Entre a eficiência e a ilicitude: A troca de informações concorrencialmente sensíveis sob a perspectiva do CADE
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado em 23 de julho de 2025 10:38
Um tema recorrente no CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica e artigos diversos sobre antitruste é a potencialidade ilícita da troca de informações sensíveis entre concorrentes1.
O art. 36 da lei 12.529/11 (LDC - lei de defesa da concorrência) estabelece como infração à ordem econômica o acordo, combinação, manipulação ou ajuste com concorrentes de informações sobre preços de bens ou serviços afetados ofertados individualmente, condições de oferta, divisão de mercado em partes ou segmentos, bem como preços, condições ou vantagens em licitações públicas2.
Não há uma previsão legal específica tipificando a troca de informações sensíveis entre agentes (concorrentes ou não) como ilícito concorrencial, mas a prática tem atraído grande atenção do CADE nos últimos anos e gerado uma série de investigações. Ainda que não configure um ilícito per se, a prática de trocar informações concorrencialmente sensíveis pode sim ser considerada uma infração à ordem econômica autônoma e isolada, independentemente da existência de um cartel.
Contudo, seria muito importante que se tivesse maior clareza sobre o que é efetivamente sensível a ponto de configurar uma infração à ordem econômica e ensejar investigação e condenação no CADE.
Ademais, a troca de informação pontual entre concorrentes em um pleito coletivo perante autoridade reguladora ou de defesa comercial, por vezes, faz parte até de um processo necessário, desde que limitada ao contexto do pleito.
A realização de atividades de benchmarking entre players de diferentes indústrias, mas com processos semelhantes, por vezes tem fim benéfico à coletividade ao buscar maior eficiência de produção ou mesmo aumentar padrões de segurança do trabalho. A coleta e divulgação de informações de mercado para produção de relatórios setoriais e inteligência de mercado também pode ser benéfica à concorrência de forma geral, pois ao reduzir a assimetria de informações, pode reduzir barreiras à entrada de novos agentes, estimular investimentos, dentre diversos outros benefícios3.
A falta de limites claros, contudo, gera elevado receio e uma certa confusão dos administrados acerca dos limites a serem observados para cumprir exemplarmente a legislação de defesa da concorrência. Evidência disso são as quatro investigações abertas pelo CADE em 2024 sobre a troca de informações sensíveis, sendo que duas delas envolvem a troca de informações de RH - Recursos Humanos4. Os grupos investigados em tais casos envolvendo informações de RH são compostos por empresas que, em sua maioria, atuam em mercados distintos e sequer podem ser consideradas concorrentes. Aparentemente, pelo tempo em que tais grupos estavam supostamente em funcionamento e a quantidade de empresas participantes, a prática de troca de informações naquele contexto era entendido pelos investigados como legítimo benchmarking, sem envolver necessariamente intenção de alinhamento que pudesse levar à formação de um cartel do mercado de trabalho.
Não obstante o interesse pelo tema da troca de informações sensíveis como conduta autônoma pareça recente, nos Estados Unidos da América o primeiro precedente que se dedicou de forma mais atenta ao tema remonta a 1921. Trata-se do caso American Column & Lumber Co. v. United States. Neste caso, diversos membros da associação de madeireiras (Hardwood Manufacturers Association) compartilhavam informações sensíveis de sua atividade econômica e suas visões sobre condições futuras de mercado a um "expert" que produzia relatórios com sugestões para preços e produção futuras. Logo, a conduta em questão era essencialmente de troca de informações sensíveis entre concorrentes que de alguma tinha o condão de influenciar as decisões futuras de cada agente. A Suprema Corte dos EUA decidiu, então, que o sistema de troca de informações sobre preços e produção configuraria uma conduta anticoncorrencial, mesmo sem que houvesse um acordo explícito sobre preços, confirmando a violação da seção 1 do Sherman Act, legislação americana aplicável ao tema.
