avançados, mas também há um imenso desperdício de recursos que poderiam ser aproveitados de maneira mais sensata para o estabelecimento da intenção moral do desenvolvimento ao redor do mundo. A ilimitada insatisfação dos consumidores dos países desenvolvidos, não é, com efeito, apenas um fenômeno cultural e psico-social. Ganha contornos de profunda indiferença com as desigualdades entre as economias. Num quadro como este, registra Wojtila, se torna impossível que o Ser Humano possa se realizar plenamente. O estado de extrema pobreza da maioria da humanidade e a impossibilidade de se formular um novo paradigma para o conceito de desenvolvimento que engendre a verdadeira "felicidade" são resultados das estruturas miseráveis das nações subdesenvolvidas e das relações dentro e entre os "dois mundos". Para João Paulo II, o "mundo visível" é composto por uma tragédia social que não pode ser aceita passivamente e que corrompe a essência do mundo invisível do homem, a sua alma interior que sempre está em busca da Liberdade.Deste pensamento social decorre a constatação de que o desenvolvimento na pode se resumir ao direito indiscriminado à propriedade e à posse dos bens. Wojtila, rejeita a idéia iluminista da individualidade absoluta. Para ele, a Justiça não deve apenas ser expressa nas leis, normas e regras. É preciso que a Justiça seja promovida através dos processos políticos e sociais com o objetivo de se atingir o verdadeiro desenvolvimento econômico e humano. Neste particular, o princípio cristão e de tantas outras religiões que considera os homens irmanados é a razão que justifica a promoção incessante da Justiça, valor indissociável da Liberdade.Nestes tempos em que são evidentes as fortes contradições provocadas pelo desenvolvimento econômico, o pensamento social de Sua Santidade João Paulo II, merece reflexão. Refiro-me não apenas a uma reflexão geral ou específica sobre as suas palavras e escritos, mas, sobretudo à prática efetiva de políticas, programas e projetos que mudem a perigosa realidade do planeta. Sobram-nos evidências de que, situações como a atual, levam a humanidade às tragédias das guerras, às ditaduras, às nefastas disputas comerciais que alijam os países pobres do processo econômico, ao terrorismo, ao fundamentalismo religioso e político, à destruição do meio ambiente e tantos outros problemas.João Paulo II tem lugar de honra na história recente não apenas como líder supremo da Igreja Católica. É preciso vê-lo enquanto figura proeminente e apreciar o seu pensamento sem os preconceitos e a banalização das imagens que tornam, tantas vezes, reflexões tão importantes em meros clichês._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 29 de março de 2005

O aperto monetário do Federal Reserve

Francisco Petros* O aperto monetário do Federal Reserve Analisemos brevemente a evolução da conjuntura nacional e internacional. Na semana passada, o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, elevou a taxa de juros básica de 2,50% para 2,75% ao ano. Foi uma decisão amplamente esperada pelos agentes econômicos ao redor do mundo. Todavia, houve uma mudança qualitativa na "linguagem" da autoridade monetária norte-americana no que se refere às suas preocupações em relação à inflação. No informe divulgado imediatamente após o término da reunião, o Fed mudou o fraseado utilizado durante os últimos doze meses e deixou evidente que está mais atento ao poder de repasse de preços das empresas num ambiente de aumento da produção e do consumo (desde meados do ano passado). O efeito mais direto desta mudança de postura dos diretores do BC americano recai sobre as taxas de juros dos títulos com prazo de maturidade mais longos (cinco e dez anos). Ou seja, o "custo de capital" da economia internacional subiu.Para o Brasil e os mercados emergentes em geral, os efeitos secundários da elevação das taxas de juros nos EUA já podem ser sentidos em diversas frentes. As moedas se desvalorizaram em relação ao dólar norte-americano, apesar da enorme preocupação que o déficit externo da maior economia mundial desperta entre os investidores. Os títulos soberanos de renda fixa (emitidos por países) apresentaram desvalorizações generalizadas, mesmo que não fosse registrada nenhuma baixa acentuada. Com efeito, o nível de risco dos países também se elevou de vez que este é calculado com base na relação entre as taxas de juros dos títulos externos do país em comparação com as dos títulos do Tesouro norte-americano. No que se refere aos títulos de renda fixa, emitidos por empresas no exterior também houve desvalorização. Neste caso, as quedas foram menos generalizadas e ainda há uma enorme discussão no mercado sobre a relação entre os riscos corporativos e os retornos destes títulos em comparação com o retorno dos títulos soberanos. De uma forma geral, os spreads (taxas de risco) corporativos estão muito baixos em comparação com os spreads soberanos e há quem questione isso. Afinal de contas, normalmente os riscos dos países são substancialmente menores que os riscos das empresas.No que se refere aos mercados acionários, o informe do Federal Reserve também foi recebido como um sinal negativo. De uma forma geral, as cotações das ações das empresas caíram para o nível do final do ano passado. No caso específico dos mercados emergentes, as quedas foram mais acentuadas nos países da América Latina. Apesar deste movimento de queda das ações, as cotações das commodities agrícolas e, especialmente, dos metais, não caíram e este é um aspecto fundamental e positivo para o desempenho dos mercados acionários dos países emergentes. Aparentemente, a queda das cotações, até este momento, é apenas um ajuste para um novo cenário de menor liquidez internacional e taxas de juros mais elevadas Entretanto, não se pode negar que o cenário está mais incerto que durante o período eufórico dos dois primeiros meses do ano. Vale ressaltar que na semana passada o primeiro fluxo de saída de recursos externos dos fundos de países emergentes nos últimos meses foi registrado. Sinal de alerta, sem dúvida.No âmbito doméstico, as preocupações vêm principalmente do ambiente político. Conforme podemos avaliar no artigo da semana passada, há um evidente enfraquecimento do suporte político do governo. A definição, pelo Presidente Lula, de uma reforma ministerial bastante limitada, decorreu das duas principais características da política brasileira no momento: o chamado "fisiologismo" caracterizado por uma luta de interesses menores por cargos na administração pública e a ausência de discussões e votações que sejam fundamentais para a sociedade brasileira. A cena política brasileira é preocupante e o jogo eleitoral de 2006 foi antecipado.Do ponto de vista econômico, nesta semana deveremos ter a comprovação de que as dificuldades de gestão da política monetária são maiores que admitia o governo. A divulgação do Relatório de Inflação na próxima quarta-feira (31/03) provavelmente incluirá uma meta de inflação para 2005 superior aos 5,1% previstos. Como sempre ressaltamos neste espaço, a meta de inflação deste ano é muito ambiciosa em função da elevação dos preços das commodities no mercado internacional e da indexação das tarifas públicas. Aparentemente, o Banco Central (BC) terá de reconhecer esta realidade. Do contrário, a taxa de juros básica - atualmente em 19,25% ao ano, algo como 12% em termos reais, descontando-se a inflação projetada - terá de subir para um patamar superior a 21% ao ano com efeitos ainda mais sensíveis sobre a atividade econômica. A alta do dólar em relação ao real nas últimas semanas deve ser um problema a mais para ser administrado pelo BC, especialmente se no mercado internacional a moeda norte-americana se valorizar.A combinação dos fatores acima requererá dos investidores muita cautela em relação as suas estratégias. Para os empresários e trabalhadores é razoável que se espere uma conjuntura de consumo e investimento mais moderado.Não há sinais de que este processo de "acomodação" da política monetária norte-americana produza efeitos dramáticos sobre o funcionamento dos mercados e sobre os fluxos de capital. Contudo, não cabe desprezar os riscos que estão surgindo na conjuntura. É preciso ficar atento e saber que, mesmo numa conjuntura mais difícil, há oportunidades que podem ser aproveitadas._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 22 de março de 2005

Deterioração política e perfil do mercado

Francisco Petros* Deterioração política e perfil do mercado O cenário prospectivo do mercado financeiro internacional está mais opaco em função das incertezas relacionadas com a economia dos EUA. Os excessivos déficits fiscal e externo do país, bem como os riscos de uma redução da demanda dos consumidores norte-americanos contribuem para que as expectativas se tornem mais inquietas, senão mais pessimistas. Não é possível ser categórico em relação ao desenrolar dos fatos, mas as inquietações aumentaram nas últimas semanas devido à alta das cotações do petróleo, dos juros dos títulos do Tesouro dos EUA e dos moderados números de atividade econômica. Hoje teremos mais uma decisão do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA sobre a taxa de juros básica.Se do lado externo as dúvidas são crescentes, no âmbito interno há fatores de deterioração que carecem de mais apurada análise. Note-se, por exemplo, o enfraquecimento político do Governo liderado pelo Presidente Lula. Vamos aos fatos:O candidato governamental foi derrotado de forma surpreendente na disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados - o terceiro mais importante cargo da República. Esta derrota desarticulou a base política no Congresso e ampliou a "liberdade de ação" (demandas políticas maiores) dos partidos considerados aliados. Adicionalmente, o Partido dos Trabalhadores (PT) não ficou com nenhum cargo na direção da casa legislativa;A derrota na Câmara do Deputados empurrou o Governo para uma complicada reforma ministerial a qual basicamente atende aos interesses políticos e não a maior eficiência da máquina administrativa;Com o enfraquecimento do governo aumentam as resistências para aprovação de medidas fiscais e tributárias, sobretudo no que se refere à Medida Provisória (MP) 232/04;Os partidos aliados começam a impor suas agendas de políticas econômicas e sociais que contradizem em muitos aspectos às políticas do Ministro Antônio Palocci;O Governo tem de "anistiar" a gestão da ex-prefeita da Cidade de São Paula Marta Suplicy (PT-SP) que descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por meio da emissão de novas cláusulas na MP 237/04. No rastro desta medida crescem as inquietações dos agentes econômicos com os gastos do setor público e comenta-se abertamente sobre a "farra dos gastos do governo" e seus possíveis efeitos sobre a inflação;O Banco Central (BC), diante das dificuldades de cumprir a meta de inflação estabelecida para 2005 e 2006, persiste na política de aumento da taxa de juros básica. O aumento anunciado na semana passada proporciona uma sensível deterioração nas expectativas quanto à trajetória da política monetária, bem como os efeitos colaterais que possam provocar. Alguns indicadores já mostram desaceleração do consumo e menor nível de investimento;No Congresso é instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a privatização das empresas do setor elétrico. Efeitos de CPIs são por definição imprevisíveis;Os partidos de oposição pedem à Presidência da Câmara e ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o Presidente da República seja processado por crime de responsabilidade em função de suas acusações de que teria havido corrupção na privatização de empresas no governo anterior. A tentativa não prospera, mas o desgaste político é evidente;O Presidente da Câmara dos Deputados, frustrado na tentativa de aumentar os rendimentos dos parlamentares, decreta o aumento das verbas de gabinete dos deputados e provoca reações negativas junto à opinião pública;Todos os fatos políticos e econômicos acima relacionados estão a iniciar de forma prematura a corrida eleitoral do ano que vem, seja no que se refere às eleições parlamentares, seja no que tange aos pleitos federal e estaduais.Os fatos acima são uma coleção de notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação nas últimas semanas. Entretanto, tais fatos não produziram severos efeitos sobre o mercado financeiro local. A expressiva liquidez que vigora no mercado internacional persiste em busca de maiores retornos que aqueles que são proporcionados pelos ativos das maiores economias industriais. De qualquer forma, o cenário político doméstico é componente importante para a análise dos fundamentos da economia e do perfil do mercado financeiro de qualquer país. Caso venha a prevalecer um cenário externo mais deteriorado, este "fator político" pode ser decisivo para o Brasil. É ilusão imaginar que estes não serão levados em consideração em algum momento.No contexto em que os fatos acima produzem uma situação mais delicada para o governo no que se refere à política, temos de reconhecer que o processo de reformas está cada vez mais distante de ser realizado com sucesso. Infelizmente, os interesses maiores da sociedade estão sujeitos aos humores políticos das Casas Legislativas. Assim sendo, é muito provável que o país prossiga sem que nenhuma reforma relevante seja votada. Há anos, esperamos medidas positivas mais radicais que possam minorar os problemas sociais do país e aumentar as pré-condições para o crescimento sustentado da economia. Será que as lideranças sociais e os estrategistas do Planalto Central têm a percepção de que é preciso aproveitar as conjunturas para mudar as estruturas? Ou será que tudo continuará a ser visto dentro da "ideologia" do "jeitinho brasileiro"?_________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 15 de março de 2005

Reformas radicais já!

Francisco Petros* Reformas radicais já! Não resta dúvida de que nenhum processo de reformas é fácil. Seja no Brasil, seja em qualquer lugar. Os interesses acomodados durante longos períodos nos quais não houve alterações no status quo atuam para que mudanças necessárias na condução de políticas econômicas e sociais acabem por não acontecer. Ao menor sinal de que algo "novo" possa emergir surgem "grupos de poder" habilitados pela disponibilidade de recursos financeiros e humanos que impedem que a sociedade se mobilize e, desta forma, o "estado das coisas mude".Os exemplos são muitos. No momento, temos as discussões sobre as reformas da previdência pública nos EUA. Possivelmente veremos alterações importantes na estrutura previdenciária da maior nação do mundo. Simultaneamente, é provável que a essência destas mudanças sejam mitigadas por interesses de curto prazo. O mesmo ocorre na Europa onde países como a Itália, França e Alemanha não conseguem reformar o Estado, apesar dos crescentes riscos fiscais que colocam em risco o Pacto de Estabilidade Fiscal, estabelecido desde o lançamento do euro como moeda única dos principais países do Velho Continente. A "vantagem" destas nações desenvolvidas é que o "custo da inércia" é substancialmente menor quando comparamos com nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. Nestas últimas, a ausência de reformas é muito mais grave, pois impede que haja avanço substantivo do processo capitalista. Se no primeiro mundo, são os interesses dos cidadãos que impedem os avanços, nos países subdesenvolvidos é a cidadania que não é alcançada. Um custo muito diferente e elevado.No caso do Brasil, a aceitação passiva da situação vigente é notória. País de imensos recursos naturais e humanos, no Brasil reina uma complacência impressionante diante da ausência de progresso econômico, social e político. A reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social entre empresários e membros do governo, ocorrida na última quinta-feira (10/3/05) espelha com fidelidade este quadro. O que se ouviu nesta reunião é de forma inconteste simbólica da passividade do governo e da sociedade. Vejamos.José Dirceu, Ministro-chefe da Casa Civil disse que "É fato, sim, que aumentamos os gastos com pessoal, mas porque era uma demanda da modernização do crescimento do país. E não no sentido que se dá muitas vezes, de que estamos desperdiçando recursos". Ora, alguém poderia perguntar: por que não empreender uma reengenharia da estrutura de recursos humanos alocadas no Estado? Ou será que estamos presenciando uma reforma profunda dos serviços fornecidos pelo Estado para os seus cidadãos?O "príncipe" Antônio Palocci Filho, a encarnação atual e cabocla de Metternich, o articulador do Congresso de Viena em 1814, fez o seguinte pronunciamento: "O ideal para todos nós seria reduzir a carga tributária, mas não há espaço tendo em vista os projetos sociais e os compromissos fiscais do governo". O fraseado e o conteúdo do pronunciamento do Ministro da Fazenda expressam que não há nada de novo para acontecer no âmbito da tributação. Será que alguém em sã consciência pode considerar o sistema tributário brasileiro minimamente razoável? É possível que seja desenvolvido um espírito empreendedor no Brasil com este sistema tributário? São os "projetos sociais" e a área fiscal do governo tão eficientes que possam justificar que mais de 35% do PIB seja destinado aos impostos? Será que a política monetária do Banco Central está no "estado da arte" a ponto que não possamos sequer analisar os seus terríveis efeitos fiscais?Uma sociedade tão desigual como a brasileira requereria um processo de contínuo reformismo, profundo e efetivo. Ao invés disso o que temos? Uma manutenção do "estado das coisas". Como se fosse uma espécie de Lei da Gravidade, há esperança no governo de que candidamente cheguemos à modernidade a partir de uma "serena" política econômica e social. Enquanto isso, os empresários vêem-se constrangidos pela crescente informalidade dos negócios, projetos de investimento são adiados e a contratação formal de mão-de-obra permanece restrita a uma parcela menor da economia. Do lado social, a saúde pública, a segurança do cidadão, o andamento das tarefas das diversas esferas do Estado, etc. continuam sofríveis. Tristemente sofríveis.Exceto pela preservação integral dos princípios democráticos, as reformas no Brasil deveriam ter um caráter radical. O governo deveria ser ardoroso na busca de mudanças construtivas e substantivas no funcionamento do Estado. Reformas de caráter capitalista, pelas quais fossem aguçados os valores mais profundos da cidadania: (i) o respeito irrestrito à Lei, (ii) a efetiva participação no sistema econômico do cidadão, do consumidor e do empreendedor e (iii) o acesso à educação de qualidade que aumente a mobilidade social.Trata-se de um caminho essencial a ser trilhado. É provável que seja um projeto além das fronteiras temporais de um mandato presidencial. O que vemos é o medo de "radicalizar" tendo em vista os temores de não se reeleger. É necessário que se mobilize a sociedade para tirá-la do imobilismo atual que dá uma sensação de estabilidade, mas que potencializa as instabilidades potenciais: a violência, a desesperança, a injustiça social e a ausência de sustentação do crescimento econômico.Por enquanto, estamos a fingir que as coisas mudam. Tudo permanece igual. E se vierem mudanças é possível que sejam para pior. Este é o custo da passividade. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 8 de março de 2005

