Entre a lei e a realidade: A nova legislação penal, o combate ao feminicídio no Brasil e os 61 socos
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado em 5 de agosto de 2025 16:30
O feminicídio, entendido como o homicídio de mulheres em razão de sua condição de gênero ou em decorrência de violência doméstica ou familiar, reflete o extremo da violência estrutural e sistêmica contra a mulher. Apesar de previsto como tipo penal no ordenamento jurídico brasileiro desde a lei 13.104/15 - em que era uma forma qualificada do crime de homicídio -, o Brasil segue entre os países com maiores índices de feminicídios do mundo.
A persistência desse fenômeno motivou novas reformas legislativas, como a lei 14.550/23, que além de criar um tipo penal autônomo (art. 121-A do Código Penal), buscou dar tratamento mais severo, com um sancionamento mais alto de 20 a 40 anos de reclusão, além de outras causas de aumento e agravantes e reflexos diretos na execução penal. Além de majorar a pena do crime de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da lei 11.340/2006).
Apesar dos 10 anos da primeira previsão legal quanto ao crime de feminicídio e de quase 19 anos da lei Maria da Penha, de acordo com o Mapa da Segurança Pública de 2025, quatro mulheres são mortas, por dia no Brasil. E vejam, não estamos aqui contabilizando os casos de feminicídios tentados - em que o agressor não alcança seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade e nem os casos em que é dada pelas autoridades policiais e judiciárias uma classificação diversa em que se afasta o animus necandi.
De acordo com o Mapa de Segurança Pública - que traz dados compilados no ano de 2024 -, ocorreram 1.459 vítimas em 2024, contra 1.449 em 2023, ou seja, um crescimento de 0,69%. De forma mais clara, para que os leitores consigam entender a gravidade do problema dessa forma de violência contra as mulheres, a cada 100 mil mulheres, 1,34 caso de feminicídio foi registrado. E os números vêm crescendo desde 2020, quando foram 1.355 vítimas.
O relatório mais recente da ONU - Organização das Nações Unidas afirma que o feminicídio continua sendo uma verdadeira e silenciosa pandemia, dados de 2023 mostram que uma média de 140 mulheres e meninas são mortas todos os dias, em todo o mundo, por seus parentes próximos ou parceiros, o que significa uma de nós é morta a cada 10 minutos.
Sim, nós. Nós porque a violência contra a mulher - seja ela em razão do gênero, mas especialmente aquela em decorrência da violência doméstica ou familiar - é altamente "democrática". Não escolhe cor, raça, credo, classe social ou profissão. Falo isso, obviamente, sem deixar de ressaltar as interseccionalidades tão necessárias e que comprovam que as mulheres pretas são as maiores vítimas de tais violências.
Todavia, qualquer uma de nós pode ser vítima de um dos tipos de violência que exemplificativamente são colocados no art. 7º da lei 11.340/2006, a lei Maria da Penha, podemos ser aquela esposa que é jogada pela janela do seu apartamento após uma briga que começa na garagem do prédio, podemos ser aquela que estava tomando sol na piscina e que levou 1,2,3,4,5,6... 61 socos.
Todos conhecemos e ouvimos que o feminicídio é uma palavra relativamente nova para um fenômeno antigo: matar mulheres que não são vistas como seres humanos ou sujeitos de direitos, mas como objetos, pertences. Que esse crime decorre de causas sociais, históricas e culturais que impõem uma ideia de desigualdade entre homens e mulheres em decorrência de seu gênero.
Tão importante quanto continuarmos falando sobre a violência contra a mulher, para que não seja esquecida, seja pela sociedade, seja por aqueles que ocupam espaços de poder, é essencial que lutemos por medidas realmente preventivas: desde a educação de crianças, adolescentes e adultos sobre a equidade de gênero até aplicação de medidas protetivas de urgência, real acolhimento das vítimas por agentes de polícia e do estado e efetiva celeridade aos processos que tratam de questões de gênero, em especial, reconhecer que a aplicação dos protocolos existentes, em especial o de julgamento sob perspectiva de gênero não é uma opção, mas uma necessidade para que nenhuma outra de nós, ou nossas filhas ou mães, receba 61 socos no rosto.
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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, Brasília, 2006.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Lei do Feminicídio. Diário Oficial da União, Brasília, 2015^.
Disponível aqui.
MELLO, A.R. Feminicidio. Uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. Editora GZ, Rio de Janeiro, 3ª edição, 2020.
ONU MULHERES; SPM; SENASP. Feminicídios: diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília: ONU Mulheres, SPM e SENASP, 2016.