COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Por dentro da Suprema Corte dos EUA >
  4. Advogando perante a Suprema Corte dos EUA: Parte II - Entrevista com Jonathan I. Blackman

Advogando perante a Suprema Corte dos EUA: Parte II - Entrevista com Jonathan I. Blackman

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Atualizado em 26 de agosto de 2025 08:53

Nesta coluna, tivemos a honra de entrevistar um grande advogado norte-americano, Jonathan I. Blackman, atualmente Senior Counsel do prestigioso escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP. Jon, como costuma ser chamado no escritório que integra desde 1977, atua na área de resolução de disputas, incluindo litígios internacionais e arbitragem, direito bancário e direito dos seguros. Em uma de suas raras aparições perante a Suprema Corte dos EUA, ocorrida nos idos de 2014, Jon representou a Argentina em relevante controvérsia envolvendo direito probatório, processo executivo e imunidade de Estado soberano.

A entrevista a seguir focará, pois, no referido caso - Republic of Argentina v. NML Capital, 573 U.S. 134, que tem origem na crise econômica de 2001, no contexto da qual a Argentina inadimpliu pagamentos de títulos de dívida (bonds) detidos por investidores estrangeiros. A NML Capital, Ltd. (bondholder), após sagrar-se vencedora em demandas judiciais movidas contra a Argentina na Justiça Federal dos EUA, notificou duas instituições financeiras solicitando informações sobre os ativos argentinos mantidos no mundo todo, preparando o campo para executar a Argentina com o objetivo de satisfazer o crédito que decorreu das condenações judiciais impostas contra ela. A Argentina opôs-se a essa pretensão do credor, argumentando que isso afrontaria a Foreign Sovereign Immunities Act dos EUA ao exigir a divulgação de ativos que seriam imunes à cobrança por parte da NML. O pedido da NML foi deferido em primeiro grau e confirmado em segunda instância, sob o entendimento de que a legislação em questão não se aplicava à intimação (subpoena), por tratar-se de uma ordem de produção de provas (discovery) dirigida a entidades comerciais que não tinham direito à imunidade soberana.

Por 7 votos a 1, vencida a saudosa Justice Ruth Bader Ginsburg, com voto vencedor do igualmente saudoso Justice Antonin Scalia (a Justice Sonia Sotomayor não votou), a Suprema Corte dos EUA decidiu que a Foreign Sovereign Immunities Act não concede imunidade a um governo estrangeiro em relação a ordens de discovery para obter informações sobre seus ativos, ainda que esses ativos estejam localizados no exterior. Com efeito, decidiu-se que a legislação em questão não cria uma "imunidade de discovery" para ativos soberanos estrangeiros.

1.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Poderia fornecer uma breve visão geral do caso que o senhor defendeu perante a Suprema Corte dos Estados Unidos em nome da Argentina? Quais eram as principais questões em disputa?

Jonathan I. Blackman: O caso Republic of Argentina v. NML Capital, 573 U.S. 134 (2014), suscitava a seguinte questão: saber se a legislação intitulada Foreign Sovereign Immunities Act dos EUA, 28 U.S.C. 1601 e seguintes ("FSIA"), impunha algum limite à produção de provas (discovery) em fase posterior ao julgamento (post-judgment discovery), em auxílio à execução de sentença proferida por tribunal norte-americano contra um Estado estrangeiro. A FSIA estabelece, de forma expressa, que a execução só pode recair sobre "bens de um Estado estrangeiro situados nos Estados Unidos... utilizados em atividade comercial nos Estados Unidos" (28 U.S.C. §1610(a)), permanecendo silente quanto à possibilidade de discovery para fins de execução. A questão submetida à Suprema Corte era se o alcance substantivo da execução autorizada imporia, necessariamente, um limite correspondente - restrito aos bens do Estado estrangeiro situados nos Estados Unidos e utilizados para fins comerciais - também quanto à extensão da produção de provas em auxílio à execução, seja por implicação legislativa específica, seja em razão do princípio geral de que o escopo da discovery na Justiça Federal deve estar vinculado à pretensão ou à defesa materialmente relevante.

2.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Quais foram os argumentos que o senhor apresentou, durante sua sustentação oral, em defesa da posição da Argentina no julgamento perante a Suprema Corte?