Medidas positivas, efeitos limitados

Francisco Petros* Medidas positivas, efeitos limitados As medidas divulgadas no início da noite da última sexta-feira pelo Banco Central (BC), a partir de uma decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), que estabeleceram (i) a redução da burocracia para remessa de recursos ao exterior, (ii) unificaram os diversos segmentos do mercado cambial (mercado flutuante, turismo e comercial), (iii) ampliaram os prazos para o fechamento dos contratos de câmbio dos exportadores e (iv) liberalizaram os investimentos superiores a US$ 5,0 milhões de empresas brasileiras no exterior são normas modernizadoras para o mercado cambial. De um modo geral, trata-se de uma medida que amplia a liberdade de movimentação dos recursos entre o real e as moedas internacionais.Se de um lado, haverá um evidente benefício para as empresas e indivíduos do ponto de vista administrativo, parece-me improvável que surjam no curto prazo maiores efeitos macroeconômicos sobre o mercado de câmbio.A tendência de valorização das moedas dos países emergentes frente ao dólar norte-americano é cristalina desde 2003. Neste ano, seus efeitos têm sido sentidos em quase todos os países do sudoeste asiático à América Latina ou na África do Sul. Dentre os países desenvolvidos, a Austrália, o Reino Unido, o Canadá e os países nórdicos têm assistido a valorização de suas moedas. O euro apresenta uma pequena desvalorização frente ao nível de dezembro do ano passado. Esta tendência deve-se às reduzidas taxas de juros no mercado internacional e às dúvidas sobre a política econômica dos EUA.A economia tem três preços básicos, os quais são "geridos" pelos administradores da macroeconomia de um país: os salários, a taxa de juros básica e a taxa de câmbio. A manutenção do equilíbrio entre estas três variáveis deve ser o objetivo primordial de uma política econômica sadia. Assim, estabelece-se a base para que a economia se desenvolva. De uma forma geral, os salários dependem do nível de emprego reinante no mercado. Quanto maior o desemprego, mais deprimido se torna o nível dos salários.A taxa de juros nominal é estabelecida pela autoridade monetária (banco central) com o objetivo de manter os preços estáveis (inflação baixa e estável). A relação entre a taxa de juros nominal e a inflação projetada tem como resultado a taxa de juros real (formada pelo mercado) a qual deveria ser aquela que remunera os fatores de produção de tal modo que a economia se mantenha próximo ao nível do pleno emprego (utilização pena da capacidade instalada de um país).No caso do câmbio, a coisa é mais complicada. Em tese, a taxa de câmbio real (descontada dos efeitos da inflação e das variações da moeda nacional em relação às outras moedas) deveria ser aquela que permite o equilíbrio das contas externas, ou seja, que a conta corrente (o saldo comercial mais o fluxo de investimentos) do país seja próxima de zero. Ora, é possível que a administração macroeconômica mantenha o câmbio nominal fixo. Entretanto, é impossível que um governo ou BC controle a taxa de câmbio real, pois tanto a inflação (variação de preços da economia) quanto às moedas internacionais têm suas variações estabelecidas pelo mercado. A teoria e a prática da ciência econômica ensinam que simplesmente não existe um modelo que seja razoável para o estabelecimento da taxa de câmbio "ideal".Apesar da "administração" da taxa de câmbio ser um enorme enigma para os economistas, há "sintomas" que indicam quando as coisas não estão indo bem. Por exemplo: um país que acumula imensos saldos negativos em conta-corrente (conforme ocorreu durante a gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso) este é um sinal inequívoco de que a taxa de câmbio real está em desequilíbrio.No momento, a economia brasileira está mostrando que há equilíbrio sustentado nas contas externas do país. Todavia, os ingressos substanciais de recursos externos por parte de investidores financeiros estão colocando em risco tal equilíbrio das contas externas de vez que estão valorizando o real. E de onde surge este desequilíbrio? Em última instância, surge da relação entre (1) as baixíssimas - ou até negativas - taxas de juros internacionais e (2) as elevadas taxas de juros reais domésticas. Os investidores estão "arbitrando" esta relação por meio de operações que internam recursos do exterior e aplicam em reais de vez que acreditam que a remuneração da taxa de juros brasileira somada a valorização/desvalorização da moeda nacional é atraente.O BC brasileiro justifica a elevação da taxa de juros doméstica em função do cumprimento da política de metas de inflação. Teoricamente, o BC está ajustando a demanda interna para o nível desejado da variação de preços (a meta), apesar da taxa de desemprego elevadíssima (acima de 10%).É no estabelecimento da taxa real de juros doméstica - formada pelo mercado a partir da fixação da taxa básica de juros pelo BC - que reside o maior problema na gestão da taxa de câmbio. Medidas de modernização para o mercado de divisas são muito bem-vindas de vez que reduzem a burocracia e facilitam a vida de todos nós. Contudo, é improvável que estas provoquem maiores efeitos sobre a taxa de câmbio sem que se exista uma mudança substantiva na relação entre juros e câmbio. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 1 de março de 2005

O novo Bretton Woods

Francisco Petros* O novo Bretton Woods Analisar as perspectivas da economia internacional e os seus efeitos sobre o mercado financeiro no Brasil e no mundo é uma das tarefas mais difíceis de ser executada no momento. Há uma combinação de aspectos que tem influenciado de maneira decisiva no andamento dos diversos segmentos do mercado internacional sem que se saiba ao certo o caminho que será percorrido.Dentre estes aspectos, o mais notável é a extraordinária liquidez internacional, fruto da forte expansão fiscal dos EUA por meio de déficits gigantescos (ao redor de US$ 630 bilhões, cerca de 6% do PIB norte-americano em 2004) e da reduzida taxa de juros básica praticada pelo Federal Reserve, o Banco Central dos EUA. Tais déficits fiscais só não se tornaram um problema gravíssimo em função do financiamento proporcionado pelo excesso de reservas denominadas em dólares dos EUA pertencentes aos Bancos Centrais dos países asiáticos e, obviamente, pelo fato de o dólar ser a principal moeda internacional. A tabela abaixo mostra a variação das reservas aplicadas em títulos do Tesouro dos EUA entre 2000 e 2004 de três dos principais financiadores do déficit americano: Em apenas quatro anos aproximadamente US$ 550 bilhões do déficit americano foram financiados por apenas três bancos centrais asiáticos. Este total representa aproximadamente 35% do total do déficit no período (US$ 1,570 trilhão). Países mais pobres como a Índia, Indonésia e Tailândia também aparecem na lista dos principais financiadores dos EUA. Mais recentemente, os países exportadores de petróleo, agrupados em torno da OPEP também ganharam importância relativa neste processo.Ao patrocinarem o financiamento do déficit dos EUA, estes países estão concomitantemente "financiando" a demanda de seus próprios produtos junto aos consumidores americanos, cujo nível de poupança é assustadoramente baixo - próximo de 0% da renda disponível, o nível mais baixo desde a grande depressão dos anos 30 do século passado.Esse processo de financiamento dos EUA está sendo chamado pelos economistas e analistas de o Novo Bretton Woods referindo-se à famosa conferência ocorrida em 1944 na região da Nova Inglaterra (EUA). Naquela ocasião, vislumbrava-se a vitória dos aliados na II Guerra Mundial e as autoridades econômicas dos países vitoriosos sentiram a necessidade de formular, desenvolver e regulamentar uma série de regras que garantisse a reconstrução dos países destruídos pela guerra e a sustentação do crescimento econômico no período do pós-guerra. A criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BIRD) foi idealizada nesta ocasião. Vale lembrar que o mais proeminente economista do século XX, John M. Keynes foi o formulador mais importante das idéias de Bretton Woods.Ao mencionarem, no atual contexto da economia mundial, um Novo Bretton Woods "informal" os economistas estão se referindo ao processo de criação e crescimento da demanda baseada neste sistema de "financiamento". Trata-se de um instrumento de retórica bastante útil para tentar justificar que o crescimento da economia internacional é sustentado. Ocorre que esse "sistema" é bastante instável por diversas razões dentre as quais destacamos: (1) o sistema capitalista por definição é não-cooperativo o que pode fazer com que os investidores desloquem rapidamente suas aplicações em dólares para outras moedas e/ou mercados podendo criar uma perigosa instabilidade; (2) o atual excesso de liquidez pode gerar relevante distorção nos preços dos ativos, cujas variações são influenciadas por fluxos financeiros do que pela "clássica" relação risco versus retorno. Em poucas palavras: "bolhas especulativas" podem surgir em diversos segmentos de mercado e em vários países ao mesmo tempo e (3) num contexto como este, a política monetária - entendida como a política de gestão das taxas básicas de juros com o objetivo de conter possíveis processos inflacionários ou deflacionários - passa a ser gerida com grande dificuldade com efeitos danosos sobre a sua funcionalidade.A atual "complacência" dos agentes econômicos diante desse processo é facilmente justificada. Simplesmente, não há nenhuma alternativa possível se não houver modificação dos fundamentos negativos da maior economia mundial - os EUA representam ¼ de toda riqueza gerada no mundo. Mesmo que a política econômica de George W. Bush seja estruturalmente modificada, os riscos de uma recessão mundial considerável não são desprezíveis.Por fim, é este quadro de "complacência" que está a criar as consideráveis variações nas moedas e nos ativos (ações, imóveis, títulos de renda fixa, etc.) dos países denominados de "emergentes", dentre os quais o Brasil. Os fluxos de capital sustentados pelo excesso de liquidez internacional alimentam estas altas. O mercado financeiro internacional está "embriagado" pela idéia da diversificação de seus ativos em outros países que não os EUA. E quanto aos fundamentos de cada país? Pouco importa. O que importa é "operar" no contexto do Novo Bretton Woods. Mesmo que este "acordo" não exista... _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Acontecimentos inesperados?

Francisco Petros* Acontecimentos inesperados? "Há muitas coisas que gostaríamos de jogar fora se não tivéssemos medo que os outros fossem apanhá-las" (Oscar Wilde)Até o dia anterior à eleição do Deputado Severino Cavalcanti para a Presidência da Câmara de Deputados, escassas linhas e imagens eram dedicadas na mídia ao "Rei do Baixo Clero", a Majestade da maior parte dos representantes do povo. De repente, na madrugada do dia posterior à data da eleição, o "desconhecido" deputado "clerical" passou a ser pautado por todos os órgãos de imprensa. Por meio de uma eleição tortuosa, mas absolutamente legítima o Deputado do Estado de Pernambuco assumiu o papel constitucional de terceira mais importante autoridade da República.Há de facto alguma novidade na essência da eleição do Deputado Cavalcanti?Do meu ponto de vista, a brutalidade do assassinato da Irmã Dorothy Stang, a eleição de Severino Cavalcanti e a vitória do Volta Redonda na disputa da Taça Guanabara, podem ser fatos inesperados, mas absolutamente pressentidos. Há nestes fatos casualidade em sintonia quase que perfeita com os seus efeitos. Nada de novo no front.No caso do assassinato da freira que lutava por um desenvolvimento sustentado no Estado do Pará, houve apenas o prosseguimento natural de um conflito sócio-econômico que associa as mazelas da ausência do Estado com o subdesenvolvimento de uma região cheia de excluídos - os trabalhadores rurais - e os grileiros que se "incluem" por meio da utilização da violência, da organização criminosa e da exploração desmedida das riquezas naturais daquela região do Sul do Pará. Os conflitos agrários no Brasil são antigos e a Lei não é exatamente um referencial que possa contê-los. Poucos dias antes do assassinato da Irmã Dorothy, membros do MST - Movimento dos Sem Terra assassinaram o policial Luiz Pereira da Silva em Pernambuco e seqüestraram e torturaram o sargento PM Cícero Jacinto da Silva. Por sua vez, ambos os policiais estavam na busca do agricultor José Ricardo Rodrigues que praticou vários crimes contra os sem-terra que vagam pelo estado. Nas semanas anteriores, o governo discutiu com os interessados a Medida Provisória que "regulamentava" a exploração da madeira na região amazônica. Tal discussão foi realizada sob ameaças de todos os lados. Dizia-se que, caso não houvesse a liberação da exploração da madeira, haveria violência...Cito fatos recentes apenas para sublinhar que esses indicavam que algo ruim podia acontecer imediatamente, por aqueles dias. Não precisamos relembrar Chico Mendes para retratar a fatalidade, não é mesmo?Da mesma forma, o que poderíamos esperar da eleição da Câmara dos Deputados? Nas semanas anteriores ao pleito, viu-se um show de promessas irresponsáveis, a pregação de programas de gestão absolutamente descomprometidos com os maiores interesses do país, a interferência aberta do Poder Executivo com o objetivo de eleger o seu candidato, a tentativa de acordos políticos recheada de arranjos regionais e interesses específicos, um espetáculo gritante de infidelidade partidária e o jogo de forças com vistas às eleições presidenciais do ano que vem. Havia tentativas de toda ordem para obter o poder sem qualquer compromisso maior com os interesses maiores da sociedade brasileira. Ora, neste contexto, nada mais fiel a natureza do processo eleitoral que o Deputado Cavalcanti. Se ele é tosco como informam quase todas as fontes da mídia, o que dizer do processo que o elegeu? O que dizer do sistema político-partidário do Brasil? O que dizer da responsabilidade das lideranças governistas e oposicionistas que possibilitaram e viabilizaram a sua eleição?Acho que não deveríamos chegar ao extremo cinismo de concluir que se chegou à eleição de Cavalcanti sem causa. Tudo foi absolutamente conseqüente. Não foi um milagre - fato que ocorre sem causa aparente. A eleição da terceira autoridade da República foi erigida por uma construção voluntária dentro do processo político que vigora no Brasil. Não há ambigüidade, nem fatalidade em tudo isso. Ou será que aqueles que o elegeram estavam guiados por um sentido de Justiça e acabaram construindo uma grande "injustiça" com o povo brasileiro? Viu-se uma disputa entre girondinos e jacobinos? Ora, ora...Severino Cavalcanti pode gerar inquietações. O assassinato de Irmã Dorothy pode nos deixar boquiabertos pela sua brutalidade. Todavia, ambos os fatos percorreram os caminhos dos vácuos que impõem velocidade crescente as desesperanças do país. Pelo menos aos que se ressentem com estes acontecimentos.No fim de semana, vimos pela TV a final da Taça Guanabara entre o Americano de Campos e o Volta Redonda. Nunca na história deste campeonato as finais foram disputadas sem a presença dos grandes times do Rio de Janeiro. Este é verdadeiramente um fato inédito. Quem viu os "grandes" times cariocas jogarem ao longo do campeonato saberá explicar... Nada imprevisto. Tanto quanto a imagem de uma freira com seis tiros no corpo e um deputado "clerical" e "majestoso" no exercício do terceiro cargo mais importante do país._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 15 de fevereiro de 2005