No Brasil, embora ainda seja incerto como o CADE deverá se posicionar sobre as investigações em curso sobre o tema, decisão recente no contexto do julgamento do processo administrativo 08012.008859/2009-86, que investigou a formação de cartel no mercado de revenda de combustível na cidade de Brasília (caso conhecido como "Operação Dubai"), buscou dar algum norte acerca do potencial ofensivo da mera prática de troca de informações sensíveis não associada à formação de cartel.
Neste precedente, decidido em 25/6/25, além da investigação sobre a prática de cartel na revenda de combustíveis, o CADE examinou de forma específica a conduta de troca de informações sobre preços de compra de combustíveis e volumes de vendas entre redes de postos de combustíveis, pontuando o seguinte:
Como é sabido, ainda não há precedente do CADE que condene a troca de informações sensíveis como um ilícito autônomo. De toda forma, pode-se afirmar que há consenso de que essa prática deve ser alvo de análise das autoridades concorrenciais, ainda que a conduta não faça parte de um acordo mais amplo. Em 2011, a OCDE já reconheceu que a troca de informações entre concorrentes poderia se dar como uma conduta autônoma, e não apenas nos cenários em que a troca faz parte de um acordo mais amplo entre concorrentes, atuando como um fator facilitador da colusão e ou no contexto de acordos de cooperação, como joint ventures5.
Com relação especificamente ao tema da troca de informações sensíveis, o Conselho, sem se afastar da gravidade que a troca de informações entre concorrentes pode configurar em determinados casos, posicionou-se de forma a fortalecer o entendimento de que a prática não é ilícito per se e que cada caso deve ser avaliado de forma individual.
Ficou claro a partir do julgamento da Operação Dubai que é ponto fundamental para definir se a troca de informação pode infringir a concorrência ou não responder algumas questões como: (i) qual a finalidade da troca; e (ii) a informação trocada pode reduzir a incerteza sobre o comportamento dos agentes? Se a informação a ser trocada nitidamente tem o condão de influenciar um próximo passo estratégico do seu concorrente, ela não deve ser compartilhada.
Como lição - ainda parcial e sujeita a muitos ajustes num futuro próximo a depender do posicionamento do CADE em relação aos tantos casos em curso no Conselho hoje, tem-se que as práticas de benchmarking e troca de informações entre agentes de mercado não precisa necessariamente ser banida do dia a dia das empresas e associações brasileiras, mas requer grande cuidado e atenção.
1 Informações concorrencialmente sensíveis são aquelas que, se compartilhadas entre concorrentes, podem resultado na tomada de decisões conjuntas e/ou alinhamentos que prejudiquem a livre competição e favoreçam a formação de acordos ilícitos. São informações sensíveis concorrencialmente, por exemplo: preços, custos, dados de clientes e fornecedores, estratégias comerciais e previsões de comportamento futuro (projeções), dentre outras.
2 O rol de condutas do art. 36 da LDC não é exaustivo. Além disso, as condutas do art. 36 da LDC são consideras ilícitos concorrenciais na medida em que produzam ou possam produzir (potencialidade) os seguintes efeitos, ainda que não alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.
3 Sobre o tema, ver: Competitive Impacts of Information Exchange. Charles River Associates, 2004, Disponível aqui. Acesso em 18/7/25.
4 Em julho de 2024, foi aberta investigação sobre a troca de informações sensíveis no mercado internacional de veículos leves contra as empresas Audi, BMW, Porsche, Mercedes e Volkswagen.
Em setembro de 2024, foi aberto caso para investigar para a troca de informações sensíveis, cobertura de propostas em licitações e "no-poach" agreement no mercado de empilhadeiras
Já os casos de RH foram abertos em outubro de 2024 e envolvem diversas empresas nacionais e multinacionais.
5 Vide voto vogal do Conselheiro Victor Oliveira Fernandes no processo administrativo 08012.008859/2009-86.