Jonathan I. Blackman: A minha linha argumentativa dividiu-se, essencialmente, em duas partes. Em primeiro lugar, eu sustentei que, embora a FSIA fosse silente quanto ao tema, e sua história legislativa registrasse expressamente que a lei não abordava questões relativas à discovery, por lógica o alcance da produção de provas em auxílio à execução não poderia exceder o alcance da própria execução. Em segundo lugar, defendi que se tratava da aplicação de um princípio mais amplo, existente desde a promulgação das Federal Rules of Civil Procedure em 1938 (sendo a FSIA promulgada quase 40 anos depois disso, em 1976), de acordo com o qual a discovery deve sempre limitar-se ao que seja relevante para a controvérsia, a fim de evitar ônus excessivo, fishing expeditions e outras formas de abuso processual.

3.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Como o senhor se preparou para realizar a sustentação oral perante a Suprema Corte e quais desafios enfrentou em um caso de tamanha complexidade e relevância?

Jonathan I. Blackman: Preparei-me como em qualquer outra sustentação oral, mas com intensidade ainda maior: leitura minuciosa das peças processuais, estudo dos precedentes aplicáveis à hipótese e realização de várias sessões de julgamento simuladas (moot courts) com a minha equipe no escritório e outros colegas advogados, a fim de treinar respostas às perguntas que poderiam ser formuladas pelos Justices da Suprema Corte. O mais fundamental foi tentar antecipar as possíveis indagações a partir das inclinações filosóficas e metodológicas de cada Justice, para além de seus pronunciamentos específicos sobre imunidade soberana, que eram escassos. A partir daí, trabalhei na formulação de respostas curtas e incisivas, algo crucial em 2014, quando a Corte mantinha um limite rígido de 1 hora para sustentação oral (do qual utilizei apenas 20 minutos, pois concordei em ceder 10 minutos ao governo dos Estados Unidos, que apoiava a posição do meu cliente). Além disso, as perguntas eram feitas de forma totalmente livre, sem ordem prévia, tornando essencial ter respostas objetivos e impactantes.

4.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Qual foi a sua estratégia para lidar com as perguntas dos Justices durante a sustentação oral? Houve alguma questão particularmente desafiadora?

Jonathan I. Blackman: Minha estratégia para responder às perguntas dos Justices durante a sustentação oral foi preparar respostas sucintas, mas eficazes, para as perguntas que pude antecipar. Para mim, a chave para respostas eficazes é estar preparado com "pílulas" jurídicas (legal "sound bites"), isto é, afirmações que resumissem um ponto com a clareza necessária a ponto de repercutir intelectual e retoricamente com os Justices - ser "impactante", em vez de dizer algo prolixo ou excessivamente nuançado. Desde a pandemia, estabeleceu-se na Corte a prática de aguardar um curto período de tempo antes de os Justices iniciarem seus questionamentos, no qual os advogados podem falar sem interrupções. Também desde a pandemia a fase inicial de perguntas tornou-se mais organizada, mas ainda assim é fundamental ser conciso e evitar longas digressões.

Para ajudar nesse processo, utilizei uma técnica que me remete ao que o Chief Justice John Roberts certa vez escreveu quando ainda atuava como advogado em grau recursal: anotar questões centrais do julgamento em blocos de nota e depois responder cada uma delas em ordem aleatória, após embaralhar as notas, de modo que isso o preparasse para abordar esses pontos com fluidez, independentemente da ordem em que surgissem as perguntas e independentemente de quanto a linha de questionamento pudesse ter se desviado da forma como ele gostaria de apresentar o argumento.

5.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Qual foi o papel da sua equipe na preparação e execução do caso, e como você trabalhou com ela?

Jonathan I. Blackman: Embora a sustentação oral seja feita individualmente, a preparação é um processo eminentemente coletivo. Meus colegas participaram ativamente em todas as etapas, sobretudo nos treinos simulados da sustentação oral.

6.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Houve algum desenvolvimento inesperado durante a sustentação oral que lhe chamou atenção?