A crise de identidade

Francisco Petros* A crise de identidade Foi farto o material produzido na imprensa brasileira sobre os 25 anos de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Vastas foram as variadas reflexões sobre os 23 anos do exercício de um papel oposicionista e as comparações com o exercício efetivo do governo nestes dois últimos anos. Relata-se uma "crise de identidade" entre o projeto político nascido e exercido dentro da faixa ideológica da esquerda enquanto partido oposicionista e o cumprimento de um programa governista essencialmente de direita ou, para usar um eufemismo à moda dos articulistas, um programa conservador.Proponho ao leitor que olhemos a questão por um outro ângulo a partir da seguinte questão: será que houve de facto uma "decisão vital ou estratégica" por parte do PT no governo que o tornou de direita ou conservador? Há elementos de convicção para tanto?Coloco esta questão de vez que não é a primeira vez que se debate as convicções políticas de um partido que assume o poder e fatalmente reduz ou corrompe o seu projeto em função da realidade prática da gestão do Estado e do Governo. Felizmente ou infelizmente, a Política não é na prática exercida por imperativos incondicionais. Nenhum governante tem de fazer necessariamente algo prometido quando era praticante da oposição. Há preferências, oportunidades e possibilidades que mudam no tempo. E as convicções?Governar é uma tarefa complexa e por esta razão que se torna aceitável analisarmos com olhar sensível e sincero o prometido e o ocorrido. Diante desta constatação, como avaliar um governo e um partido no poder?Do meu ponto de vista o julgamento possível que se pode fazer de um governo qualquer diz respeito aquilo o quê é e o quê gostaria de ser. Presente e futuro e não passado e presente.Vamos à primeira questão. O Governo do PT, liderado pelo Presidente Lula, durante a primeira metade do mandato, foi construído a partir de um profundo déficit de credibilidade perante os interesses organizados da sociedade, bem como uma delicada situação estrutural herdada do Governo FHC. No que tange aos interesses organizados, refiro-me ao sistema econômico, aos empresários, aos burocratas e, até mesmo, aos trabalhadores. Este déficit de credibilidade engendrou uma série de "tarefas pragmáticas" tais como um rigoroso programa anti-inflação, um ajuste fiscal baseado na obtenção de saldos primários e na recuperação do crédito externo por meio de concessões substantivas ao sistema financeiro internacional via Fundo Monetário Internacional (FMI). Forjou-se naquele momento um programa "possível" ao governo e "desejável" aos interesses estabelecidos. Neste sentido, não dá para imaginar que fosse possível um papel diametralmente diferente do governo do PT (Lula). Temos de admitir que fosse diferente a atitude do governo nos seus primeiros momentos seria o caos a partir da desconfiança (justa?) prévia existente.Contudo, estas "tarefas pragmáticas", ao invés de serem os primeiro passos de um processo reformista, tolheram os objetivos e preferências estratégicas do governo. O ponto de partida do governo passou a ser o seu próprio caminho para o futuro. Um trajeto sem destino minimamente claro e transparente de vez que foi traçado a partir do senso de que os interesses estabelecidos eram permanentes. Esqueceu-se a realidade do país. Não preciso me prolongar neste tema, mas a agenda é por demais conhecida e seus resultados trágicos quando avaliamos a disparidade de renda, a violência, o desemprego, o subemprego, a educação, a saúde, etc. A mesma agenda há mais de um século. Ou será desde o descobrimento?Ao perder o horizonte de objetivos as preferências estratégicas devido a uma visão essencialmente pragmática, o governo petista perdeu simultaneamente a perspectiva de o que seria um governo "desejável", capaz de iniciar uma trajetória de superação da trágica situação do país, transformando de facto o Brasil em uma Nação. Note-se que aqui não se imagina que esta agenda negativa será superada em quatro ou oito anos de mandato presidencial. Contudo, é preciso começar. Com efeito: as "tarefas pragmáticas" do primeiro tempo do governo tornaram-se o imperativo permanente da administração pública. Tudo mais constante.Onde estará a vontade política para mudar o país? Onde estará o arbítrio dos interesses daqueles que não estão organizados politicamente? Onde está situado o poder de resolução por meio de programas viáveis dos principais problemas do país?Não há no PT e no Governo Lula um fato novo no que tange a autenticidade entre o seu passado e o seu presente. Parece-me que a essência do debate é que o governo é míope na construção de seu futuro e o do país. Falta-lhe lucidez em mediar o pragmatismo de suas ações com as necessidades políticas para mudar e estabelecer uma ordem que congregue os interesses legítimos das elites e da sociedade organizada e os imensos contingentes sociais sem interesses para defender. O pragmatismo não pode se tornar elemento ideológico e nem retirar do governo a compreensão política na priorização de suas tarefas. É preciso correr riscos, contrariar interesses, vislumbrar novos horizontes. Sonhar, sem devaneios.Trata-se, com efeito, tarefa inútil analisar o PT diante de seu passado esquerdista. E muito menos tratar o governo como uma fatalidade conservadora. As referências estratégicas do governo e do PT deveriam ser a de construir uma República. Reorganizar por meio de reformas profundas, eventualmente contrariando os interesses vigentes e transformando-os em agentes de mudança econômica, social e política. Esta é a crise de identidade do PT e do Governo. É a longeva crise de identidade do país._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 1 de fevereiro de 2005

Ano novo, fatos velhos

Francisco Petros* Ano novo, fatos velhos Desde o final do ano passado não houve mudanças significativas das variáveis que estão a influenciar o desempenho econômico e do mercado financeiro nacional e internacional. Vamos aos principais aspectos:A tendência de desvalorização do dólar norte-americano frente as principais moedas internacionais permanece intacta a despeito da menor volatilidade registrada nos últimos dias. Da mesma forma, moedas menos relevantes como o peso mexicano, o real brasileiro e o won coreano, além do dólar australiano e canadense, persistem valorizados frente ao dólar dos EUA; 1) As cotações do barril do petróleo estão oscilando entre US$ 40-50 (tipo light) ao sabor das divulgações das estatísticas sobre estoques disponíveis e atividade econômica, a política da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e as notícias sobre a evolução dos riscos geopolíticos no Oriente Médio;2) Nada de novo em relação à economia chinesa. A nomenklatura do país resiste às pressões norte-americanas para valorizar a sua moeda, o yuan, e os níveis de produção, consumo e investimento do país continuam elevadíssimos. Os riscos estruturais relacionados com uma conjuntura de superprodução e fragilidade do sistema financeiro daquele país não se alteraram. Maiores pressões sobre a China devem surgir após o encontro dos países ricos (G-8) que ocorrerá no próximo dia 4/2;3) Os déficits gêmeos (fiscal e externo) dos EUA, os quais gravitam entre 6% e 6,5% do PIB (Produto Interno Bruto) continuam a ser o principal fator de inquietação dos investidores ao redor do mundo. Nesta área, são crescentes as dúvidas no mercado financeiro internacional e dentre importantes membros do Congresso dos EUA que o Governo Bush esteja efetivamente interessado em implementar uma política dura e consistente para combater o problema. Além disso, a taxa de poupança dos consumidores dos EUA persiste próxima de zero. Um risco substancial;4) Houve significativa melhora no risco político envolvido nas relações de Israel com os Palestinos após a eleição ocorrida em janeiro de Abu Mazen, um político pragmático. As eleições iraquianas por sua vez foram um sucesso em termos de comparecimento, mas o futuro do país persiste obscuro em função da excessiva fragmentação étnica e política, da presença militar norte-americana e do equilíbrio de forças políticas no mundo islâmico. Por ora, Bush e Blair devem capitalizar politicamente o evento positivo;5) A política monetária dos EUA deve ter uma rota de contínuo aperto ao longo deste ano. Além dos riscos fiscais, o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA parece motivado a não favorecer um ambiente especulativo em relação aos preços dos ativos, bem como estimular possíveis surtos inflacionários no médio prazo. De qualquer maneira, o curso da elevação da taxa de juros básica deve prosseguir previsível e gradual. Após a reunião de hoje e de amanhã, a taxa básica deve subir 0,25% ao ano. Em resumo, poderíamos dizer que, em termos estritamente conjunturais, o ambiente internacional permanece positivo, mesmo que os riscos estruturais persistam extremamente elevados e necessitando de soluções de maior envergadura, especialmente no que tange à economia norte-americana.Para o Brasil, a estabilidade que prevalece no exterior é fator essencial para o financiamento externo do país, bem como para a manutenção do status da política econômica do Presidente Lula. Os principais aspectos a serem observados no âmbito interno dizem respeito são: (1) a sustentação da taxa de crescimento a qual dependerá cada vez mais do incremento da taxa de investimento, (2) o desempenho político do governo no Congresso e as perspectivas de aprovação de reformas estruturais ao longo do ano e (3) a consistência da política monetária do Banco Central, a principal coluna da política econômica brasileira na ausência de reformas relevantes.A taxa de crescimento do PIB este ano deve ser inferior a do ano passado, possivelmente algo em torno de 3,0% a 3,5% se nada de grave acontecer no exterior. Aparentemente, o governo brasileiro e os agentes econômicos não parecem acreditar e/ou ser possível uma taxa superior a esta. Assim sendo, o Brasil deve crescer ao redor da taxa de crescimento mundial e em níveis menores que o crescimento dos países emergentes.No que tange à política, há que se observar o processo eleitoral para a Presidência da Câmara dos Deputados. Trata-se do "termômetro" visível do suporte que o governo terá no Congresso. Além disso, as forças de oposição começam a ser organizar para as eleições do ano que vem o que dificultará o caminho da administração governamental. Dentro do governo também existem aqueles que estão menos conformados com o caminho escolhido pela atual equipe econômica, mas estes estão silenciosos pelo desempenho favorável no último ano.No campo monetário, as complicações são maiores. Definitivamente o Banco Central (BC) liderado por Henrique Meirelles continuará a subir a taxa básica de juros com o objetivo de tentar cumprir a meta de inflação de 5,1% estabelecida pelo próprio governo para este ano. Como não houve interesse da sociedade, dos políticos e do próprio governo em examinar os critérios, a forma e os principais aspectos institucionais envolvidos na implementação da política monetária no Brasil o BC está livre para atuar como quiser. Há queixas de muitos lados, mas de fato há muito ruído e poucos fatos novos. Afinal de contas, o próprio Presidente Lula parece convencido sobre a consistência da política econômica e disposto a fornecer o apoio político necessário para Palocci, Meirelles e toda a equipe econômica.Considerando os aspectos acima abordados, a evolução da economia brasileira continuará essencialmente vinculada ao desempenho da economia internacional e seus problemas estruturais são abordados apenas na margem e sem a profundidade necessária. O destino do país é fruto da inércia. Há poucos sinais de mudança no horizonte._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 21 de dezembro de 2004

O novo acordo com o FMI

Francisco Petros* O novo acordo com o FMI Segundo informado pela imprensa ao longo dos últimos dias, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta informação foi posteriormente negada pelo governo que diz que apenas decidirá sobre o assunto em fevereiro do ano que vem. Caso venha a assiná-lo, este seria o primeiro acordo a ser firmado pelo atual governo de vez que o anterior foi assinado na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar de ter recebido o apoio explícito de Lula.Dois aspectos que merecem comentários em relação ao assunto. O primeiro se refere à constatação de que, ao discutir o assunto abertamente, a atual administração confirma o abandono definitivo da ideologia que marcou a sua trajetória política. Fica evidente que se tratava apenas de um jogo eleitoral o antigo proselitismo cujo lema era "fora o FMI" e quando tais acordos eram denunciados como sendo "pagos com a fome do povo". O abandono do antigo jargão eleitoral deve ser saudado. É claro que, do ponto de vista do jogo democrático, é lamentável que tenha existido uma distância "sideral" entre a pregação dos discursos em tempos de eleição e os princípios e a forma pela qual o governo executa na prática as suas políticas e tarefas. Também é uma pena que nenhuma alternativa consistente e factível foi construída para tornar tais acordos com o FMI desnecessários e quiçá obsoletos.O segundo aspecto que merece observação num eventual trato com o FMI diz respeito às razões objetivas que justificariam este acordo. Se de um lado, é a virtude da "prudência" que guia o governo na direção ao acordo com o Fundo, de outro é preciso que nos lembremos que o volume de reservas brasileiras - ao redor de US$ 25 bilhões, exclusive o volume contratado junto ao FMI e outros organismos multilaterais - é muito baixo, considerando-se o volume do passivo externo líquido (PEL) do país - ao redor de US$ 250 bilhões. O PEL é a soma de todos os investimentos e empréstimos de um país detidos por estrangeiros. Portanto, nossas reservas líquidas atingem apenas o nível de 10% do PEL, enquanto a média dos países emergentes esta relação é o dobro da brasileira. Assim sendo, a "virtude da prudência" manifestada pelo governo para justificar um novo acordo com o FMI é fruto do "pecado do excesso de dívidas" do país. Houve um significativo progresso no que diz respeito à redução da dívida indexada ao dólar (títulos e contratos de swaps cambiais), mas o endividamento consolidado do setor público brasileiro (76% do PIB em termos brutos (sem descontar as reservas) e 54% em termos líquidos) é ainda muito alto e demorará muitos anos para ser um risco menor. Desta dívida resulta o volume astronômico de juros pagos pela sociedade e que requerem a manutenção de um superávit primário da ordem de 4,5% do PIB o qual é insuficiente para pagar tais juros e, ao mesmo tempo, financiar os investimentos em infra-estrutura, tão necessários ao "crescimento sustentado" da economia brasileira.O governo sinaliza que o FMI aceitaria que uma parcela destes investimentos seja "descontada" do superávit primário acordado com o organismo internacional. Tal "acerto" merece um esclarecimento: o importante, em termos de risco do país, é que a dívida do setor público decresça ao longo dos próximos anos. Se o governo descontar um volume muito significativo de investimentos do cálculo do superávit primário, a relação dívida pública/PIB não cai e pode até subir. Se assim for, os investidores considerarão que o risco-país está mais alto. Com efeito, o custo de capital subirá e as novas emissões soberanas e privadas do país custarão mais caras e os títulos externos e domésticos se desvalorizarão. Ou seja, a exclusão dos investimentos públicos do cálculo do superávit primário é apenas um "jogo de cena" do governo e do FMI. Na realidade, a disciplina fiscal prometida no acordo é a essência da política econômica. O resto é discurso.Por fim, um possível acordo entre o Brasil e o FMI resume as preocupações do governo com o cenário futuro no mercado internacional. Como pode ser visto na tabela abaixo, o crescimento brasileiro não é exceção ao que ocorre com os outros países emergentes e é resultado do excepcional cenário externo que combina (1) excesso (irresponsável) de liquidez internacional motivada pela (irresponsável) política econômica dos EUA, (2) o enorme crescimento da China e (3) que teve um substancial efeito sobre os preços das commodities que permitiu um ótimo resultado da balança comercial. É possível e até mesmo provável que em 2005 o crescimento seja menor e os riscos que são atualmente sublimados pelos investidores se tornem mais presentes. Neste sentido, um acordo do governo brasileiro com o FMI seria muito saudável, pois pode evitar ajustes bruscos no crescimento e no risco-país (atualmente ao redor de 390-400 pontos-base).O Ministro Antônio Palocci e o Presidente do Banco Central Henrique Meirelles não devem ter grande alegria ao assinar o novo acordo com o FMI, mas as circunstâncias da realidade brasileira recomendam que isso seja feito. País          Variação do PIB (*) China               +9,1% Índia                +7,2% Coréia do Sul     +4,6% Argentina          +7,0% Chile                 +6,8% México              +4,4% Venezuela          +15,4% Turquia             +15,8% Rússia               +7,4% Brasil                  +6,2% _________(*) Variação do 3º trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior. Fonte: FMI_________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Previsões para 2005

Francisco Petros* Previsões para 2005 Um dos maiores paradoxos da ciência econômica é o fato de que a formação dos preços das mercadorias e dos contratos ocorre em função das expectativas, mesmo que estas não sejam confirmadas pelos fatos. Como existe uma distância e tanto entre aquilo que se prevê e o que ocorre na realidade, os ajustes no sistema de preços podem ser fenomenais, extraordinários e até mesmo destrutivos. O período de final de ano é particularmente interessante para analisar este processo. Os economistas e analistas se dedicam com afinco à elaboração de projeções e estimativas. Normalmente, não gastam tempo revisando o passado e entendendo a razão de eventuais erros cometidos em projeções anteriores. A análise da história sempre foi parte integrante e essencial do estudo econômico, mas é quase sempre relegada à margem quando se trata de projeções do final de ano.No início deste ano, os principais economistas do mercado financeiro, participantes da Pesquisa Focus do Banco Central do Brasil (BC) previam que a inflação, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor - Amplo) iria ser da ordem de 6% em 2004. Na realidade este indicador deve ser entre 7,4% e 7,6%. A taxa de câmbio (real versus dólar dos EUA) esperada para o final de ano era de R$ 3,10. Deve fechar o ano ao redor de R$ 2,80. Um erro de previsão cerca de 10%. A taxa de juros básica (Selic) estava prevista para fechar ao ano ao redor de 13,5% e com tendência de declínio. Nesta semana o BC deve elevar esta taxa para 17,75% ao ano e deve continuar subindo no início de 2005. A previsão neste caso estava completamente equivocada, seja numericamente seja qualitativamente. A previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) era de 3,6% em 2004. O crescimento deve ser de pouco mais de 5,0%. No que se refere ao indicador da relação de dívida líquida do setor público / PIB a previsão era de 56% ao final de 2004. Deve ser de 53%. A previsão para a balança comercial deste ano era de um resultado de US$ 20 bilhões. Deve ser de US$ 33 bilhões, 65% superior ao estimado pelos economistas do "mercado". O mesmo ocorreu na previsão do saldo de transações correntes (que também decorre do resultado da balança comercial): a previsão era de um déficit de US$ 2,6 bilhões. Devemos fechar o ano com um superávit de quase US$ 11 bilhões! Bem, houve um indicador cujas projeções foram quase certeiras: o superávit primário deve gravitar ao redor de 4,5% do PIB. Ufa! Que bom! Acertaram!Se alguém pensa que a atividade de elaborar previsões é tão ingrata somente no Brasil pode retirar esta impressão da cabeça. Trata-se de uma atividade ingrata universalmente. Os wall streeters erram tanto ou mais que os economistas nativos. E os efeitos destas previsões são muito mais significativos em função da importância que estes têm na formação do sistema de preços da economia global.A despeito desta constatação não devemos desprezar as previsões sobre as principais estatísticas. Ao contrário: é preciso levá-las com seriedade, mas agregar um ingrediente muito importante a estas: o "espírito crítico" que permite que ao lado de números objetivos seja acrescentado um rigoroso acompanhamento das tendências. Estas últimas permitem que se "normalize" a precisão dos números e indicadores. Por exemplo: é uma tarefa hercúlea se fazer previsão sobre o déficit fiscal dos EUA. Há vários fatores que podem determinar de forma exógena um maior ou menor déficit fiscal. O principal dentre estes fatores é o dispêndio com o aparato militar utilizado para a manutenção da segurança interna e externa do país. Ora, neste caso, a pergunta a se fazer é: há alguma evidência de que as tensões geopolíticas irão se reduzir em 2005? Acredito que a resposta correta seja "não". Se os leitores tiverem a mesma opinião e considerando-se as variáveis "normais" do ciclo econômico mundial (em termos de crescimento, etc.) não há nenhuma evidência de que o déficit de aproximadamente 6% do PIB seja reduzido. De outro lado, este pode até crescer no ano que vem... Trata-se apenas de uma especulação provida de alguma racionalidade.Observadas as principais variáveis que podem influenciar o andamento da economia mundial em 2005 (déficit fiscal e externo dos EUA, a cotação do petróleo, a relação entre as principais moedas internacionais, as tensões geopolíticas no Oriente Médio e na Coréia do Norte) verificamos que as "tendências" destas variáveis estão, no que tange a sua previsibilidade, muito opacas. Não é nem um pouco óbvio que o ano será necessariamente bom. Também não é possível ser categórico e dizer que ele será ruim. Há muito que se pesar na análise de cada um dos principais pontos que estão a influenciar o dia-a-dia das cotações dos ativos e dos contratos.Se os leitores estiverem de acordo comigo - e é provável que muitos não estejam - a melhor postura em relação às estratégias de investimentos, seja nas carteiras de aplicações, seja nos investimentos corporativos, é a de ter cautela. Isso significa que os investidores têm de ser pacientes em relação ao timing de suas decisões, bem como prudentes em relação à magnitude dos esforços financeiro e humano que empenharão para a realização de seus objetivos.É relativamente incomum que se recomende cautela quando se trata de estratégias financeiras e corporativas. Afinal de contas, é preciso reconhecer que em certas circunstâncias a capacidade de se elaborar previsões e estimativas é diminuta. Parece-me que seja o caso do ano de 2005. Não me arrisco ainda em tentar prevê-lo. Prefiro ler as previsões que estão à solta por aí._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Risco cambial global

Francisco Petros* Risco cambial global Nos EUA, nove dentre dez analistas e estrategistas do mercado financeiro internacional estão utilizando a mesma frase para iniciar suas apresentações e análises sobre a relação do dólar norte-americano com as outras principais moedas internacionais. "A moeda (o dólar) é nossa, mas o problema é de vocês", dizem wall streeters e experts ao se referirem aos riscos da desvalorização da moeda dos EUA em relação a quase todas as moedas mundiais.Mesmo se retirarmos o panteísmo destas pregações dos profissionais do mercado financeiro internacional, verifica-se que este tipo de linguagem reflete com precisão o que estão a fazer os gestores da política econômica dos EUA. Diante de um déficit fiscal próximo a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e um déficit externo de mesma dimensão, a patota econômica de George W. Bush quer um dólar mais fraco para tentar reduzir o imenso déficit externo do país. Um dólar mais fraco aumenta a competitividade das exportações e reduz a propensão às importações. Aumento de exportações significa aumento de emprego para os americanos e perda de emprego para os parceiros comerciais dos EUA. Obviamente, a equipe econômica de Bush não está disposta a abdicar de crescer (na linguagem dos economistas: reduzir a absorção interna) para fazer o seu ajuste externo. Para que o leitor tenha a noção de quanto é o déficit norte-americano é bom ter em mente que este é equivalente ao PIB brasileiro (ao redor de US$ 600 bilhões)! Se os EUA não detivessem o monopólio de emissão da principal moeda internacional, o país já estaria de joelhos a pedir apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI). Tal qual o nosso país fez tantas vezes nas últimas décadas.No que se refere ao funcionamento das economias nenhuma variável é completamente neutra. Com efeito, é preciso ter em mente que esta estratégia dos EUA tem riscos significativos. Do lado interno dos EUA, o principal risco é um aumento significativo da inflação. O "mecanismo de transmissão da inflação" é o maior custo das importações. Em que pese o fato de os EUA praticarem uma política comercial protecionista em diversos segmentos econômicos, especialmente na área agrícola, o país é um dos mais abertos à entrada de produtos estrangeiros os quais são consumidos por vastas parcelas da população. Inclusive produtos básicos, cujo caso mais notório é o petróleo. Ora, uma desvalorização significativa de sua moeda implica em custos maiores de importação para tais produtos o que pode contaminar o seu sistema de preços (leia-se, aumentar a inflação). De outro lado, significa que os consumidores destes produtos importados perderão poder de compra e consumirão menos. Uma subida da inflação pode requerer uma política monetária mais apertada, ou seja, o Federal Reserve terá de elevar os juros básicos (e reduzir a demanda agregada) para conter a generalização do aumento dos preços domésticos. Portanto, do lado da renda esta estratégia de "permitir" a desvalorização do dólar pode ser nefasta.Do lado financeiro, os efeitos dos movimentos do dólar em relação às outras moedas são ainda mais imprevisíveis. O déficit externo dos EUA é financiado principalmente pelos europeus e pelos países asiáticos, especialmente a China e o Japão. Há que se considerar que países pobres como a Índia também ocupam lugar de destaque dentre aqueles que financiam o consumo norte-americano via aquisição de títulos do Tesouro, bem como através de investimentos privados. Variações significativas do dólar significam prejuízos para estes investimentos os quais são contabilizados na moeda de cada país. Para evitar prejuízos é possível que tais países exijam taxas de juros crescentes para financiar o déficit norte-americano o que é ruim para a atividade econômica dos EUA e, por conseguinte, do mundo. Tem-se que ter em mente que o sistema financeiro e, com destaque, o sistema cambial é "não-cooperativo", ou seja, ninguém está disposto em arcar com prejuízos domésticos para financiar terceiros. Da mesma forma, é difícil imaginar que o governo chinês ou os europeus assistam passivamente o aumento do desemprego em suas respectivas áreas geo-econômicas sem alterar a sua política econômica com o objetivo de evitar uma maior taxa de desemprego. Adicionalmente, devemos lembrar que a redução do nível de aquisições de ativos norte-americanos (títulos, ações, imóveis, etc.) pode significar ajustes bruscos nos preços destes ativos o que pode aumentar o risco global. Há precedentes históricos que mostram que este risco é relevante. A famosa "segunda-feira negra" em outubro de 1987 quando a Bolsa de Nova Iorque caiu mais de 20% num único dia, ocorreu após um período de forte desvalorização do dólar. A história não se repete, mas não se pode deixar de lado a hipótese de "ruptura" em processos de ajustes cambiais.Analistas, formadores de opinião e autoridades do mundo empresarial, financeiro e governamental têm feito a pregação de que o ajuste do dólar é inevitável e que este processo pode ser construído de forma suave. É possível que assim seja, pois os mecanismos de proteção do sistema econômico, especialmente os Bancos Centrais que formam uma espécie de "oligopólio" no mercado cambial, são muito mais fortes do que no passado. Entretanto, em matéria cambial a capacidade de previsão das reações dos agentes é relativamente pequena.Por fim, devemos lembrar que a origem de toda esta inquietação tem relação direta com a irresponsável política fiscal de George W. Bush. O corte dos impostos e o excesso de gastos do setor público dos EUA, somados a frouxa política monetária dos últimos anos, produziram o déficit fiscal que é a contrapartida do imenso déficit externo. O paladino da "Guerra Contra o Terror" está a conspirar contra a tranqüilidade econômica do mundo. O Imperador pode não está nu. Vestido completamente também não está._________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 30 de novembro de 2004

O protagonista solitário

Francisco Petros* O protagonista solitário Em poucas semanas encerra-se o ano. Também será comemorado o início do terceiro ano do mandato do Presidente Lula. Afora as incertezas internacionais as quais têm sido amplamente comentadas neste espaço, há um fato novo muito relevante no cenário político e econômico do Brasil. Trata-se da nova postura do Presidente da República em relação à administração de seu governo.Está claro que o Presidente tornou-se o principal protagonista político do governo. Explico: até agora, o Presidente compartilhava de maneira intensa as principais decisões políticas com seus "articuladores", especialmente o Ministro José Dirceu da Casa Civil e Aldo Rebelo da Coordenação Política. Neste momento, o Presidente Lula opta por (1) uma estratégia de "governo de coalizão" com vários partidos políticos de diferentes cepas e (2) por um renovado e claro apoio à política econômica encabeçada pelo ocupante da Fazenda o Ministro Antônio Palocci. O príncipe nunca agiu tão solitariamente e com objetivos tão amplos.Obviamente, o grande objetivo do Presidente é atrair o maior número de aliados políticos para o seu projeto de reeleição. A primeira tarefa de um mandatário é se manter no poder. Ao agregar novos aliados do PMDB e do PP, o Presidente quer afastar tais partidos dos possíveis concorrentes nas eleições presidenciais de 2005. Trata-se de um arranjo delicado, pois remexe no conceito original de sua administração que era a de "um governo partidário (vinculado ao PT) apoiado por outros partidos". Ao se vincular mais fortemente com os novos aliados, o Governo Lula terá não somente de repartir a gestão do governo, mas também deverá dividir a concepção das políticas deste. O campo de negociação política parece amplo de vez que o PMDB pode ocupar áreas mais estratégicas do governo. Entretanto, o presidente quer restringir a influência da coalizão mais ampla a certas áreas. A exceção mais notória é a política econômica que parece isolada das negociações políticas. É interessante notar que a convicção do Presidente em relação à política econômica cresce no exato momento em que as críticas se seu próprio partido florescem em função da derrota de importantes candidatos petistas nas eleições municipais de outubro.O novo "governo de coalizão" desenhado pelo Presidente Lula o afasta, possivelmente de forma definitiva, da utopia de que o Partido dos Trabalhadores (PT) poderia ser o gestor de uma grande transformação política e econômica do país. O mandato que Lula recebeu certamente foi revestido desta "utopia transformadora", mesmo que o temor de uma "ruptura" tivesse sido superado ao longo da campanha presidencial de 2002 e, principalmente, no início de seu mandato em 2003. Com efeito: Lula está ainda mais parecido com o seu antecessor imediato. Haverá quem pergunte o porquê votou em Lula.É razoável que um Presidente da República seja diferente do candidato de outrora. Entretanto, não deixa de ser impressionante a distância entre o candidato Lula e o Presidente Lula. Não quero fazer juízo se o "outro Lula" seria melhor ou pior, pois se trata de um exercício inútil. Apenas registro que as expectativas em relação ao governo atual são absolutamente diferentes de sua realização efetiva. Será que chegamos ao "estado da arte" em matéria de política e economia?No campo econômico já está claro que o PT jamais teve uma estratégia e alternativas próprias para que o país começasse a apresentar resultados convincentes que resultem em crescimento sustentado nos próximos anos. A política governamental persiste na mesma trajetória da administração anterior: sem reformas estruturais e a serviço da lógica financista de gerar superávits fiscais suficientes para pagar os juros da imensa dívida do setor público. Foi o cenário externo extremamente favorável aos países emergentes nos últimos dois anos que mais contribuiu para a melhora do desempenho da economia brasileira. É dever primário que o governo mantenha a solvência do setor público (externa e internamente) e a inflação sob rigoroso controle. Entretanto, um projeto de governo precisa conter os elementos suficientes para a transformação econômica do país, a superação da mazela do desemprego, a revitalização do setor público, a busca incessante pela justiça social e assim por diante.O príncipe mandatário da Nação está a lapidar um projeto para se manter no poder. Infelizmente, não se vê um projeto de desenvolvimento econômico e social sustentado para o país. Trata-se de uma tarefa destinada a um estadista. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 23 de novembro de 2004