Jonathan I. Blackman: Meu adversário, que representava a parte em busca de uma ampla discovery, a nível mundial, apesar da restrição legal à execução apenas sobre bens da Argentina "nos Estados Unidos... usados para fins comerciais nos Estados Unidos", iniciou sua sustentação oral qualificando a Argentina como um "caloteiro" que se recusava a cumprir decisões judiciais norte-americanas. (Se tivesse cumprido, naturalmente não haveria controvérsia perante a Suprema Corte.) Eu já antecipava essa linha de argumento e a havia neutralizado parcialmente quando um dos Justices fez uma observação semelhante durante minha sustentação, ao que respondi destacando a necessidade de adotar princípios jurídicos neutros para definir o alcance da discovery, independentemente da identidade do réu ou dos motivos da inadimplência. Acrescentei que esperava que meu adversário insistisse nesse ponto, o que gerou risos entre os Justices. E, de fato, o advogado da parte contrária (com muito mais experiência do que eu advogando perante a Suprema Corte) iniciou sua fala com essa acusação, mas foi imediatamente interrompido pelo Chief Justice, que questionou sua relevância, reiterando depois que o argumento era irrelevante. Embora essa intervenção tenha sido positiva para a minha defesa, no final das contas a decisão foi desfavorável ao meu cliente: a Suprema Corte entendeu que a discovery não estava legalmente limitada aos bens efetivamente sujeitos à execução, ainda que, no meu sentir, o argumento do "devedor recalcitrante" possa ter influenciado de algum modo a Corte.

7.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Como os precedentes influenciaram seus argumentos e como o senhor respondeu às citações de casos passados feitas pela parte contrária?

Jonathan I. Blackman: Não havia precedentes da Suprema Corte que tratassem especificamente da questão de discovery em apoio à execução de bens de Estados soberanos. Assim, amparei-me nos argumentos que descrevi anteriormente, enquanto a parte contrária invocou a menção expressa, constante da história legislativa da FSIA, de que a lei não tinha a intenção de disciplinar questões de discovery, bem como defendeu, de forma mais ampla, que, ao menos na fase de discovery, não deveria estar limitada pelo comportamento recalcitrante do devedor em fornecer informações sequer remotamente relevantes acerca de eventuais bens passíveis de execução.

8.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Qual foi a reação dos Justices durante a sustentação oral e como interpretou as perguntas e os comentários endereçados ao senhor?

Jonathan I. Blackman: Além dos diálogos que já mencionei, a única questão que permanece marcante na minha memória diz respeito às Official Advisory Committee's Notes da Regra 69(a) das Federal Rules of Civil Procedure, a qual dispõe que a execução de decisão proferida pela Justiça Federal deve observar os procedimentos previstos na lei estadual do foro da execução, "salvo se houver legislação federal aplicável". As Official Advisory Committee's Notes apresentam longa lista de exemplos de leis que excluem determinados bens da execução. Defendi que não seria plausível admitir a discovery de tais bens à luz da Regra 69(b), a qual prevê que a produção de provas em apoio à execução pode ser obtida segundo os procedimentos estabelecidos pelas Federal Rules. Um dos Justices, que antes de integrar a Corte fora renomado professor de processo civil, questionou se não seria estranho permitir discovery sobre bens protegidos por essa longa lista de leis e, ao mesmo tempo, tratar de forma diversa os bens excluídos da execução pela FSIA. Ao fim e ao cabo, esse Justice foi o único a divergir no julgamento - concluído por 8 votos a 1 contra meu cliente.

9.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Após o caso, qual o senhor considera ter sido o impacto mais significativo da decisão da Suprema Corte para a Argentina e para o direito internacional?

Jonathan I. Blackman: A decisão da Corte produziu impacto imediato sobre o regime de discovery em apoio à execução de sentenças norte-americanas contra Estados estrangeiros. Esse efeito tem sido particularmente relevante em casos de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, suscitando diversas disputas nos tribunais dos EUA quanto à possibilidade de obtenção de provas em apoio à execução de tais decisões.

10.

Flávio Jardim, Rodrigo Becker, Gustavo Favero Vaughn: Refletindo sobre sua experiência, que conselho o senhor daria a outros advogados que almejam sustentar perante a Suprema Corte?

Jonathan I. Blackman: O fator mais importante para sustentar com êxito perante a Suprema Corte é fazê-lo o maior número de vezes possível. Há uma razão pela qual, para o bem ou para o mal, existe uma comunidade bastante restrita (e altamente autopromovida) de advogados especializados em atuação na Suprema Corte: a exposição frequente aos Justices e a familiaridade com suas preocupações jurídicas e pessoais é decisiva. Embora tais inclinações possam ser estudadas por meio da leitura de seus votos e outros escritos - ainda que não relacionados ao tema central de determinado caso -, a interação reiterada, em sustentação oral, no plenário da Corte, é extremamente valiosa. Independentemente de se integrar ou não esse círculo, a melhor preparação consiste em estudar cuidadosamente o caso em si, bem como os escritos dos Justices em geral, além de realizar sucessivas simulações de julgamento, a fim de lapidar os pontos centrais a serem defendidos e as respostas às questões mais prováveis de serem formulados.