A "estratégia" e a face do governo

Francisco Petros* A "estratégia" e a face do governo A nova elevação da taxa de juros de 16,75% para 17,25% ao ano pelo COPOM (Comitê de Política Monetária) do Banco Central (BC) e a conjuntura externa favorável nos dá a oportunidade de imaginarmos qual deve ser a estratégia de condução da política econômica nos próximos meses e, talvez, durante o próximo ano. Vamos aos pontos: 1) A meta de inflação do ano que vem (5,1%) é extremamente apertada em função (a) da elevação projetada das tarifas públicas e/ou dos preços administrados pelo governo (energia, combustíveis, telecomunicações) e (b) da trajetória dos "preços livres" do setor privado que são afetados para cima pela maior demanda agregada e pelos impactos de custo da alta dos preços das commodities (Petróleo, produtos siderúrgicos, minérios ferrosos, etc.);2) A conjuntura internacional, apesar de incerta no que tange aos fundamentos, especialmente em relação ao déficit público e externo dos EUA, persiste favorável e as recentes valorizações das principais moedas internacionais (euro, iene, libra) perante o dólar norte-americano favorecem a valorização do real, pois a nossa economia é mais atrelada ao dólar norte-americano. Há inclusive a possibilidade de que o Brasil faça emissões externas em reais, assim como ocorreu no caso de um banco brasileiro e da Coréia do Sul que fez uma emissão em wons, a moeda nacional do país;3) Esta valorização do real possibilita que se obtenha dois resultados no curto prazo que são bastante "interessantes" para a autoridade monetária (BC). A primeira é reduzir o impacto da elevação dos preços externos pelo "canal do câmbio", principalmente no caso dos preços industriais. O segundo é que com o barateamento das importações aumenta-se a disponibilidade de bens importados na economia, acirra-se a concorrência e se evita as pressões advindas da baixa capacidade ociosa da economia (ao redor de 17% da capacidade nominal instalada);4) Considerando-se o conjunto dos aspectos relatados nos itens acima, o BC pode controlar com mais segurança (a) a expectativa do "mercado" de uma taxa de inflação crescente, (b) reduz-se a atividade econômica (via alta dos juros básicos) e (c) mantém-se a economia em "equilíbrio" com uma atividade econômica menor e uma inflação baixa apesar de continuar extremamente difícil que a meta de inflação do ano que vem seja cumprida, mesmo que esta "estratégia" seja vitoriosa. A conjuntura atual criou uma "janela de oportunidade" para que a ortodoxia econômica do Governo Lula seja cumprida e o financiamento externo permaneça tranqüilo. Agora só falta à equipe econômica isolar, de forma completa e definitiva, o governo dos desenvolvimentistas, tal qual foi feito no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Aparentemente, esta tarefa já está em plena execução (sem trocadilhos!) com a demissão do presidente do BNDES Carlos Lessa e a tentativa de excluir o Vice-Presidente José Alencar do debate econômico nomeando-o para a pasta da Defesa. Esta feição mais conservadora do governo deve ser consolidada com uma reforma ministerial que busque sustentação política do governo e seja agradável à política econômica do Ministro Palocci. Tudo isso, apesar de, cada vez mais, a classe média e os desempregados estarem se questionando sobre as razões pelas quais eles votaram no Partidos dos Trabalhadores (PT) em 2002.Há que se observar que esta "estratégia" econômica pode dar bons resultados no que tange aos objetivos de curto prazo do governo, especialmente no que se refere ao cumprimento da meta de inflação. Entretanto, pode-se notar no texto acima que este modelo de administração da macroeconomia não constrói nenhuma "ponte" segura para um crescimento sustentado no médio prazo. Os investimentos persistem baixos, as reformas estruturais - especialmente a tributária - estão atoladas no Congresso Nacional e as eleições de 2006 começam a ser discutidas abertamente o quê pode causar ainda mais paralisia na atividade legislativa ao longo do ano que vem. São constatações inequívocas. Nada têm de ideológicas. Há ainda o fato de que os fundamentos externos não estão claros e uma reviravolta na atual conjuntura pode desmontar esta "estratégia".Por enquanto, o mercado financeiro aqui e lá fora está eufórico, curtindo o bom momento. É possível que esta euforia persista mais tempo - seis ou nove meses, quem sabe? Quanto ao médio e longo prazo, bem, alguém está disposto a discuti-lo? _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 9 de novembro de 2004

Legítimo e radical

Francisco Petros* Legítimo e radical "Mais vale ser amado que temido, ou temido que amado?" (Maquiavel) Depois da batalha de Waterloo, o Duque de Wellington foi percorrer o campo de batalha no qual venceu Napoleão. Com ele cavalgava o seu ajudante de ordens. Pouco a pouco, Wellington foi constatando a carnificina produzida naquela decisiva batalha e emocionou-se em meio aos mortos e feridos. Virou-se então para o seu ajudante de ordens e disse: "não há nada tão terrível como a vitória, exceto a derrota".A vitória de George W. Bush, nas eleições presidenciais ocorridas na semana passada nos EUA nos dá a oportunidade de parafrasear Wellington dizendo que a vitória de Bush senão terrível, nos parece trágica. Desta vitória pode-se discorrer sobre vários temas. Gostaria de me deter com brevidade na análise do caráter desta vitória à luz de dois aspectos: a sua legitimidade e aos riscos sucedâneos a obtenção desta legitimidade.Do ponto de vista formal e legal, a vitória de Bush é incontestável. Venceu na contagem dos votos de todos os eleitores. Venceu no colégio eleitoral. Venceu obtendo a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes. Venceu, portanto, obtendo a legitimidade oriunda da Vontade Geral, expressa na Lei. Como pregou Rousseau em Do Contrato Social, é da Lei que o governante obtém a legitimidade para o exercício do Poder.Não obstante a grandiosidade da obra de Rousseau, a história nos ensinou que nem sempre a legitimidade "formal" encarrega o governante do cumprimento de um programa de governo legítimo. Pode faltar-lhe a "vocação" (Weber) requerida para que o político seja legítimo na liderança que leva às sociedades ao progresso. A eleição de Hitler em 1933, conquistada sob a égide constitucional, significou a maior tragédia do povo germânico. A Democracia não era um valor para aquele líder. Foi meramente um meio cujas conseqüências são por demais conhecidas.Não creio que Bush possa ser comparado a Hitler. Nem as condições históricas se aproximam. De outro lado, a pergunta persiste. De que valerá a "legitimidade democrática" de Bush? Será um valor político supremo ou um meio para a consecução de um programa que divide o mundo, que traz suspeitas ao Estado laico, que implora o medo ao povo para que certas liberdades civis sejam vendidas como um prato de lentilhas?Bush e a sua entourage encastelada na Casa Branca traíram a característica mais fascinante da democracia americana. Alexis de Tocqueville em "A Democracia na América" (escrita entre 1835-1840) fascinou-se pelo desenvolvimento político dos EUA, sobretudo pela Igualdade das Condições, forjada na Liberdade, este valor "tão íntimo e virtuoso" na alma da maior nação do Ocidente. Falava do livre-arbítrio, da capacidade moral dos homens em traçar os seus destinos e do sagrado encargo de cumprir os seus deveres. Reconhecia Tocqueville que os benefícios desta liberdade vêm com o tempo. Contudo, alertava que "a liberdade dá, de quando em quando, a um certo número de cidadãos (meu grifo), sublimes prazeres".Bush, em nome da Liberdade, já deixou um legado e tanto. Nunca se viu a nação americana tão fascinada pela idéia de segurança, a tornar suspeitos os homens que viajam à América ou nela moram, que retiram sapatos nos aeroportos, que se deixam fotografar e serem fichados, enfim, que possam ter as suas vidas vasculhadas e, assim, submetidos os seus direitos ao dever supremo da segurança. A América já foi vítima surpresa em Pearl Harbor. As marcas de 11 de setembro não são mais profundas que as do Vietnã ou a decisiva Segunda Guerra Mundial. Sob Bush, a América transformou-se em uma nação com políticas unilaterais, uma marca que jamais os EUA registraram na sua política externa. Outrora, foi isolacionista (J.Monroe) ou multilateralista (Roosevelt). Unilateralista, nunca foi! Legado de Bush.Bush violou todas as leis e práticas internacionais para invadir o Iraque e "libertá-lo do jugo de Saddam Hussein para tornar a América mais segura". A ideologia da "Liberdade e a Segurança", o dueto de uma doutrina conhecida, inclusive neste continente em que moramos. Adicionou a "presunção" como estratégia de ataque. Vendeu-a como "prevenção". Se esta doutrina vier a se espalhar pelo mundo, teremos a política como extensão da guerra. O contrário daquilo que acreditava Carl Von Clausevitz. O fim do processo civilizatório na política internacional, a diplomacia.Bush abandonou todos os acordos em relação ao meio-ambiente (sobretudo o Acordo de Kioto) como se a Terra pertencesse aos Big Businesses. Pregou que a tecnologia nos libertará do aquecimento global. Pairam dúvidas científicas sobre o tema, enquanto sobram discursos do cowboy do Texas.Na economia, Bush gerou o maior déficit fiscal da história (em relação ao PIB), bem como a menor taxa de poupança desde os anos 30. O orçamento militar dos EUA é hoje semelhante ao do período da Guerra Fria (sem os custos do Iraque e Afeganistão, algo em torno de US$ 500 bilhões; com os custos do Iraque e Afeganistão cerca de US$ 750 bilhões). Eis o aparato militar para "espalhar a democracia ao redor do mundo".Foi este o Presidente que se tornou "legítimo" a partir dos votos depositados pelos eleitores norte-americanos na semana passada que o reelegeram.A conquista da maioria no Senado e na Câmara dos Representantes neste novo mandato abre espaço para o aprofundamento do projeto mais radical da história dos Estados Unidos da América.Bush poderá tornar a Suprema Corte dos EUA (vitalícia) o resguardo destas políticas radicais. (Não são conservadoras, favor não confundir!). Deverá substituir Alan Greenspan no Federal Reserve por alguém mais afável aos seus déficits orçamentários. Poderá privatizar ou mesmo acabar com todo o aparato de Welfare State (serviços de saúde básicos e previdência social universal) construído desde a Grande Depressão nos anos 30. Facilitará, ainda mais, todas as restrições ambientais e tentará reduzir o impacto das leis e regras de responsabilidade social das empresas. No âmbito externo, nada deve mudar. Mudará o protagonista do Departamento de Estado. Sai Colin Powell e, finalmente, Condoleezza Rice exercerá de direito aquilo que já exerce de facto. Consolida-se o ideário do "Imperialismo Democrático".Montesquieu no seu famoso "Espírito das Leis" ensinou-nos que os legisladores devem ter o espírito de moderação. Para ele o bem moral, assim como o bem político, sempre se encontra entre dois limites. Ou seja, a composição das leis não deve ter traços a mais, senão os que levam à Justiça. Identificar os limites da Lei é a arte do equilíbrio.Prezados leitores: não sabemos se estamos diante de um novo paradigma político após a eleição de George W. Bush na semana passada. Todavia, seria ingênuo pensarmos que ocorreu apenas uma eleição na maior nação do mundo.Na Casa Branca, vive um homem que provou que não é moderado, não compreende os limites entre os valores morais e políticos e cujo equilíbrio nas decisões é duvidoso. Não subestimemos, contudo, a sua extraordinária capacidade de criar graves desequilíbrios. _________ [email protected]* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo). _______
terça-feira, 26 de outubro de 2004

Além da elevação dos juros

Francisco Petros* Além da elevação dos juros De uma forma bastante simplificada poderíamos dizer que há três maneiras de observarmos e analisarmos uma economia e como ela se processa. Uma primeira é ver o todo (a chamada macroeconomia) e cada uma de suas partes (os setores econômicos, por exemplo). De outro modo, pode-se observar uma parte (ou partes) de uma economia e "deixar de lado" o todo. Pode-se ainda olhar o todo e esquecer-se ou abstrair-se da observação e análise da(s) parte(s).De modo intuitivo (ou mesmo científico) poderíamos concluir que o primeiro modo é superior aos demais. Entretanto, temos de reconhecer que há tantas variáveis envolvidas que as conclusões podem ser bastante duvidosas. Já no segundo caso (o da "observação das partes") há um enorme avanço no método - uma vez que o campo de observação e pesquisa é mais nítido e, portanto, preciso -, mas não se pode inferir com razoável grau de certeza que o estudo das "partes" indica como se dá o comportamento do "todo". E se observarmos apenas o "todo", as conclusões podem ser imperfeitas, em maior ou menor grau, em relação "às partes".Ora, como podemos constatar pelos parágrafos acima, há um claro e explícito problema metodológico para se analisar uma economia, um processo ou uma questão específica relacionados com ela. Note-se que mesmo com o extraordinário avanço da tecnologia que permite uma coleta e análise dos fatos mais aperfeiçoada, este problema metodológico é difícil superação, pois não é possível afirmar que a dinâmica dos fatos reais de uma economia é percebida adequadamente pelos modelos de análise. Talvez por esta razão é que os economistas tenham a fama de errar muito nas suas previsões.Apesar da constatação das imperfeições metodológicas constantes do dia-a-dia do processo de análise econômica, é preciso reconhecer que a tarefa dos economistas e, principalmente daqueles que têm responsabilidade social e governamental, é essencial. Decifrar a "esfinge do processo econômico" é a única forma de se buscar a perfeição, mesmo que seja quase impossível atingi-la. De outro lado, não podemos cair na sedução de que os modelos são guias totalmente eficientes para o estabelecimento de uma política econômica.A Economia é uma ciência humana, uma ciência política que exige uma combinação inteligente entre técnica e arte. Também é por esta razão que se faz necessário que exista, no caso específico da execução de uma política econômica, um sistema de checks and balances para se evitar que se cometam erros grosseiros cujos prejuízos são, em última instância, atentados contra o progresso econômico e social.Na semana passada, o Comitê de Política Econômica (COPOM) do Banco Central do Brasil (BC), mais uma vez, aumentou a taxa básica de juros de 16,25% para 16,75% ao ano. É inocente imaginar que esta elevação dos juros será neutra para a economia brasileira. Seus efeitos já estão acontecendo na chamada "curva de juros" (taxas de juros dos títulos ou contratos conforme o seus respectivos prazos), no sistema de crédito e, sobretudo, nas decisões de consumo e investimento.Nos últimos anos, houve uma significativa melhoria no provimento de informações por parte do BC que aumentaram a transparência de suas políticas. Entretanto, apesar deste avanço, ainda não resolvemos um assunto extremamente importante: a "governança" da autoridade monetária. Infelizmente, a questão da independência do BC é tratada como um assunto de pouco interesse social. Todavia, a política monetária tem efeitos diretos sobre a vida de toda a sociedade, especialmente sobre as classes sociais menos favorecidas que dependem de um estado saudável da economia para exercer a coisa mais importante em termos econômicos para um ser humano: a possibilidade de trabalhar, empreender e receber um rendimento, além de proteção social.A forma atual de execução da política monetária no Brasil é extremamente danosa para o desenvolvimento do país. O BC de facto é autônomo, mas não o é de direito. Não existe um sistema de checks and balances que permita supervisionar as suas decisões. Há uma pressuposição de que há uma "sabedoria superior" em suas decisões sobre a política monetária. Adotou-se um modelo de metas de inflação sem que se tenha aprofundado em larga medida a discussão sobre os seus efeitos e defeitos. A relação da autoridade monetária com uma "parte" da economia, comumente denominada "mercado" precisa ser regulamentada e fiscalizada. Enfim, é preciso que se revise todo o processo e se constitua um modelo institucional que não coloque em risco o desenvolvimento do país.Do meu ponto de vista, enquanto isto não ocorrer a cada decisão do BC se gerarão dúvidas sobre a eficiência de sua atuação no fito de manter e estabelecer a estabilidade da moeda nacional. Especialmente quando sabemos que não há "processos dedutivos" quando tratamos de uma ciência que exige uma dose substancial de talento, sabedoria e arte quando aplicada ao mundo real.O Banco Central de um país tem de servir à vontade e ao interesse público. Temos de ter garantias de que isso ocorre no caso do Brasil. Independente de quem seja o Presidente e a diretoria da instituição. Trata-se de uma questão de [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Atualmente exerce a função de consultor de investimentos e de empresas. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 5 de outubro de 2004

A "nova política"

Francisco Petros* A "nova política" Durante o auge da especulação com ações das empresas da "nova economia", no final dos anos 90 e início do novo milênio, os analistas de investimentos e as instituições financeiras justificavam os elevados preços das ações por meio de metodologias de análise que não eram baseadas na "geração de valor" ou em algo que fizesse parte da "lógica tradicional". Dizia-se que para setores novos era importante observar "outras variáveis" como o crescimento do faturamento e dos ativos (estes em muitos casos, intangíveis), bem como a "nova marca" que estava se criando. Os investidores, ao invés de se deterem em fatos concretos e numa apreciação fria dos aspectos que envolviam as empresas, caíam na tentação de comprar e vender ações de forma maníaca. O furo da "bolha especulativa" repercute até os atuais dias na economia norte-americana e mundial. A maioria dos "maníacos" da "nova economia" quando voltaram à razão verificaram que tinham perdido muito dinheiro. Da ideologia passou-se à realidade.Gostaria de incorporar alguns aspectos deste processo com o que está a ocorrer na política e com os políticos ao redor do mundo. Estou convencido que, assim como no caso da "nova economia", há uma "nova política", construída em bases pouco confiáveis, mas com características semelhantes à "nova economia". Nos últimos dias, tivemos exemplos transparentes deste fenômeno.Um destes exemplos foi o debate entre os candidatos presidenciais dos EUA George W. Bush (Republicano) e John Kerry (Democrata), o qual foi visto por pelo menos 1/3 dos eleitores que pretendem exercer o direito de voto no dia 2/11 próximo. Foi um debate vazio de idéias, a despeito de ter evidenciado diferenças claras entre os dois candidatos.De um lado, viu-se o discurso "patriótico" de Bush pregando que o mundo está melhor e mais seguro sem Saddam Hussein. Pouco refletiu sobre a presumida existência de "armas de destruição em massa" naquele país. Quase nada falou sobre a situação atual do Iraque, à beira da guerra civil, com atentados contínuos e incontroláveis. No mesmo dia do debate, um novo atentado em Bagdá provocou 200 vítimas entre mortos e feridos. Diabólicas foram as cenas de crianças mortas entre os escombros ou nos braços de seus pais desesperados. A barbárie em toda a sua expressão. Enquanto isso, em um local ignorado, Saddam Hussein está preso e à espera de um "julgamento". O ex-ditador abandonou a antiga crueldade e agora lê e escreve poesias, envia cartas à esposa e filhas e é tratado de um câncer de próstata, fato que pode ser até reconfortante do ponto de vista físico para um prisioneiro solitário e, provavelmente, a caminho da pena de morte.Bush, naquele debate prestou os seus serviços à "nova política". Um discurso vazio e a imagem de "Comandante-em-Chefe das Forças Armadas" a lhe servir de "prótese mental" para a ausência de conceitos e políticas consistentes. Coisa típica de "marketeiros".John Kerry emplacou um discurso mais equilibrado, tocando em temas mais profundos como a necessidade de se ter aliados e de se construir alianças. Citou o próprio pai do atual Presidente dos EUA como exemplo do que não deveria ser feito: invadir um país sem que exista uma solução minimamente visível para o período pós-ocupação. Entretanto, conseguiu trair-se - de forma ridícula - ao tentar convencer o eleitorado que ao votar a favor da autorização para uma guerra injustificada não autorizou a invasão de um país. Ao invés de dizer que não teve a coragem de ir contra a opinião pública, naquele momento da votação sobre a guerra, em função do "clamor patriótico" da população, o democrata preferiu fazer uma contorção circense e provou-se ser um bom malabarista.No que tange às alternativas para a política estadunidense em relação ao Iraque, nenhum dos dois conseguiu elaborar nenhuma "idéia de valor" no debate. Assim como na "nova economia", a "nova política" explorou o imaginário popular e o seu "espírito maníaco". E o mundo assistiu com paciência ao show televisivo dos dois "novos políticos". Sem valores definidos e, ao mesmo tempo, delineados por "imagens construídas" por gente especializada em marketing. "É a nova política estúpido!", poderíamos dizer.O segundo evento da semana passada que merece destaque foi o discurso do Primeiro-Ministro inglês Tony Blair na convenção anual do Partido Trabalhista. Ao contrário de George W. Bush, Tony Blair não atrai aos olhos do público uma imagem arrogante. Sua feição de sacristão devotado, seus gestos suaves e sua voz calculada e com variações elegantes parecem genuínas. Contudo, tudo isto é útil ao marketing da "nova política". Com ar de solenidade, o Premier britânico pediu desculpas aos seus correligionários pelos erros cometidos pelos serviços secretos ingleses em relação ao Iraque. De fato, disse ele, superestimou-se a existência de "armas de destruição em massa". Assim como ocorria com os lucros das empresas da "nova economia", o conceito de "superestimativa" aplicado à "nova política" é bastante "específico". Onde se lê "muitas armas de destruição em massa", entenda-se nenhuma! Ora, ora...Enquanto discursava, os poucos correligionários que se indignaram com o discurso do "sacristão" de Sua Majestade eram retirados por seguranças musculosos. Rua! Afinal de contas, aquele não era exatamente um ambiente para discordâncias. Uma convenção... Além disso, tratava-se do líder trabalhista, outrora socialista, com a imagem refeita perante a opinião pública a prostrar-se piedosamente no seu palanque a dizer: "Foi só uma mentirinha! Importante mesmo foi derrubar Saddam! Quanto às razões para tal, não importa..." Provavelmente, algum "marketeiro" pediu para ele pedir desculpas para completar aquela cena ridícula. Shakespeare sairia do recinto também indignado - será que nos braços de seguranças? Talvez Wilde dissesse que aquele discurso lhe inspirara a peça "The Importance of Being Earnst".Georg Wilhelm Friedrich Hegel consolidou a dialética como forma de pensar o mundo e a política. A tese, a antítese e a síntese consolidaram o processo de análise a partir das contradições internas dos fatos e da própria vida. Pôde, assim, filosofar sobre a Política e a Sociedade.É possível que na "nova política" a coisa funcione assim: não existe propriamente uma tese, mas uma "imagem" somada a um interesse de um pequeno grupo. A "antítese" não é o contraditório per se. É apenas a "tese" disfarçada por outra "imagem". Já a "síntese" seja "O Nada". Lembrando que este Nada pode ser uma guerra injustificada, uma alteração substancial de política econômica e assim por diante. O Nada é, portanto, a única coisa concreta! (Nada melhor do que filosofar sobre Política nos dias de hoje, hein!?). Todavia, não se iluda! Um cenário como este jamais é "neutro" para a vida das [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Atualmente exerce a função de consultor de investimentos e de empresas. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 28 de setembro de 2004

As eleições serão importantes?

Francisco Petros* As eleições serão importantes? Tanto nos EUA quanto no Brasil as eleições terão papel central para a formação das expectativas dos agentes em relação às respectivas políticas econômicas em vigor, bem como haverá uma recomposição política, seja em relação ao suporte partidário (no caso do Brasil), bem como no aprofundamento das estratégias adotadas pelo governo em relação aos riscos econômicos e geopolíticos (no caso dos EUA).No caso do Brasil, nos parece muito difícil que a oposição consiga reverter as expectativas que se formaram no eleitorado em 2002. O governo liderado pelo Presidente Lula, ao longo de 2003 e deste ano, conseguiu combinar uma política econômica conservadora com um discurso social que "abona" o governo perante a opinião pública. De fato, as estatísticas econômicas têm expressado uma recuperação da atividade, uma substancial melhora das contas externas e uma leve, mesmo que inconsistente elevação do consumo doméstico. Uma análise isenta e fria dos fatos remeterá a evolução favorável da política econômica doméstica a um quadro externo que combinou vários fatores favoráveis, especialmente no que se refere ao extraordinário crescimento da economia chinesa e ao custo de capital menos oneroso que o inicialmente esperado. Está claro que a política econômica brasileira foi aderente, de forma favorável, às expectativas dos investidores internos e externos. Tudo isso, contribuiu para a melhoria da solvência do país, tal qual ocorreu em quase todos os países emergentes. Neste sentido, somente a Argentina segue como um "problema estrutural" dentre estes países.Ainda no caso do Brasil, há que se ressaltar que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta com amplo apoio da população, conforme demonstram as pesquisas de opinião, e conseguiu formular uma imagem externa (mais que uma "política"), cujos resultados ainda não podem ser avaliados com precisão de vez que será necessário mais tempo para saber sobre a sua eficiência. A liderança presidencial, somada a ineficácia do discurso oposicionista, compõem um quadro que pode minimizar inclusive eventuais derrotas do governo em capitais importantes do país, notadamente em São Paulo. Vale ressaltar que não estamos analisando, nem a essência e nem a consistência dos fatos. Estamos apenas avaliando os seus efeitos mediatos sobre a política econômica. Com efeito, não se espera grande mudança no curso atual da política econômica liderada por Antonio Palocci no início de 2005.O caso dos EUA é muito diferente. Trata-se, em primeiro lugar, de um pleito presidencial, no qual tanto as políticas domésticas - especialmente as questões que envolvem impostos - quanto o andamento da política externa, notadamente a ocupação do Iraque, levarão a cabo a continuidade ou não de uma política fiscal perigosa em função da magnitude dos déficits produzidos e/ou uma política externa, baseada na força imperial norte-americana, sem que existam elementos sólidos que aglutinem em torno da Grande Democracia do Ocidente os seus tradicionais aliados. Um império sem Pax. Há, ainda, um segundo elemento embutido no momento eleitoral dos EUA. A oposição democrata tem enormes dificuldades em elaborar propostas políticas efetivamente "alternativas" aquelas que são propostas pelo Presidente Bush. Parece certo que o candidato do Partido Republicano não deve seguir, pelo menos no que tange à economia, os mesmos preceitos que hoje prega em comícios e aparições de TV, também está claro que está difícil saber o que será um Governo Kerry em matéria econômica. O mesmo vale em relação à política externa do democrata.Há um paradoxo cristalino que vale para ambas as eleições, no Brasil e nos EUA. Se de um lado, o Brasil se beneficia de um cenário externo aparentemente benigno, de outro, para aqueles que analisam com profundidade as entranhas dos problemas políticos e econômicos mundiais, vê-se que há tantos fatores inconsistentes que o futuro da economia mundial pode não ser tão benigno. Dos riscos geopolíticos até as dúvidas sobre o andamento da economia chinesa vemos um mundo cheio de problemas cujas soluções não estão a caminho. Ao contrário, as nuvens prosseguem [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 21 de setembro de 2004

Dois fatos e um mito

Francisco Petros* Dois fatos e um mito Na última sexta-feira (17/9/04), a agência classificadora de riscos Standard & Poor's elevou o rating dos títulos externos do Brasil de B+ para BB-. A perspectiva (outlook) passou de "favorável" para "estável" o que significa que não deve haver novas revisões no crédito do Brasil no curto prazo. No que se refere aos títulos domésticos (emitidos em reais) não houve alteração de rating. Trata-se de uma excelente notícia para o país de vez que reduzirá os custos de suas emissões privadas e soberanas. A melhora da avaliação do risco-país deve-se fundamentalmente aos excelentes resultados da balança comercial e à redução dos passivos públicos indexados à taxa de câmbio. Vale ressaltar que a avaliação de crédito de um país não se refere per se a qualidade da gestão da política econômica, mas a capacidade de pagamento de suas dívidas. Um país pode permanecer estagnado por muitos anos em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em função de políticas econômicas equivocadas e manter a sua qualidade de crédito. É o que aconteceu com o Japão desde meados da década passada até o ano passado. Não obstante este aspecto, temos razão em comemorar a nova avaliação da Standard & Poor's.Se do lado do crédito soberano a avaliação do país melhorou, de outro lado tivemos a preocupante notícia de que o Comitê de Política Monetária (COPOM) iniciou um "ciclo de ajuste da taxa básica de juros". Segundo informações do jornal O Globo no último dia 17/9/04, o presidente da República e o Ministro da Fazenda Antônio Palocci interferiram junto ao Presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles para que a taxa básica de juros não fosse elevada imediatamente para 17,5% ao ano. Trata-se de uma notícia grave e que deve aumentar a volatilidade da taxa de juros no mercado futuro e no custo de emissão dos títulos prefixados por parte do Tesouro Nacional. Lamentavelmente, os membros do COPOM têm contribuído de forma sistemática para a piora das expectativas dos agentes econômicos num momento em que o país começa a crescer sem que exista déficit nas contas externas conforme ocorreu nos últimos dez anos. É ilusório imaginar que esta postura pretensamente conservadora do COPOM não terá efeito sobre as decisões de consumo e investimento nos próximos meses e anos. Não devemos ter dúvidas: a falta de crescimento é o principal risco para um país! A própria agência Standard & Poor's alertou, no seu comunicado sobre a elevação do rating dos títulos externos brasileiros, que "o crescimento no investimento permanece em níveis baixos".Há vários formadores de opinião, empresários, líderes sindicais, analistas e economistas que se mostram dispostos a refletir e combater as idéias que têm se propagado a partir da diretoria do BC. Isto é muito positivo, pois não é razoável que um conjunto de funcionários públicos nomeados possa monopolizar a visão sobre a execução da política monetária e, desta forma, destruir a ótima oportunidade que o país tem para dar um passo à frente, de crescer, de se desenvolver, de reduzir as inquietudes sociais e se projetar mais confiante em relação ao futuro. No âmbito internacional, economistas respeitados como Joseph Stiglitz, Paul Krugman, Heiner Flassbeck (diretor da UNCTAD), entre outros, têm alertado em relação à política monetária adotada no Brasil.É essencial que o Brasil aumente o consumo interno através da recuperação dos salários e dos empregos perdidos ao longo dos últimos anos. A missão de manter saudáveis as contas externas por meio da obtenção de saldos crescentes da balança comercial tem de ser permanente. Entretanto, o Brasil é um país continental e que precisa aumentar o consumo doméstico para atrair investidores internos e externos para novos setores econômicos. É o que acontece com a China que atrai sistematicamente investimentos de todo o mundo na crença de que o consumo interno do país será crescente. No caso do Brasil, a oportunidade me parece ainda mais promissora, pois somos um país democrático, sem ameaças externas do ponto de vista militar, com uma natureza exuberante, com uma larga costa marítima, com um povo carente de educação, mas com vontade de trabalhar e assim por diante. Podemos nos tornar, pouco a pouco, um país exemplar do ponto de vista dos grandes temas do futuro: a preservação da natureza e o compromisso com o progresso social. A China, para citar o exemplo sempre tão glorificado pelos estudiosos, não tem estas oportunidades tão visíveis. Trata-se de um país ditatorial, poluidor, com uma mobilidade social constrangida politicamente, armamentista, etc.Assim sendo, não nos parece razoável que sejamos submetidos a "formas definitivas" de pensamento como se tivéssemos alcançado o "estado da arte" em certas políticas públicas. Em matéria econômica, não é possível construir mitos e torná-los verdadeiros enigmas que agem sobre toda a sociedade sem que saibamos exatamente a razão para tanto. A história nos mostra o que ocorreu com as teorias liberais no século XVIII, o marxismo no século XIX e boa parte do século XX, o Welfare State nos anos 40 a 70 do século passado, no monetarismo a partir dos anos 70 e assim por diante. Todas estas teorias econômicas foram repensadas ao longo da história. Por que nós não podemos revisar com profundidade e seriedade a política de metas de inflação e o papel do BC? Não será este um mito que nos lança a um labirinto que limita o crescimento do paí[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 14 de setembro de 2004

De novo, alta dos juros

Francisco Petros* De novo, alta dos juros Nos últimos três meses, por meio de pronunciamentos e das notas das reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM), o Banco Central desenvolveu e consolidou a idéia de que a taxa básica de juros, atualmente em 16% ao ano, tem de ser aumentada para que as metas de inflação de 2004, 2005 e 2006 sejam cumpridas. Segundo a autoridade monetária, as "expectativas" são de que a inflação esteja subindo. Seria necessário "deflacionar as expectativas". E como são apuradas as tais "expectativas de inflação"? Por meio de pesquisas realizadas pelo Banco Central (BC) junto às instituições financeiras e aos principais escritórios de pesquisa econômica do país. Poderíamos, de nossa parte, perguntar o contrário: como é que os "pesquisados" formam suas expectativas? Resposta: através de reuniões e análises feitas com base nos documentos e nas declarações do próprio BC. Um processo circular.Há indicadores de inflação que vêm apontando alta nos preços. Quais os produtos que estão com preços em elevação? Resposta: aqueles produtos cujos preços estão relacionados com as cotações externas (denominados tradeables, tais como os produtos siderúrgicos e alguns derivados do petróleo), as tarifas indexadas a índices de preços (tais como telefonia e energia elétrica), serviços que tiveram mudanças regulamentares relevantes (o exemplo mais relevante são os planos de saúde) e os alimentos e o vestuário que sofrem efeitos sazonais relacionados especialmente com aspectos climáticos. Os denominados "preços livres" têm apresentado um comportamento relativamente estável ao longo dos últimos meses.Pois bem: é muito provável que nesta próxima quarta-feira o COPOM referende um aumento na taxa básica de juros. As expectativas são de que a elevação seja de 0,25% a 0,5% ao ano. O objetivo desta elevação é o de demonstrar a responsabilidade inequívoca do BC em relação às metas de inflação. Vale ressaltar que as taxas de juros no mercado futuro já refletem esta postura presumivelmente "conservadora" do BC. As aplicações prefixadas com prazos de vencimento de um ano já estão com taxas de juros de 18% ao ano. Os empréstimos pessoais e empresariais também estão com taxas mais altas há cerca de três meses. Resta saber o quanto a taxa de juros básica deveria subir para "enquadrar" as "expectativas" formadas no processo "circular" acima descrito.Do ponto de vista político, o Banco Central parece "autorizado" a realizar o "ajuste" na taxa de juros básica. O Ministro da Fazenda Antônio Palocci e o Ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu falaram abertamente na semana passada sobre a perspectiva de elevação da taxa de juros. Ambos reiteraram que o "crescimento econômico está assegurado, mesmo que as taxas de juros estejam mais elevadas". Um desejo perfeitamente compreensível. Resta saber se é realizável.Tudo isto nos remete novamente aos aspectos que já foram levantados em diversos artigos publicados neste espaço. Vamos a eles: 1) O sistema de metas de inflação tem de ser monitorado e fiscalizado pelo Legislativo. Trata-se de uma questão de governance. Não é razoável que o Executivo proponha as metas de inflação, cujos critérios de estabelecimento merecem ser conhecidos e debatidos, e, a partir daí, passe a "perseguir" tais metas sem a supervisão independente de nenhum órgão ou Poder;2) É preciso estudar com profundidade este processo de "formação de expectativas" em relação à inflação futura. Não existe nenhuma evidência "científica" de que tais expectativas, baseadas em pesquisas junto ao "mercado", sejam críveis para fins de estabelecimento da taxa de juros básica;3) É urgente que se investigue e, sobretudo, se estabeleçam regras para o fornecimento de informações e as reuniões entre o Banco Central e o "mercado". Notícias da imprensa relatam que há grupos de pessoas e/ou instituições (um tal "Grupo de Fátima", por exemplo) com acesso privilegiado à autoridade monetária. Tais reuniões podem, eventualmente, estar contribuindo para a "formação das expectativas" em relação à política monetária;4) Não existe nenhuma evidência empírica ou científica de que a taxa de juros básica (selic), a qual indexa as aplicações pós-fixadas diariamente, tenha de estar em termos reais (descontada a inflação futura) em níveis ao redor de 10% ao ano. Sabe-se apenas que a relação risco versus retorno é extremamente favorável ao detentor de poupança financeira e prejudicial ao setor produtivo;5) Deveria ser obrigatório que, a cada decisão do COPOM, o Tesouro Nacional publicasse qual é o impacto previsto sobre as contas públicas da elevação ou redução da taxa de juros básica. Seria muito educativo que a sociedade brasileira tivesse pleno conhecimento dos custos da política monetária para o Erário, ou seja, para o bolso de cada um de nós. Este item é particularmente vital para um país que tem uma relação dívida bruta/Produto Interno Bruto de quase 80% (56% descontando-se as reservas); Depois de quase dois anos do governo do Partido dos Trabalhadores, está evidente de que não houve alterações fundamentais na condução da política econômica governamental. É claro que os fundamentos da boa gestão econômica - no que se refere à responsabilidade fiscal e a gestão da política monetária - têm de ser mantidos e uma "ruptura" com estes princípios não faz sentido. Entretanto, é preciso desvendar e reavaliar os critérios que norteiam as práticas destes fundamentos. A política monetária adotada pelo Banco Central necessita de um debate e revisão urgente. É preciso que a sociedade brasileira entenda que o maior ônus para um sistema produtivo é o custo de capital. Não se pode atribuir uma "sabedoria superior" àqueles que têm a responsabilidade de gerir as políticas que estabelecem este custo. Sob pena de se estar redistribuindo os recursos da sociedade de maneira injusta e [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 24 de agosto de 2004

As "férias" do mercado

Francisco Petros* As "férias" do mercado No atual contexto, as perspectivas para o desempenho da economia brasileira no curto prazo são mais promissoras. Basicamente, as expectativas estão mais positivas motivadas pela percepção de que o crescimento está mais intenso e que os riscos fiscais e externos menos relevantes.Esta percepção não nos parece equivocada, mas precisa ser qualificada. No que se refere ao crescimento é preciso que fique claro que este tem duas características básicas: (1) a base de comparação (o ano recessivo de 2003) favorece a que os indicadores sejam mais expressivos. Por exemplo: o nível de vendas do varejo em julho (dados do IBGE) cresceu "expressivos" 12% em relação ao mesmo mês do ano passado (o mês mais fraco de 2003); (2) o desempenho do agro-negócio e das exportações está muito bom, acima das expectativas e favorecido por preços externos favoráveis e abertura de novos mercados. Finalmente, depois de muitos anos temos resultados da balança comercial que dão segurança ao nosso balanço de pagamentos.No que se refere aos riscos externos, estes não são nada desprezíveis, mas ganhamos um tempo precioso para avançarmos nas reformas. Há sinais de enfraquecimento da economia norte-americana e isso pode contribuir para que as taxas de juros externas permaneçam baixas por mais tempo que o inicialmente era esperado pelos agentes. Para países como o Brasil, altamente dependentes de fluxos internacionais para se financiar, a continuidade da fartura de liquidez externa é um ótimo sinal.Se no curto prazo os sinais são mais promissores, no médio (06 meses) e longo prazo (12 a 24 meses) o cenário é opaco. Isso não quer dizer que será ruim. Quer dizer que é muito incerto e pautado por variáveis difíceis de se prever. Se o leitor se defrontar com economistas, analistas ou outro qualquer com convicções muito sólidas sobre o que acontecerá no médio e longo prazo, escute-os com atenção, mas não leve muito a sério o que leu ou ouviu. Como é que alguém pode prever como será a política econômica de Bush ou Kerry? Ou, qual será a cotação do petróleo daqui a semanas ou meses? Ou, elaborar uma previsão sobre os riscos geopolíticos?Do meu ponto de vista, só há um modo de se comportar neste contexto no que se refere aos investimentos. É cuidar mais dos "processos" dos que das "previsões". O que significa isso? Essencialmente, trata-se de analisar os fundamentos presentes nos mercados e nas economias e procurar discernir sobre suas tendências sem querer adivinhar os fatos, os preços futuros e assim por diante. Avaliar tendências também é uma atividade difícil, mas por não ser pretensiosa quanto à necessidade de se fazer previsões, permite que correções de rumo sejam feitas ao longo do tempo e mantém a liberdade intelectual para mudar de opinião a qualquer tempo. "Se os fatos mudam, mudo de opinião", dizia Lord Keynes.No geral, no mercado financeiro e de capital, os "jogadores" acreditam que o conhecimento das "regras" do mercado - ferramentas de análise, acesso fácil a uma quantidade enorme de informações, equipes de especialistas, etc. - os tornam "bons jogadores". É como se alguém que conheça com profundidade as regras de pôquer se considere um bom jogador de pôquer. Duas coisas muito diferentes.Os diversos segmentos do mercado financeiro têm mais variáveis aleatórias que inicialmente se imagina. Sendo assim, é mais importante acompanhá-las e entendê-las do que prevê-las.Considerando-se o acima exposto - no que diz respeito à forma de se avaliar investimentos e se posicionar no mercado - as variáveis externas recomendam redobrada cautela. As variáveis internas um certo otimismo. Do lado externo, os dois principais riscos são (1) a evolução dos preços do petróleo e (2) as incertezas sobre a política monetária e fiscal dos EUA; do lado interno as duas principais variáveis são (1) o nível de investimentos necessário para que exista crescimento sustentado e (2) a implementação de reformas mais profundas pelo governo e pelo Congresso, depois das eleições municipais de outubro.Acredito que até meados de setembro, o comportamento e os preços dos ativos permanecerá sem tendência definida. Haverá, até mesmo, uma sensação de que nada estar a acontecer. O mercado está de fé[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 17 de agosto de 2004

O mau império contra o Império do Mal

Francisco Petros* O mau império contra o Império do Mal Dentre os diversos aspectos que têm afetado negativamente o desempenho dos mercados internacionais, a existência de relevantes e abrangentes riscos geopolíticos é dos mais importantes. Os efeitos destes riscos são claramente perceptíveis na evolução dos preços do petróleo, nas cotações das commodities e dos principais mercados acionários, especialmente o norte-americano.A expressão civis Romanus sum ("sou cidadão romano") foi utilizada por aqueles que exprimiam o orgulho de possuir a cidadania romana durante o vasto império construído por quase toda a Europa, norte da África e Oriente próximo e tinha um significante que extrapolava em muito o seu significado. Na essência, expressava a existência da Pax Romana, capaz de se sobrepor à extraordinária capacidade militar do império romano. A Pax Romana era, sobretudo, a crença de que o processo civilizatório de Roma - o seu humanismo político e cultural - era capaz de se impor perante os povos e os integrarem no contexto do Império. Implicitamente, as sociedades submetidas ao Poder Romano, percebiam no sistema romano uma rara oportunidade de transformação intestina das diversas sociedades locais com vistas à participação no modo econômico e político de Roma. Assim, criou-se um sentido de unidade em meio a um largo espectro de diversidades dos povos. Como sabemos, é a unidade fator essencial aos impérios. O fracasso dos impérios ocorre na inexistência desta unidade e na geração de fortes contradições dentro destes. Ao se perder o sentido da unidade, o império está sujeito desde a contestação contínua dos povos submetidos a ele (inclusive a militar) até a barbárie, a expressão maior da anti-civilização e do anti-humanismo (na acepção helênica do conceito).Os acontecimentos de 11 de setembro foram, em tempos recentes, a expressão maior desta contestação bárbara frente a um Império cuja Pax não é percebida. A América, potência militar incontestável, persiste sem um projeto que permita o progresso dos povos e a adesão aos melhores valores de sua sociedade. Sequer entende a diversidade da humanidade e projeta-se através de uma falsa consciência de que é possível redesenhar o mundo a partir de Washington. Simplesmente, não há uma Pax Americana. Sequer existe uma burocracia estatal nos EUA capaz de implementar os seus projetos de forma multilateral. Caiu-se no unilateralismo, elemento perigoso para quem tem o domínio militar, mas que precisa de algo mais para ter o domínio político. A América precisaria ceder e entender que não adianta submeter. É preciso integrar e atingir pontos comuns, abdicando de interesses imediatos, para pavimentar caminhos que levem ao progresso sócio-econômico-político às nações que inexoravelmente são dependentes do império norte-americano.O estudo "Ranking the Rich: The 2004 Commitment Development Index", divulgado pelo Center of Global Development nos trouxe notícias pouco alentadoras sobre o relacionamento dos EUA com o mundo. Este estudo cataloga o ranking dos países ricos que mais lutam contra a pobreza do globo. É elaborado levando-se em consideração o papel de cada nação no comércio mundial, na imigração, no investimento transnacional, no papel de pacificação dos povos, na ajuda filantrópica internacional e nas políticas de proteção ao meio ambiente. Os EUA ficaram no 20º lugar dentre as 21 nações relacionadas. Neste estudo, a posição norte-americana ficou prejudicada de vez que apenas se considera o "papel de pacificador" no caso de ações multilaterais. Sabidamente este não tem sido a forma de agir do governo do Presidente George W. Bush. Também nos aspectos de imigração, são consideradas apenas as "imigrações brutas" (sem repatriações) o que beneficia países como a Suíça que têm processos imigratórios temporários que prevêem repatriação obrigatória depois de um período determinado. Também as doações privadas são desconsideradas. Mesmo "corrigindo" o ranking, os EUA melhoram a sua posição para o 17º lugar, muito atrás de países como o Canadá e da Suécia. A pergunta é óbvia: é razoável que um Império esteja tão mal colocado num ranking como este? Não será este um sinal da origem da raiva, do ódio e da não-aceitação dos valores americanos?Nos últimos dias têm-se produzido muitos e significativos exemplos de que as políticas norte-americanas necessitam ser repensadas para que o seu Império não seja cada dia mais odiado mundo afora. Cito alguns: (1) Hugo Chávez ganhou o plebiscito na Venezuela com um forte discurso anti-americano (depois do apoio de Bush ao golpe de Estado em 2002); (2) O Iraque em meio as suas enormes divisões está implementando uma guerra contra a "ocupação" americana e não uma "libertação" de Saddam Hussein; (3) a equipe norte-americana foi fortemente vaiada no desfile das Olimpíadas de Atenas. As equipes mais aplaudidas foram a da Autoridade Palestina, o Iraque, o Afeganistão e as Coréias do Sul e do Norte (que desfilaram conjuntamente). Significativo não?Bush, enquanto prega uma luta religiosa contra o Império do Mal, parece que perde pontos comandando mal o seu império. Com efeitos políticos, sociais e econômicos indelé[email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 10 de agosto de 2004

Emprego e previsões

Francisco Petros* Emprego e previsões O cenário externo persiste extremamente difícil de ser previsto. Conseqüentemente, prevalece uma significativa instabilidade das expectativas e elevada volatilidade dos diversos segmentos do mercado financeiro e de capital.Na última sexta-feira, o Board of Labor Statistics do Departamento de Comércio dos EUA divulgou os dados sobre a geração de empregos no mês de julho. As expectativas dos analistas, economistas e investidores gravitavam ao redor de 220-250 mil vagas que seriam criadas no mês. Os dados efetivamente divulgados mostraram que apenas 38 mil vagas foram criadas e a taxa de desemprego ficou pouco abaixo do mês anterior (caiu de 5,6% para 5,5%). O ritmo de crescimento das vagas de trabalho de julho é o mais fraco desde dezembro do ano passado. Apenas para (1) atender ao crescimento da população e (2) atingir um nível de desemprego de 4% que é considerado pelos estudiosos do assunto e pelo próprio Federal Reserve (Banco Central dos EUA) como sendo o ideal para atender aos objetivos de máxima capacidade utilizada sem pressões inflacionárias, o crescimento mensal das vagas de trabalho deveria ser de 250-280 mil. Observados os indicadores do mês de julho, pode-se imaginar a frustração dos analistas e dos investidores.Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, em seu depoimento perante o Congresso dos EUA em 20 de julho passado, disse que estava otimista em relação aos indicadores de emprego de julho. Neste depoimento ele foi explicitamente questionado sobre a situação do mercado de trabalho e tentava explicar os fracos números de emprego dos meses de maio e junho. Aparentemente, também o Federal Reserve foi surpreendido pelos números fracos de julho.E o que importa este indicador para o Brasil? É preciso entender que os indicadores de emprego são, juntamente com os de capacidade ociosa, produtividade e inflação, os mais importantes para a definição da política de juros básicos pelo Federal Reserve. Os juros básicos dos EUA estão para o mundo como a taxa Selic está para o Brasil. Quaisquer alterações nas expectativas em relação à taxa básica de juros dos EUA provocam enormes movimentos nas taxas de câmbio, juros e no mercado de ativos ao redor do mundo. Foi exatamente isso que ocorreu na última sexta-feira, depois da divulgação dos dados de emprego nos EUA: o dólar se desvalorizou perante quase todas as moedas internacionais (inclusive em relação ao real), as taxas de juros dos títulos do Tesouro norte-americano caíram fortemente, assim como as ações se desvalorizaram. Apesar dos indicadores de emprego de julho terem sido muito fracos é provável que o Fed aumente hoje a taxa de juros básica de 1,25% para 1,50% ao ano. Entretanto, está muito difícil prever quais serão os próximos movimentos do Fed nas próximas reuniões de seu comitê responsável pela gestão da política monetária. Com efeito: o mercado financeiro mundial deve continuar muito volátil a cada divulgação de indicadores econômicos dos EUA. No curto prazo, o Brasil pode ser beneficiado pelo menor custo de capital vigente no mercado internacional. Para um país que tem amortizações de empréstimos externos de US$ 35-40 bilhões por ano, o nível mais baixo das taxas de juros internacionais é fator vital para definir o curso do risco-país e, por conseguinte, as expectativas de crescimento, câmbio e juros domésticos.Quem não deve ter ficado nada feliz ao ler estes números foi o Presidente George W. Bush. Empregos e impostos são os dois "carros-chefe" das discussões entre os eleitores norte-americanos. John F. Kerry, o candidato democrata, tem enfatizado que o crescimento atual não é sustentável e a recuperação do mercado de trabalho incipiente. Ele culpa a política fiscal de Bush como elemento fundamental para este fracasso de vez que gerou um enorme déficit fiscal e reduziu os impostos dos mais ricos que são os que gastam menos em termos relativos. Até novembro muito pode acontecer, mas se a economia mostrar sinais fracos, as chances de Kerry nas eleições presidenciais de novembro devem aumentar. Obviamente, em tempos de riscos geopolíticos elevados e campanhas eleitorais marcadas por um marketing e propaganda nos quais a imagem é mais importante que as idéias, tudo é possível de ocorrer. Contudo, a questão do emprego parece ser paradigmática no atual contexto.Por fim, uma pequena nota sobre a capacidade de se elaborar previsões. Há um notável arsenal de instrumentos e programas de análise e previsões econômicas no mercado financeiro ao redor do globo. Entretanto, o que verificamos é que os erros destas previsões são grosseiros quando confrontadas com a realidade factual. Tenta-se adivinhar o futuro quando se deveria mostrar para os agentes econômicos e a sociedade em geral as variáveis de risco presentes no cenário. Isto seria mais útil às decisões de investimento e consumo. Os indicadores de emprego dos EUA são apenas um pequeno exemplo da incapacidade de se fazer previsões, apesar da sofisticação dos estudos e ferramentas disponíveis para tal [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro._______
terça-feira, 3 de agosto de 2004

Vão aumentar os juros?

Francisco Petros* Vão aumentar os juros? Agora é oficial! A divulgação das notas da reunião de julho do COPOM - Comitê de Política do Banco Central (BC) revelou as dificuldades da execução da política de metas de inflação, num contexto de recuperação econômica e nível insuficiente de investimentos que aumentem a capacidade de produção das empresas e as necessidades de infra-estrutura.Nestas notas, os diretores do BC informaram que "os núcleos de inflação [...] têm se situado em valores relativamente estáveis nos últimos meses, mas em patamares incompatíveis com as metas de inflação de médio prazo". A meta de inflação para 2004 é de 5,5% (com desvio máximo superior de 8%) e a de 2005 é 4.5% (também com desvio máximo superior de 8%).Mais adiante, nas referidas notas do COPOM, o BC refere-se ao nível de ocupação da capacidade produção da indústria em abril, calculada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), que está no nível de 81,9% (o maior nível dos últimos três anos). Segundo a autoridade monetária, o ritmo de recuperação da indústria nos últimos meses "indica a possibilidade de um preenchimento mais rápido da capacidade ociosa existente".Mais à frente, o BC explicita que "a situação, de um lado, de rápido crescimento da demanda e, de outro, de crescimento dos investimentos, tem gerado uma maior incerteza sobre a capacidade de se expandir a oferta de bens e serviços sem a emergência de pressões inflacionárias". (O grifo é meu). Isto significa que a inexistência de capacidade produtiva no curto e, até mesmo, no médio prazo, pode gerar aquilo que os economistas denominam de inflação de demanda que ocorre quando o consumo de uma economia é maior que a oferta disponível. A partir desta conclusão, os "membros do COPOM avaliam que a manutenção da taxa básica de juros nos níveis atuais por um período prolongado de tempo deverá permitir a concretização de um cenário benigno para a inflação [...]. No entanto, a autoridade monetária reitera que estará pronta para adotar uma postura mais ativa, caso venha a se consolidar um cenário de divergência entre a inflação projetada e a trajetória das metas...". (Os grifos são meus). Leia-se: o BC poderá elevar a taxa de juros básica, atualmente em 16% ao ano!Estas notas do COPOM são muito importantes de serem analisadas e mostram que o país, ao atingir um nível de apenas 4% de crescimento neste ano comparativamente ao recessivo ano de 2003 está sujeito a existência de uma inflação de demanda. Para que não exista tal tipo de inflação é preciso que o nível de investimento - entendido como o aumento da capacidade produtiva - seja maior que o crescimento do consumo. Por sua vez, os investimentos aumentam quando {a taxa de juros + "prêmio de risco" exigido para os projetos} é maior que a taxa de juros sem risco (aplicação em títulos do governo os quais, por princípio, não têm risco). Além disso, é preciso que exista confiança das empresas e investidores de que o crescimento é sustentado, ou seja, que a cada ano o consumo aumentará. Assim, se desperta aquilo que o grande economista do século XX, John M. Keynes, denominava do "espírito animal" dos investidores.Ocorre que as taxas de juros prefixadas dos títulos do governo, descontando-se a inflação, estão no nível entre 8% e 11% ao ano para prazos de vencimento de 12 a 18 meses. Se considerarmos as taxas de juros dos títulos pós-fixados - que não tem risco, caso haja elevação da taxa básica pelo BC - situa-se no nível ao redor de 9% ao ano em termos reais. Ora, a pergunta é simples: será que alguém vai investir com taxas de juros tão altas?Além disso, o consumo interno é baixo, pois os salários não crescem e o desemprego é elevado. Como motivar o investidor a aumentar a capacidade produtiva se as expectativas de consumo são negativas? E mais: se os juros permanecerem em patamares tão altos, a relação dívida/PIB não cai dos patamares atuais de 56% em termos líquidos (descontando-se as reservas) e 76% em termos brutos (dívida total). Desta forma, gera-se uma enorme desconfiança na solvência do país. Só para ilustrar: nos últimos doze meses (encerrado em junho) o superávit primário do setor público (receitas tributárias menos despesas) foi de 4,5% do PIB e o déficit nominal (que inclui o pagamento de juros da dívida pública) foi de 3,7% do PIB. O que isso significa? Significa que o pagamento dos juros da dívida pública não é coberto pela enorme arrecadação de impostos (cerca de 38% do PIB)!O que as notas da última reunião do COPOM estão a nos mostrar é que estamos diante de um enorme desafio! O país precisa crescer e os meios para alcançar este objetivo são insuficientes dentro do contexto da política econômica atual. Ou implementamos uma sólida, consistente e criativa política econômica ou não vamos sair da situação atual. Não se trata de implementar estratégias "heterodoxas" tais como "calotes de dívida" ou "congelamentos de preços". Trata-se de implementar reformas profundas no setor público e privado, tornando possível que o Estado induza o crescimento. Induzir implica, em alguns casos como os da infra-estrutura, investimentos estatais (mesmo que somados ao setor privado). Na maioria das vezes, implica em menor tributação para que o setor privado desperte o seu espírito [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______
terça-feira, 27 de julho de 2004

Enigma e paradigma

Francisco Petros* Enigma e paradigma Nos últimos meses, temos publicado diversos artigos que versam sobre aspectos econômicos e financeiros que têm influenciado a evolução da conjuntura internacional e brasileira, bem como os seus efeitos nos diversos segmentos do mercado financeiro. Tais publicações versaram sobre aspectos específicos e visões parciais da realidade econômica que estamos a presenciar diariamente. Gostaríamos de fazer um breve "resumo" de nossas reflexões com o objetivo de estruturar um "quadro" para os nossos leitores: Atividade econômica e política monetária dos EUA: no depoimento semestral perante o Congresso, o Presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, confirmou que, independentemente dos efeitos mais imediatos que a elevação da taxa básica de juros possa provocar, o Banco Central dos EUA buscará atingir uma taxa de juros "neutra" que não coloque em risco o crescimento econômico e a estabilidade de preços no longo prazo. É difícil prever qual será a taxa básica "neutra", bem como o ritmo de crescimento de longo prazo da maior economia global. Vale lembrar que nunca na história econômica norte-americana o endividamento relativo das famílias em relação à renda que obtêm e o patrimônio que possuem foi tão elevada;Déficits "gêmeos" (externo e fiscal) do EUA: as propostas dos dois candidatos à presidência dos EUA não são claras em relação ao tema. Ao contrário: com as pesquisas mostrando um "empate técnico" entre Kerry e Bush, os economistas de cada uma das equipes dos respectivos programas de governo democrata e republicano procuram "obscurecer" o que poderá ser feito em relação ao perigoso déficit fiscal e ao desequilíbrio externo. Todavia, algo será feito - tais déficits estão entre 4,5% e 5,0% do Produto Interno Bruto (PIB) - e é provável um aumento dos impostos para cobrir o "rombo" fiscal, inclusive em função dos gastos de seguridade social (previdência e médica). Quanto ao déficit externo, Quem se arrisca a dizer como se comportará o império?Desaceleração econômica da China: muito se comenta sobre a economia do gigante asiático, mas uma coisa é certa: um crescimento anual entre 8% e 10%, durante mais de uma década, exige uma enorme absorção de poupança (interna e externa) e provoca desequilíbrios estruturais na economia. O Brasil vivenciou esta conjuntura no final da década dos 60 e início da década dos 70. O futuro da economia chinesa é um enorme enigma a ser decifrado nos próximos anos. Os dados disponíveis mostram um quadro de aparente tranqüilidade. Quem os fornece? O governo comunista chinês. Quem os apura? O governo comunista chinês. Quem torce para que tudo esteja certo? O mundo inteiro!Riscos geopolíticos: aqueles que imaginavam que a queda do Muro de Berlim criaria uma nova ordem mundial, a partir da hegemonia dos EUA, estão assistindo a uma desordem mundial. O "concerto das nações" - historicamente promovido e liderado pelo império dominante - necessita rapidamente de um "conserto". Os EUA, pela primeira vez na sua história, praticam uma política externa unilateral. No passado, ou foram isolacionistas ou multilateralistas. Sob Bush Jr. tornou-se unilateralista. Não há uma Pax Americana a servir de respaldo para tal política externa. Neste contexto, o terrorismo surge como uma ameaça real e imprevisível e sem uma articulação política forte a combatê-lo. Um dos seus efeitos é alta das cotações do barril de petróleo (atualmente ao redor de US$ 40);Política e economia brasileira: num ano eleitoral, mesmo que seja de votações municipais, o debate sobre a sustentação da política econômica está aceso e aberto. Tais discussões gravitam em torno da possibilidade da equação ser uma verdade ou um engano (ou será auto-engano?): "metas de inflação com juros de mais de 10% ao ano, descontando-se a inflação + alto nível de tributação (38% do PIB) + alto endividamento público (78% do PIB em termos brutos e 57% em termos líquidos) + ausência de reformas profundas + apoio político instável ao governo no Congresso = a crescimento econômico sustentado". A vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002 não implicou em mudanças na execução desta equação, mas no aprofundamento do modelo anterior. Os resultados são fracos e as perspectivas incertas O FMI sanciona esta política, mas a reunião dos críticos dela, está aumentando. Estes são apenas alguns dos principais aspectos presentes no mercado financeiro e nos debates econômicos e políticos ao redor do globo. A conclusão sobre os efeitos que tais variáveis provocarão nos diversos segmentos do mercado financeiro continua bastante difícil de ser enunciada. Insisto, mais uma vez, em expor este quadro abstrato (e paradoxalmente real) perante os olhos dos leitores para que possam perceber os desafios que estão diante de nós. Não hesito em afirmar que se trata de uma conjuntura que não é vista desde o final da II Guerra Mundial. O que parece provável é que teremos mudanças muito importantes e profundas no mundo e no Brasil. Um novo paradigma a partir do atual [email protected]* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. _______